Temas diversos. Observar, pensar, sentir, fazer crítica construtiva e refletir sobre tudo que o mundo e a própria vida nos traz - é o meu propósito. Um pequeno espaço para uma visão subjetiva, talvez impregnada de utopia, mas, certamente, repleta de perguntas, questionamentos, dúvidas e buscas, que norteiam a vida de muitas pessoas nos dias de hoje.

As perguntas sobre a existência e a vida humana, sobre a fé, a Bíblia, a religião, a Igreja (sobretudo a Igreja Católica) e sobre a sociedade em que vivemos – me ajudam a buscar uma compreensão melhor desses assuntos, com a qual eu me identifico. Nessa busca, encontrando as melhores interpretações, análises e colocações – faço questão para compartilhá-las com os visitantes desta página.

Dedico este Blog de modo especial a todos os adolescentes e jovens cuja vida está cheia de indagações.
"Navegar em mar aberto, vivendo em graça ou não, inteiramente no poder de Deus..." (Soren Kierkegaard)

terça-feira, 28 de junho de 2016

Brasil: nação indígena. – Uma reportagem esclarecedora e importante.


Hoje trago para o blog Indagações-Zapytania a reportagem Brasil: nação indígena, publicada em abril deste ano (2016) no site da Greenpeace Brasil.
Espero que a publicação dessa matéria também aqui, no meu blog, possa ser uma pequena contribuição na divulgação e defesa da causa indigena.

Vale a pena ler!

WCejnog


Brasil: nação indígena

19 - abr – 2016

Em mais de 500 anos de história, o preconceito e a violência contra os povos tradicionais perduram no Brasil

Índio Munduruku observa o pôr do sol no Rio Tapajós. 
(© Lunae Parracho / Greenpeace)

