Temas diversos. Observar, pensar, sentir, fazer crítica construtiva e refletir sobre tudo que o mundo e a própria vida nos traz - é o meu propósito. Um pequeno espaço para uma visão subjetiva, talvez impregnada de utopia, mas, certamente, repleta de perguntas, questionamentos, dúvidas e buscas, que norteiam a vida de muitas pessoas nos dias de hoje.

As perguntas sobre a existência e a vida humana, sobre a fé, a Bíblia, a religião, a Igreja (sobretudo a Igreja Católica) e sobre a sociedade em que vivemos – me ajudam a buscar uma compreensão melhor desses assuntos, com a qual eu me identifico. Nessa busca, encontrando as melhores interpretações, análises e colocações – faço questão para compartilhá-las com os visitantes desta página.

Dedico este Blog de modo especial a todos os adolescentes e jovens cuja vida está cheia de indagações.
"Navegar em mar aberto, vivendo em graça ou não, inteiramente no poder de Deus..." (Soren Kierkegaard)

sábado, 30 de novembro de 2013

“Vigiai. Vivei despertos. Tende os olhos abertos. Estai alerta.” – Comentário de José Antonio Pagola. Muito bom!


O comentário abaixo, do padre e teólogo espanhol José Antonio Pagola, é muito bom.  Foi publicado no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU). Não deixe  de  ler.

WCejnog


Mt 24,37-44

Porque surgirão falsos cristos e falsos profetas, e farão tão grandes sinais e prodígios que, se possível fora, enganariam até os escolhidos. Eis que eu vo-lo tenho predito.
Portanto, se vos disserem: Eis que ele está no deserto, não saiais. Eis que ele está no interior da casa; não acrediteis. Porque, assim como o relâmpago sai do oriente e se mostra até ao ocidente, assim será também a vinda do Filho do homem. Pois onde estiver o cadáver, aí se ajuntarão as águias.

E, logo depois da aflição daqueles dias, o sol escurecerá, e a lua não dará a sua luz, e as estrelas cairão do céu, e as potências dos céus serão abaladas. Então aparecerá no céu o   sinal do Filho do homem; e todas as tribos da terra se lamentarão, e verão o Filho do homem, vindo sobre as nuvens do céu, com poder e grande glória.
E ele enviará os seus anjos com rijo clamor de trombeta, os quais ajuntarão os seus escolhidos desde os quatro ventos, de uma à outra extremidade dos céus.
Aprendei, pois, esta parábola da figueira: Quando já os seus ramos se tornam tenros e brotam folhas, sabeis que está próximo o verão.  Igualmente, quando virdes todas estas coisas, sabei que ele está próximo, às portas.

Em verdade vos digo que não passará esta geração sem que todas estas coisas aconteçam. O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não hão de passar.
Mas daquele dia e hora ninguém sabe, nem os anjos do céu, mas unicamente meu Pai.
E, como foi nos dias de Noé, assim será também a vinda do Filho do homem.

IHU – Notícias
Sexta, 29 de novembro de 2013.

Com os olhos abertos 
A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o
 Evangelho de Jesus Cristo segundo Mateus 24, 37-44 que corresponde ao Primeiro Domingo de Advento, ciclo A do Ano Litúrgico. O teólogo espanhol José Antonio Pagola comenta o texto.
  
Eis o texto









As primeiras comunidades cristãs viveram anos muito difíceis. Perdidos no vasto Império de Roma, no meio de conflitos e perseguições, aqueles cristãos procuravam força e alento esperando a pronta vinda de Jesus e recordando as suas palavras: Vigiai. Vivei despertos. Tende os olhos abertos. Estai alerta.

Significam, no entanto, algo para nós as chamadas de Jesus a viver despertos? Que é hoje para os cristãos colocar a nossa esperança em Deus vivendo com os olhos abertos? Deixaremos que se esgote definitivamente no nosso mundo secular a esperança numa última justiça de Deus para essa imensa maioria de vítimas inocentes que sofrem sem culpa alguma?

Precisamente, a forma mais fácil de falsear a esperança cristã é esperar de Deus a nossa salvação eterna, enquanto viramos as costas ao sofrimento que há agora mesmo no mundo. Um dia teremos que reconhecer a nossa cegueira ante Cristo Juiz: Quando te vimos faminto ou sedento, estrangeiro ou nu, doente ou na prisão, e não te assistimos? Este será o nosso diálogo final com Ele se vivemos com os olhos fechados.

Temos de despertar e abrir bem os olhos. Viver vigilantes para ver para lá dos nossos pequenos interesses e preocupações. A esperança do cristão não é uma atitude cega, pois não esquece nunca os que sofrem. A espiritualidade cristã não consiste só num olhar para o interior, pois o Seu coração está atento a quem vive abandonado à sua sorte.

Nas comunidades cristãs temos de cuidar cada vez mais que o nosso modo de viver a esperança não nos leve à indiferença ou ao esquecimento dos pobres. Não podemos isolar-nos na religião para não ouvir o clamor dos que morrem diariamente de fome. Não nos está permitido alimentar a nossa ilusão de inocência para defender a nossa tranquilidade.

Uma esperança em Deus, que se esquece dos que vivem nesta terra sem poder esperar nada, não pode ser considerada como uma versão religiosa de certo otimismo a todo custo, vivido sem lucidez nem responsabilidade? Uma busca da própria salvação eterna de costas aos que sofrem, não pode ser acusada de ser um sutil “egoismo profundo estendido para o além”?

