Temas diversos. Observar, pensar, sentir, fazer crítica construtiva e refletir sobre tudo que o mundo e a própria vida nos traz - é o meu propósito. Um pequeno espaço para uma visão subjetiva, talvez impregnada de utopia, mas, certamente, repleta de perguntas, questionamentos, dúvidas e buscas, que norteiam a vida de muitas pessoas nos dias de hoje.

As perguntas sobre a existência e a vida humana, sobre a fé, a Bíblia, a religião, a Igreja (sobretudo a Igreja Católica) e sobre a sociedade em que vivemos – me ajudam a buscar uma compreensão melhor desses assuntos, com a qual eu me identifico. Nessa busca, encontrando as melhores interpretações, análises e colocações – faço questão para compartilhá-las com os visitantes desta página.

Dedico este Blog de modo especial a todos os adolescentes e jovens cuja vida está cheia de indagações.
"Navegar em mar aberto, vivendo em graça ou não, inteiramente no poder de Deus..." (Soren Kierkegaard)

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Nas mãos de Deus. – Reflexão de José Antonio Pagola para o Dia dos Finados. Muito atual!


Dia de Finados.
Penso que não há um momento mais adequado do que este para  indagar sobre o sentido da nossa existência aqui, neste mundo, e no desfecho inevitável desta nossa vida, que acontecerá um dia – quando mergulharemos,  cada um de nós,  no mistério da morte...

Abaixo, uma reflexão curta mas muito special sobre o tema que o Dia dos Finados evoca. É de autoria do padre e teólogo espanhol José Antonio Pagola. Foi publicada no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).
Imperdível!

WCejnóg


IHU – Notícias
Sexta, 31 de outubro de 2014

Nas mãos de Deus

Neste domingo a Igreja celebra o Dia dos Fiéis Defuntos. O teólogo espanhol José Antônio Pagola comenta o Evangelho de Jesus Cristo segundo Marcos 5, 33-39.16,1-6.
No Brasil é sugerido o Evangelho de João 11, 32-45.

Eis o texto

Os homens de hoje não sabem o que fazer com a morte. Por vezes, o único que se nos ocorre é ignorá-la e não falar dela. Esquecer quanto antes esse triste acontecimento, cumprir os trâmites religiosos ou civis necessários e voltar de novo à nossa vida cotidiana.

Mas, mais tarde ou mais cedo, a morte vai visitando as nossas casas, arrancando-nos os nossos seres mais queridos. Como reagir então ante essa morte que nos arrebata para sempre a nossa mãe? Que atitude adotar ante o esposo querido que nos diz o seu último adeus? Que fazer ante o vazio que vão deixando na nossa vida tantos amigos e amigas?

A morte é uma porta que é atravessada por cada pessoa solitariamente. Uma vez fechada a porta, o morto nos é oculto para sempre. Não sabemos que terá sido dele. Esse ser tão querido e próximo perde-se agora no mistério insondável de Deus. Como relacionar-nos com ele?

Os seguidores de Jesus não se limitam a assistir passivamente ao acontecimento da morte. Confiando em Cristo ressuscitado, acompanhamos com amor e com a nossa oração nesse misterioso encontro com Deus. Na liturgia cristã pelos defuntos não há desolação, rebelião ou desespero. No seu centro apenas uma oração de confiança: “Nas Tuas mãos, Pai de bondade, confiamos a vida do nosso ser querido”.

Que sentido podem ter hoje entre nós esses funerais em que se reúnem pessoas de diferente sensibilidade ante o mistério da morte? Que podemos fazer juntos: crentes, menos crentes, pouco crentes e também descrentes?
    
Ao longo destes anos, temos mudado muito por dentro. Fizemo-nos mais críticos, mas também mais frágeis e vulneráveis; somos mais incrédulos, mas também mais inseguros. Não nos é fácil acreditar, mas é difícil não acreditar. Vivemos cheios de dúvidas e incertezas, mas não sabemos encontrar uma esperança.





