Temas diversos. Observar, pensar, sentir, fazer crítica construtiva e refletir sobre tudo que o mundo e a própria vida nos traz - é o meu propósito. Um pequeno espaço para uma visão subjetiva, talvez impregnada de utopia, mas, certamente, repleta de perguntas, questionamentos, dúvidas e buscas, que norteiam a vida de muitas pessoas nos dias de hoje.

As perguntas sobre a existência e a vida humana, sobre a fé, a Bíblia, a religião, a Igreja (sobretudo a Igreja Católica) e sobre a sociedade em que vivemos – me ajudam a buscar uma compreensão melhor desses assuntos, com a qual eu me identifico. Nessa busca, encontrando as melhores interpretações, análises e colocações – faço questão para compartilhá-las com os visitantes desta página.

Dedico este Blog de modo especial a todos os adolescentes e jovens cuja vida está cheia de indagações.
"Navegar em mar aberto, vivendo em graça ou não, inteiramente no poder de Deus..." (Soren Kierkegaard)

sexta-feira, 29 de abril de 2016

A paz na Igreja. – Reflexão de José Antonio Pagola. Bem atual!

 


Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; mas não a dou como o mundo. Não se perturbe nem se intimide o vosso coração”. (Jo 14,27)

Abaixo, uma bonita reflexão e bem atual, que tem como pano de fundo o texto bíblico Jo 14, 23-29 (Palavras de despedida de Jesus) de autoria do teólogo espanhol José Antonio Pagola. O texto foi publicado no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).
Vale a pena ler e meditar!
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Sexta, 29 de abril de 2016
A paz na igreja
A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho segundo João 14, 23-29 que corresponde ao Sexto Domingo de Páscoa, ciclo C do Ano Litúrgico. O teólogo espanhol  José Antonio Pagola comenta o texto.

Eis o texto

No evangelho de João podemos ler um conjunto de discursos em que Jesus se despede de seus discípulos. Os comentadores chamam-lhe «O Discurso de despedida». Nele se respira uma atmosfera muito especial: os discípulos têm medo de ficar sem seu Mestre; Jesus, por sua parte, insiste em dizer-lhes que, apesar da sua partida, nunca sentirão sua ausência.

Até cinco vezes repete-lhes que ficarão com «o Espírito Santo». Ele os defenderá, pois os manterá fiéis à sua mensagem e ao seu projeto. Por isso chama-lhe «Espírito da verdade». Num momento determinado, Jesus explica-lhes melhor o que terão que fazer: «O Defensor, o Espírito Santo... os ensinará todas as coisas e fará vocês lembrarem tudo o que eu lhes disse.» Este Espírito será a memória viva de Jesus.

O horizonte que oferece a seus discípulos é grandioso. De Jesus nascerá um grande movimento espiritual de discípulos e discípulas que o seguirão defendidos pelo Espírito Santo. Eles ficarão na Sua verdade, pois esse Espírito irá ensinar-lhes tudo o que Jesus lhes foi comunicando pelos caminhos da Galileia. Ele os defenderá no futuro da perturbação e da covardia.

Jesus deseja que captem bem o que significará para eles o Espírito da verdade e Defensor da sua comunidade: «Deixo-vos a paz; dou-vos a paz». Não só lhes deseja a paz. Oferece-lhes a Sua paz. Se vivem guiados pelo Espírito, recordando e guardando as suas palavras, conhecerão a paz.

Não é uma paz qualquer. É a sua paz. Por isso lhes diz: «A paz que eu dou para vocês não é a paz que o mundo dá». A paz de Jesus não se constrói com estratégias inspiradas na mentira ou na injustiça, mas sim atuando com o Espírito da verdade. Devem reafirmar-se nele: «Que não trema o vosso coração nem se acovarde».

Nestes tempos difíceis de desprestígio e perturbação que estamos a sofrer na Igreja, seria um grave erro pretender defender a nossa credibilidade e autoridade moral atuando sem o Espírito da verdade prometido por Jesus. O medo continuará a penetrar no cristianismo se procuramos assentar a nossa segurança e a nossa paz afastando-nos do caminho traçado por Ele.


