Temas diversos. Observar, pensar, sentir, fazer crítica construtiva e refletir sobre tudo que o mundo e a própria vida nos traz - é o meu propósito. Um pequeno espaço para uma visão subjetiva, talvez impregnada de utopia, mas, certamente, repleta de perguntas, questionamentos, dúvidas e buscas, que norteiam a vida de muitas pessoas nos dias de hoje.

As perguntas sobre a existência e a vida humana, sobre a fé, a Bíblia, a religião, a Igreja (sobretudo a Igreja Católica) e sobre a sociedade em que vivemos – me ajudam a buscar uma compreensão melhor desses assuntos, com a qual eu me identifico. Nessa busca, encontrando as melhores interpretações, análises e colocações – faço questão para compartilhá-las com os visitantes desta página.

Dedico este Blog de modo especial a todos os adolescentes e jovens cuja vida está cheia de indagações.
"Navegar em mar aberto, vivendo em graça ou não, inteiramente no poder de Deus..." (Soren Kierkegaard)

sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Não só palavras, mas ações. - Comentário de Ana Maria Casarotti. Muito interessante!



Jesus lhes disse: "Digo a verdade: Os publicanos e as prostitutas estão entrando antes de vocês no Reino de Deus. Porque João veio para mostrar o caminho da justiça, e vocês não creram nele, mas os publicanos e as prostitutas creram. E, mesmo depois de verem isso, vocês não se arrependeram nem creram nele. (Mt 21, 31b-32)

Hoje, para quem estiver interessado em entender melhor o texto bíblico Mt 21- 28-32 (a parábola dos dois filhos. Um disse sim ao pai, mas não foi trabalhar; o outro disse não, mas foi para trabalhar na vinha do pai. Quem deles fez a vontade do pai? - fica a pergunta), trago para o blog Indagações-Zapytania duas reflexões.

A primeira é À nossa frente, do padre e teólogo José Antonio Pagola, que pode ser acessada no link: IHU - Comentário do Evangelho.

E a outra, Não só palavras, mas açõesmuito interessante, segue abaixo. É de autoria de Ana Maria Casarotti, Missionária de Cristo Ressuscitado. O texto foi publicado no site do Instituto Humanitas Unisinos.

Vale a pena ler e refletir!
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IHU-ADITAL
Não só palavras, mas ações.
29 setembro 2017.


Leitura do Evangelho segundo Mateus 21,28-32. (Correspondente ao 26° Domingo do Tempo Comum, ciclo A do Ano Litúrgico).
O comentário é de Ana Maria Casarotti, Missionária de Cristo Ressuscitado.

Não só palavras, mas ações

O texto que a liturgia oferece hoje deve ser lido dentro do contexto de um diálogo entre Jesus e as autoridades religiosas do Templo. O Templo era considerado para eles o centro da sua vida, muitas vezes acima do respeito às diferentes culturas e formas de agir e pensar.

As autoridades se achavam quase donas do poder de Deus que era distribuído segundo os critérios da Lei, mas que comportava uma grande variedade de acepções colocadas e controladas por eles ao longo de vários anos.

Desta forma, consideravam-se no direito de receber ou rechaçar e excluir distintas pessoas e situações que não estavam conforme a “Lei o exigia”.

Formavam parte desse grupo os deficientes, publicanos e pecadores, as prostitutas, os gentios e em geral todos e todas aquelas que não viviam conforme o legalismo por eles praticado. Eram pessoas pobres, simples, e seu trabalho não lhes permitia conhecer nem cumprir as normas da Lei.

A narrativa inicia-se com uma pergunta: “O que vocês acham disto?”. E continua contando uma nova parábola, uma história autêntica ou fictícia que visa ensinar uma verdade. A linguagem figurada era o método regularmente aplicado nas sinagogas e o povo estava acostumado a escutá-lo e entendê-lo.

