Temas diversos. Observar, pensar, sentir, fazer crítica construtiva e refletir sobre tudo que o mundo e a própria vida nos traz - é o meu propósito. Um pequeno espaço para uma visão subjetiva, talvez impregnada de utopia, mas, certamente, repleta de perguntas, questionamentos, dúvidas e buscas, que norteiam a vida de muitas pessoas nos dias de hoje.

As perguntas sobre a existência e a vida humana, sobre a fé, a Bíblia, a religião, a Igreja (sobretudo a Igreja Católica) e sobre a sociedade em que vivemos – me ajudam a buscar uma compreensão melhor desses assuntos, com a qual eu me identifico. Nessa busca, encontrando as melhores interpretações, análises e colocações – faço questão para compartilhá-las com os visitantes desta página.

Dedico este Blog de modo especial a todos os adolescentes e jovens cuja vida está cheia de indagações.
"Navegar em mar aberto, vivendo em graça ou não, inteiramente no poder de Deus..." (Soren Kierkegaard)

segunda-feira, 27 de março de 2017

Morte de um filósofo. – Artigo de Colby Dickinson. Interessante!



Achei bem interessante o artigo Morte de um filósofo, de Colby Dickinson, em que o autor comenta o livro de Ross Romero, JS, Without the Least Tremor. The sacrifice of Socrates in Plato’s Phaedo. 
Para os interessados ou amantes de temas filosóficos aqui temos uma interessante leitura. O texto foi publicado em novembro do ano passado (2016).
Não deixe de ler!
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Revista IHU ON-LINE
17 Novembro 2016

Morte de um filósofo

"O que testemunhamos no belo estudo de Romero é uma leitura textual rica e aprofundada do Fédon de Platão, bem como uma série de comentários significativos sobre este diálogo, a fim de alcançar uma interpretação luminosa sobre a morte de Sócrates".
O comentário é de Colby Dickinson, professor de Teologia na Universidade Loyola de Chicago e autor de Agamben and Theology, Between the Canon and the Messiah: The Structure of Faith in Contemporary Continental Thought e  de Words Fail: Theology, Poetry, and the Challenge of Representation, em artigo publicado por America, 21-11-2016. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.


Eis o artigo


Capa do livro de M. Ross Romero, sj. Foto: Divulgação


Without the Least Tremor

M. Ross Romero, SJ

SUNY Press. 176p. 

Neste clássico conto filosófico, Sócrates morre uma morte que tem sido objeto de tanta especulação e controvérsia que se torna difícil determinar, ao longo do tempo, o que exatamente foi conquistado, filosoficamente falando, por meio de sua morte singular - se é que há algo. No entanto, a importância da questão permanece: por que Sócrates fez isso? Por que ele bebeu do cálice que levaria à sua morte iminente? Além disso, como dizem que Sócrates segurou o copo de veneno que estava prestes a beber "sem o menor tremor", será que ele sinalizou através desta determinação firme o seu desejo de produzir uma outra maneira de perceber a morte e, neste caso em particular, a morte do filósofo? O que M. Ross Romero tenta fazer neste livro, cujo título reflete o significado da frase de Platão, é nada menos do que permitir uma interpretação memorável em que a nossa visão contextual de antigos rituais gregos de sacrifício, vistos a partir de uma perspectiva religiosa, nos permita constatar que as ações de Sócrates podem ter tido como objetivo "transformar o propósito do sacrifício" por completo.

De Søren Kierkegaard a Michel Foucault e Jacques Derrida (embora apenas o último seja mencionado diretamente no livro), a morte de Sócrates e a releitura radical dos antigos autocuidados gregos que tal ato pode levar-nos a reconsiderar foram um ponto crucial de comparação e contraste com a teologia. Tais discussões são recontadas por Romero como uma confirmação final do desejo de Sócrates de levar a filosofia aos seus limites, neste caso, os limites entre a vida e a morte, e entre o corpo e a alma. Pensar que poderia se tratar da morte de qualquer filósofo, não apenas de Sócrates, também nos dá uma razão para parar e refletir sobre como as ações de Sócrates dão lições àqueles que procuram viver a vida examinada - vida filosófica - acima de tudo.