Quando na Igreja se perde a paz, não é possível recuperá-la de qualquer maneira, nem serve qualquer estratégia. Com o coração cheio de ressentimento e cegueira, não é possível introduzir a paz de Jesus. É necessário converter-nos humildemente à sua verdade, mobilizar todas as nossas forças para deixar caminhos errados, e deixar-nos guiar pelo Espírito que animou a vida inteira de Jesus.



sexta-feira, 22 de abril de 2016

Não perder a identidade. – Reflexão de José Antonio Pagola. Muito atual!


“Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros”. (Jo 13, 35)

A reflexão que trago hoje para o blog Indagações-Zapytania é de autoria do teólogo espanhol José Antônio Pagola. Considero ela muito interessante e, sobretudo, bem atual para os cristãos de hoje. Tem como pano de fundo o texto bíblico Jo 13,31-33a.34-35 (Jesus deixa aos seus discípulos  um novo mandamento: “Amai-vos uns aos outros”).
Foi publicado no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).

Não deixe de ler.
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sexta, 22 de abril de 2016.

A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho segundo João 13, 31-33a.34-35 que corresponde ao Quinto Domingo de Páscoa, ciclo C do Ano Litúrgico. O teólogo espanhol José Antonio Pagola comenta o texto.

Eis o texto.

Jesus se despede de seus discípulos. Em pouco tempo, já não estará mais com eles. Jesus fala-lhes com uma ternura especial: “Filhinhos: vou ficar com vocês só mais um pouco”. A comunidade é pequena e frágil. Acaba de nascer. Os discípulos são como crianças pequenas. Que acontecerá com eles se ficarem sem o Mestre?

Jesus lhes dá um presente: “Eu dou a vocês um mandamento novo: amem-se uns aos outros”.  Se eles se amarem entre eles com o amor que Jesus os amou, Jesus continuará presente no meio deles. O amor que receberam de Jesus continuará difundindo-se entre os seus.

Por isso Jesus acrescenta: “Se tiverem amor uns para com outros, todos reconhecerão que vocês são meus discípulos”. O que permitirá descobrir que uma comunidade que se diz cristã é realmente de Jesus, não será a confissão de uma doutrina, nem a observância de uns ritos, nem o cumprimento de uma disciplina, mas o amor vivido com o espirito de Jesus. Nesse amor está sua identidade.

Vivemos numa sociedade onde foi se impondo a “cultura dos intercâmbios”. As pessoas intercambiam objetos, serviços e prestações. Com frequência, intercambiam também sentimentos, corpos e até amizade. “Eric Fromm chegou a dizer que o amor é um fenômeno marginal na sociedade contemporânea”. As pessoas capazes de amar são uma exceção.

Provavelmente esta seja uma análise excessivamente pessimista, mas o certo é que para viver hoje o amor cristão é necessário resistir-se a atmosfera que envolve a sociedade atual.  Não é possível viver um amor inspirado por Jesus sem tomar distância do estilo de relações e intercâmbios interessados que predominam com frequência entre nós.

Se a Igreja está se diluindo no meio da sociedade contemporânea não é só pela profunda crise das instituições religiosas. No caso do cristianismo é, também, porque muitas vezes não é fácil ver nas nossas comunidades discípulos e discípulas de Jesus que se distingam pela sua capacidade de amar como Ele amava. Falta-nos o distintivo cristão.

Os cristãos, temos falado muito sobre o amor. No entanto, não sempre acertamos ou atrevemo-nos a dar lhe o verdadeiro conteúdo a partir do espírito e das atitudes concretas de Jesus. Falta-nos aprender que ele viveu o amor como um comportamento ativo e criador que o levava a uma atitude de serviço e de luta contra todo aquilo que desumaniza e faz sofrer o ser humano.



sexta-feira, 15 de abril de 2016

Escutar sua voz e seguir seus passos. – Reflexão de José Antonio Pagola. Excelente!



“Disse Jesus: <As minhas ovelhas ouvem a minha voz, eu as conheço e elas me seguem.>”. (Jo 10,27)

Abaixo, uma curta mas muito valiosa e atual reflexão que tem como pano de fundo o texto bíblico Jo 10, 27-30 (Jesus é o verdadeiro pastor e as suas ovelhas escutam a sua voz).
O texto é de autoria do teólogo espanhol José Antonio Pagola e foi publicado no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).
Não deixe de ler!

