Temas diversos. Observar, pensar, sentir, fazer crítica construtiva e refletir sobre tudo que o mundo e a própria vida nos traz - é o meu propósito. Um pequeno espaço para uma visão subjetiva, talvez impregnada de utopia, mas, certamente, repleta de perguntas, questionamentos, dúvidas e buscas, que norteiam a vida de muitas pessoas nos dias de hoje.

As perguntas sobre a existência e a vida humana, sobre a fé, a Bíblia, a religião, a Igreja (sobretudo a Igreja Católica) e sobre a sociedade em que vivemos – me ajudam a buscar uma compreensão melhor desses assuntos, com a qual eu me identifico. Nessa busca, encontrando as melhores interpretações, análises e colocações – faço questão para compartilhá-las com os visitantes desta página.

Dedico este Blog de modo especial a todos os adolescentes e jovens cuja vida está cheia de indagações.
"Navegar em mar aberto, vivendo em graça ou não, inteiramente no poder de Deus..." (Soren Kierkegaard)

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Os impostores no Ministério da Ordem. – Artigo de José Lisboa Moreira de Oliveira. Muito bom!


"É preciso dizer que a maioria dos padres é formada por homens honestos, sérios, simples e inteiramente doados ao povo. E isso é uma grande consolação. Mas, na maioria das vezes, esses padres não são valorizados, não são apresentados pela mídia católica, sendo sobrepujados pelos impostores, geralmente midiáticos e “carismáticos” que se apresentam ao povo como os únicos modelos de presbíteros. Com isso o estrago está feito, pois o povo, iludido por “lobos vestidos com peles de ovelhas” (Mt 7,15), acaba deixando-se seduzir." - do texto abaixo .

Hoje, trago para o blog Indagações-Zapytania mais um artigo do nosso ilustre  colega José Lisboa Moreira de Oliveira, que trata com muita competência e clareza um dos assuntos mais importantes e, ao mesmo tempo, dolorosos para a Igreja Católica Apostólica Romana: a questão dos “impostores no Ministério da Ordem”.

Acho que este texto deveria ser amplamente  divulgado e discutido no seio da própria Igreja, em todos os círculos e setores. Caso contrário, infelizmente, não haverá perspectivas de uma verdadeira e, sobretudo, autêntica  renovação dessa Instituiçaõ, tão necessária nos tempos atuais para ela poder cumprir a missão recebida de Jesus.
O autor publicou este artigo no seu blog O Chamado, no mês de agosto de 2014.
Não deixe de ler!

WCejnóg  

O Chamado

Sexta-feira, 15 de agosto de 2014.

Análise de conjuntura eclesial

Os impostores no Ministério da Ordem

José Lisboa Moreira de Oliveira
Filósofo, teólogo, escritor e professor

O meu amigo, Pe. José Antônio, do clero da arquidiocese de Mariana (MG), com quem tive a grata satisfação de trabalhar no Setor Vocações e Ministérios da CNBB (1999-2003), em recente artigo divulgado na internet, levantava a pergunta acerca do principal medo do papa Francisco. A pergunta poderia ser muito bem invertida para evidenciar quais são as pessoa que, na Igreja Católica, mais temem as audaciosas propostas de renovação apresentadas pelo papa Francisco, e que, a meu ver, estão condensadas na sua exortação Evangelli Gaudium. Quem, na Igreja Romana, teria medo de propostas como esta: “Convido todos a serem ousados e criativos nesta tarefa de repensar os objetivos, as estruturas, o estilo e os métodos evangelizadores das respectivas comunidades” (EG, 33)?

Com certeza estariam em primeiro lugar os grupos católicos ultraconservadores, bem representados pela Fraternidade São Pio V, fundada pelo bispo cismático Lefebvre. Porém, os conservadores católicos não causam tanto medo ao papa e nem o papa lhes provoca medo. Reagir a toda mudança na Igreja está no DNA desses grupos, os quais acreditam piamente que o único modelo histórico de Igreja é aquele construído a partir do Concílio de Trento, ou, pior ainda, a partir do espírito da Contrarreforma.

Quem, então, causaria medo ao papa Francisco, ou, melhor dizendo, quem tem medo das propostas do papa Francisco? Pe. José Antônio, sem rodeios, afira que é o “clero camaleônico”, ou seja, aqueles padres que vendo o ministério ordenado como status, como profissão bastante rentável, como pedestal para a fama e o sucesso, temem um papa que insiste em dizer que o ministério ordenado é serviço e que os padres precisam “sentir o cheiro das ovelhas”.