Por vezes, costumo convidar a quem assiste a um funeral para fazer algo que todos podemos fazer, cada um desde a sua pequena fé. Dizer desde dentro ao nosso ser querido umas palavras que expressem o nosso amor a ele e a nossa invocação humilde a Deus:

“Continuamos a querer-te, mas já não sabemos como encontrar-nos contigo nem que fazer por ti. A nossa fé é débil e não sabemos rezar bem. Mas confiamos-te ao amor de Deus, deixamos-te nas Suas mãos. Esse amor de Deus é hoje para ti um lugar mais seguro que tudo o que nós te podemos oferecer. Desfruta da vida plena. Deus quer a ti como nós não fomos capazes de te querer. Um dia voltaremos a nos ver”.



quarta-feira, 29 de outubro de 2014

O clamor dos indígenas que precisamos ainda ouvir. Artigo de Leonardo Boff. Uma questão importante!



O artigo O clamor dos indígenas que precisamos ainda ouvir, do Leonardo Boff *, é muito significante e bem oportuno para chamar a atençaõ da sociedade brasileira sobre a questão indígena no Brasil nos dias de hoje. O tema é de grande importância! Foi publicado recentemente pelo autor no seu blog.

Para contribuir um pouco na divulgação deste texto, trago-o também para o blog Infagações –Zapytania.
Vale a pena ler!

WCejnóg


O clamor dos indígenas que precisamos ainda ouvir

25/10/2014
 Por Leonardo Boff

A causa indígena nunca foi resolvida no Brasil. A toda hora se ouvem invasões de terras indígenas para dar lugar ao agronegócio. Homologação de suas terras são proteladas. E há assassinatos e suicídios misteriosos entre os guarani.

Não obstante, deram-se alguns avanços que cabe reconhecer como a demarcação e homologação em área contínua da terra Yanomami contra a pressão de meia dúzia de arrozeiros, apoiados pelo latifúndio pelo  agronegócio; a devolução da terra indígena xavante Marãiwatsédé na Prelazia de São Felix do Araguaia, de onde haviam sido arrancados à força há 40 anos atrás. A mesma coisa não ocorreu com a terra dos Guarani Kaiowá, Guyraroka, que o STF com os votos dos ministros Celso Mello e Carmen Lúcia rejeitaram o voto de relator do processo o ministro Ricardo Lewandoski. Em nenhum momento a comunidade indígena foi consultada e o latifundiário que as ocupou, ganhou o direito sobre os 12 mil hecatares das terras tradicionais.

Casos como estes são frequentes, por mais que a Funai e o CIMI (Centro indigenista missionário da Igreja Católica) se empenhem em sua defesa. Neste contexto vale recordar O Manifesto da Comissão Indígena 500 anos (1999) expressando o clamor de 98 diferentes povos originários. Eles  denunciaram com veemência:
”Os conquistadores chegaram com fome de ouro e de sangue, empunahando em uma das mãos armas e na outra a cruz, para abençoar e recomendar as almas de nossos antepassados, o que daria lugar ao desenvolvimento, ao cristianismo, à civilização e à exploração das riquezas naturais. Estes fatores foram determinantes para o extermínio de nossos antepassados….”

“O dia 22 de abril de 1500 representa a origem de uma longa e dolorosa história… Afirmamos  nossa divergência clara e transparente com relação às comemorações festivas do V centenário, por atentar e desrespietar nossos antepassados, mortos em defesa de seus filhos, netos e gerações futuras. E por negarem nosso direito à vida como povos culturalmente diferenciados…”

“Pretendemos sim, celebrar  as conquistas ao longo dos séculos, plenas de heróis anônimos, que a história se nega a reconhecer. Celebramos sim, as vitórias que nos custaram tantas vidas e sofrimentos, porém trouxeram a determinação e a esperança de um mundo mais humano, de solidariedade”.
     
“Celebraremos também o futuro, herdeiros que somos de um passado de valorização da vida, de ideais, de sonhos deixados por nossos antepassados. Apesar das desigualdades e injustiças, estamos cientes da importância de contribuir para a consolidação de uma humanidade livre e justa, aonde índios, negros e brancos vivam com dignidade” (Jornal do Brasil de 31 de maio de 1999). Na campanha presidencial nunca se abordou com seriedade esta demanda histórica dos indígenas.

