Temas diversos. Observar, pensar, sentir, fazer crítica construtiva e refletir sobre tudo que o mundo e a própria vida nos traz - é o meu propósito. Um pequeno espaço para uma visão subjetiva, talvez impregnada de utopia, mas, certamente, repleta de perguntas, questionamentos, dúvidas e buscas, que norteiam a vida de muitas pessoas nos dias de hoje.

As perguntas sobre a existência e a vida humana, sobre a fé, a Bíblia, a religião, a Igreja (sobretudo a Igreja Católica) e sobre a sociedade em que vivemos – me ajudam a buscar uma compreensão melhor desses assuntos, com a qual eu me identifico. Nessa busca, encontrando as melhores interpretações, análises e colocações – faço questão para compartilhá-las com os visitantes desta página.

Dedico este Blog de modo especial a todos os adolescentes e jovens cuja vida está cheia de indagações.
"Navegar em mar aberto, vivendo em graça ou não, inteiramente no poder de Deus..." (Soren Kierkegaard)

sexta-feira, 30 de junho de 2017

A família não é intocável. – Reflexão de José Antonio Pagola. Excelente!



"Quem ama seu pai ou sua mãe mais do que a mim não é digno de mim; quem ama seu filho ou sua filha mais do que a mim não é digno de mim; e quem não toma a sua cruz e não me segue, não é digno de mim.” (Mt 10, 37-38)
  
Abaixo, uma pequena, porém muito expressíva reflexão, concreta e atual, que tem como pano de fundo o texto bíblico Mt 10, 37-42 (As exigências para quem quer seguir Jesus).  É de autoria do padre e teólogo espanhol José Antonio Pagola.
O texto foi publicado na no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).
Não deixe de  ler!
WCejnóg




IHU – ADITAL
30 junho 2017.

A família não  é intocável

A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo segundo Mateus capítulo 10, 37-42 que corresponde ao 13º Domingo do Tempo Comum, ciclo A do Ano Litúrgico. O teólogo espanhol José Antonio Pagola comenta o texto.

Eis o texto

Com frequência, nós crentes temos defendido a “família” no abstrato, sem pararmos para refletir sobre o conteúdo concreto de um projeto familiar entendido e vivido desde o Evangelho. E, no entanto, não basta defender o valor da família sem mais, porque a família pode traduzir-se de formas muito diferentes na realidade.

Há famílias abertas ao serviço da sociedade e famílias debruçadas sobre os seus próprios interesses. Famílias que educam no egoísmo e famílias que ensinam solidariedade. Famílias libertadoras e famílias opressoras.

Jesus defendeu com firmeza a instituição familiar e a estabilidade do matrimônio. E criticou duramente os filhos que se desentendem com os seus pais. Mas a família não é para Jesus algo absoluto e intocável. Não é um ídolo. Há algo que está acima e é anterior: o reino de Deus e a Sua justiça.

O decisivo não é a família de carne, mas essa grande família que temos de construir entre todos os Seus filhos e filhas, colaborando com Jesus em abrir caminhos ao reino do Pai. Por isso, se a família se converte em obstáculo para seguir Jesus neste projeto, Jesus exigirá a ruptura e o abandono dessa relação familiar: “O que ama o seu pai ou a sua mãe mais do que a mim não é digno de mim. O que ama o seu filho ou a sua filha mais do que a mim não é digno de mim”.

Quando a família impede a solidariedade e a fraternidade com os outros e não deixa os seus membros trabalharem pela justiça querida por Deus entre os homens, Jesus exige uma liberdade crítica, mesmo que isso traga consigo conflitos e tensões familiares.

São as nossas casas uma escola de valores evangélicos como a fraternidade, a procura responsável de uma sociedade mais justa, a austeridade, o serviço, a oração, o perdão? Ou são precisamente lugar de “des-evangelização” e correia de transmissão dos egoísmos, injustiças, convencionalismos, alienações e superficialidades da nossa sociedade?

Que dizer da família onde se orienta o filho para um status egoísta, uma vida instalada e segura, um ideal do máximo lucro, esquecendo tudo mais? Se está educando o filho quando o estimulamos apenas para a competição e a rivalidade, e não para o serviço e a solidariedade?

É esta a família que tem de defender os católicos? É esta a família onde as novas gerações podem escutar o Evangelho? Ou é esta a família que também hoje temos de “abandonar”, de alguma forma, para sermos fiéis ao projeto de vida querido por Jesus?




quinta-feira, 29 de junho de 2017

Em que Deus acreditamos? – Comentário de Maria Cristina Giani. Muito bom!



