Temas diversos. Observar, pensar, sentir, fazer crítica construtiva e refletir sobre tudo que o mundo e a própria vida nos traz - é o meu propósito. Um pequeno espaço para uma visão subjetiva, talvez impregnada de utopia, mas, certamente, repleta de perguntas, questionamentos, dúvidas e buscas, que norteiam a vida de muitas pessoas nos dias de hoje.

As perguntas sobre a existência e a vida humana, sobre a fé, a Bíblia, a religião, a Igreja (sobretudo a Igreja Católica) e sobre a sociedade em que vivemos – me ajudam a buscar uma compreensão melhor desses assuntos, com a qual eu me identifico. Nessa busca, encontrando as melhores interpretações, análises e colocações – faço questão para compartilhá-las com os visitantes desta página.

Dedico este Blog de modo especial a todos os adolescentes e jovens cuja vida está cheia de indagações.
"Navegar em mar aberto, vivendo em graça ou não, inteiramente no poder de Deus..." (Soren Kierkegaard)

terça-feira, 29 de julho de 2014

Na Amazônia, ditadura matou mais índios do que guerrilheiros. Artigo de José Ribamar Bessa Freire. Precisa ser lido!


“O relatório é um bom começo, porque evidencia que os índios precisam de uma Comissão da Verdade não apenas para os 21 anos de ditadura militar, mas para os 514 anos de História em que crimes foram e continuam sendo cometidos contra eles. Assim, podem surgir praças de maio dentro das malocas, cobrando mudanças radicais na política indigenista do país.” (do artigo abaixo)

Hoje trago para o blog Indagações-Zapytania mais um artigo acerca da questão indígena no Brasil, no período da ditadura militar.

Penso que toda a sociedade brasileira precisa conhecer a verdade histórica em relação às políticas de extermínio dos povos indígenas nesta terra, onde eles eram os primeiros habitantes, promovidas pelos governos deste país. As tentativas de minimizar esses crimes ou ignorá-los, hoje não têm mais cabimento. Nenhuma desculpa é capaz de justificar esse extermínio dos indígenas no passado e reparar os danos. Esta é a verdade!

Lamentavelmente, ainda hoje existe muita violência contra eles, e pior, contando com o apoio ou omissão do poder público. E isso não pode continuar. É preciso sensibilizar e conscientizar a sociedade brasileira, para que o Brasil procure tratá-los daqui para frente, com justiça e respeito. É preciso, hoje, ouvir a voz desses povos!

O artigo, de autoria do professor José Ribamar Bessa Freire (UNI-Rio), foi publicado no mês  de junho de 2014 no blog Amazônia/ Terra Magazine  e, posteriormente, também no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).

Não deixe de ler!
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Notícias » Notícias
Quarta, 04 de junho de 2014

Na Amazônia, ditadura matou mais índios do que guerrilheiros

"No Brasil, vários movimentos nos fizeram ouvir a voz de quem foi silenciado. No entanto, como ninguém entende línguas indígenas, nem se interessa por aprendê-las, não se escuta o clamor dos índios, seja de mães indígenas por seus filhos ou de índios por seus pais desaparecidos. Desta forma, os índios, sempre invisíveis na historia do Brasil, ficaram de fora das narrativas e não figuram nas estatísticas dos desaparecidos políticos. Na floresta, não há praças de maio", escreve  José Ribamar Bessa Freire, professor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNI-Rio) e coordenador do Programa de Estudos dos Povos Indigenas, em artigo publicado no blog Amazônia/Terra Magazine, 01-06-2014.


Eis o artigo.

Na Argentina, elas foram reprimidas por baionetas quando indagaram, em 1977, pelos filhos presos. Os generais golpistas debocharam: "son las locas de Plaza de Mayo". Obstinadas, não desistiram, continuaram ocupando a Praça de Maio, desfilando o seu protesto semanal diante da Casa Rosada e da catedral até que, finamente, reconhecidas pela sociedade, contribuíram para o fim da ditadura e a prisão dos torturadores.

No Brasil, vários movimentos nos fizeram ouvir a voz de quem foi silenciado. No entanto, como ninguém entende línguas indígenas, nem se interessa por aprendê-las, não se escuta o clamor dos índios, seja de mães indígenas por seus filhos ou de índios por seus pais desaparecidos. Desta forma, os índios, sempre invisíveis na historia do Brasil, ficaram de fora das narrativas e não figuram nas estatísticas dos desaparecidos políticos. Na floresta, não há praças de maio.