O que poderíamos esperar dos portugueses que durante quinze séculos passaram pela educação cristã? Que ao verem aqueles belos corpos na praia, espreitando curiosamente a chegada das caravelas, exclamassem: “Que bom! Descobrimos mais irmãos e irmãs. Vamos abraçá-los e beijá-los como membros da grande família de Deus, representantes diferentes do corpo místico de Cristo”. Nada disso ocorreu.

Depois do primeiro encontro pacífico, cheio de lirismo descrito pela carta de Pero Vaz de Caminha, tudo mudou. Vieram com a cobiça pelas riquezas da terra. Moveram-lhes guerras, chegaram a negar-lhes a humanidade e, apesar de sua inocência e bondade natural, atestadas por todos os primeiros missionários, consideraram-nos faltos de salvação. E os subjugaram e os batizaram sob medo.

Alguma coisa falhou no processo de educação e de evangelização dos europeus, notadamente dos espanhois e dos portuguses que impediu que ocorresse verdadeiramente um encontro de pessoas e de culturas. O que houve foi uma negação pura e simples da alteridade.

O assim chamado “descobrimento” equivaleu a um encobrimento e a um apagamento do outro, da história dos povos originários do Brasil e de Africa. Também não significou um “encontro” de culturas mas uma  invasão. O que de fato ocorreu foi um imenso desencontro, um verdadeiro choque de civilizações com o submentimento completo dos negros e dos indígenas mais fracos. Até hoje fica a marca deste ato fundacional  nas formas como discriminamos os indígenas, não respeitando suas terras sagradas e mantendo preconceitos contra os afrodescentens, aqueles que construiram quase tudo do Brasil.

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* Leonardo Boff, pseudônimo de Genézio Darci Boff, é um teólogo brasileiro, escritor e professor universitário, expoente da Teologia da Libertação no Brasil. Foi membro da Ordem dos Frades Menores. Ficou conhecido pela sua história de defesa das causas sociais. Atualmente dedica-se sobretudo às questões ambientais. (In.: Wikipedia)







terça-feira, 28 de outubro de 2014

A verdadeira história sobre o ebola. – Artigo de Michael Rozier. Vale a pena ler !


O artigo de Michael Rozier, SJ,  que hoje trago para o blog Indagações-Zapytania traz um olhar crítico sobre a questão do surto do vírus ebola em  países africanos e sobre a  reação de pânico e desespero nos países ricos frente à possível epidemia dessa doença.

É importante indagar não somente sobre o perigo do vírus e como o mundo pode se proteger dessa doença, mas  também sobre todas as suas verdadeiras causas. No mundo contemporâneo, onde os interesses  dos países ricos deixam o resto do nosso planeta em segundo plano, muitas verdades de fato não são contempladas e tampouco divulgadas para  o conhecimento de todas as sociedades.  

O texto foi publicado na revista America (nos EUA) e posteriormente também no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).
Não deixe de ler!

WCejnog

IHU - Notícias
Quinta, 23 de outubro de 2014

A verdadeira história sobre o ebola

A rápida propagação e o perfil exótico da doença, a luta contra um adversário tão hábil em sobreviver como um vírus pode ser algo inebriante para a imprensa. E, embora devamos mobilizar recursos para conter a onda de ebola na África Ocidental, a história que hoje conhecemos tão bem pode não ser a mais importante a ser contada. O ebola está matando as pessoas, mas o seu verdadeiro poder vem da pobreza e da instabilidade política.

A opinião é de Michael Rozier, SJ, doutorando do Departamento de Gestão e Políticas de Saúde da Universidade de Michigan, Estados Unidos. O artigo foi publicado na revista America, 22-10-2014. A tradução é de Claudia Sbardelotto.









Eis o artigo

O surto de uma doença é uma história que pode realmente pega. Os invisíveis microrganismos alojam-se dentro de um hospedeiro humano e viajam despercebidos entre as grandes massas. Isto é, até que ele decida se revelar e colocar a humanidade de joelhos. A narrativa é poderosa. Outras pessoas, que deveriam ser fontes de apoio, de repente, tornam-se ameaças. Os cientistas devem fazer valer cada gota de conhecimento para alcançar uma vitória apertada sobre o seu diminutivo inimigo. Eu suspeito que estaríamos torcendo pelo vírus perdedor se ele não estivesse nos atacando.