Provavelmente, a pouca sensibilidade ao sofrimento imenso que há no mundo é um dos sintomas mais graves do envelhecimento do cristianismo atual. Quando o Papa Francisco reclama “uma Igreja mais pobre e dos pobres”, está a gritar a sua mensagem mais importante aos cristãos dos países do bem-estar.

Fonte:  IHU - Notícias

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

“Portanto, vigiai, porque não sabeis o dia em que virá o vosso Senhor. (Mt 24, 42) – Comentário de Asun Gutiérrez Cabriada.


O Advento marca o começo do Ano Litúrgico. As leituras bíblicas indicadas para servirem de reflexão neste domingo têm caráter escatológico. Às vezes encontramos dificuldades para  compreendê-las melhor e assimilar a sua mensagem.
O comentário abaixo que trago hoje para o blog Indgações-Zapytania, de Asun Gutiérrez Cabriada,  é muito interessante e certamente pode ser bastante útil para todos nós.
Não deixe de  ler.
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[Os interessados pedem ler esse texto em apresentação de PPS, acessando o site das Monjas Beneditinas de Montesserrat: Benedictinascat/Montesserrat. Trabalho muito bonito!]
 


“Saí ao encontro do Senhor que vem”
Assim que o Advento é um tempo de despertar se estamos adormecidos, de avivar a fé.
É muito importante, contudo, recordar que este não é um tempo de ameaças.
Dizemos: “Vem o Senhor!” E alguns parece que o dizem com horror, como se estivesse para vir o desastre, como se fosse necessário esconder-se. Pelo contrário.
Vem o Senhor! Que alegria! Deus está conosco, Deus é o Libertador.
Já alguma vez tiveste a experiência de ver amanhecer?
É de noite e está escuro, mas adivinha-se já um certo resplendor mais claro...
Vem a luz, vem o sol, e sentimo-nos bem, sentimo-nos cheios de esperança.

Esta é a mensagem do Advento:
“Alegra-te, porque chega a tua Luz”.

José Enrique Galarreta

COMENTÁRIO

Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos:
“Como aconteceu nos dias de Noé,
assim sucederá na vinda do Filho do homem.
Nos dias que precederam o dilúvio, comiam e bebiam,
casavam e davam em casamento,
até ao dia em que Noé entrou na arca;
e não deram por nada, até que veio o dilúvio,
que a todos levou.
Assim será também na vinda do Filho do homem.

Os capítulos 24 e 25 do Evangelho de Mateus fazem parte do quinto e último discurso, chamado de escatológico. A sua finalidade não é descrever o futuro, mas orientar-nos para o nosso futuro:]Deus e o seu Reino.
A curiosidade do quando, do como, não é fundamental.  O que importa é a atitude com a qual vivemos o presente, todos os acontecimentos da vida quotidiana, aqui e agora. Jesus vem sempre, está a vir continuamente à nossa vida, nas pessoas que encontramos, no trabalho, na comunidade, no nosso interior...
Vem o Senhor! Vem a Luz, vem iluminar-nos o caminho e encher-nos de esperança.
Então, de dois que estiverem no campo,
um será tomado e o outro deixado;
de duas mulheres que estiverem a moer com a mó,
uma será tomada e a outra deixada.

Esperar Jesus não significa fazer prognósticos sobre o fim do mundo, mas viver o presente com lucidez, confiança e responsabilidade. Sem alarmismo nem conformismo.
Velar, vigiar,  é escutar o latido da vida, trabalhar, dia a dia,  para que a obra que Jesus começou chegue a seu termo. Dar-lhe a conhecer com a nossa vida, estando atentos aos anseios de paz, de justiça, de solidariedade. Sabendo sempre que na alegria, na dor, em todas as circunstâncias e em todos os acontecimentos, Jesus está conosco.
A Palavra de Jesus, longe de provocar medo ou angústia, é Fonte de confiança, paz e alegria interior. É anúncio da sua presença e da sua libertação.
Portanto, vigiai, porque não sabeis o dia
em que virá o vosso Senhor.
Compreendei isto: se o dono da casa soubesse
a que horas da noite viria o ladrão,
estaria vigilante e não deixaria arrombar a casa.
Por isso, estai vós também preparados,
porque na hora em que menos pensais,
virá o Filho do homem.

Celebrar o Advento supõe uma atitude de atenção, vigilância e espera ativa, não viver adormecidos, angustiados, despreocupados nem com medo.
Compete-nos viver em esperança e despertando esperança. Não é um ladrão que nos vem assustar e despojar. 

O Deus que vem é o que esperamos, o que ansiamos, em quem confiamos, aquele que sai ao nosso encontro, o que nos busca, nos compreende, nos liberta, nos acolhe, nos cura, nos ama, nos enche de vida, alegria, luz e paz.

CREMOS
Cremos em Jesus de Nazaré, 
que não pregou leis nem sistemas,
mas o Reino de Deus.
Cremos em Jesus.
À sua luz e com a sua força, podemos viver, trabalhar,
sofrer e morrer neste mundo,
de forma verdadeiramente humana,
sustidos por Deus,
empenhados até ao fim na luta pelo ser humano.
Cremos em Jesus,
esperamos o Reino que anunciou
e comprometemo-nos a trabalhar sem descanso
para levar a toda a humanidade este Reino.