A Constituição de 1988 assegurou aos povos indígenas seu direito a terra, o respeito à sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições. Mas, agora, esses ‘territórios da diversidade’ estão sob intenso ataque de interesses políticos e econômicos - em especial, do agronegócio, da mineração e do hidronegócio, como é o caso da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, que ameaça diretamente o modo de vida do povo Munduruku.
Existem atualmente mais de 200 projetos de lei em tramitação no Congresso que visam enfraquecer a legislação e retirar direitos garantidos aos povos indígenas. Não por acaso, em 2015 foram registrados cerca de 100 conflitos por território envolvendo mais de 16 mil famílias indígenas, segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT).
Às vezes, parece que esquecemos que a origem indígena faz parte de nossa identidade como nação. Que sua diversidade tornou o Brasil um país plural e que seu modo de vida e relação com o meio ambiente ajudou a manter uma das mais ricas biodiversidades do mundo.
Floresta próxima ao Rio Tapajós, na região da Terra Indígena Sawré Muybu, do povo Munduruku, no Pará. (© Valdemir Cunha / Greenpeace)
Por isso, neste Dia do Índio (19 de abril), queremos celebrar os povos indígenas do Brasil e sua importância histórica para a identidade do país, mas também seu papel fundamental na proteção da floresta e do clima.
A proteção dos direitos constitucionais indígenas é de interesse de todos os brasileiros. O primeiro passo para mudar essa história marcada por violência e violações de direitos é vencer o desinteresse e, aos poucos, perceber a diferença como riqueza e traço cultural do Brasil. Por isso, respondemos abaixo alguns dos principais mitos que chegam a nós via redes sociais.
Índio, sim. Com muito orgulho.
Muita terra para pouco índio.
“Há muita terra para pouco índio? Não. Como costuma dizer o socioambientalista Márcio Santilli, ‘há muita terra para pouco fazendeiro’. Segundo o Censo de 2010 do IBGE, há 517 mil índios aldeados em menos de 107  milhões de hectares de terras indígenas, o equivalente a 12,5% do território brasileiro. E onde estão essas terras? Mais de 98% delas estão na Amazônia Legal – e menos de 2% fora de lá. Já os 46 mil maiores proprietários de terras, segundo o Censo Agropecuário do IBGE, exploram uma área maior do que essa: mais de 144 milhões de hectares.
Sobre a realidade da concentração fundiária no país, que continua a crescer, o Cadastro de Imóveis Rurais do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) mostra que as 130 mil grandes propriedades rurais particulares concentram quase 50% de toda a área privada cadastrada no Incra. Já os quase quatro milhões de minifúndios equivalem, somados, a um quinto disso: 10% da área total registrada. Em entrevista ao jornal O Globo, o pesquisador Ariovaldo Umbelino de Oliveira, coordenador do Atlas da Terra, afirmou que quase 176 milhões de hectares são improdutivos no Brasil. Prestar atenção nos números já é um começo para pensar, em vez de simplesmente aderir. [Artigo ‘Os Índios e o golpe na Constituição’, de Eliane Brum publicado no El País (13.04.2015)]
Por que a sobrevivência de um pequeno grupo de índios é mais importante que uma grande hidrelétrica para fornecer energia para milhões de brasileiros?
Hidrelétricas na Amazônia são como grandes elefante-brancos no meio da floresta. Trazem consigo efeitos desastrosos para a vida do rio, da floresta e dos povos que dependem deles para viver. Somos um país mega-diverso, graças também aos povos indígenas. Guardiões da floresta, eles protegem nossa biodiversidade. Estudos mostram que as Terras Indígenas são a forma mais eficiente para combater o desmatamento. As florestas dessas áreas são também mais resilientes e estocam mais carbono que qualquer outra área protegida.
O Brasil não precisa de novas hidrelétricas na Amazônia. Investindo em fontes renováveis como eólica e solar, o Brasil assegura a sobrevivência dos povos indígenas, da biodiversidade, além de diversificar sua matriz, trazendo mais segurança energética para todos os brasileiros.
Mas os índios já são muito beneficiados pelo governo e não oferecem nenhum retorno à nação.
Sabia que a demarcação de Terras indígenas e Unidades de Conservação são a maneira mais eficiente de proteger a floresta? Para se ter uma ideia, de acordo com o SAD, 80% dos alertas de desmatamentos identificados em janeiro deste ano estavam em áreas particulares, enquanto que nas TIs este número não chegou a 1%. Outro estudo recente, do World Resources Institute (WRI), demonstrou que, no Brasil, os níveis de desmatamento são 11 vezes mais baixos nas áreas da floresta amazônica em que há terras indígenas do que nas demais áreas de floresta. O estudo também revela que os estoques de carbono nessas áreas chegam a 17,65 bilhões de toneladas.
Considerando que a crise climática é o maior desafio atual da humanidade, ainda temos muito a aprender com os povos indígenas. O que pesquisas qualitativas têm mostrado é que os povos indígenas de todo mundo foram capazes de desenvolver estratégias próprias de adaptação às mudanças climáticas, coisa que os não-indígenas ainda estão longe de resolver.
O certo não seria “integrar” os índios à cultura urbana?
O caminho da integração forçada levou a exterminio de milhares de indígenas e não foi capaz de respeitar a auto-determinação  dos povos. Esta não é uma discussão entre certo e errado, mas de respeitar o modo de vida dos povos idígenas e a vontade destes em estabelecer um maior ou menor grau de aproximação com outras culturas.
Ao afirmar o direito dos índios de serem diferentes, A Constituição de 1988 reconheceu aos povos indigenas do Brasil o direito de permanecer  como tal, se assim o desejarem, cabendo ao Estado assegurar-lhes as condições necessárias para que isso ocorra - a começar pela demarcação das terras indígenas.
Os índios que usam roupas de gente branca e celular podem ser considerados “indígenas de verdade”?
De acordo com a Funai, existem 243 etnias indígenas no Brasil, que falam 150 línguas , sendo que apenas uma pequena parcela deste total fala português. Não é porque o índio usa roupa e tem um grupo no Whatsapp que ele deixa de ser índio. A identidade indígena está mais ligada a sua cultura, cosmologia, modo de vida e a sua língua original. Você se sente menos brasileiro quando fala no seu celular americano, fabricado na China?
Você deixa de ser brasileiro se muda de país, se deixa de comer acarajé e de falar português todos os dias? Todas as culturas - indígenas ou não - são dinâmicas, não estão paradas no tempo e, por isso, mesmo que deixem de praticar algum costume, de falar suas línguas e até de viver em seus territórios tradicionais, muitas vezes obrigados, continuam sendo quem são. As línguas indígenas que eram estimadas em mais de 1.000 antes da invasão portuguesa, foram reduzidas à atuais 150 graças à colonização e à catequese - que obrigaram, quase sempre à força, os povos indígenas a falar a língua do colonizador. Foi também por causa desse processo que muitos povos tiveram que abandonar alguns de seus principais costumes, mas, ainda assim, não deixaram de se considerar - nem de serem considerados - indígenas.