Prosseguindo em sua reflexão, o Pe. José Antônio alerta para um particular assustador: a quase totalidade desse “clero camaleônico” é formada por padres jovens e por seminaristas, futuros padres, que já se comportam como se fossem ministros ordenados. É assustador porque era de se esperar que padres jovens e seminaristas, formados depois do Concílio Vaticano II, fossem capazes de acolher com entusiasmo e paixão a proposta de renovação da Igreja apresentada pelo papa Francisco. Mas não é isso que estamos vendo. Boa parte deste clero permanece indiferente ao que o papa Francisco vem dizendo. Sinal claro dessa indiferença é a falta de divulgação, de conhecimento, de estudo e de aplicação pastoral da exortação Evangelli Gaudium. Pude constatar isso pessoalmente em recente assessoria a um grupo numeroso de pessoas, na sua quase totalidade formada por leigos, sobre a exortação papal. A queixa geral era de que os padres não falam da Evangelli Gaudium. Constatou-se inclusive o caso de padres que nem sequer sabiam da existência da exortação. Há poucos dias uma senhora de uma paróquia do interior da Bahia perguntava ao jovem pároco de sua cidade porque na sacristia da igreja paroquial ainda não tinha sido colocada a fotografia do papa Francisco. Queria saber porque tudo tinha parado na foto do papa Bento XVI. O pároco respondeu-lhe que a razão era o fato de que os vidraceiros da cidade estavam sem moldura. Conversa essa que não colou, pois a senhora, do alto da sua experiência de idosa, percebeu que o pároco estava mentindo.

Mas há também aquele grupo de padres e de seminaristas que faz de conta que acolhe as propostas do papa Francisco. Age, porém, como camaleão, por mero oportunismo e para continuar levando vantagem em tudo, visando não perder as benesses oferecidas pelo acesso ao ministério ordenado. Este grupo de clericais externamente faz de conta que aderiu ao papa Francisco, mas, na prática, sempre que pode, oculta, desvirtua e desvia os ensinamentos papais, não permitindo que o povo tome conhecimento daquilo que o papa Francisco está propondo com certa insistência.

Diante do que acabamos de expor vem de imediato a pergunta: o que leva padres e seminaristas a agir desta forma? Por que temem o papa Francisco? Por que agem com indiferença ou fazendo de conta que acolhem a palavra do bispo de Roma?

Inúmeros estudos publicados nos últimos anos explicam de modo suficiente este problema. São estudos com dados incontestáveis, baseados em pesquisas sérias. A própria Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Organização dos Seminários e Institutos do Brasil (OSIB) e a Comissão Nacional de Presbíteros (CNP) patrocinaram alguns desses estudos,

Duas causas estariam por trás desse comportamento. A primeira delas é a visão de vocação presbiteral como sendo a vocação por excelência. Ser padre é “dez”, é estar acima de qualquer coisa. Chegar a ser padre é colocar-se acima de tudo e de todos os mortais. A segunda causa seria o desejo das dioceses de suprir a falta de padres, levando-as a admitir nos seminários e no presbitério verdadeiros impostores que olham para o ministério ordenado como a forma mais fácil de adquirir poder, status, fama e dinheiro. A tais pessoas não lhes importa o serviço ao povo, mas as vantagens que vão ter com o acesso ao ministério ordenado.

A filósofa, socióloga e teóloga Arlene Denise BACARJI realizou recentemente um estudo sobre essa questão, baseando-se em dados de pesquisas feitas em diversas partes do mundo por eminentes pesquisadores. O próprio título do seu estudo é, por si mesmo, bem sugestivo: A impostura no Ministério da Ordem. Transtornos de personalidade e perversão no Clero à luz da psicanálise e da psiquiatria. O estudo acaba de ser publicado pessoalmente pela autora. É lamentável que ela não tenha encontrado uma editora católica capaz de assumir a publicação, obrigando-a a fazer uma edição privada. Essa recusa não deixa de trazer um grande prejuízo para a própria Igreja Católica.

Em seu estudo, depois de analisar a origem do problema da impostura no Ministério da Ordem, a autora se detém cuidadosamente na reflexão sobre os transtornos e as perversões dentro dos quadros da Igreja, particularmente entre o clero. Fala dos desvios institucionais, de personalidade antissocial, narcisista patológica e sobre as perversões propriamente ditas. No final aponta algumas possibilidades de saída do impasse.