Tal é o caso com o surto atual de ebola. O que começou como apenas alguns casos, em grande parte ignorados, em março deste ano, na Guiné, acabou capturando a atenção do mundo. Epidemias anteriores (como a SARS em 2003 ou o H5N1 em 2004) tiveram taxas de mortalidade muito mais baixas do que o ebola, porém criaram uma preocupação global similar. A rápida propagação e o perfil exótico da doença, a luta contra um adversário tão hábil em sobreviver como um vírus pode ser algo inebriante para a imprensa. E, embora devamos mobilizar recursos para conter a onda de ebola na África Ocidental, a história que hoje conhecemos tão bem pode não ser a mais importante a ser contada.

O ebola está matando as pessoas, mas o seu verdadeiro poder vem da pobreza e da instabilidade política.

Desde que foi identificado, pela primeira vez, em 1976, houve quase uma dúzia de surtos de ebola. Na instância atual, no entanto, o vírus fez o seu caminho em direção às áreas urbanas da Guiné, Libéria e Serra Leoa. Quando o vírus permanece isolado em postos rurais, é mais fácil de conter. Mas uma vez que ele faz o seu caminho até as cidades, onde há uma maior densidade de pessoas e mais movimento, cresce consideravelmente a complexidade de isolamento e de quarentena.

Com mais pessoas em situação de risco, uma maior cooperação pública se faz necessária. No entanto, a população nesses países foi condicionada a temer as instruções do governo. Na Libéria, o povo cresceu sob o comando de Charles Taylor, um condenado criminoso de guerra, responsável por crimes indescritíveis contra os cidadãos liberianos, crimes que beiram o genocídio. Aqueles em Serra Leoa cresceram com décadas de golpes e guerra civil, liderados por aspirantes a ditadores que recrutam crianças para fazerem parte de seus exércitos. Parte da sobrevivência necessária nesses países requer desconfiar e fugir do governo. Então, quando os profissionais de saúde em uniformes oficiais querem reunir os familiares e amigos que estão "doentes", é fácil ver por que o público não é tão cooperativo quanto a gente gostaria. O vírus se desenvolve enquanto as pessoas vivem com medo. Mas não podemos ignorar que somos nós, e não o vírus, que originalmente costuramos a desconfiança.

Há uma outra razão bem simples por que o surto na África Ocidental é mais complicado do que deveria ser. Nos Estados Unidos, temos cerca de 24 médicos para cada 10.000 pessoas. Na Guiné, há um médico para o mesmo número. Em Serra Leoa, um médico deve cuidar de 50.000 pessoas. E na Libéria, há algumas dezenas de médicos para todo o país cuja população é de 4,4 milhões de pessoas. Enquanto nos Estados Unidos os epidemiologistas monitoram os pacientes em risco e reservam quartos de isolamento para as pessoas infectadas, as nações do Oeste Africano tem dificuldades para adquirir luvas de látex para os seus trabalhadores de saúde ou água sanitária para desinfetar as camas onde as vítimas morreram. Sim, o vírus é mortal. Mas não podemos ignorar que as formas de pobreza ampliam o seu poder.

Nos Estados Unidos, nós isolamos aqueles que estão doentes, colocamos em quarentena aqueles que estão em risco e praticamos o "distanciamento social" quando este é requerido (por exemplo, nas escolas ou locais de trabalho próximos de surtos de gripe). Mas o que pode ser feito quando as pessoas vivem grudadas em favelas urbanas? Milhares vivem amontoados na mesma encosta em estruturas de telhado de zinco, batendo um no outro para cada pequeno ato cotidiano. Os governos têm dificuldade de acessar as áreas para recolher os corpos e as famílias não têm onde colocá-los. Água e saneamento são inexistentes no local, de modo que a necessária desinfecção é uma fantasia. Um vírus desenvolve-se nessas condições. Mas não podemos esquecer que fomos nós quem o criamos.

A cobertura da mídia sobre o surto de ebola tem recebido críticas de todos os lados. Eu simpatizo com todas elas. Uma das críticas denuncia a ênfase desproporcional dada aos poucos norte-americanos e europeus que têm a doença enquanto as dezenas de milhares de africanos ocidentais são tratados como meras histórias laterais. Outra compara os poucos milhares de mortos pelo ebola aos milhões de pessoas que morrem de doenças cardiovasculares, diarreia ou HIV.