sábado, 25 de junho de 2016

Obrigado! Dziękuję!



Sem instalar-se nem olhar para trás. – Reflexão de José Antonio Pagola. Excelente!


> Mas Jesus disse-lhe: “Aquele que põe a mão no arado e olha para trás, não é apto para o Reino de Deus”.< (Lc 9, 62)

Abaixo, uma bonita reflexão, muito concreta e bem atual, que tem como pano de fundo o texto bíblico Lc 9,51-62. É de autoria do padre e teólogo espanhol José Antonio Pagola.
O texto foi publicado na no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).
Não deixe de  ler!
WCejnóg



IHU – Notícias
Sexta, 24  de junho de 2016.

Sem instalar-se nem olhar para trás

Seguir Jesus é o coração da vida cristã. O essencial. Nada há mais importante ou decisivo. Precisamente por isso, Lucas descreve três pequenas cenas para que as comunidades que leem seu evangelho tomem consciência de que, aos olhos de Jesus, não pode haver nada de mais urgente e inadiável.
Jesus utiliza imagens duras e escandalosas. Observa-se que quer sacudir as consciências.

Não procura mais seguidores, mas seguidores mais comprometidos, que o sigam sem reservas, renunciando a falsas seguranças e assumindo as rupturas necessárias.

Suas palavras colocam no fundo uma só questão: que relação queremos estabelecer com Ele, aqueles que nos dizemos seus seguidores?

Primeira cena

Um dos que o acompanham sente-se tão atraído por Jesus que, antes que o chame, ele mesmo toma a iniciativa: «Irei seguir-te aonde quer que fores». Jesus faz-lhe tomar consciência do que está dizendo: «As raposas têm tocas, e os pássaros ninhos», mas ele «não tem onde repousar a cabeça».

Seguir Jesus é toda uma aventura. Ele não oferece aos seus segurança ou bem-estar. Não ajuda a ganhar dinheiro ou a adquirir poder. Seguir Jesus é «viver de caminho», sem instalarmos no bem-estar e sem procurar um falso refúgio na religião. Uma Igreja menos poderosa e mais vulnerável não é uma desgraça. É o melhor que pode nos acontecer para purificar a nossa fé e confiar mais em Jesus.

Segunda cena

Outro está disposto a segui-lo, mas pede-lhe para cumprir primeiro com a obrigação sagrada de «sepultar seu pai». A nenhum judeu pode estranhar, pois trata-se de uma das obrigações religiosas mais importantes. A resposta de Jesus é desconcertante: «Deixe que os mortos sepultem seus próprios mortos: você vai anunciar o reino de Deus».

Abrir caminhos ao Reino de Deus trabalhando por uma vida mais humana é sempre a tarefa mais urgente. Nada deve atrasar nossa decisão. Ninguém deve reter-nos ou travar-nos. Os «mortos», que não vivem a serviço do reino da vida, já se dedicaram a outras obrigações religiosas menos urgentes que o reino de Deus e da sua justiça.