Arlene Bacarji mostra como a natureza hierárquica, uma falsa compreensão da misericórdia, a segurança que o ministério ordenado proporciona e o celibato visto como um modo de não se relacionar em profundidade com ninguém atraem com muita facilidade pessoas com transtorno de personalidade e muita gente perversa. A pessoa com essas patologias “sempre consegue um bispo desavisado, misericordioso, confiante em sua remissão, que o acolherá” (p. 36). Bacarji lembra que o sistema eclesiástico favorece tais pessoas, uma vez que “elas aprendem rapidamente como subir em postos de poder, como fazer para serem elevados a bispos, cardeais” (p. 43).

A autora apresenta o perfil do impostor no Ministério da Ordem: “O poder, o brilho, o sucesso, só dependem de sua eloquência no altar, de sua capacidade de sedução e poder de atração, e de sua capacidade retórica, persuasão, de introjetar os sentimentos e emoções na sua fala de modo que impressione o público, para que seja admirado, endeusado e adorado. O Altar se torna um palco. Pois a oficialização desse poder já está dada. A impostura no Ministério da Ordem por estas personalidades todas que tratamos neste livro se caracteriza pela grandessíssima capacidade da pessoa de fazer ‘teatro’. Elas representam muito bem” (p. 43). E representam tão bem que são capazes de camuflar a aversão ao papa Francisco e ao que ele propõe, bastando para tanto apenas um “discurso bonito” (p. 44), ou seja, aquele discurso lacunar, através do qual a pessoa fala um monte de baboseira que seduz os desprovidos de senso crítico, mas que não diz absolutamente nada.

O que fazer? Existem saídas? É claro que sim. O problema é saber se os bispos estão dispostos a coloca-las em prática. Eu aponto pelo menos três. A primeira delas é desmistificar a figura do padre, retirando dele toda auréola sacral que o envolve. Apresentá-lo como um homem comum, normal, igual aos outros, chamado por Deus a ser diákonos, ou seja, mero servidor dos demais. Homem sinal sacramental de Cristo servo de todos, que veio para servir e não para ser servido (Mc 10,35-45). Nessa perspectiva o acento deve ser colocado sobre a vocação comum batismal, como nos lembrou o Vaticano II na Lumen Gentium. O importante não é ser padre, mas discípulo, seguidor de Jesus,missionário, como enfatiza diversas vezes o Documento de Aparecida.

Uma segunda saída seria a revisão do atual modelo de ministério ordenado, focado excessivamente no padre celibatário que passa entre oito e nove anos no seminário e que sai de lá bastante treinado para ser “aparentemente normal”, mas que, na prática, é uma pessoa cindida, tendendo para a mentira crônica (Bacarji, p. 45-64). Não há como resolver o problema da impostura no ministério ordenado enquanto não se fizer uma reforma séria no ministério ordenado, incluindo nele novas formas de ministérios que descentralizem o poder e quebrem o monopólio e o autoritarismo dos padres.

A terceira proposta de saída é a mudança de comportamento com relação a essas pessoas. Bacarji lembra “que Cristo e o Evangelho não são tolerantes com a hipocrisia e com a falsidade” (p. 45). Por isso, ela afirma que “a misericórdia com estas pessoas deve ser pensada em outros moldes que não a habitual. Talvez seja mais misericordioso impedi-las de terem oportunidade de vivenciar suas perversões e patologias anti-sociais ou narcisistas, fazendo mal às pessoas da Igreja, à própria Igreja, a Deus e a si” (p. 67). Isso significa que a formação inicial dos candidatos aos ministérios ordenados precisa ser maisséria, capaz de identificar possíveis impostores e impedindo-os de chegar à ordenação. Mas para isso é preciso que à frente dos seminários estejam pessoas equilibradas e não seres transtornados e perversos.

Por fim, é preciso dizer que a maioria dos padres é formada por homens honestos, sérios, simples e inteiramente doados ao povo. E isso é uma grande consolação. Mas, na maioria das vezes, esses padres não são valorizados, não são apresentados pela mídia católica, sendo sobrepujados pelos impostores, geralmente midiáticos e “carismáticos” que se apresentam ao povo como os únicos modelos de presbíteros. Com isso o estrago está feito, pois o povo, iludido por “lobos vestidos com peles de ovelhas” (Mt 7,15), acaba deixando-se seduzir. “As batinas, hábitos, clergyman, para estas pessoas, representam poder e também especialidade em relação aos outros mortais, por isso muitos deles fazem questão dessas coisas já desde o seminário” (BACARJI, p. 62). Precisamos, pois, estar muito atentos, pois a impostura no ministério ordenado “costuma confundir muitos superiores e a todos nós” (Ibid., p. 70).

O livro de Arlene Bacarji pode ser solicitado pelo e-mail:  arlened@uol.com.br


sábado, 27 de setembro de 2014

À frente de nós. – Reflexão de José Antonio Pagola.