Hans Küng
 

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Reflexões ao final do ano litúrgico


Trago hoje para o blog Indagações-Zaptania um artigo muito interessante e bem apropriado para uma época de fim de ano como esta que temos agora. O autor, José Lisboa Moreira de Oliveira, escreve com muito acerto sobre as atitudes e a realidade  de vida de muitos cristãos que correndo atrás de "milagres" e prodígios, na realidade demonstram  a sua ignorância e uma concepção de fé que tem pouco a ver com a fé verdadeiramente cristã. A questão torna-se ainda mais grave quando se constata a existência de pessoas ou setores de instituições  eclesiásticas que apóiam e alimentam esse tipo de fenômenos de procura de ‘milagres’  para obter ganhos e lucros materiais. Podemo-nos indagar: seria isso de acordo com o Evangelho de Jesus Cristo? ...  É óbvio que não!

O artigo foi publicado recentemente no seu blog.
Não deixe de ler! .
WCejnóg 

À cata de milagres e de prodígios

José Lisboa Moreira de Oliveira
Filósofo, teólogo, escritor, conferencista e professor universitário

Tem circulado na mídia informações de que o Vaticano não reconheceu nada de sobrenatural nas assim chamadas aparições marianas de Medjugorje. O próprio papa Francisco parece ter se pronunciado sobre fatos semelhantes, chamado a atenção para o perigo de uma fé que se reduz a essa busca de milagres e de prodígios, à busca de fenômenos espetaculares.

A liturgia da Palavra desse período de conclusão e de início de ano litúrgico nos oferece a possibilidade de refletir sobre o assunto. De fato as leituras bíblicas desse período costumam enfocar a temática do fim, das coisas últimas, das etapas finais da vida humana e do cosmo; daquilo que na teologia chamamos de escatologia. Porém, o que mais se destaca nas leituras é a alerta para o risco de uma religiosidade que vive à cata de coisas espetaculares. Os textos bíblicos desse período parecem nos dizer que a fé cristã se contenta com as realidades mais simples, não sendo necessário nenhum espetáculo fora do comum para nos convencer do amor e da bondade de Deus. Um dos textos lidos dias atrás durante a liturgia da missa dizia exatamente o seguinte: “O Reino de Deus não vem ostensivamente. Nem se poderá dizer: ‘Está aqui’ ou ‘está ali’, porque o Reino de Deus está no meio de vocês” (Lc 17,20-21).

A humanidade de todos os tempos foi sempre tentada a buscar fora dela mesma as respostas para os seus problemas. Segundo os antropólogos, a religião nasce exatamente dessa busca do ser humano. O cristianismo quebra essa dinâmica quando proclama e crê que não precisamos incomodar os deuses para resolvermos os nossos problemas. Jesus vem para nos dizer que o Reino de Deus está no meio de nós. Em outras palavras: a partir da vinda do Filho do Homem não precisamos mais correr atrás do espetacular e do maravilhoso, pois a solução de nossos problemas está aqui mesmo. Não há necessidade de correr atrás de curas e de milagres.

No cristianismo Deus inverte as coisas. Ele se faz humano, arma uma tenda no meio de nós e passa a caminhar conosco. Com isso rejeita a falaciosa tática de determinadas religiões e religiosidades que obrigavam os humanos a se curvarem diante dos deuses e a implorarem manifestações espetaculares. Aliás, em Cristo, Deus se torna muito mais radical. Assume a fragilidade humana. Ao invés de se mostrar grandioso, potente, glorioso, ele prefere a via da fraqueza e da impotência. O evangelista João expressa isso muito bem quando afirma que “o verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14). Fazer-se “carne” (em grego: sárx) significa tornar-se fraco, insignificante, pequeno, frágil.

No cristianismo o caminho de libertação, de cura e de salvação não está mais nas teofanias, ou seja, nas manifestações grandiosas das divindades, mas na vivência diária do seguimento de um pobre carpinteiro. Por isso todas as vezes que o povo correu atrás de Jesus, querendo prodígios e milagres, ele se recusou a fazê-los e tomou distância da multidão (Jo 6,15). O Mestre se recusava terminantemente a ser um profissional do sagrado e a exercer o papel de curandeiro e fazedor de milagres. Quando o povo começa a correr atrás dele, imaginando que fosse mais um daqueles embusteiros curadores e fabricantes de milagres, ele despacha a multidão e provoca desilusão, afirmando claramente que não veio a esta terra para realizar prodígios. Deixa bem claro que a multidão deve mudar de perspectiva (Jo 6,26-27). Por esse motivo muitos dos que antes se proclamavam discípulos deixaram de andar com ele (Jo 6,66).

Quando, na cruz, foi provocado a provar que era Filho de Deus e lhe pediram para realizar um prodígio, Jesus não cedeu à tentação. Preferiu relevar a sua divindade na fraqueza, não descendo espetacularmente da cruz, como queriam aqueles que o insultavam (Mc 15,29-32). Foi isso que levou o apóstolo Paulo a afirmar que a grande teofania ou manifestação do Deus dos cristãos se deu num caminho descendente, mas de rebaixamento. O Filho abre mão da condição divina, assume a natureza humana, torna-se servidor da humanidade, aceita morrer como todo ser vivo e, pior ainda, aceita morrer da maneira mais terrível e ignominiosa para a sua época: a morte de cruz (Fl 2,6-8).