Há três figuras que aparecem no relato: um pai e dois filhos. O homem parece dono de uma vinha e chama seus filhos para trabalhar nela: um deles, o mais velho, responde que não tem vontade, mas depois vai, e o outro diz que sim, mas não vai.

A pergunta de Jesus aos ouvintes é: Qual dos dois fez a vontade do pai? A resposta diante dessa pergunta parece imediata: Os chefes dos sacerdotes e os anciãos do povo responderam: “O filho mais velho”.

Não importa o que foi dito ou prometido, mas, sim, o que foi realizado. Desde a resposta dos chefes do Templo e dos anciãos do povo, Jesus aproveita para ensinar-lhes as duras consequências de suas atitudes diante do povo. As pessoas que eles rejeitam serão os primeiros no Reino do Céu! “Entrarão antes de vocês no Reino do Céu.”

Estas pessoas simples, afastadas por eles das práticas religiosas, têm a capacidade de reconhecer sua necessidade e sabem escutar a palavra certa, como aconteceu com João Batista. Pessoas que se consideram indigentes, miseráveis, pobres, e por isso a necessidade de uma palavra de consolo, que os conforte e os fortaleça na dura situação que estão vivendo.

Nesta parábola, Jesus deixa bem claro que o importante não são as palavras pronunciadas, mas levar uma vida de acordo com isso.

Hoje, ao nosso redor, há muitas pessoas que ficam fora do sistema estabelecido pelos impérios que procuram governar o mundo. O papa Francisco continuamente denuncia essa realidade e também ele sofre as consequências de uma vida conforme o Evangelho.

Cumprir a vontade de Deus não é somente conhecer práticas religiosas, ou realizar atos de caridade. Além disso, é preciso ser uma pessoa humilde, que reconhece suas limitações e sente a necessidade de Deus, e não uma pessoa que se acha fiel discípula de Jesus.

O filho mais velho, que responde que não tem vontade de trabalhar, representa “os cobradores de impostos e as prostitutas” e são os que entraram primeiro no Reino do Céu.

Reino de Deus não é uma “estrutura bem feita, toda em ordem, organogramas bem feitos...”. É algo que se constrói na cotidianidade, o produto de um caminho, um crescimento. A rigidez não serve, nem mesmo o “fixismo” (Trecho de uma reportagem realizada por Marco Politi (Papa Francisco secreto: nas homilias de Santa Marta, o seu pensamento de verdade.)

Somos convidados a descobrir a presença de Jesus nos pobres, nos refugiados, nos que são maltratados pelos sistemas culturais, religiosos e políticos.

Como responde Francisco num encontro de sacerdotes: “Penso que quanto mais imitarmos o estilo de Jesus, melhor será o nosso trabalho de pastores. Este é o critério fundamental: o estilo de Jesus. Jesus sempre estava a caminho, entre as pessoas, a multidão, diz o Evangelho, que distingue bem entre discípulos, multidão, doutores da Lei.

Podemos intuir que Jesus passava a maior parte do tempo na rua: isso quer dizer proximidade com os problemas das pessoas; não se escondia. E depois, à noite, escondia-se para rezar.

Isso é útil para nós, que sempre estamos com pressa, olhando para o relógio, porque devemos nos apressar; mas este comportamento não é pastoral. Jesus não fazia isso.  Jesus nunca esteve parado, e, como todos os que caminham, está exposto a tensões”. (Disponível em: Papa Francisco“Não aos padres Google e Wikipedia” Papa Francisco.)



sábado, 23 de setembro de 2017

Uma justiça injusta? – Comentário de Ana Maria Casarotti. Muito interessante e atual!