"Jesus lhes disse: "Digo a verdade: Os publicanos e as prostitutas estão entrando antes de vocês no Reino de Deus. Porque João veio para mostrar o caminho da justiça, e vocês não creram nele, mas os publicanos e as prostitutas creram. E, mesmo depois de verem isso, vocês não se arrependeram nem creram nele.” (Mt 21, 31-32)

Abaixo, uma reflexão bem concreta e atual que tem como pano de fundo o texto bíblico Mt 21, 28-32 (a parábola dos dois filhos). O texto é de autoria do padre e teólogo espanhol José Antonio Pagola, e foi publicado no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).
Vale a pena ler!


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IHU – Notícias
Sexta, 26 de setembro de 2014

À frente de nós

A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo segundo Mateus 21,28-32 que corresponde ao 26º Domingo do Tempo Comum, ciclo A do Ano Litúrgico. O teólogo espanhol José Antonio Pagola comenta o texto.







Eis o texto


Um dia Jesus pronunciou estas duras palavras contra os dirigentes religiosos do Seu povo: “Asseguro-vos que os publicanos e as prostitutas levam-lhes a dianteira no caminho do reino de Deus”. Há uns anos pude comprovar que a afirmação de Jesus não é um exagero.

Um grupo de prostitutas de diferentes países, acompanhadas por algumas Irmãs Oblatas, refletiram sobre Jesus com a ajuda do livro Jesus. Aproximação histórica. Todavia me comovem a força e o atrativo que tem Jesus para estas mulheres de alma simples e coração bom. Recupero alguns dos seus testemunhos.

“Sentia-me suja, vazia e pouca coisa, todo o mundo me usava. Agora me sinto com vontade de continuar a viver porque Deus sabe muito do meu sofrimento... Deus está dentro de mim. Deus está dentro de mim. Deus está dentro de mim. Este Jesus entende-me!...”.

“Agora, quando chego em casa depois do trabalho, lavo-me com água muito quente para arrancar da minha pele a sujidade e depois rezo a este Jesus, porque Ele sim me entende e sabe muito do meu sofrimento... Jesus, quero mudar de vida, guia-me, porque só Tu conheces o meu futuro...”

“Eu peço a Jesus todo o dia que me afaste deste modo de vida. Sempre que me ocorre algo, Eu O chamo e Ele me ajuda. Ele está próximo de mim, é maravilhoso... Ele me leva em Suas mãos, Ele me carrega, sinto a presença Dele...”

“De madrugada é quando mais falo com Ele. Ele me escuta melhor porque neste horário a gente dorme. Ele está aqui, não dorme. Ele sempre está aqui. À porta fechada me ajoelho e peço que mereça a Sua ajuda, que me perdoe, que eu lutarei por Ele...”

“Um dia eu estava parada na praça e disse: Oh, meu Deus, será que eu só sirvo para isto? Só para a prostituição?... Então foi o momento em que mais senti Deus me carregando, entendeste? Transformando-me. Foi naquele momento. Tanto que eu não me esqueço. Entendeste?...”

“Eu agora falo com Jesus e lhe digo: aqui estou, acompanha-me. Tu viste o que aconteceu à minha companheira (refere-se a uma companheira assassinada num hotel). Rogo por ela e peço que nada de mal suceda às minhas companheiras. Eu não falo, mas peço por elas, pois elas são pessoas como eu...”

“Estou furiosa, triste, ferida, rejeitada, ninguém me quer, não sei a quem culpar, ou seria melhor odiar às pessoas e a mim, ou ao mundo. Repara, desde que era criança eu acreditei em Ti e permitiste que isto me acontecesse... Dou-te outra oportunidade para proteger-me agora. Bem, eu te perdoo, mas por favor não me deixes de novo...”   
  


segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Sobre a ditadura do relativismo e pluralismo filosofico. - Artigo de Luiz Fernando dos Santos. Muito atual!



Acho muito interessante e oportuno o artigo de Luiz Fernando dos Santos* sobre a ditadura do relativismo e pluralismo  filosófico no mundo contemporâneo. Muitas pessoas talvez não se dão conta do real perigo que essa corrente filosófica e cultural representa para o ser humano. No entanto, para quem se pergunta pelo futuro das gerações vindouras, essa é uma questão  vital e merece uma análise e reflexão muito séria. De modo especial os cristãos precisam fazer uma auto-crítica, porque a influência dessas ideologias (mencionadas acima) também é capaz  de deformar a sua fé cristã, tornando-a estéril e alienada.

O texto foi publicado na revista Ultimato – Opinião, no mês de setembro de 2014.
Vale a pena ler!