As considerações feitas mostram que essa cata de milagres e de prodígios que se espalhou pela Igreja Católica e entre algumas Igrejas evangélicas vai na contramão do cristianismo e da prática de Jesus. Fere profundamente a essência do seguimento. Por isso estou plenamente convencido de que esses santuários e lugares de curas e de milagres não são nada mais do que espaços de exploração da situação do povo sofrido e oprimido. Servem apenas para trazer muito dinheiro, status e poder para determinadas pessoas. Conheço muitos desses santuários e lugares de milagres, tanto aqui no Brasil como na Europa. E a prova de que são espaços de exploração da fragilidade do povo é o comércio e o dinheiro que rola nesses lugares. Lembro-me de ter ficado profundamente chocado quando estive em Lurdes, na França. A exploração (venda de produtos) começava dentro da própria gruta de Massabielle e se espalhava por toda a cidade. A única coisa que me consolou naquele lugar foi a fé das pessoas, especialmente dos doentes.

Geralmente a desculpa usada para justificar a existência desses lugares é de que ali o povo simples manifesta a sua crença e de que é necessário acolher tal manifestação de fé. Mas isso é “conversa para boi dormir”, pois o comércio, a exploração e a manipulação da fé negam tudo isso. Nos santuários os milagres só existem para os que dispõem de dinheiro para viajar até lá em romaria e para comprar pelo menos uma vela a ser acesa ali. Vela essa que depois de derretida volta para a fábrica onde é refeita e revendida infinitamente. Jesus não construiu nenhum santuário, embora no seu tempo existissem muitos com a mesma finalidade dos que existem hoje. O livro do Apocalipse afirma que na nova Jerusalém não havia santuário (Ap 21, 22).

Cabe aos profetas de hoje, como aqueles de ontem, educar o povo e preveni-lo contra esse tipo de religiosidade exploradora. Diante do desejo de sucesso e de fama de alguns padres e pastores curandeiros, que lucram fortunas com isso, é preciso, como fez Jesus, enxotá-los dos templos (Jo 2,13-22) e mostrar que a proclamação do Evangelho passa bem longe dessas coisas (Mc 1,36-39).

É verdade que o povo, vivendo na precariedade, esquecido pelas autoridades políticas e religiosas, vítima da ausência de políticas públicas sérias, estará sempre à cata de milagres e prodígios. Isso já acontecia no tempo de Jesus. Mas isso não justifica o multiplicar-se de visões, aparições, santuários, basílicas etc. etc. Infelizmente, quando o povo pobre vai atrás dessas coisas, os ricos, inclusive os eclesiásticos, logo se aproveitam para explorar a fé simples das pessoas e ganhar muito dinheiro com isso. Não é por acaso que os maiores divulgadores dos santuários milagreiros e das supostas aparições são os donos das agências de viagens, especialmente daquelas dirigidas pelos “pios devotos” patrocinadores das televisões católicas.


Deveríamos aproveitar deste período litúrgico de conclusão e de início de ano litúrgico para reafirmar que o Reino de Deus não está ali ou acolá (em Aparecida, Trindade, Bom Jesus da Lapa, Juazeiro do Norte, Caravaggio, Fátima, Canção Nova, Lurdes etc.etc.), mas está dentro de cada um de nós. Deveríamos dizer que não precisamos correr atrás de milagres e de prodígios, não precisamos visitar nenhum santuário ou lugar de milagres, pois Deus habita em nós e nos atende sempre que pedirmos com fé (Jo 15,16). E aos que insistem em continuar catando milagres, a resposta pedagógica deveria ser a mesma de Jesus: “Não busquem o alimento perecível, mas o alimento que permanece para a vida eterna” (Jo 6,27).

sábado, 23 de novembro de 2013

“Reinar sem poder.” - Artigo de José Antonio Pagola.


“Senhor,  lembra-te de mim, quando entrares no teu reino. E disse-lhe Jesus: Em verdade te digo que hoje estarás comigo no Paraíso.”  (Lc 23, 42-43)


O Ano Litúrgico está terminando. A festa de Cristo Rei sempre constitui um marco forte na caminhada das comunidades eclesiais como também na vida de todos os cristãos. E por ser uma data especial, também é uma ocasião para fazer uma  boa reflexão. O texto do Evangelho segundo Lucas (23, 35-43) é muito apropriado para isto.
                                                                                                        
O comentário abaixo é do padre e teólogo  espanhol Josè Antonio Pagola.  Foi publicado no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).
Não deixe de  ler.
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ihu - Notícias

Lembra-te de mim

 

A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo segundo Lucas 23, 35-43 que corresponde a Festa de Cristo Rei, ciclo C do Ano Litúrgico. O teólogo espanhol José Antonio Pagola comenta o texto.





Comentário

Segundo o relato de Lucas, Jesus agonizou em meio às zombarias e ao desprezo daqueles que o rodeavam. Ninguém parece ter entendido sua vida. Ninguém parece ter captado sua entrega aos que sofrem, nem seu perdão aos culpáveis. Ninguém viu no seu rosto o olhar compassivo de Deus. Neste momento, ninguém parece perceber naquela morte nenhum mistério.

As autoridades religiosas caçoam dele com gestos depreciativos: “A outros ele salvou. Que salve agora a si mesmo. Se é de fato o Messias de Deus, ‘o Escolhido!’, Deus virá em sua defesa”.