“E o patrão disse a um deles: Amigo, eu não fui injusto com você. Não combinamos uma moeda de prata? Tome o que é seu, e volte para casa. Eu quero dar também a esse, que foi contratado por último, o mesmo que dei a você. Por acaso não tenho o direito de fazer o que eu quero com aquilo que me pertence? Ou você está com ciúme porque estou sendo generoso? Assim, os últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos.” (Mt 20, 13-16)


Hoje, para quem estiver interessado em entender melhor o texto bíblico Mt 20, 1-16a (a parábola dos trabalhadores da vinha contratados pelo patrão que no fim do dia receberam o mesmo salário independentemente do tempo trabalhado – seria isso justo ou injusto? - perguntamos), trago para o blog Indagações-Zapytania duas reflexões.

A primeira é do padre e teólogo José Antonio Pagola, que já foi publicada neste espaço no ano 2014 e pode ser acessada no link: Não desvirtuar a bondade de Deus.

E a outra, muito interessante, segue agaixo. É o comentário de Ana Maria Casarotti, Missionária de Cristo Ressuscitado, publicado no site do Instituto Humanitas Unisinos.

Vale a pena ler e refletir!
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IHU – Adital
22 Setembro 2017.

Leitura do Evangelho segundo Mateus 20,1-16a. (Correspondente ao 25° Domingo do Tempo Comum, ciclo A do Ano Litúrgico).
O comentário é de Ana Maria Casarotti, Missionária de Cristo Ressuscitado.

Uma justiça injusta?

No texto do Evangelho, Jesus continua seu ensino sobre as atitudes necessárias para viver numa comunidade cristã e ser assim seus discípulos/as. Que significa ser uma pessoa bondosa para quem acima de tudo está o amor à pessoa? Existe realmente a possibilidade de uma relação com as pessoas que não discrimine, que tenha um olhar além das suas capacidades, do próprio interesse?

Lemos o texto seguindo os passos do patrão, dono de um vinhedo. É uma vinha onde há necessidade de muitas pessoas que trabalhem. Num primeiro momento sai de madrugada “para contratar trabalhadores para a sua vinha”.

Com as pessoas que aceitam sua proposta ou se acham capacitadas para levar adiante o trabalho, combina o pagamento de um salário de uma moeda de prata por dia.

Às nove horas o patrão sai de novo para empregar outras pessoas e assim acontece ao meio-dia, às três horas da tarde, e ainda, pelas cinco horas da tarde. Não dispensa ninguém de trabalhar no seu vinhedo.

É significativa a expressão do patrão que “sai” à procura de trabalhadores. Ele “está saindo” continuamente porque deseja que todos e todas tenham a possibilidade de trabalhar. Oferece uma oportunidade para quem deseja ser contratado.

Fazendo referência a esta parábola, comenta o teólogo José Antonio Pagola: “Segundo esta história, o dono da vinha foi pessoalmente para a praça da cidade assumir diversos grupos de trabalhadores, em diferentes momentos do dia. 

Surpreendentemente, embora os trabalhadores tenham levado adiante trabalhos bastante desiguais na vinha, o proprietário paga a todos com um denário: quantia considerada suficiente para uma família de camponeses na Galileia viver um dia. E continua: “O patrão não fica pensando nos méritos de um ou de outro, mas quer que todos possam jantar naquela noite.” (Disponível em: Jesus, misericórdia encarnada de Deus. Conferência de José Antonio Pagola)

Através dos últimos textos que lemos cada domingo, Jesus está-nos apresentando umDeus que não age segundo os nossos critérios. Sua Boa Notícia é surpreendente, é muito maior do que aquilo que podemos pensar. Traz um estilo de vida inesperado e até impensável.

atuar de Jesus comporta uma misericórdia sem limites. Não se adéqua à mentalidade dos que pensam que por agir mais tempo recebem mais dinheiro. São os que têm ciúmes da bondade de Deus.

Dos empregados que foram contratados pela manhã cedo, os primeiros, Jesus recebe seu protesto e diante disso sua resposta é bem precisa: "Não tenho a liberdade de fazer o que quero com as minhas coisas? Ou você está com inveja porque sou generoso?”.

Nesta parábola Jesus apresenta um patrão que tem um olhar sobre as pessoas não limitado por uma diferença no salário entre os que trabalharam desde cedo e os contratados quase ao final da tarde.