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Ultimato-Opinião

11 de setembro de 2014.

Tolerância e Exclusividade: numa época de muitas escolhas a singularidade de Cristo faz sentido?

Por Luiz Fernando Dos Santos



“Quem tem o Filho, tem a Vida!” (1Jo 5.12).

Vivemos em plena ditadura, a mais cruel das ditaduras e ninguém se dá conta ou reclama. Estamos sob o regime ditatorial do relativismo, do pluralismo radical, daquilo que os eruditos chamam de pluralismo filosófico ou hermenêutico. Este é o mais perigoso e sério desenvolvimento da pós-modernidade, é a postura de que qualquer noção de uma declaração ideológica ou religiosa em particular é intrinsecamente superior a outra é necessariamente errada.

O único credo absoluto é o credo do pluralismo! Nenhuma religião tem o direito de se destacar a si mesma correta ou verdadeira. Mas, nenhuma outra instituição tem o direito de defender verdades universais e absolutas. Não há mais que se falar em ética, mas em muitas éticas, pois há muitas verdades. Tudo depende da percepção, da conveniência e do subjetivo. Esta hermenêutica radical é um processo de desconstrução dos princípios que regeram e fundaram a cultura ocidental sobre os valores judaico-cristãos e até aqui, o que apresentaram no lugar não passou de falácias e o homem não se viu numa condição mais livre, mais feliz ou superior.

Antes pelo contrário, o que assistimos dia a dia é uma cultura do efêmero, dos excessos, da ostentação, do consumismo. Encontramos todos os dias personalidades desintegradas, pessoas sem identidade correndo atrás do sentido da vida fazendo toda sorte de testagens. O ícone pop desta cultura e quem sabe seu melhor intérprete talvez tenha sido mesmo o Raul Seixas e a sua sociedade alternativa com sua metamorfose ambulante. Cada um deve fazer o que “der da telha”, cada um deve viver em contínua transformação e mudança de opinião sem jamais possuir nenhum princípio ou balizamento moral.

A ditadura do relativismo, como em toda ditadura, tem lá os seus mecanismos de coerção. O primeiro deles é consumismo irresponsável e doentio. O Consumismo traz a ideia de que não possuir e não consumir tal bem, Marca ou modelo ‘é não-ser’, não existir socialmente, não poder interagir culturalmente. O consumismo, através do marketing agressivo, gera enormes falsas necessidades apelando para as fraquezas e vulnerabilidades mais expostas das pessoas, de modo que elas desenvolvem verdadeiro pânico de se virem alienadas e não aceitas em seu círculo social. E, para manter cativos os homens gera-se esta cultura vertiginosa de um novo lançamento e uma nova moda (sempre descartável e superficial) a cada semana.

O segundo mecanismo desta ditadura é a indústria do entretenimento pelo entretenimento. As artes, as produções culturais, a TV, o Cinema e a indústria fonográfica não possuem quase ou nenhum interesse em comunicar qualquer sentido à realidade. Nem mesmo se prestam para fazer uma leitura crítica do homem e do mundo. O que desejam é explorar o universo sensorial do homem comunicando algum prazer, na maioria das vezes, explorando a sensualidade através de paixões desgovernadas, bizarras e doentias. Há toda uma indústria que banaliza a violência, a morte e desmistifica a sacralidade da vida em todos os seus estágios, coisificando assim a existência humana e embrutecendo toda uma geração. Mas, este tipo de entretenimento alienante também aportou nas Igrejas Evangélicas. Não poucos púlpitos e programas de cultos também exploram o bizarro e o dantesco manipulando emoções e carências sem nenhum pudor e sem nenhum compromisso ético. Muito da subcultura cristã gospel não produz coisa alguma além de música comercial com letras e melodias que por pouco não são confundidas com mantras.

Neste contexto secularizado, de múltiplas escolhas, de relativismo levado às últimas consequências como viver a nossa fé cristã?

Algumas pistas:

1. Jamais ceder à tentação de uma igreja “Avestruz”. Não podemos, em face de tantos e complexos desafios da cultura contemporânea enfiar a cabeça em um buraco e fingir que não temos nada a oferecer, nada a compartilhar e assumir um papel irrelevante;

2. Não podemos nos deixar capitular à mentalidade da época e assim assumir nosso lugar neste mosaico, neste caldeirão de “muitas verdades” e nos contentar com um discreto papel coadjuvante;

3. Não podemos ser intolerantes e segregacionistas. Não podemos assumir um papel arrogante e sairmos por aí simplesmente acusando, difamando e destruindo reputações. Longe de nós tais coisas;

4. Precisamos sim em amor, com genuíno e desinteressado amor, com lógica racional, apego à verdade e a Justiça, apresentar a exclusividade de Cristo e sua Superioridade sobre as pessoas em primeiro lugar e só depois às suas ideias;

5. Precisamos, na dependência do Espírito Santo, convencer de que não somos os donos da verdade, absolutamente. Mas, servos dela.