Mas agora isso começa a mudar. Relatório do Comitê Estadual da Verdade do Amazonas, que será em breve publicado pela Editora Curt Nimuendajú, de Campinas (SP), começou a mapear os estragos, comprovando que na Amazônia, mais do que militantes de esquerda, a ditadura eliminou índios, entre outros, Cinta-Larga e Surui (RO/MT), Krenhakarore na rodovia Cuiabá-Santarém, Kanê ou Beiços-de-Pau do Rio Arinos (MT), Avá-Canoeiro (GO), Parakanã e Arara (PA), Kaxinawa e Madiha (AC), Juma, Yanomami e Waimiri-Atroari (AM/RR).

O foco do primeiro relatório, de 92 páginas, já encaminhado à Comissão Nacional da Verdade (CNV), incide sobre os Kiña, denominados também como Waimiri-Atroari, cujos desaparecidos são conhecidos hoje por seus nomes, graças a um trabalho cuidadoso que ouviu índios em suas línguas, consultou pesquisadores e indigenistas, fuçou arquivos e examinou documentos, incluindo desenhos que mostram índios metralhados por homens armados com revólver, fuzil, rifles, granadas e cartucheira, jogando bombas sobre malocas incendiadas.

Os desaparecidos

De noite, nas malocas, os sobreviventes narram a história da violência sofrida, que começou a ser escrita e ilustrada por crianças alfabetizadas na língua Kiña pelos professores Egydio e Doroti Schwade com o método Paulo Freire. O casal morou com quatro filhos pequenos na aldeia Yawará, sul de Roraima, em 1985 e 1986, antes de ser expulso pelo então presidente da Funai, Romero Jucá, lacaio subserviente das empresas mineradoras.

Durante esse período, Egydio registrou, com ajuda de Doroti, as narrativas contadas às crianças por adultos que testemunharam os fatos.

Os primeiros textos escritos por recém-alfabetizados, ilustrados por desenhos, revelaram "o método e as armas usadas para dizimá-los: aviões, helicópteros, bombas, metralhadoras, fios elétricos e estranhas doenças. Comunidades inteiras desapareceram depois que helicópteros com soldados sobrevoaram ou pousaram em suas aldeias" – diz o relatório.

Com a abertura da rodovia BR-174 e a entrada das empresas mineradoras, muitas aldeias foram varridas do mapa. "Pais, mães e filhos mortos, aldeias destruídas pelo fogo e por bombas. Gente resistindo e correndo pelos varadouros à procura de refúgio em aldeia amiga. A floresta rasgada e os rios ocupados por gente agressiva e inimiga. Esta foi a geografia política e social vivenciada pelo povo Kiña desde o início da construção da BR-174, em 1967, até sua inauguração em 1977" – segundo o relatório.

Alguns sobreviventes refugiados na aldeia Yawará conviveram durante dois anos com Egydio e Doroti. Lá, todas as pessoas acima de dez anos eram órfãs, exceto duas irmãs, cuja mãe ainda vivia. O relatório transcreve a descrição feita pelo índio Panaxi:

"Civilizado matou com bomba" – escreve Panaxi ao lado do desenho, identificando os mortos com seus nomes: Sere, Podanî, Mani, Priwixi, Akamamî, Txire, Tarpiya. A eles se somaram outros de uma lista feita por Yaba: Mawé, Xiwya, Mayede – marido de Wada, Eriwixi, Waiba, Samyamî – mãe de Xeree, Pikibda, a pequena Pitxenme, Maderê, Wairá – mulher de Amiko, Pautxi – marido de Woxkî, Arpaxi – marido de Sidé, Wepînî – filho de Elsa, Kixii e seu marido Maiká, Paruwá e sua filha Ida, Waheri, Suá – pai de Warkaxi, sua esposa e um filho, Kwida – pai de Comprido, Tarakña e tantos outros.

Quem matou

A lista é longa, os mortos têm nomes, mas às vezes são identificados pelo laço de parentesco: “a filha de Sabe que mora no Mrebsna Mudî, dois tios de Mário Paruwé, o pai de Wome, uma filha de Antônio”, etc.   O relatório se refere ao "desaparecimento de mais de 2.000 Waimiri-Atroari em apenas dez anos".