Terceira cena


A um terceiro que quer despedir-se da sua família antes de segui-Lo, Jesus diz-lhe: «Quem põe a mão no arado e olha para trás não serve para o Reino de Deus». Não é possível seguir Jesus olhando para trás. Não é possível abrir caminhos para o reino de Deus ficando no passado. Trabalhar no projeto do Pai requer dedicação total, confiança no futuro de Deus e audácia para caminhar atrás dos passos de Jesus.



sábado, 18 de junho de 2016

Acreditamos em Jesus? – Reflexão de José Antonio Pagola. Muito atual!


«E vós, quem dizeis que eu sou?» (Lc 9,20)

Abaixo, uma bonita reflexão, muito concreta e atual, que tem como pano de fundo o texto bíblico Lc 9,18-24 (Declaração de Simão Pedro que Jesus é Messias). As perguntas nos convidam e provocam para refletirmos sobre a autencidade ou não da nossa fé cristã nos dias de hoje.
É de autoria do padre e teólogo espanhol José Antonio Pagola.
O texto foi publicado na no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).
Não deixe de  ler!
WCejnog

  

IHU - Noticias

Sexta, 17 de junho de 2016

Acreditamos em Jesus?

A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho segundo Lucas 9, 18-24 que corresponde ào 12°Domingo do Tempo Comum, ciclo C do Ano Litúrgico. 
O teólogo espanhol José Antonio Pagola comenta o texto.

Eis o texto

As primeiras gerações cristãs conservaram a lembrança deste episódio evangélico como um relato de importância vital para os seguidores de Jesus. A sua intuição era certeira. Sabiam que a Igreja de Jesus deveria escutar uma e outra vez a pregunta que um dia fez Jesus aos seus discípulos nos arredores de Cesárea de Filipo: “Vós, quem dizeis que Eu sou?”.

Se nas comunidades cristãs deixarmos apagar a nossa fé em Jesus, perderemos a nossa identidade. Não conseguiremos viver com audácia criadora a missão que Jesus nos confiou; não nos atreveremos a enfrentar o momento atual, abertos à novidade do Seu Espírito; iremos asfixiar-nos na nossa mediocridade.

Não são tempos fáceis para nós. Se não voltarmos para Jesus com mais verdade e fidelidade, a desorientação nos paralisará; as nossas grandes palavras continuarão a perder credibilidade. Jesus é a chave, o fundamento e a fonte de tudo o que somos, dizemos e fazemos. Quem é hoje Jesus para os cristãos?

Nós confessamos, como Pedro, que Jesus é o «Messias de Deus», o Enviado do Pai. É certo: 
Deus amou tanto o mundo que nos ofereceu Jesus. Saberemos nós, os cristãos, acolher, cuidar, desfrutar e celebrar esta grande oferta de Deus? É Jesus o centro das nossas celebrações, encontros e reuniões?

Confessamos também «Filho de Deus». Ele pode nos ensinar a conhecer melhor Deus, a confiar mais na sua bondade de Pai, a escutar com mais fé sua chamada para construir um mundo mais fraterno e justo para todos. 
Descobrimos nas nossas comunidades o verdadeiro rosto de Deus encarnado em Jesus? Sabemos anunciá-Lo e comunicá-Lo como uma grande notícia para todos?

Chamamos a Jesus «Salvador» porque tem força para humanizar as nossas vidas, libertar as nossas pessoas e encaminhar a história humana para a sua verdadeira e definitiva salvação. 
É esta a esperança que se respira entre nós? É esta a paz que se contagia a partir das nossas comunidades?

Confessamos a Jesus como nosso único «Senhor». Não queremos ter outros senhores nem submeter-nos a falsos ídolos. Mas, ocupa Jesus realmente o centro das nossas vidas?, damos-lhe primazia absoluta nas nossas comunidades?, colocamo-Lo acima de tudo e de todos?  Somos de Jesus? É Ele quem nos anima e faz viver?