O caos do relativismo é a grande chance dos cristãos e da Igreja a partir de sua vida integral e íntegra, apresentar um sistema e um estilo de vida que responda a todas as inquietações do homem e da sociedade. Neste mundo plural a singularidade de Cristo faz todo o sentido!
________________
É pastor-mestre da Igreja Presbiteriana Central de Itapira (SP). 



sábado, 20 de setembro de 2014

Não desvirtuar a bondade de Deus. – Reflexão de José Antonio Pagola. Bem atual!


“Você está com ciúme por que estou sendo generoso?” (Mt 20,15)

Abaixo, uma reflexão muito boa e atual sobre o texto Mt 20, 1-16 (Parábola dos trabalhadores chamados a trabalhar na vinha), do padre e teólogo espanhol José Antonio Pagola. O texto foi publicado no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).

Não deixe de ler.

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ihu - Notícias
Sexta, 19 de setembro de 2014

Não desvirtuar a bondade de Deus
  
A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo segundo Mateus 20,1-16 que corresponde ao 25º Domingo do Tempo Comum, ciclo A do Ano Litúrgico. O teólogo espanhol José Antonio Pagola comenta o texto.

Eis o texto

Jesus, durante sua trajetória profética, insistiu reiteradas vezes em comunicar sua experiência de Deus como um “mistério de bondade insondável” que quebra todos nossos cálculos. Sua mensagem é tão revolucionária que depois de vinte séculos ainda há cristãos que não se animam a levá-la a sério.

Para contagiar a todos sua experiência de Deus Bom, Jesus compara sua atuação com a conduta surpreendente do dono de uma vinha. Até cinco vezes o próprio dono vai em busca dos novos diaristas para contratá-los para sua vinha. Não parece estar muito preocupado da rendição no trabalho. O que ele deseja é que nenhum diarista fique um dia a mais sem trabalho.

Por isso, no final da jornada, ele não lhes paga adaptando-se ao trabalho realizado por cada grupo. Apesar de que seu trabalho foi muito desigual, ele entrega para todos uma moeda de prata: simplesmente aquilo que uma família de camponeses da Galileia precisava cada dia para viver.

Quando o porta-voz do primeiro grupo protesta porque os últimos foram tratados da mesma forma que eles que trabalharam mais que ninguém, o dono da vinha responde-lhe com estas palavras admiráveis: “Você está com ciúme por que estou sendo generoso?”. Você vai impedir-me com seus cálculos mesquinhos de ser bom com aqueles que necessitam de seu pão para jantar?

O que está sugerindo Jesus? É um Deus que não atua com os critérios de justiça e igualdade que nós temos? É verdade que Deus, mais que estar medindo os méritos das pessoas, sempre busca responder desde sua Bondade insondável à nossa necessidade profunda de salvação?

Confesso que sinto uma grande pena quando encontro boas pessoas que imaginam Deus dedicado a tomar nota cuidadosamente dos pecados e dos méritos dos seres humanos para retribuir a cada um segundo o que ele merece. É possível imaginar um ser mais inumano que alguém dedicado a isto desde toda a eternidade?

Crer num Deus, Amigo incondicional, pode ser a experiência mais libertadora que seja possível imaginar, a força mais vigorosa para viver e para morrer. Pelo contrário, viver ante um Deus justiceiro e ameaçador pode converter-se na neurose mais perigosa e destruidora da pessoa.

Devemos aprender a não confundir Deus com nossos esquemas estreitos e mesquinhos. Não devemos desvirtuar sua Bondade insondável misturando os rasgos autênticos que provêm de Jesus com os traços de um Deus justiceiro colhidos do Antigo Testamento. Diante do Deus Bom revelado em Jesus, o único que cabe é a confiança.


sexta-feira, 19 de setembro de 2014

“Assim, os últimos serão os primeiros e os primeiros serão os últimos.” -Comentário bíblico de M. Asun Gutiérrez. Ótimo!