Na área onde se localiza hoje a Mineradora Taboca (Paranapanema) desapareceram pelo menos nove aldeias aerofotografadas pelo padre Calleri, em 1968, em sobrevoos a serviço da FUNAI. Os alunos da aldeia Yawará desenharam casas e escreveram ao lado frases como:

- Apapa takweme apapeme batkwapa kamña nohmepa [o meu pai foi atirado com espingarda por civilizado e morreu] – escreveu Pikida, ao lado do desenho que ilustra o fato.
- Taboka ikame Tikiriya yitohpa. Apiyamyake, apiyemiyekî? [Taboca chegou, Tikiria sumiu, por que? Por que?]

A resposta pode ser encontrada no ofício 042-E2-CONF. do Comando Militar da Amazônia, de 21/11/1974, assinado pelo General Gentil Nogueira, que recomendava o uso da violência armada contra os índios, segundo o relatório encaminhado à Comissão Nacional da Verdade.

Um mês e meio depois, o sertanista Sebastião Amâncio da Costa, nomeado chefe de Frente de Atração Waimiri-Atroari (FAWA), em entrevista ao jornal O Globo (06/01/1975), assumiu de público as determinações do general Gentil, declarando que faria “uma demonstração de força dos civilizados que incluiria a utilização de dinamite, granadas, bombas de gás lacrimogêneo e rajadas de metralhadoras e o confinamento dos chefes índios em outras regiões do País”.

O resultado de toda essa lambança é descrito por Womé Atroari, em entrevista à TV Brasil, relatando um ataque aéreo a uma aldeia e outros fatos que presenciou:
- Foi assim tipo bomba, lá na aldeia. O índio que estava na aldeia não escapou ninguém. Ele veio no avião e de repente esquentou tudinho, aí morreu muita gente. Foi muita maldade na construção da BR-174. Aí veio muita gente e pessoal armado, assim, pessoal do Exército, isso eu vi. Eu sei que me lembro bem assim, tinha um avião assim um pouco de folha, assim, desenho de folha, assim, um pouco vermelho por baixo, só isso. Passou isso aí, morria rapidinho pessoa. Desse aí que nós via.

Os tratores que abriam a estrada eram vistos pelos índios como tanques de guerra. “Muitas vezes os tratores amanheciam amarrados com cipós. Essa era uma maneira clara de dizer que não queriam que as obras continuassem. Como essa resistência ficou muito forte, o Departamento Estadual de Estradas de Rodagem do Amazonas-DER-AM, inicialmente responsável pela construção, começou a usar armas de fogo contra os indígenas”.

Sacopã e Parasar

O relatório informa que “as festas que reuniam periodicamente os Waimiri-Atroari foram aproveitadas pelo Parasar para o aniquilamento dos índios”. Conta detalhes. Registra ainda o desaparecimento de índios que se aproximaram, em agosto de 1985, do canteiro de obras da hidrelétrica do Pitinga, então em construção:

“É muito provável que tenham sido mortos pela Sacopã, uma empresa de jagunços, comandada por dois ex-oficiais do Exército e um da ativa, subordinado ao Comando Militar da Amazônia, empresa muito bem equipada, que oferecia na época serviços de “limpeza” na floresta à Paranapanema no entorno de seus projetos minerais. Os responsáveis pela empresa foram autorizados pelo Comando Militar da Amazônia a manter ao seu serviço 400 homens equipados com cartucheiras 20 milímetros, rifle 38, revolveres de variado calibre e cães amestrados”.

Os autores do relatório dão nomes aos bois, esclarecendo que quem comandava a Sacopã no trabalho de segurança da Mineração Taboca/Paranapanema e no controle de todo acesso à terra indígena eram dois militares da reserva: o tenente Tadeu Abraão Fernandes e o coronel reformado Antônio Fernandes, além de um coronel da ativa, João Batista de Toledo Camargo, então chefe de polícia do Comando Militar da Amazônia.