Os apóstolos disseram ao Senhor: «Aumenta a nossa fé!» O Senhor respondeu: «Se vocês tivessem fé do tamanho de uma semente de mostarda, poderiam dizer a esta amoreira: ‘Arranque-se daí, e plante-se no mar’. E ela obedeceria a vocês.
Se alguém de vocês tem um empregado que trabalha a terra ou cuida dos animais, por acaso vai dizer-lhe, quando ele volta do campo: ‘Venha depressa para a mesa’? Pelo contrário, não vai dizer ao empregado: ‘Prepare-me o jantar, cinja-se e sirva-me, enquanto eu como e bebo; depois disso você vai comer e beber’? Será que vai agradecer ao empregado, porque este fez o que lhe havia mandado? Assim também vocês: quando tiverem cumprido tudo o que lhes mandarem fazer, digam: ‘Somos empregados inúteis; fizemos o que devíamos fazer’.»  (Lc 17, 5-10)

Achei muito bom o comentário escrito por Maria Cristina Giani - Missionária de Cristo Ressuscitado,  sobre o texto Lc 17, 5-10 (Jesus fala sobre a fé).
Compartilhar com os outros as reflexões, ideias e colocações interessantes – é o meu  propósito, por isso trago esse texto também para o blog Indagações-Zapytania.
Foi publicado no ano passado (em Setembro de 2016)  no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).
Vale a pena conferir!
WCejnóg



Comentário

O evangelho de hoje começa abruptamente com um pedido que pode soar até desesperado por parte dos discípulos: “Aumenta a nossa fé!”. Se lermos o versículo anterior, talvez entenderemos melhor a necessidade deles.

Jesus lhes tinha dito: “Prestem atenção! Se o seu irmão peca contra você, chame a atenção dele. Se ele se arrepender, perdoe. Se ele pecar contra você sete vezes num só dia, e sete vezes vier a você, dizendo: ‘Estou arrependido’, você deve perdoá-lo” (Lc 17,3-4).

Diante de tal proposta de vida, de estilo de relações permeadas pela misericórdia, os discípulos cientes de suas limitações percebem que só poderão viver este projeto se crerem naquele que os amou e continua amando incondicionalmente. Aquele que faz possível o impossível (Lc 1,37).

Quantas vezes cada um/a de nós nos sentimos pequenos, incapazes de viver o evangelho da Misericórdia em diferentes situações cotidianas? São nesses momentos que os primeiros discípulos de Jesus vêm em nosso auxílio para que peçamos ao nosso Mestre comum: “Aumenta a nossa fé!”.

A resposta de Jesus deixa os discípulos de ontem e de hoje perplexos! Com a metáfora da semente de mostarda, Ele não está questionando o “tamanho” ou a quantidade da fé, senão a qualidade da mesma.

Sabemos que o grão de mostarda é uma semente bem pequena, da qual germina uma grande árvore em cujos ramos as aves do céu fazem seus ninhos (Lc 13,18-19). Se a semente é boa não importa seu tamanho, dará seus frutos. O mesmo acontece com a fé, se a “qualidade” de nossa fé é boa será possível que movimentemos montanhas!

Agora bem, falar da “qualidade” de nossa fé é nos perguntarmos seriamente em quem cremos, em que Deus cremos? É o Deus de Jesus?

Ao longo dos evangelhos vemos as discussões que tem Jesus com os letrados e sábios de seu tempo pela imagem que eles têm de Deus, que nada tem a ver como o Pai de Jesus. A grande missão de  Jesus foi dar a conhecer o verdadeiro rosto de Deus, que é Amor, que é misericórdia, e dessa maneira  levou adiante uma “revolução de misericórdia”, como expressa o evangelho de hoje para desespero dos discípulos.

Mas se acreditamos no Deus de Jesus, confiamos que seu Espírito nos capacita diariamente para colaborar com esta “revolução de misericórdia”, sendo pessoas capazes de perdoar, de ser pacientes e tolerantes.

Acreditar no Deus misericordioso de Jesus é, em primeiro lugar, acolher em nossa própria vida Sua misericórdia sem limites e restrições. Só assim poderemos atuá-la no nosso cotidiano.

Em seu primeiro Angelus na praça São Pedro, o Papa Francisco disse claramente: “Deus não se cansa nunca de perdoar, nós é que nos cansamos de pedir perdão!”