Também os soldados aderem às zombarias. Eles não acreditam em nenhum Enviado de Deus. Eles riem do letreiro que Pilatos mandou colocar na cruz: “Este é o Rei dos judeus”. É absurdo que alguém possa reinar sem poder. Ele deve demonstrar sua força salvando-se a si mesmo.

Jesus permanece calado, porém não desce da cruz. Que faríamos nós se o Enviado de Deus procurasse sua própria salvação fugindo da cruz que o une para sempre a todos os crucificados da história? Como poderíamos acreditar num Deus que nos abandonasse para sempre à nossa sorte?

De repente, em meio a tantas zombarias e desprezo, acontece uma surpreendente invocação: “Jesus, lembra-te de mim, quando entrares em teu Reino”. Não é um discípulo nem um seguidor de Jesus. É um dos criminosos crucificados junto dele. Lucas o propõe como exemplo admirável de fé no Crucificado.

Este homem a ponto de morrer executado sabe que Jesus é um homem inocente, que não fez nada mais que o bem para todos. Intui na sua vida um mistério que escapa dele, mas está convencido de que Jesus não será derrotado pela morte. De seu coração nasce uma súplica: somente pede a Jesus que não o esqueça. Só Jesus pode fazer alguma coisa por ele.

Jesus responde imediatamente: “Hoje mesmo você estará comigo no Paraíso”. A partir deste momento os dois estão unidos na angústia e na impotência, mas Jesus o acolhe como companheiro inseparável. Os dois morreram crucificados, mas entraram juntos no mistério de Deus.

Em meio à sociedade descrente de nossos dias, muitos vivem confusos. Não sabem se acreditam ou não acreditam. Quase sem sabê-lo, levam no seu interior uma pequena e frágil fé. Às vezes, sem entender por que nem como, sobrecarregados pelo peso da vida, invocam Jesus à sua maneira.

“Jesus, lembra-te de mim”, e Jesus escuta-os: “Você estará sempre comigo”. Deus tem seus caminhos para encontrar cada pessoa, e nem sempre é por onde indicam os teólogos. É decisivo ter um coração que escute a própria consciência.



sexta-feira, 22 de novembro de 2013

"Os índios Awá-Guajá precisam de ajuda.” – Reportagem de Ivana Ebel. É urgente divulgar!


Uma reportagem muito oportuna e esclarecedora sobre a grave situação do povo indígena Awá. Esta etnia hoje necessita de apoio de toda a sociedade brasileira para garantir a sua sobrevivência. Não se pode ficar “cruzando os braços” diante desta situação. O apelo dos Awá-Guajá precisa ser divulgado amplamente e com urgência.
A reportagem foi publicada no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU). Não deixe de ler!
WCejnog


IHU - Notícias

Expulsão de madeireiros das terras dos índios Awá pode levar a conflito armado

 

Operação de retirada de invasores das terras Awá, uma das etnias mais ameaçadas do mundo, deve acontecer em dezembro. No interior do Maranhão, funcionários da Funai recebem constantes ameaças de morte.

A reportagem é de Ivana Ebel e publicada pelo sítio Deutsche Welle, 20-11-2013.   

 A reportagem


Uma guerra está anunciada no interior do Maranhão. Índios da etnia Awá-Guajá, apontados como os mais ameaçados do mundo pela ONG Survival International, estão dispostos a morrer em defesa de seu território, invadido por madeireiros.

A Fundação Nacional do Índio, Funai, reconhece a situação. Cerca de 700 pessoas habitam ilegalmente as terras dos indígenas, declarada dos Awá em 1992 e homologada em 2005. A equipe da fundação no local informou que autoridades policiais e do Exército já estiveram no região para determinar a estratégia da desintrusão – a retirada de não índios. A operação, que deve acontecer em dezembro, pode se transformar em um conflito armado.

"Os índios Awá-Guajá precisam de ajuda. Os madeireiros vêm e destroem isso tudo e os índios não têm mais como viver. Eles não têm resistência orgânica, eles não têm força de reação, eles só têm uma flechazinha que eles fazem há mil anos. Eles precisam de nós", afirma José Pedro dos Santos, da Frente de Proteção Etnoambiental Awá-Guajá da Funai, em entrevista à DW Brasil.

Zé Pedro, como é conhecido, trabalha há 40 anos com esses índios na base instalada a 20 quilômetros da sede do município maranhense de São João do Caru, distante 400 quilômetros da capital São Luiz. Ele convive com ameaças constantes de morte e, junto com o batalhão da polícia ambiental no local, tem armas pesadas para se defender.

A situação dos Awá ganhou destaque internacional e vai ocupar treze páginas da tradicional revista Vanity Fair, que chega às bancas em dezembro, com imagens do fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado.

Guerra anunciada

"Os madeireiros ameaçam por telefone, mandam recado, mas não vêm aqui. Usam ameaças veladas, divulgam na rádio que isso aqui não tem razão de ser e que as forças federais não vão intimidá-los. Eles vão enfrentar", garante José Pedro. A percepção de quem convive diariamente com os Awá é a de que o problema é grave. "Os caras vão matar a gente aqui. E matando a gente, eles matam os Awá-Guajá, não tenho dúvida", alerta o funcionário da Funai.