Esse argumento sugere que, se a cobertura sobre o ebola diminuir, vamos prestar mais atenção às doenças que matam mais pessoas. Mas é ingênuo pensar que este é um jogo de soma zero. Se falarmos menos sobre o ebola, a lacuna será preenchida com as escapadas de Justin Bieber em vez de formas de reduzir a hipertensão.

Existem também alguns mitos sobre o ebola que não vão morrer. Por exemplo, embora seja fatal, não é altamente contagioso. Os epidemiologistas dão às doenças infecciosas um número chamado de R0 (número de reprodução de base). Ele nos diz quantas pessoas, em média, podem ser infectadas por alguém que tem a doença. O número para o sarampo pode ser até de 18; para a pólio cerca de 6; gripe, 2 ou 3; porém, para o ebola é no máximo 2. Assim, embora o ebola seja mortal, não é altamente contagioso.

Na saúde pública, muitas vezes, descrevemos cinco fatores determinantes da saúde: genética, comportamento pessoal, cuidados médicos, ambiente físico e fatores sócio-econômicos. Os três primeiros obtem a maior parte da atenção no campo sanitário, mas os dois últimos são muito mais poderosos do que imaginamos.  

Nos Estados Unidos, por exemplo, o código postal pode prever melhor o seu estado de saúde do que o seu código genético. Isso é por causa da ampla influência dos determinantes sociais da saúde. Seu nível de escolaridade, situação de emprego, redes sociais e vizinhança, todos ajudam a modelar a sua capacidade de ter uma vida mais saudável. E se uma criança quer se exercitar, por exemplo, mas as calçadas estão rachadas, os sapatos estão caindo aos pedaços e os parques estão cheios de equipamentos quebrados? Nosso instinto é ignorar as influências sociais e ambientais sobre a saúde e concentrar-nos somente no comportamento pessoal e nos cuidados médicos. Ou então, nós gostamos de culpar o indivíduo (normalmente pelas doenças crônicas como diabetes ou obesidade) ou culpar o microorganismo (tuberculose ou ebola). Mas deixamos de avaliar o quão envolvidos todos nós estamos, o quão responsáveis todos nós somos pelas condições sociais que favorecem o surgimento da doença ao longo do caminho.

No caso do ebola, é impossível imaginar milhares de mortes em lugares onde os governos são confiáveis, onde as condições de vida são decentes e onde os sistemas de saúde são fortes. Eu não estou sugerindo que todos os casos de ebola poderiam ser evitados se livrarmos o mundo da pobreza (os novos casos em hospitais norte-americanos bem equipados são prova suficiente para isso). Mas é falso ignorar o ambiente social e físico, construído pelo homem, quando se fala dos estragos do ebola.

Ao prestar atenção a essas coisas, a culpa não é exclusiva do vírus. Nós não seremos apenas as vítimas. Nós também nos tornamos responsáveis pelo seu efeito devastador sobre a vida humana. Isso é muito mais difícil de aceitar. De repente, a narrativa do surto torna-se muito menos atraente, pois ela não tem mais um vírus complicado, microscópico como o vilão. Os seres humanos tornam-se co-conspiradores.

O surto de ebola acabará sendo interrompido. Ele vai se estender por meses a mais do que a nossa capacidade de atenção pode aguentar, mas como instâncias anteriores da doença, ele será extinto. No entanto, as condições sociais que permitiram a sua expansão vão continuar em todos os cantos do mundo. Se pudermos aprender alguma coisa com ebola eu preferiria que não fosse nada sobre essa doença em particular porque outra doença infecciosa vai surgir em pouco tempo. Talvez em vez disso, possamos crescer em apreço pelas muitas coisas que podemos controlar e prever, sobre as condições sociais que constroem e perpetuam uma comunidade humana.