Por isso a oração dos discípulos no evangelho de hoje a podemos traduzir em um pedido a Jesus para que nos ensine a confiar e a acolher o amor misericordioso de Deus e assim viver com alegria seu reino de amor.

Confissão de fé do Povo de Deus

Mulheres e homens,
de muitos sangues,
porém de um só coração
e numa mesma Pátria Grande,
Te confessamos e Te amamos
como o Coração do Céu
e o Coração da Terra,
em todos os tempos adorado
por todas as culturas,
caminho em todos os caminhos dos Povos.

Confiamos na força e no júbilo do teu Espírito,
que nos sustenta e nos impulsa
e nos faz cantar e dançar
e nos leva pelas veredas da utopia,
apesar da dor
e contra o império da destruição.

Sabemos que vencerá os ídolos da morte,
adorados no lucro e na prepotência,
assassinos de milhões de vidas,
meninas e adultas,
em nosso continente e em todo o Terceiro Mundo.

Cremos que nos amas,
porque és o Amor.
Sabemos que nos queres sempre mais 

semelhantes a Ti,
Vida, Presença e Comunhão,
mulheres novas e homens novos,
na comunidade fraterna de teu Povo,
a caminho da Terra sem males,
o novo Céu e a nova Terra
que nos tens preparado como herança.

Dom Pedro Casaldáliga

Fonte: IHU - Adital


sábado, 24 de junho de 2017

A falta de vergonha e a ausência de culpa na corrupção brasileira. - Artigo de Leonardo Boff. Excelente!


O artigo  de Leonardo Boff A falta de vergonha e a ausência de culpa na corrupção brasileira  oferece uma ótima reflexão sobre algumas caraterísticas nada gloriosas da sociedade brasileira.  É um artigo bem atual e útil, principalmente  nos dias de hoje, quando perplexos diariamente assistimos  ao vivo (!)  - transmitido por grande mídia, tampouco isenta de imparcialidade  -  ao absurdo e escandaloso “espetáculo” da grande parte da classe política e empresarial corrupta brasileira...  Mais ainda, quando constatamos que participam desse indecente ‘show’  todas as instituiçãos dos Três Poderes.  

Por que isso existe? Quais são as causas? Como entender essa “falta de vergonha” dos corruptos e corruptores e, muitas vezes, sua absoluta falta de sentimento de culpa? – Essas são algumas das indagações analisadas no artigo pelo autor.

Aproveito este momento para parabenizar Leonardo Boff por mais essa importante contribuição, e por considerar este texto muito oportuno para uma objetiva reflexão que a sociedade brasileira precisa fazer, para contribuir um pouco na sua divulgação - trago-o também para o blog Indagações-Zapytania.

O artigo foi publicado pelo autor no seu blog leonardoBOFF.com, no ano passado (em julho de 2016).
Vale a pena ler e refletir.

WCejnóg


Blog leonardoBOFF.com
22/07/2016

A falta de vergonha e a ausência de culpa na corrupção brasileira. 

Depois que surgiu a psicanálise e o estruturalismo não podemos mais nos restringir ao consciente e aos ditames da razão na análise dos fenômenos humanos, pessoais e coletivos. Há um universo pré-consciente, sub-consciente e inconsciente (pessoal e coletivo), subjacente a nossas práticas, a serem considerados.

Quero me ater apenas a duas vertentes que influenciam nossos comportamentos: são os legados das duas principais culturas ancestrais que subjazem no nosso inconsciente coletivo e que nos ajudam a entender fenômenos atuais, como por exemplo, a tresloucada corrupção que atravessa o corpo social brasileiro: a cultura grega e a cultura judaico-cristã.

Da cultura grega herdamos o sentimento de vergonha. O conceito correlato é a do herói. Ter vergonha para os gregos consistia em se frustrar em qualquer empreendimento como na guerra e na convivência social. Perder uma batalha constituía uma vergonha coletiva para todo um povo. Perder numa competição nas Olimpíadas provocava vergonha. Triunfar e ser bem sucedido preenchia os requisitos do herói.

Hoje esta categoria está presente em nossa sociedade. É um herói o jogador que conseguiu o gol da vitória do time de sua predileção. Vergonha coletiva é o Brasil perder de 7x1 na Copa Mundial de futebol contra a Alemanha. Conseguir altos índices de crescimento e de lucro de uma empresa faz do empresário um herói. Perder uma eleição produz vergonha. A vergonha tem a ver com a imagem que projetamos socialmente. Ela tem que causar admiração e respeito. Caso contrário faz as pessoas se envergonharem.