Não há injustiça na atitude do patrão, ele oferece a cada um o que foi combinado. Manifesta uma bondade que excede nossos critérios de justiça. Todas as pessoas contratadas recebem um denário, o dinheiro necessário para viver, para além do tempo trabalhado.

Jesus deixa claro que no Reino de Deus os princípios que regem são 'outros'. Há uma justiça dirigida pela bondade, pela preocupação por cada pessoa, que todos e todas tenham a mesma oportunidade.

Possivelmente na comunidade de Mateus, para os judeus que ao longo de sua vida foram fiéis cumpridores das normas prescritas pela Lei, supostamente consideravam que tinham mais mérito que os pagãos. Estes “últimos” não podiam receber os mesmos “benefícios”.

Nesta narrativa, Jesus manifesta uma justiça que não é a justiça que responde a uma equidade da retribuição recebida com o trabalho realizado. Está muito acima disto. Revela um amor além do mérito de cada um e cada uma. Sua salvação é gratuita, mas acima de toda capacidade, aptidão, competência realizada.

Como disse o profeta Isaías: “Os meus projetos não são os projetos de vocês, e os caminhos de vocês não são os meus caminhos” (Is 55, 8).

Esta leitura também nos convida a olhar as pessoas com o coração semelhante a Jesus, sem distinção, sem considerar uns superiores aos outros. Para cada pessoa há um lugar especial no sentir de Deus. Seu olhar é sem diferenças, seja pela sua religião, cultura, trabalho ou até “caridade”. Ele conhece cada pessoa e os méritos tantas vezes não manifestos. Seus critérios não são os nossos!

Hoje peçamos especialmente por todas aquelas pessoas que procuram trabalho, mas só encontram rejeição por parte dos “donos” do poder, e das empresas, seja pela sua origem, seus costumes, a cor de sua pele, suas aparências que provocam desaprovação e desprezo neles! Atitudes que só servem para acrescentar “Os muros do ódio”.

Como expressa o Papa Francisco, sejamos construtores do rosto da misericórdia, da proximidade, do acompanhamento, da ternura, do encontro, do abatimento de todas as cercas, esquemas e preconceitos. E agrega: “Jesus se comovia diante dos dramas das pessoas, não ficava indiferente. O Deus cristão tem o rosto de Jesus, que se comove ‘até as entranhas’ por nós.” (Disponível em: "O nome de Deus é Misericórdia", o novo livro-entrevista com o Papa Francisco).

Que o Senhor nos conceda o discernimento para não nos deixarmos enganar pelos “caminhos que parecem retos, mas acabam levando para a morte” (Prov 16,25).




quinta-feira, 21 de setembro de 2017

O recado da floresta à população 4.0. – Sobre o livro “A queda do céu”, de Davi Kopenawa e Bruce Albert, fala José Antonio Kelly Luciani. Muito interessante!

Hoje trago para o blog Indagações-Zapytania  uma matéria  bem interessante, que está  falando sobre o livro “A queda do céu”, de Davi Kopenawa e Bruce Albert, e nos brinda com a rara oportunidade de conhecermos alguns pontos do pensamento e da visão indígena sobre o mundo contemporâneo, cujo futuro rumo está nas mãos do ser humano, que se mostra muito irresponsável nessa questão. É muito interessante e profunda a sabedoria que os povos indígenas possuem, e o recado é dirigido a toda sociedade.
O texto foi publicado no site do Instituto Humanitas Unissinos (IHU) no mês passado (22/08/2017).
Não deixe de ler!
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IHU - ADITAL
O recado da floresta à população 4.0.