Se estamos realmente interessados ​​em parar o ebola e outras doenças contagiosas, deveríamos olhar mais para as ​duradouras embora desconfortáveis verdades sobre a nossa responsabilidade com relação a esses eventos. Ao longo do século passado, a expectativa de vida humana aumentou em mais de 30 anos, principalmente devido à melhoria dos determinantes sociais da saúde (menos de 20% desse ganho é devido a uma melhor assistência médica). Mas os ganhos foram distribuídos de forma desigual. Temos a capacidade de alcançar melhorias ainda maiores na saúde e a atenção generalizada ao ebola apresenta  uma oportunidade para fazer exatamente isso.

A história real não é sobre o ebola. Trata-se de nós. Quanto mais cedo admitirmos isso, mais cedo vamos perceber nosso verdadeiro poder de impedir esses surtos antes mesmo que eles comecem. Pode ser que isso não seja uma boa notícia, mas isso levaria a um final mais feliz para todos nós.


sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Acreditar no amor. – Reflexão de José Antonio Pagola. Muito atual!



“Respondeu Jesus: ‘Amarás o Senhor teu Deus de todo teu coração, e toda tua alma e de todo teu espírito’.  Este é o maior e o primeiro mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: ‘Amarás teu próximo como a ti mesmo’. Nesses dois mandamentos se resumem toda a lei e os profetas”.    (Mt 22, 37-40) 
  
 Abaixo, uma bonita reflexão e bem atual, que tem como pano de fundo o texto bíblico Mt 22, 30-40 (O maior mandamento). Autor: padre e teólogo espanhol José Antonio Pagola. 
O texto foi publicado no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).
Vale a pena ler e meditar!

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IHU - Notícias

   


Acreditar no amor

A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo segundo Mateus 22, 30-40 que corresponde ao 30º Domingo do Tempo Comum, ciclo A do Ano Litúrgico. O teólogo espanhol José Antonio Pagola comenta o texto.






Eis o texto


A religião cristã apresenta-se para muitos como um sistema religioso difícil de entender e, sobretudo,um enredado de leis demasiado complicadas para viver corretamente ante Deus. Não necessitaremos, nós cristãos, concentrar muito mais a nossa atenção em cuidar antes de mais nada do essencial da experiência cristã?

Os evangelhos recolheram a resposta de Jesus a um setor de fariseus que lhe perguntam qual é o mandamento principal da Lei. Assim resume Jesus o essencial: o primeiro é “amarás ao Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todo o teu ser”; o segundo é “amarás o teu próximo como a ti mesmo”.

A afirmação de Jesus é clara. O amor é tudo. O decisivo na vida é amar. Ali está o fundamento de tudo. O primeiro é viver ante Deus e ante os demais numa atitude de amor. Não devemos perder-nos em coisas acidentais e secundárias, esquecendo o essencial. Do amor parte todo o resto. Sem amor tudo fica pervertido.

 Ao falar do amor a Deus, Jesus não está a pensar nos sentimentos ou emoções que podem brotar do nosso coração; tampouco nos está a convidar para multiplicar as nossas rezas e orações. Amar o Senhor, nosso Deus, com todo o coração é reconhecer Deus como Fonte última da nossa existência, despertar em nós uma adesão total à Sua vontade e responder com fé incondicional ao Seu amor universal de Pai de todos.

Por isso junta Jesus um segundo mandamento. Não é possível amar Deus e viver de costas aos Seus filhos e filhas. Uma religião que predica o amor a Deus e se esquece dos que sofrem é uma grande mentira. A única postura realmente humana ante qualquer pessoa que encontramos no nosso caminho é amá-la e procurar o seu bem como queremos para nós mesmos.

Toda esta linguagem pode parecer demasiado velha, demasiado gasta e pouco eficaz. No entanto, também hoje o principal problema no mundo é a falta de amor, que vai desumanizando, uns atrás dos outros, os esforços e as lutas para construir uma convivência mais humana.

Há uns anos, o pensador francês Jean Onimus escrevia assim: “O cristianismo está todavia nos seus começos; leva-nos trabalhando só há dois mil anos. A massa é pesada e são necessários séculos de amadurecimento antes que a caridade a faça fermentar”. Nós seguidores de Jesus não devemos nos esquecer da nossa responsabilidade. O mundo necessita de testemunhos vivos que ajudem as futuras gerações a acreditar no amor, pois não há um futuro de esperança para o ser humano se acaba por perder a fé no amor.