O que testemunhamos no belo estudo de Romero é uma leitura textual rica e aprofundada do Fédon de Platão, bem como uma série de comentários significativos sobre este diálogo, a fim de alcançar uma interpretação luminosa sobre a morte de Sócrates.

Desde o início, Romero esclarece que, em alguns aspectos, dá um passo além a partir da análise recente de Catherine PickStock, fazendo uma tentativa de associar comentários sobre as ações de Sócrates a uma dimensão religiosa pouco trabalhada, ideia perspicaz desenvolvida a partir da obra de Adriaan Pepperzak. Ao explorar os paralelos muitas vezes despercebidos entre o sacrifício ritualístico antigo no contexto grego e as palavras e ações de Sócrates que antecederam sua morte, Romero nos guia em uma reconsideração pungente de como a morte de Sócrates intencionalmente tanto reflete quanto não reflete tais sacrifícios, isto é, "esta concepção da cena da morte considera-a uma mistura, um entrelaçamento cuidadoso, da semelhança e da diferença - do sacrifício ritual e seu outro".

Através da imitação de antigos rituais de sacrifício (muito da reflexão oportuna de Romero se encontra nesta comparação), Sócrates consegue produzir um contraste significativo com tais ritos reproduzindo de maneira efetiva o que é central para a sua utilização ao mesmo tempo em que os modifica de maneiras muito específicas. Ao demonstrar como o sacrifício ritualístico mantém uma boa relação, ou proporcionalidade, entre os humanos e o divino, através do aparente autossacrifício de Sócrates, Romero detecta um nível que não é compatível com essas interpretações. Concentrando-se na desproporção entre corpo e alma, o discurso de Sócrates no Fédon enfraquece qualquer sentido de proporcionalidade (humano/divino, corpo/alma) estabelecido pelo espetáculo da ritualística do sacrifício.

O que Sócrates apresenta aos seus ouvintes, em vez da proporcionalidade esperada, é, nas palavras de Romero, um "logos da alma", que se retrata "como se" não fosse a si próprio, mas como outro para si. Tal inversão dos códigos de sacrifício é nada menos que uma contestação radical de seus mecanismos culturais e políticos, que governam a sociedade tanto na época de Sócrates quanto em nossa própria.

Até que ponto essa inversão deliberada dos códigos de sacrifício ritual na Grécia antiga aponta igualmente para o desafio do sacrifício (para não mencionar as várias teorias da expiação) dentro da história do cristianismo não é tão discutido em sua leitura quanto o leitor esperaria. Tal contraste foi precisamente o que intrigou Kierkegaard anos atrás. No entanto, o que se vê é uma paródia radical do sacrifício, que abre caminhos a outras maneiras de perceber as ações de Sócrates. Essencialmente, a morte de Sócrates sugere que seus seguidores mais ardentes levem mais a sério do que nunca a vigilância necessária para levar a vida examinada e para superar os obstáculos da arrogância e da desesperança, a fim de aprender a cuidar do dom de si mesmo e compreender a si mesmo como um "logos encarnado".






sexta-feira, 24 de março de 2017

Para excluídos. – Reflaxão de José Antonio Pagola. Muito concreta!



Perguntou o homem: "Quem é ele, Senhor, para que eu nele creia? "
Disse Jesus: "Você já o tem visto. É aquele que está falando com você". Então o homem disse: "Senhor, eu creio". E o adorou.
” (Jo 9,36-38).

Abaixo, uma curta reflexão, muito concreta e atual, do padre e teólogo espanhol José Antônio Pagola. Foi publicada no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).
Não deixe de ler.
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IHU - Adital
24 março 2017.

Para excluídos

A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho segundo João 9,1-41 que corresponde ao Quarto Domingo de Quaresma, ciclo A do Ano Litúrgico. O teólogo espanhol José Antonio Pagola comenta o texto. 

Eis o texto


É cego de nascimento. Nem ele nem os seus pais têm qualquer culpa, mas o seu destino ficará marcado para sempre. As pessoas olham-no como um pecador castigado por Deus. Os discípulos de Jesus perguntam-lhe se o pecado é do cego ou dos seus pais.