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Sexta, 15 de abril de 2016

Escutar sua voz e seguir seus passos

A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho segundo João 10, 27-30 que corresponde ao Quarto Domingo de Páscoa, ciclo C do Ano Litúrgico. O teólogo espanhol José Antonio Pagola comenta o texto.

Eis o texto

A cena é tensa e conflitiva. Jesus está caminhando no recinto do templo. De repente, um grupo de judeus o rodeia acossando-o com ar ameaçador. Jesus não se intimida, ele os critica abertamente pela sua falta de fé: “Vós não acreditais porque não sois ovelhas minhas”. O evangelista diz que, ao terminar de falar, os judeus tomaram pedras para apedrejá-lo.

Para provar que não são suas ovelhas, Jesus atreve-se a explicar-lhes o que significa ser dos Seus. Só destaca os traços, os mais essenciais e imprescindíveis: “As minhas ovelhas escutam a minha voz... elas me seguem”. Depois de vinte séculos, nós, os cristãos, necessitamos recordar de novo que o essencial para ser a Igreja de Jesus é escutar a sua voz e seguir seus passos.

Em primeiro lugar é despertar a capacidade de escutar Jesus. Desenvolver muito mais nas nossas comunidades essa sensibilidade, que está viva em muitos cristãos simples que sabem captar a Palavra que vem de Jesus em toda sua frescura e sintonizar com a Boa Nova de Deus. João XXIII disse numa ocasião que «a Igreja é como uma velha fonte de aldeia de cuja torneira há de correr sempre água fresca”.  Nessa velha Igreja de vinte séculos temos de fazer correr a água fresca de Jesus.

Se não queremos que a nossa fé se vá diluindo progressivamente em formas decadentes de religiosidade superficial, no meio de uma sociedade que invade as nossas consciências com mensagens, slogans, imagens, comunicados e reclames de todo o gênero, temos de aprender a colocar no centro das nossas comunidades a Palavra viva, concreta e inconfundível de Jesus, nosso único Senhor.


Mas não basta escutar sua voz. É necessário seguir Jesus. Chegou o momento de decidirmos entre contentar-nos com uma “religião burguesa” que tranquiliza as consciências mas afoga nossa alegria, ou aprender a viver a fé cristã como uma aventura apaixonante de seguir Jesus.


A aventura consiste em acreditar no que Ele acreditou, dar importância as diferentes realidades como Ele fez, defender a causa do ser humano como Ele a defendeu, aproximar-nos dos indefesos e desvalidos como Ele se acercou, ser livres para fazer o bem como Ele, confiar no Pai como Ele confiou e enfrentar-nos com a vida e a morte com a esperança com que Ele enfrentou.



sexta-feira, 8 de abril de 2016

Sem Jesus não é possível. – Reflexão de José Antonio Pagola. Bem atual!



“Disse-lhes Simão Pedro: “Vou pescar”. Responderam-lhe eles: “Também nós vamos contigo”. Partiram e entraram na barca. Naquela noite, porém, nada apanharam.” (Jo 21,3)


O comentário que trago hoje para o blog Indagações, do padre e teólogo espanhol José Antônio Pagola, é muito bom e bem atual, sobretudo para as pessoas engajadas nos serviços dentro da Igreja.  Tem como pano de fundo o texto bíblico Jo 21, 1-19 (Jesus ressuscitado aparece aos discípulos na beira do lago da Galiléia).
Foi publicado no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).

Vale a pena ler e interiorizar o conteúdo.
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sexta, 08 de abril de 2016

Sem Jesus não é possível
                       

A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho segundo João, capítulo 21, 1-19, que corresponde ao Terceiro Domingo de Páscoa, ciclo C do Ano Litúrgico. O teólogo espanhol José Antonio Pagola comenta o texto.

Eis o texto

O encontro de Jesus ressuscitado com seus discípulos junto ao lago da Galileia está descrito com clara intenção catequética. No relato está subjacente o simbolismo central da pesca no meio do mar. Sua mensagem não pode ser mais atual para os cristãos: apenas a presença de Jesus Ressuscitado pode dar eficácia ao trabalho evangelizador dos discípulos.