Por: Ricardo Machado 


Do fundo da mata escura irrompe o grito que sacode os pilares do céu, os mesmos que sustentam a máquina de moer humanos e destruir a natureza, a máquina invisível e destrutível da modernidadeDavi Kopenawa, o xamã yanomami que nos desafia em nossa obsessão desenvolvimentista, ao escrever seu livro  A queda do céu (São Paulo: Companhia das Letras, 2015), apresenta “uma história de vida, uma autobiografia e um manifesto político”, como descreve José Antonio Kelly Luciani, em evento realizado no Instituto Humanitas Unisinos – IHU, na noite da segunda-feira, 21-8-2017. A atividade integra a programação A contemporaneidade em debate. Intérpretes e obras.

Sobre o livro:

“Trata-se de um autorretrato individual de um indígena escrito em parceria com Bruce Albert, antropólogo francês. Não seria exagero dizer que a obra é uma vasta reunião de tópicos que vão da cosmologia ao xamanismo, da história do contato com os brancos às demandas indígenas atuais”, explica Luciani.


Kopenawa faz isso em uma linguagem não acadêmica. É um um livro complexo e de interesse fundamental para a sociedade em geral”, complementa.

Capa do livro A queda do céu (Companhia das Letras, 2015)

Considerada como um dos grandes feitos etnológicos do século 21, o trabalho de construção de  A queda do céu une a um só tempo o trabalho criativo do antropólogo e do indígena, dos textos do primeiro e dos sonhos do segundo. “Esse pacto [entre Kopenawa e Albert] é uma questão fundamental no livro. Era preciso, como diz Viveiros de Castro no prólogo, passar o recado da mata”, frisa o conferencista.

“O recado da mata é que o amor pela mercadoria tem levado o planeta a seu limite. Na versão xamânica do tema, o que temos são os espíritos mortos pelas epidemias do desenvolvimentismo que tentam vingar a própria morte fazendo com que o céu caia de novo”, pontua. “A queda do céu é um elemento mítico dos Yanomami que se repete muitas vezes. Apesar dos argumentos indígenas parecerem estapafúrdios a um acadêmico, o ponto é que os Yanomami chegam à mesma conclusão que os cientistas, que é a emergência do antropoceno ou do capitaloceno”, esclarece. 

Visões atravessadas

O livro joga luz sobre a maneira pela qual os xamãs percebem o modo  ocidental de transformar tudo em mercadoria. É um livro feito por meio de muitos olhares e de uma dificuldade ímpar.  “A queda do céu é um trabalho árduo, da mesma maneira que foi duro para Kopenawa se transformar em xamã, tão difícil quanto é lutar por seu povo atualmente. Há uma diversidade incontável de xapiri[1], o mestre xamã, o antropólogo branco, todos estes escrevem  A queda do céu. O projeto é diretamente voltado para o povo ocidental, ainda que haja trechos que dizem respeito a seu próprio povo”, esclarece.

Kopenawa reúne a perspicácia do olhar xamã e a retórica yanomami, profundamente fundada na metáfora, pois não se trata só de explicar, é preciso entreter os ouvintes. Dividido em três partes – Tornar-se outro, A fumaça do metal e A queda do céu – o livro avança sobre as questões contemporâneas dos povos indígenas, mas sobretudo da civilização branca

“Na primeira parte, Tornar-se outroKopenawa faz uma série de exposições sobre a etnografia espiritual dos Yanomami. O aspecto mais pedagógico está na forma como o próprio Kopenawa sai da ignorância pessoal sobre o xamanismo, nos sonhos da infância, até tornar-se um grande xamã”, pontua.

“Na segunda parte, Fumaça do metalKopenawa recupera sua vivência com os brancos durante o período em que assessorou a Fundação Nacional do Índio – Funai para compreender a dimensão da destruição social e ambiental do contato dos Yanomami com os brancos, que dizimou 10% de sua população”, acrescenta Luciani.