É Rondon de cabeça pra baixo: "Matar ainda que não seja preciso; morrer nunca", num processo iniciado com o colonizador e ainda não concluído. Na Amazônia, o cônego Manoel Teixeira, irmão do governador Pedro Teixeira, em carta ao rei de Portugal, em 5 de janeiro de 1654, escrita no leito da morte, declara que “no espaço de trinta e dois anos, são extintos a trabalho e a ferro, segundo a conta dos que ouviram, mais de dois milhões de índios de mais de quatrocentas aldeias”.

O relatório é um bom começo, porque evidencia que os índios precisam de uma Comissão da Verdade não apenas para os 21 anos de ditadura militar, mas para os 514 anos de História em que crimes foram e continuam sendo cometidos contra eles. Assim, podem surgir praças de maio dentro das malocas, cobrando mudanças radicais na política indigenista do país.



sexta-feira, 25 de julho de 2014

A decisão mais importante. – Reflexão de José Antonio Pagola. Bem atual!


“O Reino dos céus é também semelhante a um tesouro escondido num campo. Um homem o encontra, mas o esconde de novo. E, cheio de alegria, vai, vende tudo o que tem para comprar aquele campo.
O Reino dos céus é ainda semelhante a um negociante que procura pérolas preciosas. Encontrando uma de grande valor, vai, vende tudo o que possui e a compra.” (Mt 13, 44-46)

A mensagem das parábolas do tesouro e da pérola valiosa sempre nos parece tão simples e óbvia... Mas, será que realmente entendemos qual é o recado que Jesus dirige aqui a todos os seus discípulos e, portanto, também a cada um de nós? – Eis a pergunta!

Sobre isso trata o texto que hoje trago para o blog Indagações-Zapytania. É uma reflexão curta, porém, muito concreta, que tem como fundo o texto Mt 13, 44-46.  É de autoria do padre e teólogo espanhol José Antônio Pagola. Foi publicada no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).
Não deixe de ler.

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IHU – Notícias
Sexta, 25 de julho de 2014.
                                       
A decisão mais importante

A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo segundo Mateus 13, 44-52 que corresponde ao 17º Domingo do Tempo Comum, ciclo A do Ano Litúrgico. O teólogo espanhol José Antonio Pagola comenta o texto.

Eis o texto


 O evangelho recolhe duas breves parábolas de Jesus com uma mesma mensagem. Em ambos os relatos, o protagonista descobre um tesouro enormemente valioso ou uma pérola de valor incalculável. E os dois reagem do mesmo modo: vendem com alegria e decisão o que têm, e ficam com o tesouro ou a pérola. Segundo Jesus, assim reagem os que descobrem o reino de Deus.

Ao que parece, Jesus teme que as pessoas o sigam por interesses diversos, sem descobrir o mais atrativo e importante: esse projeto apaixonante do Pai, que consiste em conduzir a humanidade para um mundo mais justo, fraterno e feliz, encaminhando-o assim para a sua salvação definitiva em Deus.

Que podemos dizer hoje depois de vinte séculos de cristianismo? Por que tantos cristãos bons vivem encerrados na sua prática religiosa com a sensação de não ter descoberto nela nenhum “tesouro”? Onde está a raiz última dessa falta de entusiasmo e alegria em não poucos âmbitos da nossa Igreja, incapaz de atrair para o núcleo do Evangelho a tantos homens e mulheres que se vão afastando dela, sem renunciar por isso a Deus nem a Jesus?

Depois do Concílio, Paulo VI fez esta afirmação rotunda: ”Só o reino de Deus é absoluto. Tudo o mais é relativo”. Anos mais tarde, João Paulo II reafirmou-o dizendo: “A Igreja não é ela o seu próprio fim, pois está orientada para o reino de Deus do qual é gérmen, sinal e instrumento”. o Papa Francisco vem repetindo: “O projeto de Jesus é instaurar o reino de Deus”.

Se esta é a fé da Igreja, por que há cristãos que nem sequer ouviram falar deste projeto que Jesus chamava “reino de Deus”? Por que não sabem que a paixão que animou toda a vida de Jesus, a razão de ser e o objetivo de toda a sua atuação, foi anunciar e promover esse projeto humanizador do Pai: procurar o reino de Deus e a Sua justiça?

A Igreja não pode renovar-se desde a sua raiz se não descobre o “tesouro” do reino de Deus. Não é o mesmo chamar os cristãos a colaborar com Deus no seu grande projeto de fazer um mundo mais humano, do que viver distraídos em práticas e costumes que nos fazem esquecer o verdadeiro núcleo do Evangelho.