A outra vertente é constituída pela tradição judaico-cristã. A categoria central é a culpa. Geralmente colocamos a culpa nos outros. Se fracassamos num negócio, é por culpa da crise econômica. Se o matrimônio se desfez é por culpa de um dos parceiros. Se há uma desgraça ecológica é por culpa dos moradores que se instalaram em áreas de risco. Às vezes, colocamos a culpa em nós mesmos por um acidente de tráfico ou por erros que produzem uma ruinosa administração.

A culpa atinge a interioridade e afeta a consciência. A repercução não é tanto diante dos outros que talvez nem saibam de nosso malfeito, mas diante do tribunal da consciência. Esta nos remete logo a Deus, pois entre a consciencia e Deus não há mediação. Estamos direta e imediatamente diante dele.

A culpa nos causa remorsos e o sentimento de culpa que pode produzir uma punição. O oposto à culpa é o sentimento de ser justo e reto, dois conceitos definidores de uma pessoa “justa” (santa) no sentido bíblico.

Sentir vergonha e dar-se conta da culpa constituem as bases de uma consciência ética. Não precisar se envergonhar diante dos outros e não se sentir culpado diante da consciência e de Deus são sinais de retidão de vida e de uma atitude ética correta.

Qual é o nosso problema concernente à escandalosa corrupção passiva e ativa no Brasil? É a acabada falta de vergonha e a completa ausência de culpa dos corruptos e corruptores diante de seus malfeitos.

Mesmo surpreendidos no ato de corrupção, ouvimos sempre o mesmo ritornello: “não sou culpado de nada”, “sou injustiçado”, “sou completamente inocente”. E trata-se de pessoas notoria e comprovadamente corruptas. Perderam a noção total de culpa e não dão nenhuma importância à vergonha pública de seus atos. Seguem desfilando, tranquilos e a frequentar os melhores restaurantes.

Raramente ouve-se a indignação ética com os gritos de “corrupto, ladrão”. Mas os corruptos nem se incomodam e continuam no seu desfrute.

Já Aristótles na sua Ética a Nicômano estabelecia a vergonha e o rubor do rosto como um indicativo da presença de uma consciencia ética. Sem essa vergonha, a pessoa era realmente um “sem vergonha”, um mau caráter, sem sentido dos valores.

Essa falta de vergonha e de sentimento de culpa se transformou, entre nós no Brasil, numa especial de segunda natureza, tornada uma prática usual. Por isso, quase todo o tecido social é contaminado pelo virus da corrupção, dos corruptores e dos corrompidos.

Mas ela chegou nos dias atuais a níveis tão escandalosos que não podem mais ser tolerados pela sociedade e pelos cidadãos que ainda guardam uma consciência ética, do que é reto e correto, justo e bom.

A corrupção como prática pessoal e social, sem sermos moralistas e utópicos, tem que ser banida e reduzida a níveis compatíveis com a condição humana decaída e corruptível. Há que se resgatar o sentimento de vergonha e de culpa, sem o que nossos esforços serão inócuos.


Fonte: blog leonardoBOFF.com


sexta-feira, 23 de junho de 2017

Os nossos medos. – Reflexão de José Antonio Pagola. Muito atual!



"Portanto, não tenham medo deles. Não há nada escondido que não venha a ser revelado, nem oculto que não venha a se tornar conhecido. O que eu digo a vocês na escuridão, falem à luz do dia; o que é sussurrado em seus ouvidos, proclamem dos telhados.
Não tenham medo dos que matam o corpo, mas não podem matar a alma. Antes, tenham medo daquele que pode destruir tanto a alma como o corpo no inferno.”  (Mt 10, 26-28)

Abaixo, uma pequena reflexão, muito concreta e atual, que tem como pano de fundo o texto bíblico Mt 10, 26-33 (Sermão missionário de Jesus).  É de autoria do padre e teólogo espanhol José Antonio Pagola.
O texto foi publicado na no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).
Não deixe de  ler!
WCejnóg

IHU – Adital
23 junho 2017.

Os nossos medos 

A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo segundo Mateus capitulo 10,26-33 que corresponde ao 12º Domingo do Tempo Comum, ciclo A do Ano Litúrgico. O teólogo espanhol José Antonio Pagola comenta o texto.