A grande tarefa dos cristãos é hoje juntar forças e abrir caminhos para reafirmar muito mais a centralidade de Jesus na Sua Igreja. Tudo o mais vem depois.




sexta-feira, 17 de junho de 2016

Quem deu o golpe, e contra quem. – Reflexões de Jessé Souza. É muito importante saber!



Trago hoje para o blog Indagações-Zapytania a matéria que foi publicada dia 15 de junho de 2016 pelo Leonardo Boff no seu blog.  Faço isto na esperança de poder contribuir um pouquinho na divulgação do texto muito contundente e esclarecedor de Jessé Souza*. Aproveito para parabenizar o Prof. Jessé por essa excelente análise. Penso que é muito importante a sociedade brasileira tomar conhecimento do que está acontecendo atualmente no Brasil e saber formar uma opinião verdadeira e justa, livre de manipulações.

É importante ler esse texto sem preconceito e/ou paradigmas já formados em relação à esquerda brasileira dos últimos anos (obviamente, quem os tenha), e ler até o final.  É importante!

WCejnóg



Blog leonardoboff.wordpress.com

15/06/2016
Quem deu o golpe, e contra quem

JESSÉ SOUZA: considero Jessé Souza do IPEA (se é que não foi demitido pelo governo interino) um dos analistas da sociedade brasileira dos mais lúcidos. Identifico-me com ele, a partir de tudo o que estudei da formação de nosso país, desde o seu primeiro historiador do século XVI Frei Vicente Salvador. Aqui expõe, suscintamente, o que se encontra em sua vasta obra, especialmente a última, A estultície da inteligência brasileira (Leya 2015). Estas reflexões nos desvelam o que se esconde atrás do impeachment contra Dilma. Temos um dos capitalismos mais arraigados e retrógrados do mundo. Ele nunca aceitou a democracia pois lhe prejudica os negócios e os privilégios. Por isso de tempos em tempos precisa dar golpes, por formas diferentes. A sede golpista se encontra na Avenida Paulista, particularmente na Fiesp em São Paulo onde o capitalismo selvagem vigora à vontade: Lboff

RESUMO 

Para o autor, decisão da Câmara a favor do processo de impeachment da presidente Dilma ameaça a democracia. Em texto que retoma ideias já expostas aqui e em seu livro mais recente, diz que esta crise, como outras, contou com a manipulação, mediada pela imprensa, da classe média pela “elite de dinheiro”.
O golpe foi contra a democracia como princípio de organização da vida social. Esse foi um golpe comandado pela ínfima elite do dinheiro que nos domina sem ruptura importante desde nosso passado escravocrata.

O ponto de inflexão da história recente do Brasil contra a herança escravocrata foi a revolução comandada por contraelites subordinadas que se uniram em 1930.
A visão pessoal de Getúlio Vargas transformou o que poderia ter sido um mero conflito interno de elites em disputa em uma possibilidade de reinvenção nacional.
O sonho era a transformação do Brasil em potência industrial com forte mercado interno e classe trabalhadora protegida, com capacidade de consumo. Nossa elite do dinheiro jamais sequer “compreendeu” esse sonho, posto que “afetivamente” nunca sentiu compromisso com os destinos do país.

Desde então o Brasil é palco de uma disputa entre esses dois projetos: o sonho de um país grande e pujante para a maioria; e a realidade de uma elite da rapina que quer drenar o trabalho de todos e saquear as riquezas do país para o bolso de meia dúzia.

A elite do dinheiro manda pelo simples fato de poder “comprar” todas as outras elites.
É essa elite, cujo símbolo maior é a bela avenida Paulista, que compra a elite intelectual de modo a construir, com o prestígio da ciência, a lorota da corrupção apenas do Estado, tornando invisível a corrupção legal e ilegal do mercado que ela domina; que compra a política via financiamento privado de eleições; e que compra a imprensa e as redes de TV, cujos próprios donos fazem parte da mesma elite da rapina.