“<Amigo, em nada te prejudico. Não foi um denário que ajustaste comigo? Leva o que é teu e segue o teu caminho. Eu quero dar a este último tanto como a ti. Não me será permitido fazer o que quero do que é meu?  Ou você está com inveja porque sou generoso>?  Assim, os últimos serão os primeiros e os primeiros serão os últimos.” (Mt 20, 13-16)

Na parábola sobre os trabalhadores na vinha Jesus fala da bondade de Deus. No entanto, as suas palavras conflitam, e muito, com os esquemas dos valores dos homens. Claramente, a lógica de Deus mostra-se diferente, se não oposta, à lógica dos homens – e isso choca!  E nós, muitas vezes, temos muita dificuldade em entender e aceitar essa lógica de Deus, porque ela desnuda aos nossos próprios olhos o nosso egoismo, mediocridade e o nosso vício de julgar os outros pelo que têm e produzem, e não pelo que são.

O comentário bíblico de M. Asun Gutiérrez Cabriada (cristã, leiga) sobre o texto Mt 20, 1-16 (Parábola dos trabalhadores na vinha)  é  muito bem feito e interessante. É uma excelente oportunidade para procurarmos entender melhor a mensagem de Jesus Cristo.
Vale a pena conferir!
WCejnog

Obs.: Os interessados podem  ler esse texto em apresentação de PPS, acessando o  site das Monjas Beneditinas de Montserrat. www.benedictinescat.com/montserrat  Trabalho muito bonito!


Pensamos ainda em cumprimentos com esforço, em renúncias impostas, em obrigações. 
Não pensamos em libertação, em dignidade de ser filhos,   em plenitude de vida.
Não pensamos em Boa Notícia mas em Nova Lei,  mais pesada e exigente que a antiga.
Continuamos a pensar que nos têm que pagar pelo que servimos.
O reino é uma questão de agradecimento, não de paga.
O Reino é uma questão de coração. 
Há que ter coração, e tentar construir um mundo em que as relações humanas não se baseiem na justiça seca,  mas na com-paixão e na fraternidade.


José Enrique Ruiz de Galarreta



Comentário

Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos
a seguinte parábola:
“O reino dos Céus pode comparar-se
a um proprietário, que saiu muito cedo
a contratar trabalhadores para a sua vinha.
Ajustou com eles um denário por dia
e mandou-os para a vinha.

Parábola exclusiva de Mateus.
Conta a história do dono de uma vinha que procura jornaleiros no mercado.
A cena era familiar para os ouvintes. Muitas fazendas eram cultivadas por jornaleiros, que começavam a jornada laboral ao nascer do sol.
O facto de que voltasse a contratar jornaleiros à hora de terça, até às nove da manhã, poderia parecer normal; voltar a fazê-lo quatro vezes mais já é insólito, surpreende e desperta a atenção dos ouvintes.
E é assim, diz o texto, que sucede no Reino.
Como todas as parábolas questiona, incomoda e surpreende.

Saiu a meia manhã, viu outros
que estavam na praça ociosos
e disse-lhes:
«Ide vós também para a minha vinha,
e dar-vos-ei o que for justo». E eles foram.
Voltou a sair por volta do meio dia
e pelas três horas da tarde, e fez o mesmo.
Saindo ao cair da tarde,
encontrou ainda outros
que estavam parados e disse-lhes:
«Porque ficais aqui todo o dia sem trabalhar?».
Eles responderam-lhe: «Ninguém nos contratou».
Ele disse-lhes:
«Ide vós também para a minha vinha».

A narração faz que a atenção caia sobre as pessoas que o dono da vinha encontra sem fazerem nada, ociosas. Pergunta-lhes o motivo da sua inactividade. Que classe de pessoas são? Gente que se levantou tarde e perdeu a sua oportunidade? Pessoas não tidas em conta na sociedade, com as quais ninguém conta?

O que vemos é que o único dono da vinha tem trabalho para todos e a todas as horas. E que na vinha há lugar e trabalho para todos.
A vinha - comunidade de Jesus - na qual só podem trabalhar umas poucas pessoas, na qual exista qualquer tipo de descriminação, tem pouco a ver com a vinha que Jesus quer e apresenta na parábola.

Ao anoitecer, o dono da vinha disse ao capataz:
«Chama os trabalhadores e paga-lhes o salário,
a começar pelos últimos
e a acabar nos  primeiros».
Vieram os do entardecer
e receberam um denário cada um.


Cada pessoa tem a sua hora, o seu dia, a sua idada, a sua circunstância..., de ver e aceitar o seu encontro com Jesus.
O dono da vinha não paga por trabalho realizado, nem por horas, nem por trabalhar a toque de caixa, mas pela disponibilidade, pela atitude, a abertura e acolhimento ao seu convite.