Eis o texto

Quando o nosso coração não está habitado por um amor forte ou uma fé firme, facilmente a nossa vida fica à mercê dos nossos medos. Às vezes é o medo de perder prestígio, segurança, conforto ou bem-estar o que nos trava de tomar as decisões. Não nos atrevemos a arriscar a nossa posição social, o nosso dinheiro ou a nossa pequena felicidade.

Outras vezes paralisa-nos o medo de não sermos acolhidos. Atemoriza-nos a possibilidade de ficarmos sós, sem a amizade ou o amor das pessoas. Ter de enfrentarmos a vida diária sem a companhia próxima de ninguém.

Com frequência vivemos preocupados apenas em ficar bem. Nos dá medo fazer o ridículo, confessar as nossas verdadeiras convicções, dar testemunho da nossa fé. Tememos as críticas, os comentários e a rejeição dos outros. Não queremos ser classificados. Outras vezes invade-nos o temor do futuro. Não vemos claro o nosso caminho. Não temos segurança em nada. Talvez não confiemos em ninguém. Nos dá medo enfrentar o amanhã.

Sempre foi tentador para os crentes procurar na religião um refúgio seguro que nos liberte dos nossos medos, incertezas e temores. Mas seria um erro ver na fé o refúgio fácil dos pusilânimes, dos covardes e ariscos.

A fé confiada em Deus, quando é bem entendida, não conduz o crente a eludir a sua própria responsabilidade ante os problemas. Não o leva a fugir dos conflitos para encerrar-se comodamente no isolamento. Pelo contrário, é a fé em Deus a que enche o seu coração de força para viver com mais generosidade e de forma mais arriscada. É a confiança viva no Pai que ajuda a superar covardias e medos para defender com mais audácia e liberdade o reino de Deus e a sua justiça.

A fé não cria homens covardes, mas pessoas resolutas e audazes. Não fecha os crentes em si mesmos, mas abre-os mais à vida problemática e conflitiva de cada dia. Não os envolve na preguiça e na comodidade, mas anima-os para o compromisso.

Quando um crente escuta verdadeiramente no seu coração as palavras de Jesus: “Não tenham medo”, não se sente convidado a fugir de seus compromissos, mas alentado pela força de Deus a enfrentá-los.





quinta-feira, 22 de junho de 2017

Papados conservadores “destruíram a Igreja inserida na vida dos pobres” no Brasil e AL. – Entrevista com Pe. Paulo Sérgio Bezerra. Muito esclarecedora!




A entrevista com Pe. Paulo Sérgio Bezerra,  que hoje trago para o blog Indagações-Zapytania, é muito interessante e pode ser bastante útil para as pessoas que  procuram compreender melhor a questão de Teologia da Libertação. Foi publicada no início deste ano (2017)  no blog CAMINHO PRA CASA, por Mauro Lopes.
Vale a pena conferir!

W. Cejnog






Publicado em 21 de janeiro de 2017
[por Mauro Lopes]

Padre Paulo: papados conservadores “destruíram Igreja inserida na vida dos pobres” no Brasil e AL


Padre Paulo ao fim de um batizado em 2015

Padre Paulo Sérgio Bezerra não cede um milímetro sequer no seguimento dos ensinamentos da Igreja à luz do Evangelho e da renovação do Concílio Vaticano II, como um dos protagonistas da Teologia da Libertação na periferia de São Paulo. Padre desde 1980, há 34 anos está na Paróquia Nossa Senhora do Carmo, na Diocese de São Miguel Paulista, em Itaquera, bairro pobre da zona leste da cidade.
O sacerdote, de 63 anos, foi formado pela escola do cardeal dom Paulo Evaristo Arns, falecido em dezembro de 2016 e dom Angélico Sândalo Bernardino, bispo da região Leste II da cidade de São Paulo e hoje emérito da diocese de Blumenau (SC), aos 84 anos. Isso anos antes que João Paulo II dividisse a Arquidiocese em 1989, numa articulação para esvaziar a liderança de dom Paulo e nomear bispos conservadores para as novas dioceses, que trataram de demolir toda a construção da “Igreja rumo à periferia” na antevisão de dom Paulo, agora retomada pelo Papa Francisco, que tem convocado os católicos para novamente partirem “às periferias existenciais” de uma “Igreja em saída”.