Jesus olha-o de forma diferente. Desde que o viu, só pensa em resgatá-lo daquela vida de mendigo, desprezado por todos como pecador. Ele sente-se chamado por Deus a defender, acolher e curar precisamente os que vivem excluídos e humilhados.

Depois de uma cura trabalhosa em que ele também colabora com Jesus, o cego descobre pela primeira vez a luz. O encontro com Jesus mudou a sua vida. Por fim poderá desfrutar de uma vida digna, sem temor de envergonhar-se diante de ninguém.

Engana-se. Os dirigentes religiosos sentem-se obrigados a controlar a pureza da religião. Eles sabem quem não é pecador e quem está em pecado. Eles decidirão se pode ser aceito na comunidade religiosa. Por isso o expulsam.

O mendigo curado confessa abertamente que foi Jesus quem se aproximou e o curou, mas os fariseus rejeitam-no irritados: «Nós sabemos que esse homem é um pecador». O homem insiste em defender Jesus: é um profeta, vem de Deus. Os fariseus não o podem aguentar: «Você nasceu inteirinho no pecado e quer nos ensinar?» E o expulsam.

O evangelista diz que, «quando Jesus ouve que o tinham expulsado, foi encontrar-se com ele». O diálogo é breve. Quando Jesus lhe pergunta se acredita no Messias, o expulso diz: «E quem é, Senhor, para que possa acreditar nele?». Jesus responde-lhe comovido: «Não está longe de ti. Você o está vendo; é aquele que está falando com você». O mendigo diz-lhe: «Creio, Senhor».

Assim é Jesus. Ele vem sempre ao encontro daqueles que não são acolhidos oficialmente pela religião. Não abandona quem o procura e o ama, mesmo que sejam excluídos das comunidades e instituições religiosas. Os que não têm sítio nas nossas igrejas, têm um lugar privilegiado no Seu coração.

Quem levará hoje esta mensagem de Jesus até esses grupos que, em qualquer momento, escutam condenações públicas injustas de dirigentes religiosos cegos; que se aproximam das celebrações cristãs com o temor de serem reconhecidos; que não podem comungar com paz nas nossas eucaristias; que se veem obrigados a viver a sua fé em Jesus no silêncio do seu coração, quase de forma secreta e clandestina?


Amigos e amigas desconhecidos, não o esqueceis: quando os cristãos os rejeitam, Jesus os está acolhendo.



terça-feira, 21 de março de 2017

A ultrafísica de Teilhard de Chardin. - Reportagem de Daniele Metelli. – Muito boa!



Hoje trago para o blog Ingagações-Zapytania mais uma matéria que fala sobre Teilhard de Chardin. É a reportagem  de Daniele Metelli, publicada em agosto de 2015 por Tierras de America e, posteriormente, também no site  do Instituto Humanitas Unisinos (IHU). Para os interessados no assunto é sempre bom poder relembrar os fatos da vida, as ideias e o pensamento desse grande teólogo e cientista católico Teilhard de Chardin.

Vale a pena ler para recordar e refletir!
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IHU - Notícias
Quarta, 26 de agosto de 2015

A ultrafísica de Teilhard de Chardin


Uma reflexão que não passa despercebida quando o autor é o poeta, escritor e acadêmico mexicano Hugo Gutiérrez Vega: “Neste momento de revisão de muitos aspectos do homem e da cultura, convém retornar a um pensador que, com sua sensatez, sinceridade e rigor científico, nos brinda uma visão equilibrada do fenômeno humano”. Diretor de Jornada Semanal, suplemento cultural do jornal mexicano La Jornada, apresenta o amplo artigo de Sergio A. López Rivera sobre a pertinência do pensamento de Pierre Teilhard de Chardin (1881-1955), falecido em Nova York na mais completa solidão humana e intelectual durante a noite da Páscoa de 60 anos atrás.

A reportagem é de Daniele Metelli e publicada por Tierras de America, 24-08-2015. A tradução é de André Langer.