O relato descreve, em primeiro lugar, o trabalho que os discípulos levam a cabo na escuridão da noite. Tudo começa com uma decisão de Simão Pedro: «Vou pescar». Os discípulos restantes aderem a ele: «Também nós vamos contigo». Estão de novo juntos, mas falta Jesus. Saem para pescar, mas não embarcam escutando a sua chamada, mas sim seguindo a iniciativa de Simão Pedro.

O narrador deixa claro que este trabalho se realiza de noite e resulta infrutuoso: «aquela noite não colheram nada». A «noite» significa, na linguagem do evangelista, a ausência de Jesus que é a Luz. Sem a presença de Jesus ressuscitado, sem o seu alento e a sua palavra orientadora, não há evangelização fecunda.

Com a chegada do amanhecer, Jesus apresenta-se. Desde a margem, comunica-se por meio da Palavra. Os discípulos não sabem que é Jesus, só o reconhecem quando, seguindo docilmente suas indicações, logram um entendimento surpreendente. Aquilo só se pode dever a Jesus, o Profeta que um dia os chamou para serem «pescadores de homens».

A situação de não poucas paróquias e comunidades cristãs é crítica. As forças diminuem. Os cristãos mais comprometidos multiplicam-se para abarcar todo o tipo de tarefas: sempre os mesmos e os mesmos para tudo. Temos de continuar intensificando os nossos esforços e procurando o rendimento a qualquer preço, ou temos de nos deter para cuidar melhor da presença viva do Ressuscitado no nosso trabalho?

Para difundir a Boa Nova de Jesus e colaborar eficazmente no seu projeto, o mais importante não é «fazer muitas coisas», mas cuidar melhor da qualidade humana e evangélica do que fazemos. O decisivo não é o ativismo, mas sim o testemunho de vida que nós, os cristãos, possamos irradiar.

Não podemos ficar na «epiderme da fé». É o momento de cuidar, antes de qualquer coisa, do essencial. Enchemos as nossas comunidades de palavras, textos e escritos, mas o decisivo é que, entre nós, se escute a Jesus. Fazemos muitas reuniões, mas a mais importante é a que nos congrega cada domingo para celebrar a Ceia do Senhor.  Só nele se alimenta a nossa força evangelizadora.



quarta-feira, 6 de abril de 2016

Cristianismo como projeto civilizatório. – Excelente texto de Frei Betto. Vale a pena ler!



Hoje trago para o blog Indagações-Zapytania um excelente texto, com as colocações bem claras, diretas e bem explicativas sobre a essência do cristianismo.  O texto é a reprodução do Colóquio "Sociedade e Espiritualidade” proferido por Frei Betto durante a Conferência na Academia Brasileira de Letras, no mês de março deste ano (2016). Da minha parte quero parabenizar o autor por todas essas colocações.
Acredito que uma leitura serena dessas palavras e uma reflexão sobre o seu conteúdo possam ajudar muito às pessoas que, como cristãs, sentem-se inseguras e/ou até ‘perdidas’ no mundo de hoje, quando o assunto é a fé cristã e a pertença à Igreja.
Realmente, vale a pena ler!

WCejnóg


Cristianismo como projeto civilizatório

Conferência na Academia Brasileira de Letras
– Colóquio "Sociedade e Espiritualidade” –
 15 de março de 2016

Por Frei Betto*

O Brasil é um país de matriz cristã. Pergunte-se a um homem ou mulher do povo como é a sua visão de mundo e, certamente, se escutará uma resposta tecida em categorias religiosas.


O cristianismo, em sua versão católica, chegou ao nosso país de braços dados com o projeto colonizador português. Integrar-se à civilização, tal como a concebia a Península Ibérica, era tornar-se cristão. Esta a obsessão missionária de Anchieta: anular as convicções religiosas dos povos originários da terra brasilis, consideradas idólatras, para introduzir o cristianismo segundo a teologia europeia ocidental, em uma agressão à cultura indígena.