A matriz e as capelas das sete comunidades da paróquia estão sempre cheias, quase duas mil pessoas frequentam as celebrações e participam da vida da Igreja local.  Acorrem às missas presididas por padre Paulo gente de toda a cidade, em busca de uma liturgia que fuja ao rigorismo dos tradicionalistas ou ao estilo neopentecostal dos carismáticos. “Aqui não tem ‘milagres’ nem se fala em línguas”, diz ele, desolado com o ambiente da Igreja em boa parte da cidade: “A questão para os padres hoje, em larga escala, é indumentária. Tem padre que usa barrete, solidéu preto, é um fetiche indumentário que sequer é propriamente uma teologia tradicionalista, conservadora, apesar de serem conservadores, reacionários”. Ele não desanima, está empolgado com a primavera da Igreja promovida por Francisco: “Quando em 2013 aquele homem curvou-se para a multidão no dia do anúncio de seu nome, na praça São Pedro, nem precisei ir ao Google pra saber quem era; entendi que havia chegado um novo tempo”.

Um tempo novo que se abre depois da terra arrasada. Para ele, a ofensiva conservadora de 35 anos dos papados de João Paulo II e Bento XVI quase liquidou com a Igreja na América Latina e no Brasil, com a perseguição aos leigos, leigas, padres, freiras, teólogos, teólogas e até bispos vinculados à Igreja dos pobres, à Teologia da Libertação e, sobretudo, às Comunidades Eclesiais de Base (CEBs): “Eles destruíram com a Igreja organizada em comunidades, pequenos círculos, inserida na vida das famílias pobres ao redor do país e da região”.

Entre outubro e novembro de 2016, padre Paulo sofreu uma campanha agressiva promovida por blogs católicos ultraconservadores. Motivo: ter recebido em celebrações na Igreja, durante a novena de Nossa Senhora do Carmo, pessoas como o deputado Chico Alencar (PSOL), Guilherme Boulos, líder nacional do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), a filósofa Marilena Chauí e, sobretudo, a drag queen Albert Roggenbuck (Dindry Buck). No caso da de Buck, os rigoristas deixaram de informar que a jovem é catequista em outra paróquia da região. Os integristas moveram intensa campanha de ódio contra o padre nas redes sociais, incentivaram um abaixo assinado pela remoção dele e mantiveram uma reunião constrangedora e inquisitorial com o bispo, dom Manuel Parrado Carral. Não deu em nada. “No abaixo assinado deles tinha até gente do Acre, no norte do país, mas aqui na paróquia pouquíssimas pessoas deram bola para isso”, afirmou padre Paulo. Em reportagem da TVCarta sobre as ações da paróquia, padre Paulo questionou: “Porque o Alckmin, por exemplo, chega e fala na basílica nacional (de Aparecida) e ninguém questiona?” (veja aqui).

Ele concedeu entrevista ao blog Caminho pra Casa em duas rodadas de conversas, entre 12 e 16 de janeiro –todas as observações entre colchetes são intervenções do autor deste blog.

Entrevista

Caminho pra Casa: As celebrações na paróquia Nossa Senhora do Carmo estão sempre cheias e a mobilização da comunidade é sempre muito forte. O que acontece aqui?

Padre Paulo Sérgio Bezerra: Bem, talvez seja melhor dizer o que não acontece aqui. Aqui não tem ‘milagres’ nem se fala em línguas (risos). Há mais de 30 anos o que fazemos aqui é manter a linha do Vaticano II. Seis anos depois de minha ordenação decidi fazer pós-graduação em Liturgia e sempre procurei inspirar-me na renovação do Concílio que pretendeu uma caminhada litúrgica dinâmica, com o povo. Ao longo dos anos houve um enrijecimento litúrgico notável, que negou em boa medida o espírito do Vaticano II, ao lado do surgimento da onda de padres cantores e celebrações com acento neopentecostal, mas buscamos nos manter fiéis e eu tentei manter-me amparado no ensinamento de dom Paulo (Evaristo Arns) e dom Angélico (Sândalo Bernardino). Para eles, como filhos diretos do Vaticano II, a Liturgia deveria refletir e ser concretização de uma vida pastoral de compromisso com os pobres. Não se sacralizavam as normas litúrgicas, mas elas eram adaptadas à vida da Igreja como Povo de Deus. Com os anos a liturgia virou uma “vaca sagrada”; ninguém toca. E não tem mais vida, não pulsa.

É mesmo impressionante o que aconteceu. Onde estão os profetas da Igreja?