Reportagem


Geólogo e paleontólogo francês, aos 18 anos Pierre entrou no noviciado da Companhia de Jesus, mas no começo do século viu-se obrigado a abandonar a França. Devido às leis anti-religiosas promulgadas pelo governo de Waldeck-Rousseau (1899-1902) para pôr um fim às desordens que explodiram em decorrência do affaire Dreyfus, os jesuítas foram expulsos do país junto com outras congregações religiosas. Estudou no Egito e na Grã-Bretanha, onde foi ordenado sacerdote em 1911. Durante o primeiro conflito mundial prestou serviço no front como caminhoneiro. Lia e gostava de Dante.

Voltou à sua pátria e começou a trabalhar no Instituto Católico de Paris, mas logo foi afastado por seus superiores devido às suas ideias científicas pouco conformes com a ortodoxia católica. Durante 20 anos viveu e trabalhou na China, participando de numerosas expedições científicas, entre elas a que descobriu o sinantropus (homem de Pequim). Ao terminar a Segunda Guerra Mundial voltou novamente para Paris e foi nomeado diretor do Centro Nacional de Pesquisa Científica. Uma vez mais os superiores o convidaram para deixar a França e em 1951 partiu para os Estados Unidos, onde permaneceu até o final da sua vida.

Do pensamento de Teilhard de Chardin se desprende uma concepção integralmente evolucionista. No opúsculo A vida cósmica, publicado em 1916, o autor sustenta que o mundo é regulado pela lei da concorrência e que a matéria é constituída por uma série incessante de agregações cada vez mais complexas. Em base à especulação filosófica de Henri Bergson e Édouard Le Roy, que afirmam a dimensão temporal da realidade, Teilhard intui que o universo mesmo é uma “história”.

Desde a aurora dos tempos o cosmos participa de um constante movimento progressivo. O processo evolutivo une todos os fenômenos de transformação da matéria a partir de um átomo primigênio até chegar ao homem, síntese da cosmogênese, biogênese e antropogênese. Em virtude desta complexidade a matéria chega a ser capaz de receber a vida e a vida humana chega a ser capaz de receber o pensamento.

Por outro lado, a evolução não termina com o fenômeno humano, em contínua ascensão, mas avança para uma “noogênese” que dirige a humanidade para um fim – o Ponto Ômega –, em virtude do qual são solidários todos os destinos do cosmos. Na reflexão do paleontólogo francês não há lugar para nenhuma forma de determinismo. Cristo mediador é princípio, fim e condição de todo o processo evolutivo. Somente graças à iniciativa divina, vontade perfeita que guia e orienta, o homem avança em sua contínua tensão para o destino.

A ideia de que o homem se encontra dentro de um processo não concluído, mas de uma cosmogênese mais ampla, sustenta toda a arquitetura teórica da reflexão de Teilhard de Chardin, que pretende ser científica e ultrafísica, mas nunca metafísica. Todo o sentido da evolução deve ser buscado no princípio da cosmogênese, que postula o universo como fenômeno temporal in fieri. A originalidade do seu trabalho científico consiste em afirmar que a simples leitura científica do fenômeno evolutivo é por si só uma busca de sentido, do significado profundo da criação, do tempo e da existência humana.

A pretensão de interpretar os fatos observados e de buscar um sentido alimenta o grande debate sobre o seu trabalho desde as primeiras publicações. A originalidade e a profundidade do seu enfoque, a seriedade e a profundidade de observação e de análise dos fenômenos, junto com um impecável rigor lógico, constituem motivos válidos para provocar discussões em diferentes níveis de conhecimento. Um extraordinário esforço de visão unitária que pode ser resumido em um parágrafo de rara intensidade: “A humanidade em sua marcha, está parada, porque os espíritos vacilam em reconhecer que há uma orientação precisa e um eixo específico de evolução”. Talvez essa expressão “parada” que o cientista assinala foi o que impediu os seus contemporâneos de captar a novidade e a profundidade do seu pensamento.