De acordo com a conjuntura histórica, sempre que o Executivo está nas mãos do inimigo, imprensa e Congresso, comprados pelo dinheiro, se aliam a um quarto elemento que é o que suja as mãos de fato no golpe: as Forças Armadas antes, e o complexo jurídico-policial do Estado hoje em dia.

A história do Brasil desde 1930 é um movimento pendular entre esses dois polos. Getúlio caiu, como o desafeto histórico maior desta elite, por um conluio entre Congresso comprado, imprensa manipuladora e Forças Armadas que se imaginavam pairar acima dos conflitos sociais.

O suicídio do presidente adia em dez anos o golpe formal, que acontece em 1964 pela mesma articulação de interesses. O curioso, no entanto, é que dentro das Forças Armadas existia a mesma polarização que existia na sociedade.

INFRAESTRUTURA

O nacionalismo autoritário das Forças Armadas articula, por meio do 2º PND (Plano Nacional de Desenvolvimento) do presidente Geisel, uma versão ambiciosa do sonho getulista: investimento maciço em infraestrutura e setores-chave da vanguarda tecnológica com a disseminação de universidades e centros de pesquisa em todo o país.

Ainda que o capital privado fosse muito bem-vindo, a condução do projeto de longo prazo era do Estado. Foi o bastante para que os jornais se lançassem em uma batalha ideológica contra a “república socialista do Brasil” e os empresários descobrissem, de uma hora para outra, sua inabalável “vocação democrática”.
O processo de redemocratização comandado pela elite do dinheiro tem tal pano de fundo. As Diretas-Já, na verdade, espelham a volta da rapina de curto prazo e uma nova derrota do sonho de um “Brasil grande”.

Aqui já poderia ter ocorrido a conscientização de que a rapina selvagem é o fio condutor, e que a forma autoritária ou democrática que ela assume é mera conveniência. Mas o processo de aprendizado foi abortado. O público ficou sem saber por que o golpe tinha ocorrido e, depois, por que ele havia sido criticado. Criou-se uma anistia do “esquecimento” no mesmo sentido da queima dos papéis da escravidão por Rui Barbosa: para que jamais saibamos quem somos e a quem obedecemos.

Com o governo FHC, essa elite da rapina de curto prazo se insere, enfim, não apenas no mercado mas também, com todas as mãos, no Estado e no Executivo.
A festa da privatização para o bolso da meia dúzia de sempre, da riqueza acumulada pela sociedade durante gerações, se deu a céu aberto. A maior eficiência dos serviços, prometida à sociedade e alardeada pela imprensa, sempre solícita e sócia de todo saque, se deixa esperar até hoje.

Como uma imprensa a serviço do saque e do dinheiro não pode fazer todo mundo de tolo durante todo o tempo, e como ainda existem sonhos que o dinheiro não pode comprar, o Executivo mudou de mãos em 2002.
O novo governo tentou o mesmo projeto desenvolvimentista anterior, de apoio à indústria e à inteligência nacional. Mas seu crime maior foi a ascensão dos setores populares via, antes de tudo, a valorização real do salário mínimo.
Os mais pobres passaram a ocupar espaços antes exclusivos às classes do privilégio.

Parte da classe média sofria profundo incômodo diante dessa nova proximidade em shopping centers e aeroportos, mas “pegava mal” expressar o descontentamento em público. Pior, a classe média temia que essa classe ascendente pudesse vir a disputar os seus privilégios e os seus empregos.
O discurso da “corrupção seletiva” manipulado pela mídia permite que se enfrente agora o medo mais mesquinho com um discurso moralizador e uma atitude de pretenso “campeão da moralidade”. O que antes se dizia a boca pequena entre amigos agora pode ser dito com a camisa do Brasil e empunhando a bandeira nacional. Está criada a “base popular”, produto da mídia servil à elite da rapina.
A luta contra os juros desencadeada pela presidente Dilma em 2012 reedita a eterna crença da esquerda nacionalista brasileira na existência de uma “boa burguesia”, ou seja, a fração industrial supostamente interessada em um projeto de longo prazo de fortalecimento do mercado interno.