Há muitos profetas ainda, mas o fato é que em largas fatias do clero há três palavras que são imperativas: dinheiro, dinheiro, dinheiro. A questão para os padres hoje, em larga escala, é indumentária. Tem padre que usa barrete, solidéu preto, é um fetiche indumentário que sequer é propriamente uma teologia tradicionalista, conservadora, apesar de serem conservadores, reacionários.


Padre Paulo na abertura da Campanha da Fraternidade de 1985, 
sob o tema “Pão para quem tem fome” – na Zona Leste de São Paulo.

Estamos começando a sair de uma situação difícil, muito difícil. Como superar esses anos de fechamento e esclerose? Como enfrentar a Teologia da Prosperidade que se tornou como uma praga dentro da Igreja, seduzindo fiéis, padres, bispos, tanto teologicamente como pessoalmente? Sim, a prosperidade financeira tornou-se “projeto de vida”. É uma virada enorme a ser feita. Comblin perguntava: quem na Igreja realizará a missão continental? Dom Angélico disse-me mais de uma vez, depois de tantos livros publicados sobre o Papa Francisco: “é preciso parar com essa coisa de escreve livros e passar à pratica pastoral que ele aponta para a Igreja.


Padre Paulo preparando homilia dominical

Isto ficou claro desde o começo, não?

Sim. Quando em 2013 aquele homem curvou-se para a multidão no dia do anúncio de seu nome, na Praça São Pedro, nem precisei ir ao Google pra saber quem era; entendi que havia chegado um novo tempo.

Está tudo na Evangelii Gaudium! [a Exortação Apostólica de Francisco, A Alegria do Evangelho, sobre o anúncio do Evangelho –a íntegra aqui]
Ela foi lançada em novembro de 2013 e será que os cardeais rebelados não leram? Tenho certeza que sim, mas esperaram o momento para atacar, que é o que vemos hoje.

A Igreja do Vaticano II, a Igreja das primeiras comunidades, está tudo lá na Evangelii Gaudium. Com ela, Francisco liquidou todo o edifício hierárquico de fundo monárquico que foi construído nesses anos todos. Olha! [Pega um exemplar da carta apostólica e indica] O Papa fala nos novos caminhos logo no tópico 1, anuncia um novo desenho de Igreja, a partir dos processos e de uma amarração de elaboração coletiva… Leia aqui no número 16: “(…) não se deve esperar do magistério papal uma palavra definitiva ou completa sobre todas as questões que dizem respeito à Igreja e ao mundo”.[1]

Tudo o que a Igreja experimentou no Sínodo da Família e com a Amoris Laetitiaestava indicado desde a Evangelii Gaudium. É a Igreja das autonomias, dos processos, não mais das decisões monárquicas; por isso os que estavam no poder estão reagindo desse jeito brutal. Eles querem manter o poder!

O cenário é muito tenso. Há muita gente na estrutura da Igreja rezando por uma morte rápida de Francisco. Mas precisamos ter coragem de mudar. Os planos pastorais, que hoje são verticais e inspirados nos planos das empresas, precisam ser refeitos todos, com a participação e decisão do povo. Houve um tempo, o da Teologia da Libertação, em que a liderança da vida da Igreja estava com o episcopado profético; depois foi esse desastre; o futuro está nas mãos dos leigos.
Há muito trabalho pela frente.

Com Francisco, a Igreja, que se tornou nos últimos 35 anos totalmente irrelevante, domesticada volta a cumprir sua missão: ser luz do mundo, incomodar, ser profética. Precisamos ser esta luz não apenas em Roma, mas em todos os cantos.

O que está acontecendo na paróquia em que o senhor atua?

Bem, tentamos manter uma pequena chama acesa esses anos todos. Há sinais aqui e ali, parece que a Igreja começa, lentamente, a acordar da  anestesia, em meio aos  conflitos internos brutais.

Buscamos ter um governo da Igreja partilhado com todos, dentro de nossas fragilidades.

Um aspecto importante de nossa dinâmica, além do cotidiano de viver e compartilhar com as pessoas é a celebração anual de Nossa Senhora do Carmo, nossa padroeira. Desde 2006 tornamos a novena preparatória da festa como espaço privilegiado de reflexão; em cada ano foi um tema: democracia, meio ambiente, mulheres, saúde… É um período de distribuição de documentos, cartas e da encíclica Laudato Sii sobre o planeta. Convidamos pessoas que refletem sobre essas questões para partilhar com nossa comunidade, aqui estiveram nesses anos todos gente como Vladimir Safatle, Marilena Chauí, Guilherme Boulos, o padre Luiz Lima, Chico Alencar, Marcelo Barros, Boff…

A partir de 2015 mudamos a novena para um ciclo em sete domingos, um septenário, que permite uma reflexão mais aprofundada e é mais adaptado à esse ritmo frenético da vida  das pessoas.