Os colonizadores trouxeram os africanos como escravos. Estes tinham que se submeter ao batismo para entrar no inferno aqui na Terra, sob a promessa de que, bem dóceis à vontade e aos perversos caprichos dos brancos, haveriam de merecer o Paraíso celestial como recompensa. Pregava-se Jesus crucificado à senzala, para que se resignasse aos atrozes sofrimentos, e o Sagrado Coração de Jesus à casa grande, para que abrisse seus cofres às obras da Igreja.

A flauta e a hóstia consagrada

No início do século XX, um padre destinado a catequizar uma aldeia do Xingu ficou indignado ao constatar que o ritual religioso centrava-se numa flauta tocada pelo xamã, cuja música estabelecia a conexão com o Transcendente. Trancadas nas malocas, mulheres e crianças eram proibidas de assistir à cerimônia.

Escoltado por soldados, o missionário trouxe a flauta para o centro da aldeia, fez vir mulheres e crianças e, diante de todos, quebrou o instrumento musical rechaçado como idolátrico e pregou a presença de Jesus na hóstia consagrada.

Ora, o que impede um grupo indígena de ingressar na igreja da Candelária, abrir o sacrário, rasgar as hóstias consagradas e jogá-las no lixo? Apenas a falta de uma escola suficientemente armada.

Fé e política

Nós, ocidentais, dessacralizamos o mundo ou, como prefere Max Weber, o desencantamos. A ponto de se decretar "a morte de Deus”. Se abraçamos paradigmas tão cartesianos, felizmente em crise, isso não é motivo para "quebrar a flauta” dos povos que levam a sério suas raízes religiosas.

Hoje, erra o Oriente por ignorar a conquista moderna de laicidade da política e da autonomia recíproca entre religião e Estado. Erra o Ocidente por "sacralizar” a economia capitalista, endeusar a "mão invisível” do mercado e desdenhar as tradições religiosas, pretendendo confiná-las aos templos e à vida privada.

Os orientais se equivocam por confessionalizar a política, como se as pessoas se dividissem entre crentes e não crentes (ou adeptos da minha fé e os demais). Ora, o marco divisor da população mundial é a injustiça que segrega 4 dos 7 bilhões de habitantes.

Por sua vez, os ocidentais cometem grave erro ao pretender impor a todos os povos, pela força e pelo dinheiro, seu paradigma civilizatório fundado na acumulação da riqueza, no consumismo e na propriedade privada acima dos direitos humanos.

Cristianismo à imagem e semelhança do capitalismo

Muitos de nós, presentes nesta sala da Academia Brasileira de Letras, somos filhos e filhas do século XX, e nascemos em famílias católicas. Fomos batizados e crismados, fizemos a Primeira Comunhão, aprendemos a rezar e a ter devoção a santos e santas.

Esse cristianismo se casava perfeitamente com a moral burguesa que divorciava o pessoal do social, o privado do público. Pecado era se masturbar, mas não pagar um salário injusto a uma empregada doméstica confinada na casa em um quartinho irrespirável, desprovida de direitos trabalhistas e obrigada a desempenhar múltiplas tarefas. Pecado era faltar à missa aos domingos, e não impedir uma criança negra de frequentar o colégio religioso dos brancos. Pecado era ter maus pensamentos, e não pagar, em uma noite, por uma garrafa de vinho, o que o garçom que abastecia as taças não ganhava em três meses de trabalho.

Como ressaltou Max Weber, o cristianismo dotou de espírito o capitalismo. Há que ter fé na mão invisível do mercado, assim como se crê no Deus que não se vê. Há que estar convencido de que tudo depende de méritos pessoais, e que a pobreza resulta de pecados capitais como a preguiça e a luxúria. Há que ter presente que muitos são os chamados, mas poucos os escolhidos para desfrutarem, já na Terra, as alegrias que o Senhor promete aos eleitos nas mansões celestiais...

Não foi o cristianismo que converteu o Império Romano, na época de Constantino. Foram os romanos que converteram a Igreja em potência imperial. Do mesmo modo, não foi o cristianismo que evangelizou o Ocidente, foi o capitalismo ocidental que o impregnou com seu espírito de usura, de individualismo, de competitividade. E o que a história nos expõe como resultado?