O Papa Francisco nos diz que “o reino de Deus reclama-nos”. Este grito nos leva desde o coração do Evangelho. Temos que escutá-lo. Seguramente, a decisão mais importante que temos de tomar hoje na Igreja e nas nossas comunidades cristãs é a de recuperar o projeto do reino de Deus com alegria e entusiasmo.

Fonte: IHU - Notícias 

quarta-feira, 23 de julho de 2014

“Estudando a matéria, encontro o espírito” (Pierre Teilhard de Chardin). Artigo de Maurizio Gronchi.



Abaixo, um artigo muito interessante que recorda a pessoa de Pierre Teilhard de Chardin* e fala dos principais traços do seu pensamento. O texto foi publicado recentemente no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).

Acredito que a coragem de Teilhard de Chardin em pensar diferente, sem mêdo, é o que nele mais merece a nossa admiração. Foi justamente esse aspecto que sempre mais me impressionava.

É uma leitura fascinante. Vale a pena ler!
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IHU – Notícias
Terça, 15 de julho de 2014.

“Estudando a matéria, encontro o espírito.” O pensamento de Pierre Teilhard de Chardin.

Se a visão de Teilhard de Chardin foi capaz de descerrar o horizonte cósmico de Cristo como o versus unum (sentido em que também se poderia entender o termo "uni-verso"), por outro lado, a história e o universo continuam mantendo contradições irredutíveis à harmonia, à comunhão, à paz.

A análise é do teólogo e padre italiano Maurizio Gronchi, professor da Pontifícia Universidade Urbaniana e consultor da Congregação para a Doutrina da Fé, do Vaticano. O artigo foi publicado no jornal L'Osservatore Romano, 29-12-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Em perspectiva teológica, hoje cada vez mais, o interesse pelo componente dinâmico e evolutivo do universo e do homem reconhece o precursor no jesuíta francês Pierre Teilhard de Chardin (1881-1955).

Sem dúvida, a ciência e a fé devem a esse extraordinário estudioso uma contribuição decisiva para as possibilidades de um diálogo, embora nos seus respectivos âmbitos, para além de ingênuos concordismos e recorrentes leituras opositivas.

Acima de tudo, merece ser retomado o controverso e doloroso Monitum publicado pelo Santo Ofício no dia 30 de junho de 1962: "Certas obras do Pe. Pierre Teilhard de Chardin, incluindo também algumas póstumas, são publicadas e encontram um favor nada pequeno. Independentemente do devido juízo no que se refere às ciências positivas, em matéria de filosofia e teologia, vê-se claramente que as obras mencionadas encerram tais ambiguidades e até mesmo erros tão graves que ofendem a doutrina católica".

Como comentário ao breve texto, apareceu no L'Osservatore Romano do mesmo dia um artigo sem assinatura, intitulado "Pierre Teilhard de Chardin e o seu pensamento no plano filosófico e religioso", que explicava as razões da condenação e da peremptória advertência, porque as suas obras filosóficas e teológicas, ao contrário das de caráter científico, em cujo mérito não se entrava, continham ambiguidades perigosas e graves erros.

Apesar da severidade dos juízos expressados sobre o método e sobre o pensamento do jesuíta, o artigo pretendia salvar a memória da pessoa: "Nós queremos admitir que Teilhard, pessoa privada, teve uma vida espiritual intensa. Não pretendemos, evidentemente, mover apontamentos contra a pessoa, mas ao método, ao pensamento".
Hoje, a meio século do Monitum, dirigido particularmente aos responsáveis pela formação intelectual dos candidatos ao sacerdócio, pode-se dizer que – independentemente das boas intenções pessoais e de significativas e válidas intuições – o pensamento de Pierre Teilhard de Chardin não era livre de certas lacunas e dificuldades, mais do que de "ambiguidades perigosas e graves erros".

De fato, o Monitum não impediu que se reconhecessem indubitáveis méritos à contribuição de Teilhard, assim como que se conduzissem sérios e serenos estudos críticos sobre o seu pensamento – o que aconteceu e continua acontecendo no presente, com bons frutos e desafios sempre novos.