“Na terceira parte, A queda do céu,  Kopenawa retoma o mito da queda do céu, recorrente nas cosmologias Yanomami, para chamar atenção para a situação delicada que vivemos. Ele alerta que se os seres da epidemia continuarem a se proliferar, o céu se cobrirá de nuvens escuras e o dia nunca mais amanhecerá. Isso já aconteceu, lembra o xamã, mas os brancos não pensam sobre isso. Quando o céu cair sobre nós, seremos esmagados e viveremos no submundo”, completa o palestrante.

Civilização da cegueira

Para Luciani, um dos pontos mais sensíveis da profunda crítica contida na obra é a insensibilidade da civilização ocidental, incapaz de perceber o próprio destino. “Para Kopenawa, os brancos são insensíveis à realidade imanente. Essa é, por definição, o conceito de ignorância desde o ponto de vista yanomami”, ressalta.

As rezas e rituais xamânicos buscam acalmar os xapiris coléricos, que tendo morrido das epidemias oriundas do avanço da população branca sobre a floresta – desmatamento,mineraçãoextração de petróleo, uso de produtos químicos –, chacoalham os pilares do céu.

Com a simplicidade clara e direta dos povos da floresta, o recado da mata descreve com precisão todo o processo que nos faz desembocar na revolução 4.0. “A cultura dos brancos e sua inteligência assume a forma da técnica. Eles se acham engenhosos, diz Kopenawa, mas são um fracasso social”, finaliza Luciani.

Quem é José Antonio Kelly Luciani
José Antonio Kelly Luciani | Foto: Ricardo Machado

José Antonio Kelly Luciani é graduado em Engenharia Eletrônica pela Universidade Simón Bolívar, na Venezuela. Realizou mestrado e doutorado em Antropologia Social pela Universidade de Cambridge, Inglaterra. Até 2007 trabalhou no Ministério da Saúde da Venezuela, com o programa de saúde Yanomami. No período entre 2008 e 2009 realizou estágio pós-doutoral no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional, Rio de Janeiro. Atualmente é professor adjunto de Antropologia na Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC.

Notas:

1- Xapiri - é um termo yanomami para designar tanto os xamãs, os homens espíritos (xapiri thëpë), quanto espíritos auxiliares (xapiri pë). (Nota da IHU On-Line).

Fonte: IHU - ADITAL


sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Viver perdoando. – Reflexão de José Antonio Pagola. Excelente!



Então Pedro, aproximando-se dele, disse: Senhor, até quantas vezes pecará meu irmão contra mim, e eu lhe perdoarei? Até sete? Jesus lhe disse: Não te digo que até sete; mas, até setenta vezes sete.” (Mt 18,21-22)

Abaixo, uma boa reflexão, muito concreta e atual, que tem como pano de fundo o texto bíblico Mt 18, 21-35  (Perdoar é necessário – parábola do servo impiedoso). 
O texto foi escrito pelo padre e teólogo espanhol José Antonio Pagola. Foi publicado no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).
Vale a pena  ler e meditar!

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IHU-ADITAL
15 setembro 2017.

Viver perdoando

A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo segundo Mateus 18,21-35 que corresponde ao 24° Domingo do Tempo Comum, ciclo A do Ano Litúrgico. O teólogo espanhol Josè Antonio Pagola comenta o texto.

Eis o texto

Os discípulos ouviram Jesus dizer coisas incríveis sobre o amor aos inimigos, a oração ao Pai pelos que os perseguem, o perdão a quem lhes faz mal. Seguramente parece-lhes uma mensagem extraordinária, mas pouco realista e muito problemática.

Pedro aproxima-se agora de Jesus com uma abordagem mais prática e concreta que lhes permita, ao menos, resolver os problemas que surgem entre eles: desconfianças, invejas, confrontos e conflitos. Como deve atuar naquela família de seguidores que caminham atrás de seus passos? Em concreto: “Quantas vezes devo perdoar ao meu irmão quando me ofenda?”.