O senhor é alvo de uma perseguição constante de grupos católicos ultraconservadores, que foram até pedir sua remoção ao bispo

Sim. Essa história foi quando trouxemos a drag queen Dindry Buck [Alberto Roggenbuck] para dar testemunho, como católica e drag, sobre as provocações que a vida lhe traz e como vive a sua fé. Ela sequer estava caracterizada assim durante a celebração. Por sinal, o que os conservadores não dizem é que ela é catequista numa paróquia vizinha. Fizeram um escarcéu porque ela falou na missa, levantou o cálice durante a consagração e ajudou na distribuição da eucaristia. Quando veio a Marilena Chauí fizeram um escândalo porque ela teria comungado da “hóstia do padre”. Mas isso só revela ignorância litúrgica, pois a hóstia é da assembleia.

No abaixo assinado deles tinha até gente do Acre, no norte do país, mas aqui na paróquia pouquíssimas pessoas deram bola pra isso.
Eu fico tranquilo, porque sei que não sou o alvo. O alvo verdadeiro é a eclesiologia do Papa Francisco.


Padre Paulo e padre Júlio Lancelotti visitam Guilherme Boulos, 
preso durante repressão da PM a sem teto em São Paulo em 17 de dezembro

Quais as perspectivas em curto prazo?

A comunidade aqui da região fundou em 2010 o IPDM (Igreja Povo de Deus em Movimento), que pretende ser um núcleo de articulação, reflexão e oração em torno da proposta do Papa para a Igreja, numa perspectiva ecumênica. Com isso, começamos a “expandir” as fronteiras da paróquia para dialogarmos com pessoas e movimentos em outros cantos, estabelecer novas pontes. É uma prioridade para mim e muita coisa já está sendo feita.

Além disso, fomos “provocados” pelo Boulos [Guilherme Boulos, líder nacional do MTST].  Em dezembro ele nos convidou para assumirmos a evangelização nas ocupações de sem teto a partir de uma perspectiva também ecumênica. Estamos nos organizando para isso. É um desafio. E pensar que nos anos 80 em todas as ocupações aqui na zona leste (e não só aqui) estavam presentes padres e seminaristas aos montes, era a Igreja “em saída”, “nas periferias existências”, desafio para o qual o Papa Francisco nos re-convoca. É um começar de novo, mas entendendo que vivemos uma época totalmente nova; há ocupações de milhares de pessoas sem moradia em toda a cidade e a Igreja ou inexiste ou tem uma presença tímida, e mesmo essa presença tímida sofre em muitos casos a perseguição dos católicos reacionários. [em 17 de janeiro, dia seguinte à segunda rodada da entrevista, Guilherme Boulos foi preso numa desocupação violenta realizada pela PM no leste de São Paulo e o padre Paulo, ao lado dos padres Júlio Lancelotti, vigário da Pastoral do Povo da Rua, e Tarcísio Mesquita, da Paróquia Nossa Senhora do Bom Parto, também na Zona Leste, acorreram para a delegacia, em solidariedade –e foram todos os três sacerdotes alvos de postagens agressivas e ofensivas dos movimentos católicos integristas nas redes sociais]

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[1] “Com prazer, aceitei o convite dos Padres sinodais para redigir esta Exortação. Para o efeito, recolho a riqueza dos trabalhos do Sínodo; consultei também várias pessoas e pretendo, além disso, exprimir as preocupações que me movem neste momento concreto da obra evangelizadora da Igreja. Os temas relacionados com a evangelização no mundo atual, que se poderiam desenvolver aqui, são inumeráveis. Mas renunciei a tratar detalhadamente esta multiplicidade de questões que devem ser objeto de estudo e aprofundamento cuidadoso. Penso, aliás, que não se deve esperar do magistério papal uma palavra definitiva ou completa sobre todas as questões que dizem respeito à Igreja e ao mundo. Não convém que o Papa substitua os episcopados locais no discernimento de todas as problemáticas que sobressaem nos seus territórios. Neste sentido, sinto a necessidade de proceder a uma salutar ‘descentralização’” (16).