Quando vieram os primeiros,
julgaram que iam receber mais,
mas receberam também um denário cada um.
Depois de o terem recebido,
começaram a murmurar
contra o proprietário, dizendo:
«Estes últimos trabalharam só uma hora
e deste-lhes a mesma paga que a nós,
que suportámos o peso do dia e o calor».

As únicas pessoas  que protestam são as que sabem desde o princípio o quanto vão receber.
Não se queixam de ter sofrido uma injustiça - receberam o denário acordado -, queixam-se daquilo que os outros  recebem.
Incomoda-os comprovar que o Senhor é bom com todos. É a atitude das pessoas que se crêem justas, com mais méritos que os outros;
Incomoda-os a bondade de Deus, relacionam-se com Ele em termos mercantilistas, tentando comprar a sua salvação.

“Deus fez o ser humano à sua semelhança, mas o ser humano empenha-se
em fazer Deus semelhante a ele” (Voltaire).


Mas o proprietário respondeu a um deles:
“Amigo, em nada te prejudico.
Não foi um denário que ajustaste comigo?
Leva o que é teu e segue o teu caminho.
Eu quero dar a este último tanto como a ti.
Não me será permitido fazer
o que quero do que é meu?

A parábola vai ao coração da mensagem de Jesus: o amor livre e gratuito do Pai e a forma de atuar das pessoas que se crêem justas perante Ele.
O texto apresenta, uma vez mais, o retrato de um Deus que é bondade e misericórdia. Sobressai o valor da justiça – paga-se o salário acordado - e o da bondade e da generosidade – dá-se mais que o esperado -.

Estão presentes esses valores na minha vida e na minha relação com os outros?   Não é um convite a “chegar tarde" ou a trabalhar menos, mas a evitar a tentação de projectar sobre Deus as nossas expectativas, os nossos cálculos e as nossas medidas.

Os caminhos e os planos de Deus são diferentes dos nossos e sempre surpreendentes (Primeira leitura).

Ou você está com inveja
porque sou generoso?»

A bondade de Deus transborda  a justiça.  Jesus mostra na sua vida a bondade e atuação de Deus.

Como se portou o dono da vinha com os últimos, assim se porta o Pai/Mãe com todos, sobretudo com as pessoas empobrecidas, excluídas, excomungadas, despejadas..
Exemplo e modelo para a nossa forma de atuar.
Deus é bondade, pura gratuidade, pura graça mais além de todo o interesse, de toda a lei.  Ainda bem que não atua segundo os nossos méritos, nem segundo a nossa lógica, mas segundo a sua bondade.

Tento a pôr barreiras à generosidade e bondade de Deus?
Agradeço a bondade de Deus e contagio-a?
Sou propenso aos ciúmes e à inveja?
Penso que mereço mais prémio e recompensa que os outros?
Louvo e valorizo as ações e qualidades das pessoas?

Contra todas as aparências, só a bondade e a gratuidade podem mover o mundo.

Assim, os últimos serão os primeiros
e os primeiros serão os últimos.

Os últimos e os primeiros pode dar-nos uma pista da diferença entre as nossas maneiras de julgar e valorizar  e a maneira de julgar e valorizar de Deus.
É a mudança radical de situação que traz consigo a chegada do Reino, que propõe um novo modelo e sistema de relação e convivência humana, baseado, não no rendimento e na correspondente compensação, mas na gratuidade, na bondade e no amor.

A quem considero os últimos na sociedade, no meu círculo, nas igrejas?

Coincide com o critério e a atitude de Jesus?




A tua maneira

Saíste, Senhor, na madrugada da história a procurar obreiros para a tua vinha.
E deixaste a praça vazia – sem desemprego -, oferecendo a todos trabalho e vida
- salário, dignidade e justiça.
Saíste a meio da manhã, saíste ao meio dia e à primeira hora da tarde voltaste a percorrê-la.

Saíste, por fim, quando o sol declinava, e aos que ninguém tinha contratado levaste-os para a tua vinha, porque se te revolveram as entranhas vendo tanto trabalho na tua fazenda, vendo a  tantos desempregados que queriam trabalho
- salário, dignidade e justiça -
e estavam condenados todo o dia a não fazer nada.
Ao anoitecer cumpriste a tua palavra.

A todos deste salário digno e justo,
segundo o coração e as necessidades te ditavam.
Os que menos esperavam foram os primeiros a ver as suas mãos cheias;
e mesmo que alguns murmurassem, não mudaste a tua política evangélica.

Senhor, sê, como sempre, justo e generoso, compassivo e rico em misericórdia,
inimigo de preconceitos e classes, e generoso nos teus dons.
Graças por me dares trabalho e vida, dignidade e justiça à tua maneira... não à minha.

Ulibarri Fl.