O primeiro a apreciar publicamente e com coragem a figura de Teilhard foi Paulo VI, que, no dia 24 de fevereiro de 1966, por ocasião da visita a um estabelecimento farmacêutico romano, assim se expressou, segundo a notícia publicada no L'Osservatore Romano (26 de fevereiro): "Um célebre cientista afirmava: ''Quanto mais eu estudo a matéria, mais encontro o espírito. (…) E o Santo Padre cita Teilhard de Chardin, que deu uma explicação do universo e, entre tantas fantasias, tantas coisas inexatas, soube ler dentro das coisas um princípio inteligente que deve ser chamado de Deus".

Pouco mais tarde, o teólogo Joseph Ratzinger, na seção cristológica da sua Introdução ao Cristianismo (1968), a propósito da relação entre Jesus e a humanidade inteira, dedicava ao jesuíta uma atenção positiva, nos seguintes termos: "Impõe-se reconhecer como importante mérito de Teilhard de Chardin o ter repensado essas interligações do ponto de vista da hodierna cosmovisão e, não obstante certa perigosa tendência para o biológico, tê-las compreendido corretamente, em seu conjunto e, em todo caso, tê-las tornado de novo acessíveis." [segundo a tradução do Pe. José Wisniewski Filho; São Paulo: Herder, 1970].

O valor da contribuição de Teilhard consiste – segundo Ratzinger – na compreensão do universo orientado em direção a um ponto transcendente e pessoal, onde o homem é "como um ente que pertence a um 'Superego', que o não apaga, mas o envolve; somente em tal fusão pode revelar-se a forma do homem futuro, quando o 'ser-homem' encontrar-se totalmente no ponto final de si mesmo. Deve-se reconhecer que, sob o enfoque da cosmovisão moderna e envolvido em vocabulário por vezes de forte sabor biológico, Teilhard conseguiu apreender o rumo da cristologia paulina".

Para Ratzinger, a intuição teilhardiana vale por ser capaz de entrever no Cristo-Ômega o ponto de vista unificante e escatológico da humanidade. A esse ganho real – ou seja, da nova compreensão de Cristo na atual concepção do mundo – pode-se perdoar a simpatia pelo vocabulário biologista, pois, do ponto de vista do conteúdo, nele se encontra uma substancial coerência com a cristologia de Paulo.
No entanto, a essa avaliação positiva, anos depois, quando Ratzinger já era prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, seguia a tomada de distância de um dos significativos corolários da visão de Teilhard: a consistência do pecado original.

Assim, o cardeal, no livro-entrevista com Vittorio Messori (1985), dizia: "Em uma hipótese evolucionista do mundo (aquela a qual, na teologia, corresponde um certo 'teilhardismo') obviamente não há lugar para qualquer 'pecado original'. Este, no máximo, é apenas uma expressão simbólica, mítica, para indicar as falhas naturais de uma criatura como o homem, que, de origens imperfeitíssimas, vai rumo à perfeição, vai rumo à realização completa. Aceitar essa visão, no entanto, significa inverter a estrutura do cristianismo: Cristo é transferido do passado ao futuro; redenção significa simplesmente caminhar rumo ao futuro como necessária evolução rumo ao melhor. (…) Porém, essas dificuldades de origem mais ou menos 'científica' não são ainda a raiz da atual crise do 'pecado original'. (…) Devemos estar conscientes de que também estamos diante de pré-compreensões e de pré-decisões de caráter filosófico".

Com tal tomada de distância de um certo teilhardismo – e não diretamente de Teilhard –, Ratzinger pretendia se referir às dificuldades científicas e sobretudo filosóficas que surgiam em relação ao pecado original. Tanto que, no dia 24 de julho de 2009, em uma homilia em Aosta, Bento XVI voltava a Teilhard, desta vez em chave positiva: "A função do sacerdócio é consagrar o mundo para que se torne hóstia viva, para que o mundo se torne liturgia: que a liturgia não seja uma coisa ao lado da realidade do mundo, mas que o mundo mesmo se torne hóstia viva, se torne liturgia. É a grande visão que, depois, Teilhard de Chardin também teve: no fim, teremos uma verdadeira liturgia cósmica, onde o cosmos se torna hóstia viva".