Antes que Jesus lhe responda, o impetuoso Pedro adianta-se para fazer a sua própria sugestão: “Até sete vezes?”. A sua proposta é de uma generosidade muito superior ao ambiente justiceiro que se respira na sociedade judaica. Vai mais longe inclusive do que se pratica entre os rabinos e os grupos essênios, que falam como máximo de perdoar até quatro vezes.

No entanto, Pedro continua a mover-se no plano da casuística judaica, onde se prescreve o perdão como arranjo amistoso e regulamentado para garantir o funcionamento ordenado da convivência entre quem pertence ao mesmo grupo.

A resposta de Jesus exige colocar-nos noutro registro. No perdão não há limites: “Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete”. Não tem sentido manter uma contabilidade do perdão. O que se põe a contar quantas vezes está a perdoar ao irmão entra por um caminho absurdo que arruína o espírito que tem de reinar entre os seus seguidores.

Entre os judeus era conhecido o “Canto da vingança” de Lámec, um lendário herói do deserto, que dizia assim: “Caim será vingado sete vezes, mas Lámec será vingado setenta vezes sete”. Perante esta cultura da vingança sem limites, Jesus propõe o perdão sem limites entre os seus seguidores.

As diferentes posições ante o Concílio foram provocando no interior da Igreja conflitos e confrontos por vezes muito dolorosos. A falta de respeito mútuo, os insultos e as calúnias são frequentes. Sem que ninguém os desautorize, setores que se dizem cristãos servem-se da Internet para semear agressividade e ódio, destruindo sem piedade o nome e a trajetória de outros crentes.

Necessitamos urgentemente de testemunhas de Jesus que anunciem com palavra firme o seu Evangelho e qucontagiem com coração humilde a sua paz. Crentes que vivam perdoando e curando esta obsessão doentia que entrou na sua Igreja.



terça-feira, 12 de setembro de 2017

Uma cultura cujo centro é o coração. - Artigo de Leonardo Boff. Muito interessante!


O artigo de Leonardo Boff Uma cultura cujo centro é o coração”, sobre a cultura maia na América Central, especialmente na Guatemala,  é bem interessante, pois apresenta alguns aspectos dessa cultura pouco conhecidos entre  nós, ou talvez esquecidos e/ou  não valorizados.

Acho que a leitura de um texto como este convida-nos à  reflexão mais concreta, porém bastante serena, sobre alguns valores e ideias  dos povos da civilização maia e, com isso, ajuda-nos a enriquecer a nossa própra visão e opinião sobre este tema. Para compartilhar com os outros, trago esse artigo também para o blog Indagações-Zapytania.

O artigo foi publicado pelo autor no seu blog leonardoBOFF.com, no mês de fevereiro de 2016.
Vale a pena ler e refletir.

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Blog leonardoBOFF

Uma cultura cujo centro é o coração
19/02/2016

A nossa cultura, a partir do assim chamado século das luzes (1715-1789) aplicou de forma rigorosa a compreensão de René Descartes (1596-1650) de que o ser humano é “senhor e mestre” da natureza podendo dispor dela ao seu bel-prazer. Conferiu um valor absoluto à razão e ao espírito científico. O que não conseguir passar pelo crivo da razão, perde legitimidade. Daí se derivou uma severa crítica a todas as tradições, especialmente à fé cristã tradicional.

Com isso se fecharam muitas janelas do espírito que permitem também um conhecimento sem necessariamente passar pelos cânones racionais. Já Pascal notara esse reducionismo falando nos seus Pensées da logique du coeur ( “o coração tem razões que a razão desconhece”) e do esprit de finesse que se distingue do esprit de géométrie, vale dizer, da razão calculatória e instrumental analítica.

O que mais foi marginalizado e até difamado foi o coração, órgão da sensibilidade e do universo das emoções, sob o pretexto de que ele atrapalharia “as ideias claras e distintas” (Descartes) do olhar científico. Assim surgiu um saber sem coração, mas funcional ao projeto da modernidade que era e continua sendo o de fazer do saber um poder e um poder como forma de dominação da natureza, dos povos e das culturas. Essa foi a metafísica (a compreensão da realidade) subjacente a todo o colonialismo, ao escravagismo e eventualmente à destruição dos diferentes, como das ricas culturas dos povos originários da América Latina (lembremos Bartolomé de las Casas com sua História da destruição das Índias) e também do capitalismo selvagem e predador.