Fustigado pelas autoridades da Igreja católica, abandonado pela comunidade científica, nos últimos anos de sua vida denunciava a impossibilidade de citar sequer um escritor ou um autor que compartilhasse com ele a diafaneidade de um cosmos transfigurado. Inclusive Eugenio Montale, um dos maiores poetas italianos do século XX, dedicou-lhe versos pouco elogiosos em A um jesuíta moderno (Satura, 1962-1970): “Se queres nos convencer / de que uma chispa nossa se desprende da crosta / daqui para baixo, menos crosta que mingau, / para depois alojar-se na noosfera / (...) te direi que a pele se eriça / quando te escuto”.

Suas principais obras, como O fenômeno humano (1955) e O futuro do homem (1959) foram publicadas postumamente. Uma Cassandra dos tempos modernos, uma voz que foi ouvida e reabilitada apenas pelo Concílio Vaticano II. Uma vez mais, é evidente que o tempo da história humana é inexoravelmente mais lento do que o tempo do universo, que viaja – tal como viajava Teilhard de Chardin – na velocidade da luz.



sexta-feira, 17 de março de 2017

Confortável com Deus. – Reflexão de José Antonio Pagola. Muito interessante!



 Respondeu-lhe Jesus: Se conhecesses o dom de Deus, e quem é que te diz: Dá-me de beber, certamente lhe pedirias tu mesma e ele te daria uma água viva..” (Jo 4,10)

Hoje, mais uma bonita reflexão, muito atual e importante. Como pano de fundo  tem o texto bíblico Jo 4, 5-42  (Jesus e a mulher samaritana). É de autoria do padre e teólogo espanhol José Antonio Pagola.
O texto foi publicado na no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).
Vale a pena ler e refletir!

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IHU – Adital
17 março 2017.
  
Confortável com Deus

A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho segundo João 4, 5-42 que corresponde ao Terceiro Domingo de Quaresma, ciclo A do Ano Litúrgico. O teólogo espanhol José Antonio Pagola comenta o texto. 

Eis o texto

A cena é cativante. Cansado do caminho, Jesus senta-se junto ao manancial de Jacob. De imediato chega uma mulher para tirar água. Pertence a um povoado semipagão, desprezado pelos judeus. Com muita espontaneidade, Jesus inicia o diálogo com ela. Não sabe olhar para ninguém com desprezo, mas sim com grande ternura. «Mulher, dá-me de beber».

A mulher fica surpreendida. Como se atreve a entrar em contato com uma samaritana? Como se rebaixa a falar com uma mulher desconhecida? As palavras de Jesus surpreendem-na ainda mais: «Se conhecesses o dom de Deus e quem é aquele que te pede de beber, sem dúvida tu mesma me pedirias a mim, e Eu te daria água viva».

São muitas as pessoas que, ao longo destes anos, afastaram-se de Deus sem dar atenção ao que realmente estava a ocorrer no seu interior. Hoje Deus é-lhes um «ser estranho». Tudo o que está relacionado com Ele parece-lhes vazio e sem sentido: um mundo infantil cada vez mais longínquo.

Entendo-os. Sei o que podem sentir. Também eu me fui afastando pouco a pouco daquele «Deus da minha infância» que despertava dentro de mim medos, desgosto e mal-estar. Provavelmente, sem Jesus nunca me teria encontrado com um Deus que hoje é para mim um Mistério de bondade: uma presença amigável e acolhedora em quem posso confiar sempre.

Nunca me atraiu a tarefa de verificar a minha fé com provas científicas: creio que é um erro tratar o mistério de Deus como se fosse um objeto de laboratório. Tampouco os dogmas religiosos me ajudaram a encontrar-me com Deus. Com simplicidade deixei-me conduzir por uma confiança em Jesus que foi crescendo com os anos.

Não saberia dizer exatamente como se sustenta a minha fé no meio de uma crise religiosa que me sacode também a mim como a todos. Apenas, diria que Jesus me trouxe a viver a fé em Deus de forma simples desde o fundo do meu ser. Se eu escuto, Deus não se cala. Se eu me abro, Ele não se fecha. Se eu me confio, Ele me acolhe. Se eu me entrego, Ele me sustenta. Se eu me afundo, Ele me levanta.