Portanto, nenhum problema sobre o futuro, mas sim sobre o passado, ou seja, sobre a interpretação da queda original. Confirmando uma progressiva, embora implícita, reabilitação do jesuíta, também é preciso lembrar a carta em nome de João Paulo II, que, em 1981, pelo centenário do nascimento de Teilhard, o cardeal Casaroli, secretário de Estado, tinha enviado uma carta para Paul Poupard, reitor do Institut Catholique de Paris, na qual ele apreciava a tentativa do estudioso de conciliar fé e razão, não excluindo, além disso, "o estudo crítico e sereno, seja no plano científico quanto no filosófico e teológico, de uma obra fora do comum".

Como prova de uma recepção positiva da perspectiva teilhardiana, deve-se relembrar ao menos três lugares significativos do ensinamento magisterial onde se assume o caráter dinâmico e evolutivo do plano salvífico divino. O Concílio Vaticano II, na constituição Gaudium et spes (n. 5), de fato, afirma: "A humanidade passa, assim, de uma concepção predominantemente estática da ordem das coisas para outra, preferentemente dinâmica e evolutiva; daqui nasce uma nova e imensa problemática, que exige novas análises e novas sínteses".

E no Catecismo da Igreja Católica (n. 310), lemos: "Deus quis livremente criar um mundo 'em estado de caminho' para a perfeição última. Esse devir implica, no desígnio de Deus, juntamente com o aparecimento de certos seres, o desaparecimento de outros; o mais perfeito, com o menos perfeito; as construções da natureza, com as suas destruições. Com o bem físico também existe, pois, o mal físico, enquanto a criação não tiver atingido a perfeição".

Com tais afirmações chegava-se a reconhecer a válida intuição de fundo de Teilhard como compatível com a fé cristã, a ponto de encorajar uma resposta à pergunta de João Paulo II contida na carta ao jesuíta George V. Coyne, diretor da Specola Vaticana (1º de junho de 1988): "Uma perspectiva evolucionista pode contribuir para lançar luz sobre a teologia antropológica, sobre o significado da pessoa humana como 'imago Dei', sobre o problema da cristologia – e também sobre o desenvolvimento da própria doutrina?".

Em suma, um século e meio depois da publicação do livro de Charles Darwin, The Origin of Species (1859) sobre a evolução, pode-se dizer que o evolucionismo científico não foi considerado pela teologia como incompatível com a sua própria compreensão, como, ao contrário, poderia aparecer em uma época marcada pela desconfiança recíproca entre ciência e fé.

A esse respeito, no rastro de Teilhard de Chardin, devem se colocar outras contribuições relevantes, entre os quais, sob um perfil mais antropológico e cristológico, emerge a contribuição de Karl Rahner. Com o propósito de incluir a cristologia na concepção evolucionista do mundo, Rahner esclarece que não tinha a intenção de deduzir o dogma da Encarnação dessa visão do mundo, com o risco de transformar a Revelação em filosofia, nem de mostrar a sua incompatibilidade, equivalente a um estranhamento da doutrina cristológica em relação à cultura contemporânea.

Vice-versa, trata-se de "pôr em relevo a íntima afinidade que liga as duas realidades, aquela certa similaridade estilística que elas têm, e, por fim, a possibilidade de uma mútua coordenação de que são suscetíveis".

Graças à Teilhard, já parece consolidada a recuperação das raízes neotestamentárias da criação em Cristo e da orientação cósmica rumo à sua perfeição escatológica, assim como da perspectiva das "sementes do Verbo", provenientes de autores antigos como Justino e Clemente de Alexandria.

Nesse quadro, a obra do Pai não é só a criação, mas também a construção progressiva do universo, que vai rumo a um fim (cf. Hb 3, 4); nesse desígnio, há um centro, Cristo, cuja perfeição pessoal se cumpriu através de um processo marcado pelo sofrimento (cf. Hb 5, 8-9).

Hoje, cada vez mais, surge de modo poderoso a necessidade de reconhecer os "frutos do Verbo", amadurecidos nas culturas e em meio aos povos que trazem os traços de uma história de salvação que os abraça, através de tantos sofrimentos e pobreza.
Se a visão de Teilhard foi capaz de descerrar o horizonte cósmico de Cristo como o versus unum (sentido em que também se poderia entender o termo "uni-verso"), por outro lado, a história e o universo continuam mantendo contradições irredutíveis à harmonia, à comunhão, à paz.