Mas todas as frações da elite já mamam na mesma teta dos juros altos que permite transferir recursos de todas as classes para o bolso dos endinheirados de modo invisível, funcionando como uma “taxa” que encarece todos os preços e transfere parte de tudo o que é produzido para os rentistas –inclusive da classe média feita de tola pela imprensa comprada.

Quando em abril de 2013 as taxas de juros voltam a subir, a elite está armada e unida contra a presidente. As “jornadas de junho” daquele ano vêm bem a calhar e, por força de bem urdida campanha midiática, transformam protestos localizados em uma recém-formada coalizão entre a elite endinheirada e a classe média “campeã da moralidade e da decência” contra o projeto inclusivo e desenvolvimentista da esquerda.

Como os votos dos pobres recém-incluídos são mais numerosos, no entanto, perde-se a campanha de 2014. Mas a aliança entre endinheirados e moralistas de ocasião se mantém e se fortalece com um novo aliado: o aparato jurídico-policial do Estado.

Construído pela Constituição de 1988 para funcionar como controle recíproco das atividades investigativas e jurisdicionais, todo esse aparato passa por mudanças expressivas desde então. Altos salários e demanda crescente por privilégios de todo tipo associados ao “sentimento de casta” que os concursos dirigidos aos filhos das classes do privilégio ensejam transformam esses aparelhos que tudo controlam, mas não são controlados por ninguém, em verdadeiros “partidos corporativos” lutando por interesses próprios dentro do aparelho de Estado.

A manipulação da “corrupção seletiva” pela imprensa é o discurso ideal para travestir, também aqui, os mais mesquinhos interesses corporativos em suposto “bem comum”. O troféu de “campeão da moralidade pública” passa a ser disputado por todas as corporações e se estabelece um conluio entre elas e a imprensa, que os vazamentos seletivos cuidadosamente orquestrados comprovam tão bem.
Esse é o elemento novo do velho golpe surrado de sempre. Ainda que o golpe tenha se dado no circo do Congresso em uma palhaçada denunciada por toda a imprensa internacional, sem o trabalho prévio dos justiceiros da “justiça seletiva” ele não teria acontecido.

O Estado policial a cargo da “casta jurídica” já está sendo testado há meses e deve assumir o papel de perseguir, com base na mesma “seletividade midiática”, o princípio: para os inimigos a lei, e para os amigos a “grande pizza”.
A “pizza” para os amigos já está em todos os jornais e acontece à luz do dia. O acirramento da criminalização da esquerda é o próximo passo. Esse é o maior perigo. Muita injustiça será cometida em nome da Justiça.

Mas existe também a oportunidade. Nem toda classe média é o aprendiz de fascista que transforma seu medo irracional em ódio contra os mais fracos, travestindo-o de “coragem cívica”.

Ainda que nossa classe média esteja longe de ser refletida e inteligente como ela se imagina, quem quer que tenha escapado do bombardeio diário de veneno midiático com dois neurônios intactos não deixará de estranhar o mundo que ajudou a criar: um mundo comandado por um sindicato de ladrões na política, uma justiça de “justiceiros” que os protege, uma elite de vampiros e uma sociedade condenada à miséria material e à pobreza espiritual. Esse golpe precisa ser compreendido por todos. Ele é o espelho do que nos tornamos.


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*  JESSÉ SOUZA, 56, autor de “A Tolice da Inteligência Brasileira” (Leya), presidente do Ipea, é professor titular de ciência política da UFF e foi professor convidado na Universidade de Bremen.  In: Google