Creio que a experiência primeira e mais importante é nos encontrarmos bem com Deus porque o percebemos como uma «presença salvadora». Quando uma pessoa sabe o que significa viver bem com Deus, porque, apesar da nossa mediocridade, os nossos erros e egoísmos, Ele nos acolhe tal como somos, e nos impulsiona a enfrentarmos a vida com paz, dificilmente abandonará a fé.

Muitas pessoas estão hoje abandonando Deus antes de tê-lo conhecido. Se conhecessem a experiência de Deus que Jesus contagia, iriam procurá-Lo. Se, acolhendo na sua vida Jesus, conheceriam o dom de Deus, não o abandonariam. Iriam sentir-se bem com Ele.




quinta-feira, 16 de março de 2017

O futuro da Teologia da Libertação. – Artigo de Jorge Costadoat, SJ. Muito interessante!




O artigo O futuro da Teologia da Libertação, de  Jorge Costadoat que hoje trago para o blog Indagações-Zapytania, é muito interessante e pode ser bastante útil para as pessoas que  procuram compreender melhor a questão de Teologia da Libertação e a importância que ela ainda tem (e pode ter) nos dias de hoje. O texto foi publicado em janeiro deste ano (2017).
Vale a pena ler.
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IHU - Adital
31 Janeiro 2017

 O futuro da Teologia da Libertação




“Quem ainda acredita que o cristianismo é um motivo de esperança, encontrará na Teologia da Libertação vínculos solidários com todos os credos, filosofias, modos de humanidade e coletivos sensíveis com a sorte dos descartados. Novas alianças ainda são possíveis. Foram-no no passado. Serão indispensáveis no futuro.”, escreve  Jorge Costadoat, SJ, teólogo chileno, em artigo publicado por Reflexión y Liberación, 29-01-2017.

Eis o artigo.

Teologia da Libertação foi a expressão mais genuína da recepção do Vaticano IIna América Latina. O Concílio, no continente, deu lugar a uma nova Igreja, uma Igreja ungida pelo Espírito, capaz de celebrar e pensar como só podem fazê-lo comunidades livres e adultas.

É isto, penso, o que o Papa Francisco reconhece quando disse: “A Teologia da Libertação é uma coisa positiva na América Latina”. E continua a ser? Ou simplesmente se esgotou?

Não tenho dúvidas de que, de um ponto de vista metodológico, a Teologia da Libertação segue vigente. Teria que suspeitar, ao contrário, de teologias não libertadoras. Se não libertam, com o que estão comprometidas? Mas não se pode negar que a Teologia da Libertação, enquanto movimento, enquanto modo de ser Igreja, está em crise.

Observo o tema de uma esquina do continente: o Chile. Minha visão é parcial. O que vejo? Um novo clero combateu a eclesiologia do Povo de Deus. Chegou o bispo e disse: “é melhor um padre ruim do que uma boa freira”. Tirou a irmã, e o padre acabou com a participação comunitária. A religiosa sumiu. Nunca mais se ouviu falar dela. Comunidades cheias de vida, pessoas que aprenderam a ler com a Bíblia nas mãos, catequeses familiares, cozinhas, pratos, coleta de fundos, refúgio contra a ditadura, amparo às vítimas das violações aos direitos humanos, cestas básicas de solidariedade, teatro, visitas aos doentes, as exéquias feitas pelos próprios leigos, iniciativas com os deficientes, liturgias dirigidas por mulheres, drogados, idosos, alcoolistas, isto e muito mais foi ignorado, considerado talvez profano, eliminado ou deixado simplesmente cair.

Deve-se reconhecer, sim, que as crises das comunidades – e de uma teologia que se não se arraiga nelas não tem razão de ser – não dependeram apenas de padres e bispos do pós-concílio revisionista. A mudança cultural em andamento é impressionante. O mercado transforma as pessoas em indivíduos solitários, inermes; arma e desarma redes precárias de clientes. Todas as formas de associatividade experimentam mutações radicais. Surgem novas. As antigas morrem, enfraquecem e, em alguns casos, conseguem transformações positivas. A religiosidade encontra-se na mão de um grande mercado, no qual até mesmo o cristianismo é oferecido em produtos e a preços com os quais o próprio catolicismo não pode competir.