Por isso, onde reconhecer os frutos maduros do Verbo encarnado, crucificado e ressuscitado, se não naquela cruz do homem e do mundo em que – como se lê na Gaudium et spes (n. 22) – permanece e se perpetua o mistério pascal?

Fonte: IHU - Notícias

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*  Pierre Teilhard de Chardin nasceu em Orcines, na França, em 1º de maio de 1881 e faleceu em Nova Iorque, aos 10 de abril de 1955. Padre jesuíta, teólogo, filósofo e paleontólogo francês, Chardin é conhecido por construir uma visão integradora entre ciência e teologia.

Criado em uma família profundamente católica, Chardin entrou para o noviciado da Companhia de Jesus em Aix-en-Provence no ano de 1899 e para o juniorado em 1900, em Laval. Teve que deixar a França e os seus estudos prosseguiram na ilha de Jersey, Inglaterra, onde cursou Filosofia e Letras. Licenciou-se neste curso em 1902. Entre 1905 e 1908 foi professor de física e química no colégio jesuíta da Sagrada Família do Cairo, no Egito, onde teve oportunidade de continuar suas pesquisas geológicas, iniciadas na Inglaterra. Seus estudos de teologia foram retomados em Ore Place, de 1908 a 1912. Ordenou-se sacerdote em 1911.

Entre 1912 e 1914 cursou paleontologia no Museu de História Natural de Paris. Foi a sua porta de entrada na comunidade científica. Durante seus estudos teve a oportunidade de visitar os sítios pré-históricos do noroeste da Espanha, entre eles, a Caverna de Altamira.

Durante a Primeira Guerra Mundial, foi carregador de maca dos feridos e depois capelão em diversas frentes de batalha. Passada a Guerra, retomou os estudos em Paris, onde obteve o doutorado em 22 de março de 1922 na Universidade de Sorbonne. Em 1920 tornara-se professor de geologia no Instituto Católico de Paris. Em 1922, escreveu Nota sobre algumas representações históricas possíveis do pecado original, que gerou um dossiê pela Santa Sé, acusando-o de negar o dogma do pecado original. Teve que assinar um texto que exprimia este dogma do ponto de vista ortodoxo e foi obrigado a abandonar a cátedra em Paris e embarcar para Tianjin na China. Este fato marcará uma nova etapa da sua vida: o silêncio sobre temas eclesiais e teológicos que duraria o resto da sua vida.

Em Pequim, realizou diversas expedições paleontológicas, e em 1929 participou da descoberta e estudo do sinantropo - o homem de Pequim. Também realizou pesquisas em diversos lugares do continente asiático, como o Turquestão, a Índia e a Birmânia. Em Pequim, escreveu sua obra prima: O Fenômeno Humano.

Em 1946 retornou a Paris. Seus textos mimeografados continuavam a circular e suas conferências lotavam os auditórios. Foi convidado a lecionar no Collège de France. Entre 1949 e 1950 deu cursos na Sorbonne que geraram a obra O grupo zoológico humano. Em 1950 foi eleito membro da Academia de Ciências do Instituto de Paris.
Teilhard de Chardin faleceu em 10 de abril de 1955, num domingo de Páscoa, em Nova Iorque.

Obras de Teilhard de Chardin
Cartas a Léontine Zanta (tradução em português - Lisboa: Moraes Editores, 1967)
Cartas de Viagem (tradução em português - Lisboa: Portugalia, 1969)
Cartas do Egipto (tradução em português - Lisboa: Moraes Editores, 1967) 
Ciência e Cristo (tradução em português - Petrópolis: Vozes, 1974)
O Fenômeno Humano (tradução em português – São Paulo: Cultrix, 1986)
Hino do Universo (tradução em português – São Paulo: Paulus, 1994)
O Lugar do Homem no Universo (tradução em português – Lisboa: Instituto Piaget, 1997)
O Meio Divino (tradução em português – São Paulo: Cultrix, 1981) 
A Minha Fé (tradução em português – Lisboa: Ed. Notícias, 2000)
Reflexões e Orações no Espaço-Tempo (tradução em português – Rio de Janeiro: José Olympio, 1978)
Sobre a Felicidade / Sobre o Amor (tradução em português – Campinas: Verus, 2005)

(Fonte: IHU On-line