A sede da Funai, em Brasília, não confirma datas para a desintrusão da área indígena, mas assegura que a invasão traz "graves prejuízos para a sobrevivência dos Awá". A missionária Madalena Borges Pinheiro, do Conselho Indigenista Missionário do Maranhão, também está na expectativa de que as ações de desintrusão ocorram até o final do ano. Segundo ela, a questão territorial é o problema mais sério enfrentado por esse grupo, que ainda mantém hábitos nômades.

Embora estejam fixados em quatro aldeias – Tiracambu, com 59 índios; Awá, onde vivem 174; Juriti, com 60, e Cocal, com 106 –, os índios dependem da caça, pesca e da coleta de frutas para viver. Além dos 399 índios acompanhados pela Funai, existem registros de outros Awá ainda não contatados na mesma região. "Eles não falam português. Eles não são lavradores. É uma nação que ainda não evoluiu dentro do contexto urbano", explica o técnico da Funai.

Índios encurralados

Sarah Shenker, ativista da Survival International, que há 40 anos acompanha a situação dos indígenas no Brasil, com atenção especial aos Awá, explica que a questão territorial é fundamental para esse grupo indígena. "A terra Awá está sendo devastada muito rapidamente", denuncia. A entidade estima que um terço de toda a área já tenha sido queimada ou desmatada. Ela própria esteve no local e constatou que o espaço é cada vez menor para que os índios sobrevivam da caça.

Os problemas de sobrevivência da etnia começaram logo depois do primeiro contato com não índios. A construção da Estrada de Ferro Carajás, na década de 1980, abriu caminho para a chegada de madeireiros e outros invasores. No entanto, o direito dos índios a essas terras – entre os municípios de Centro Novo do Maranhão, Governador Newton Bello, São João do Caru e Zé Doca – é reconhecido pelo governo brasileiro desde 1961.

Números decrescentes

Antes do contato, os Awá já foram mais de mil. Uma mescla de fatores contribuiu para o encolhimento da população, explica Sarah Shenker. "Quando a ferrovia atravessou a terra dos Awá, muitos não indígenas massacraram famílias inteiras. Outros morreram de doenças que não existiam quando viviam isolados", afirma.

Além disso, a exploração da floresta tem encurralado os Awá. "A região toda respira madeira. E madeira ilegal", assegura José Pedro dos Santos, da Funai. Segundo ele, entidades ambientais e o próprio Exército têm ajudado a fechar algumas serrarias, mas a área é muito grande para um controle pequeno. "É uma dimensão continental de ações e as estradas são muito precárias, onde só os madeireiros andam, por causa dos caminhões", contextualiza. "Mas nós estamos enfrentando, mesmo correndo risco de vida. O idealismo de fazer é muito maior do que o medo de ser agredido", diz em tom de apelo.

Conforme a missionária Madalena Pinheiro, o argumento dos madeireiros e de ruralistas é de que a extensão de terra seria muito grande para poucos indivíduos. Ela explica que essa afirmação não leva em conta o modo de vida dos Awá e que existe muita pressão pela permanência de não índios nas terras já demarcadas. "É preciso tirar quem se apossou de má fé", enfatiza. No entanto, Madalena reconhece que os 399 índios contados pela Funai não têm força política e de mobilização o suficiente para fazerem valer seus direitos.
Nômades e coletores
Os Awá não são guerreiros. "É um povo amoroso e acolhedor", define a missionária que até ganhou um nome indígena, Matakina. Segundo ela, apenas os mais jovens falam português, e apenas os homens. "É uma questão social. As mulheres são encarregadas de preservar as tradições", explica. Ela aprendeu awá – uma língua da família do tupi-guarani – para trabalhar junto as comunidades, onde passa vários períodos por ano.

Em seu dia a dia, os índios vivem em grupos familiares e saem por vários dias para pescar e caçar. Quando abatem um animal de maior parte, fazem a refeição em comunidade. Comem a carne assada – moquiada, como se diz na aldeia – ou cozida inteira. "Os mais velhos distribuem entre os mais novos", comenta. Apenas o cozido leva sal, ingrediente que os Awá conheceram depois dos primeiros contatos, na década de 1970.
Ação internacional
Madalena conta que os Awá sofrem com a questão territorial, mas não entendem exatamente o trabalho que entidades internacionais fazem em nome da etnia. Ela própria elogia a atuação da Survival International e diz que sem pressão internacional a solução para o problema é mais complicada. Conforme Sarah Shenker, este é exatamente o papel da Survival e que a ONG está pressionando o governo brasileiro por soluções.

O ensaio fotográfico feito por Sebastião Salgado que será publicado pela Vanity Fair é uma parceria com a Survival para que a situação dos Awá seja conhecida mundo afora. A entidade explica que apoiou a logística da reportagem, mas que o financiamento do trabalho foi discutido entre a revista e o fotógrafo. O trabalho anterior de Salgado, Gênesis, foi financiado pela mineradora Vale (uma das empresas responsáveis pela Estrada de Ferro Carajás), o que foi criticado por ambientalistas do mundo inteiro.

Para José Pedro dos Santos, da Funai, no entanto, esta é uma chance de socorro. Ele acompanhou a visita de Salgado à aldeia Juriti e as conversas com os indígenas, antes das fotos. Segundo ele, os próprios índios teriam pedido ao fotógrafo que mostrasse ao mundo a situação deles e um dos índios teria dito: "Nós precisamos de ajuda ou vamos todos morrer lutando."


quinta-feira, 21 de novembro de 2013

“As brasas vivas da teologia da libertação”. Artigo de Carlo Molari. Vale a pena ler!