Curiosamente a epistemologia moderna que incorpora a mecânica quântica, a nova antropologia, a filosofia fenomenológica e a psicologia analítica tem mostrado que todo conhecimento vem impregnado das emoções do sujeito e que sujeito e objeto estão indissoluvelmente vinculados, às vezes por interesses escusos (J. Habermas).

Foi a partir de tais constatações e com a experiência desapiedada das guerras modernas que se pensou no resgate do coração. Finalmente é nele que reside o amor, a simpatia, a compaixão, o sentido de respeito, base da dignidade humana e dos direitos inalienáveis. Michel Maffesoli na França, David Goleman nos USA, Adela Cortina na Espanha, Muniz Sodré no Brasil e tantos outros pelo mundo afora se empenharam no resgate da inteligência emocional ou da razão sensível ou cordial. Pessoalmente estimo que, face à crise generalizada de nosso estilo de vida e de nossa relação para com a Terra, sem a razão cordial não nos moveremos para salvaguardar a vitalidade da Mãe Terra e garantir o futuro de nossa civilização.

Isso que nos parece novo e uma conquista – os direitos do coração – era o eixo da grandiosa cultura maya na América Central, particularmente na Guatemala. Como não passaram pela circuncisão da razão moderna, guardam fielmente suas tradições que vêm pelas avós e pelos avôs, ao largo das gerações. O escrito maior o Popol Vuh e os livros de Chilam Balam de Chumayel testemunham essa sabedoria.

Participei mais vezes de celebrações mayas com os seus sacerdotes e sacerdotisas. É sempre ao redor do fogo. Começam invocando o coração dos ventos, das montanhas, das águas, das árvores e dos ancestrais. Fazem suas invocações no meio de um incenso nativo perfumado e produtor de muita fumaça.

Ouvindo-os falar das energias da natureza e do universo, parecia-me que sua cosmovisão era muito afim, guardadas as diferenças de linguagem, da física quântica. Tudo para eles é energia e movimento entre a formação e a desintegração (nós diríamos a dialética do caos-cosmos) que conferem dinamismo ao universo. Eram exímios matemáticos e haviam inventado   o número zero. Seus cálculos do curso das estrelas se aproximam em muito ao que nós com os modernos telescópios alcançamos.

Belamente dizem que tudo o que existe nasceu do encontro amoroso de dois corações, do coração do Céu e do coração da Terra. Esta, a Terra, é Pacha Mama, um ser vivo que sente, intui, vibra e inspira os seres humanos. Estes são os “filhos ilustres, os indagadores e buscadores da existência”, afirmações que nos lembram Martin Heidegger.

A essência do ser humano é o coração que deve ser cuidado para ser afável, compreensivo e amoroso. Toda a educação que se prolonga ao largo da vida é cultivar a dimensão do coração. Os Irmãos de La Salle mantém na capital Guatemala um imenso colégio –Prodessa – onde jovens mayas vivem na forma de internato, onde se recupera, bilíngue, e sistematiza a cosmovisão maya, ao mesmo tempo em que assimilam e combinam saberes ancestrais com os modernos especialmente  ligados à agricultura e a relações respeitosas para com a natureza.

Apraz-me concluir com um texto que uma mulher sábia maya me repassou no final de um encontro só com indígenas mayas em meados de fevereiro.”Quando tens que escolher entre dois caminhos, pergunta-te qual deles tem coração. Quem escolhe o caminho do coração jamais se equivocará” (Popol Vuh).

Leonardo Boff escreveu O casamento do céu e da terra, Mar de Ideias, Rio 2014.

Fonte: leonardoBOFF