Todas as nações escravocratas da modernidade eram cristãs. Eram cristãs as nações que promoveram o genocídio indígena na América Latina. É cristão o país que cometeu o mais grave atentado terrorista de toda a história, ao calcinar milhares de pessoas com as bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki. Eram cristãos os governos que deflagraram as duas grandes guerras do século XX. Ostentavam o título de cristãs as ditaduras que, no século passado, proliferaram na América Latina, patrocinadas pela CIA. São cristãos os países que mais devastam o meio ambiente. Como são cristãos os que mais produzem pornografia e abastecem o narcotráfico. São cristãs muitas nações, como o Brasil, na qual a desigualdade social é gritante.
De que diabos de cristianismo estamos falando? Certamente não daquele que refletiria a prática e os valores testemunhados por Cristo.

Jesus veio fundar uma religião?

Fomos educados na ideia de que Jesus veio fundar uma religião ou uma Igreja. Isso não condiz com o que dizem os evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João, as principais fontes sobre a pessoa de Jesus.

Em todos os quatro evangelhos a palavra Igreja (ecclesia, em grego) aparece apenas duas vezes, e assim mesmo em um único evangelista, Mateus. E os evangelhos comprovam que Jesus foi severo crítico da religião vigente na Palestina de seu tempo, basta ler o capítulo 23 de Mateus.

Já a expressão Reino de Deus (ou Reino dos Céus, em Mateus) aparece mais de cem vezes na boca de Jesus. O teólogo Alfred Loisy dizia que Jesus pregou o Reino, mas o que veio foi a Igreja...

Jesus viveu, morreu e ressuscitou no reino de César, título dado aos 11 primeiros imperadores romanos. Desde o ano 63 antes de nossa era a Palestina estava sob o domínio do Império Romano. Era mais uma província fortemente controlada política, econômica e militarmente desde Roma. Toda a atuação de Jesus se deu sob o reinado do imperador Tibério Cláudio Nero César, que permaneceu no poder do ano 14 ao 37. A Palestina na qual viveu Jesus era governada por autoridades nomeadas por Tibério, como o governador Pôncio Pilatos (que, curiosamente, ficou imortalizado no Credo cristão) e a família do rei Herodes. Predominava ali uma sociedade tributária dirigida por um poder central mantido pelos impostos cobrados do povo, das comunidades rurais e das cidades.

Portanto, falar de outro reino, o de Deus, dentro do reino de César, equivaleria a, hoje em dia, falar de democracia em tempo de ditadura. Isso explica porque todos nós, cristãos, somos discípulos de um prisioneiro político. Jesus não morreu de hepatite na cama nem de desastre de camelo numa rua de Jerusalém. Como tantos perseguidos por governos autoritários que foram presos, torturados e mortos, ele também foi preso, torturado, julgado por dois poderes políticos e condenado à morte na cruz. A pergunta a se fazer é esta: que qualidade de fé têm, hoje, os cristãos, que nem sequer reagem a essa desordem estabelecida, na qual, segundo a Oxfam, 62 famílias detêm em mãos fortuna equivalente à soma da renda de 3,6 bilhões de pessoas, metade da humanidade?

Ao contrário do que muitos pensam, para Jesus o Reino de Deus não era algo apenas lá em cima, no Céu. Era, sobretudo, algo a ser conquistado nesta vida e nesta Terra. "Vim para que todos tenham vida e vida em abundância” (João 10, 10). E ele foi, por excelência, o homem novo, protótipo do que deverão ser todos os homens e mulheres do ‘Reino’ futuro, a civilização do amor, da justiça e da solidariedade.

As bases desse projeto civilizatório e seus valores estão espelhados na prática e nas palavras de Jesus. Se agirmos como ele, esse novo mundo haverá de se tornar realidade. Esta é a essência da promessa de Jesus.

A centralidade do humano

Você pode não ter fé cristã e até mesmo aversão à Igreja. Mas você trilha a senda de Jesus se é uma pessoa faminta de justiça, despida de qualquer preconceito a seres humanos, capaz de partilhar seus bens com os necessitados, preservar o meio ambiente, ter compaixão e saber perdoar, e ser solidário às causas que defendem os direitos dos pobres.