Mais um artigo muito esclarecedor sobre o tema da Teologia da Libertação. Foi publicado no mês passado no  site do Instituto Humanitas Unisinos  (IHU).


Acho que sempre é muito bom ter a possibilidade e a oportunidade de conhecer ‘mais de perto’ os assuntos mais discutidos hoje em dia  ou os temas sobre os quais existem diferentes opiniões, inclusive até opiniões  opostas.


Trago para o blog Indagações este artigo, que  é de autoria de Carlo Molari, para ajudar na sua  divulgação e, ao mesmo tempo, facilitar o acesso à  sua  leitura às pessoas interessadas. Acredito que quanto mais conhecemos um assunto, tanto mais chance temos em elaborar  sobre ele uma opinião justa e coerente, que corresponda à verdade.

Não deixe de ler!

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IHU  – Notícias

Sexta, 11 de Outubro de 2013.


As brasas vivas da teologia da libertação. Artigo de Carlo Molari



Alguns fatos recentes revelam a autêntica teologia da libertação que todos na Igreja hoje reconhecem como legítima. 


A opinião é do teólogo italiano Carlo Molari, sacerdote e ex-professor das universidades Urbaniana e Gregoriana de Roma, em artigo publicado na revista Rocca, n. 19, 01-10-2013.



 A tradução é de Moisés Sbardelotto.


Eis o texto.



Há alguns meses floresceu o interesse público pela teologia da libertação. Nos dias 7 a 11 de outubro de 2012, em São Leopoldo, na universidade dos padres jesuítas no Brasil, ocorreu um Congresso Continental de Teologia. Estavam presentes os principais teólogos latino-americanos. Faltava apenas Gustavo Gutiérrez, que se encontrava nos Estados Unidos para uma série de palestras na Universidade Notre Dame de Washington. Mas ele discursou, saudado por um caloroso aplauso, em uma vídeo-conferência sobre o perene valor da teologia que tem como eixo central a opção preferencial pelos pobres: "Hoje a melhor resposta que podemos dar é a solidariedade com os pobres".


Na mesma ocasião, Leonardo Boff desenvolveu o aspecto ecológico (a "pobreza crucificada da Mãe Terra"), enquanto outros retomaram o tema do diálogo inter-religioso.


No mesmo mês, na Itália, foi apresentada uma nova edição do livro Dialogo della Liberazione, de Arturo Paoli, pertencente à comunidade de Spello dos Irmãozinhos do Evangelho, mas residente, de fato, em San Martino di Vignale, onde fundou o Centro Charles de Foucauld nas colinas com vista a Lucca, sua diocese de origem. A edição original da obra, que o padre Arturo Paoli escreveu na Argentina entre os lenhadores da floresta de Fortin Olmos, em 1969, foi publicada no mesmo ano pela editora Morcelliana, da Bréscia: o livro teve sete edições e foi traduzido em quatro línguas (espanhol, português, inglês, francês). A nova edição contém, além do prefácio histórico de Sergio Soave, dois testemunhos preciosos: o do uruguaio Julio Saquero, ex-irmãozinho que viveu com Paoli na Argentina entre os anos 1960 e 1970, e o de Miguel Ángel Sevilla, "Miquicho", o interlocutor argentino de Arturo Paoli no Dialogo.


Nas últimas semanas, por fim, os principais jornais italianos relataram a notícia de uma ampla resenha escrita no L'Osservatore Romano pelo diretor das Edizioni Messaggero de Pádua sobre a tradução italiana de um livro que reúne três longos artigos do padre dominicano Gustavo Gutiérrez e quatro capítulos do atual prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, o cardeal Gerhard Ludwig Müller.


O livro é intitulado: Dalla parte dei Poveri. Teologia della liberazione, teologia della Chiesa (Edizioni Messaggero-Emi, Pádua-Bolonha, 2013). O livro foi publicado na Alemanha em 2004, por iniciativa do cardeal Müller, quando ele ainda era simples bispo de Regensburg. Ele se voltou para o seu amigo teólogo Gustavo Gutiérrez, residente em Lima, para lhe propor a coleção de alguns dos seus escritos sobre a teologia da libertação, que apareceram em revistas latino-americanas nos anos 1994 a 1996, e para acrescentar quatro estudos do próprio prelado.


De fato, em ambos os lados foram ilustradas as teses principais da teologia de Gustavo Gutiérrez, sacerdote da diocese de Lima, que desde 2001 entrou para a Ordem Dominicana.

A pobreza

O tema principal da reflexão de Gustavo Gutiérrez é o sentido da pobreza evangélica, "um problema complexo e poliédrico" (p. 60). De fato, há uma pobreza real ou material injusta e contrária à vontade de Deus, há uma pobreza espiritual, escolhida livremente para mostrar o valor ilusório das coisas e a centralidade de Deus ("infância espiritual") e há uma escolha solidária de proximidade aos pobres para ajudá-los a sair da sua condição de marginalização e de insignificância.


"Medellín captou com autoridade essa distinção (Medellín, Pobreza n. 4), que adquiriu assim um enorme valor" (p. 118). A reflexão crítica sobre a experiência dessa solidariedade vivida na fé constitui, justamente, a teologia da libertação resumida na fórmula "opção preferencial pelos pobres".


A fórmula "nascida da experiência e da prática das comunidades cristãs latino-americanas, se expressou inicialmente em Medellin e foi acolhida explicitamente em Puebla" (p. 13). O padre Gutiérrez sublinha que "tal abordagem faz parte hoje (...) do magistério universal da Igreja" (p. 13) e, de fato, já foi antecipada por João XXIII no discurso de 11 de setembro de 1962, quando ele desejava que o Concílio Vaticano II apresentasse "a Igreja de todos e, principalmente, a Igreja dos pobres".


O padre Gutiérrez nota que essa mensagem foi "ouvida e aprofundada ainda mais na América Latina e no Caribe" (p. 55), de modo que a reflexão desenvolvida a partir de então constitui hoje "o que há de mais essencial na contribuição da vida da Igreja na América Latina e da teologia da libertação à Igreja universal" (p. 58).


Ele está convencido de que "a teologia da libertação nasceu do desafio que representa para a fé a enorme e desumana pobreza existente na América Latina e no Caribe. Por isso, os seus primeiros esboços foram uma reflexão sobre o significado bíblico dos diferentes tipos de pobreza e uma avaliação, à luz da fé, do compromisso de evangelização dos cristãos e de toda a Igreja com os pobres" (pp. 134s., capítulo 5, Dove dormiranno i poveri?, pp 111-174).


A pobreza material não é apenas a falta dos bens necessários a uma existência digna dos filhos de Deus, mas é também a condição pela qual um sujeito "é o insignificante, aquele que é considerado uma não pessoa, alguém a quem não é reconhecida a plenitude dos direitos como ser humano" (p. 60).


Outra perspectiva é a descoberta do "pobre como 'o outro' de uma sociedade que se constrói às margens ou contra os seus direitos mais elementares, alheia à sua vida e aos seus valores. Assim, a história escrita a partir desse 'outro' (partindo, por exemplo, da mulher) se transforma em uma história outra. No entanto, reler a história poderia parecer um exercício puramente intelectual, se não entendermos que também significa refazê-la" (pp. 60-61).


"Esse universo em evolução, que em grande parte subverte e transforma os valores das culturas tradicionais, condiciona a experiência vivida da fé e o anúncio do Reino; é, portanto, um ponto de partida histórico para uma reflexão teológica" (p. 63).


Por isso, "é necessário vencer a obstinação de ver na pobreza no mundo atual somente um problema social, o que significaria ignorar o que esse doloroso sinal dos tempos pode nos dizer" (p. 59). Reconhecê-lo é a principal tarefa do teólogo como discípulo de teologia de Jesus. "A teologia como reflexão sobre a práxis (...) constitui justamente o coração do discipulado. As suas duas grandes e interligadas dimensões, a oração e o compromisso histórico, formam aquilo que no Evangelho de Mateus se chama de fazer 'a vontade do Pai' em oposição a um simples dizer 'Senhor, Senhor' (7, 21)" (pp 68-69).


Os teólogos devem conhecer bem e ter em mente "o terreno comum a partir do qual partem e no qual escorrem as nossas linguagens e as nossas reflexões: o dos insignificantes, o da sua libertação integral e o da boa notícia de Jesus dirigida preferencialmente a todos eles" (p. 63). A essa complexa situação correspondem "três níveis no conceito de libertação": libertação social, política, econômica, cultural; libertação da pessoa com relação aos seus diversos aspectos; libertação do pecado (...) É aquilo que, na Teologia da Libertação, é chamado de libertação total em Cristo. Puebla adverte que "a unidade indissolúvel desses três planos" implica que "o mistério da morte e ressurreição de Jesus Cristo é deve ser vivido nos três planos (...) sem tornar exclusivo nenhum deles" (Puebla n . 326) (pp. 10 -11).


Segundo Gutiérrez, "a pergunta fontal – 'como dizer ao pobre, ao último da sociedade que Deus o ama?' – demonstrou a sua própria fecundidade na ação pastoral da Igreja e no caminho teológico empreendido para responder a ele" (p. 9). Ela implica o conhecimento rigoroso da realidade e das causas da pobreza injusta. Esses dados tornam mais eficaz a nossa opção pastoral, possibilitam uma reflexão teológica aprofundada e também despertam a "espiritualidade, isto é, o seguimento de Jesus Cristo que é 'o caminho, a verdade e a vida' (Jo 14, 6 )" (p. 17).


"No próprio coração da opção preferencial pelos pobres, há um elemento espiritual da experiência do amor gratuito de Deus. A rejeição da injustiça e da opressão que ela implica está ancorada na nossa fé no Deus da vida" (p. 69).


A preocupação do cardeal Gerhard Ludwig Müller é diferente, mas complementar. Ele pretende mostrar que a teologia da libertação é verdadeira teologia e que, se ela recorre às ciências sociais, é apenas para melhor responder às próprias exigências de esclarecer "o novo, o original ponto de partida da teologia da libertação" (p.77).


"A sua pergunta de fundo é orientada teologicamente e soa assim: como se pode falar de Deus, de Cristo, do Espírito Santo, da Igreja, dos sacramentos, da graça e da vida eterna diante da pobreza, da exploração e da opressão dos seres humanos no terceiro mundo e tendo em conta o fato de que nós considerarmos o homem como um ser criado à imagem de Deus, para o qual Cristo morreu, para que ele experimente Deus como salvação e vida em todos os âmbitos da sua existência?" (p. 79).


Essa é a autêntica teologia da libertação que todos na Igreja hoje reconhecem como legítima.