Jesus não veio nos abrir a porta dos céus. Veio resgatar a obra originária de Deus, que nos criou para viver em um paraíso, conforme o livro do Gênesis. Se o paraíso não se realizou, é porque abusamos de nossa liberdade na ânsia de tornar meu o que, de direito, é de todos.

Jesus não veio como um extraterrestre que nos traria um catálogo de verdades estranhas ao nosso mundo. Veio re-velar, desvelar, tirar o véu, ou seja, nos fazer enxergar o que já é parte do nosso proceder, do nosso cotidiano, mas que não tínhamos ideia de seu valor transcendente.

Ele veio nos alertar: o mundo que Deus quer tem esse perfil, essas características! Mundo no qual não há excluídos, famintos, injustiçados. Mundo no qual a solidariedade reina sobre a competitividade e a reconciliação sobre a vingança.

Esse projeto de Deus, anunciado por Jesus, tem a sua centralidade, não em Deus, mas no ser humano, imagem e semelhança de Deus. Só na relação com o próximo se pode amar, servir e cultuar Deus.

Os missionários que colonizaram a América Latina queimaram indígenas, como o cacique Hatuey, em Cuba, por cultuarem outro deus que não o dos cristãos. Ora, Jesus não pregou aos fariseus e saduceus um outro Deus, diferente daquele cultuado pelos judeus no Templo de Jerusalém. Pregou que o ser supremo para o ser humano é o ser humano. Em Mateus 25, 31-46, Jesus se identifica com o faminto, o sedento, o imigrante, o desnudado, o enfermo e o prisioneiro. E frisa que serve a Deus quem liberta o próximo de um mundo que produz essas formas de opressão e exclusão.

Portanto, o que Jesus veio introduzir entre nós não foi uma Igreja ou uma nova religião. Foi um novo projeto civilizatório, baseado no amor ao próximo e à natureza, e na partilha dos bens da Terra e dos frutos do trabalho humano. Uma nova civilização em que todos seriam incluídos: coxos, cegos, hansenianos, mendigos e prostitutas. E na qual a vida, dom maior de Deus, seria por todos desfrutada em plenitude.

Como alcançar tal projeto civilizatório? Jesus acentuou nitidamente que para isso é preciso renunciar, como valores ou meta de vida, o ter, o prazer e o poder, simbolizados nos episódios das tentações sofridas por ele no deserto (Lucas 4, 1-13). E ao contrário do que se supõe, quem o faz encontra o que todo ser humano mais anseia, a felicidade ou, nos termos do Evangelho, a bem-aventurança, explicitada por Jesus em oito vias que imprimem sentido altruísta às nossas vidas (Mateus 5, 3-12). Há que ser solidário com os excluídos, como o bom samaritano; compassivo, como o pai do filho pródigo; despojado, como a viúva que doou ao Templo o dinheiro que não lhe era supérfluo. Há que assegurar a todos condições dignas de vida, como na partilha dos pães e dos peixes. Há que denunciar os que colocam a lei acima dos direitos humanos e fazem da casa de Deus um covil de ladrões. Há que fazer de nossa carne e de nosso sangue, pão e vinho para que todos, como irmãos e irmãs, em torno da mesma mesa, comunguem o milagre da vida unidos por um só Espírito.

Ora, se estamos de acordo com o fundamento de toda a pregação de Jesus – de que o ser supremo para o ser humano é o próprio ser humano – então só nos resta perguntar por que tantos seres humanos, neste mundo globocolonizado em que vivemos, estão condenados, por estruturas injustas, à miséria, à exclusão, à imigração forçada, à morte precoce, enfim, a uma vida de sofrimento e opressão.

E tenham ou não fé em Deus, todos que se empenham em combater as causas da injustiça fazem a vontade de Deus segundo a palavra de Jesus. E acreditam que esse "reino de César” deve ser abolido para ceder lugar a um outro reino, no qual todos terão assegurados, por suas estruturas, a vida em plenitude. E nisso se resume o projeto de Deus para a história humana e a utopia anunciada por Jesus.

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*   Frei Betto é escritor, autor de "Um homem chamado Jesus” (Rocco), entre outros livros.



Fonte: Adital