A situação é tão grave que, não pela questão de uma teologia melhor ou pior, o futuro da Igreja na América Latina está comprometido. Dir-se-á que a religiosidade popular ainda é vigorosa. Certo, mas na perspectiva do Evangelho, esta é mais cristã quanto mais fraternal e solidária for. E é exatamente isso que está fracassando. Haverá, no futuro, comunidades cristãs que celebram sua fé e compartilham o pão com os necessitados? Quem correrá riscos pelo amor ao próximo? Os devotos das pulseiras milagrosas? Na minha opinião, as comunidades são fundamentais. Se elas vierem a faltar, o resto importa menos, pouco ou nada.

Contudo, mesmo no caso de só restarem cristãos solitários, sem comunidades, crentes zumbis, utópicos do Reino dos Céus, eles podem travar uma batalha nesta guerra, embora seja como franco-atiradores; também Jesus, ao final, seguiu em frente sozinho. A comunidade o abandonou. Poderão apenas resistir, porque as razões para vencer, nesta terra, são quase nulas. Ainda poderão identificar-se com a Teologia da Libertação aqueles que militam contra os abusos à dignidade humana.

O capital concentra-se em um grau pavoroso, a necessidade de ter um trabalho compromete mais do que nunca a honra das pessoas, o planeta se incendeia e pode fracassar pela razão menos pensada. Quem ainda acredita que o cristianismo é um motivo de esperança, encontrará na Teologia da Libertação vínculos solidários com todos os credos, filosofias, modos de humanidade e coletivos sensíveis com a sorte dos descartados. Novas alianças ainda são possíveis. Foram-no no passado. Serão indispensáveis no futuro.

Talvez a Teologia da Libertação ainda reside na Igreja. Caso contrário, esperamos que assim seja.




sexta-feira, 10 de março de 2017

Escutar Jesus. – Reflexão de José Antonio Pagola. Excelente!



“E da nuvem saiu uma voz que dizia: ‘Este é o meu amado Filho, em quem me comprazo;  escutai-o’. E os discípulos, ouvindo isto, caíram sobre os seus rostos, e tiveram grande medo. E, aproximando-se Jesus, tocou-lhes, e disse: Levantai-vos, e não tenhais medo.”  (Mt 17, 5-7)

Abaixo, uma pequena reflexão, muito concreta e atual, que tem como pano de fundo o texto bíblico Mt 17, 1-9 (Transfiguração de Jesus).  É de autoria do padre e teólogo espanhol José Antonio Pagola.
O texto foi publicado na no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).
Não deixe de  ler!
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IHU – Adital
10 março 2017.

Escutar Jesus

A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho segundo Mateus 17,1-9 que corresponde ao Segundo Domingo de Quaresma, ciclo A do Ano Litúrgico. O teólogo espanhol José Antonio Pagola comenta o texto. 

Eis o texto

O centro desse relato complexo, chamado tradicionalmente a «transfiguração de Jesus», é ocupado por uma voz que vem de uma estranha «nuvem luminosa», símbolo que se utiliza na Bíblia para falar da presença sempre misteriosa de Deus, que se nos manifesta e, ao mesmo tempo, se nos oculta.

A voz diz estas palavras: «Este é o Meu Filho, em quem coloquei o meu agrado. Escutai-O». Os discípulos não devem confundir Jesus com ninguém, nem sequer com Moisés ou Elias, representantes e testemunhas do Antigo Testamento. Só Jesus é o Filho querido de Deus, o que tem o Seu rosto «resplandecente como o sol».

Mas a voz acrescenta algo mais: «Escutai-O». Noutros tempos, Deus tinha revelado a Sua vontade por meio dos «dez mandamentos» da Lei. Agora a vontade de Deus resume-se e concretiza-se num só mandato: «Escutai Jesus». O escutar estabelece a verdadeira relação entre os seguidores e Jesus.

Ao ouvir isto, os discípulos caem pelo chão «aterrados de medo». Estão atemorizados por aquela experiência tão próxima de Deus, mas também assustados pelo que ouviram: poderão viver escutando apenas Jesus, reconhecendo só nele a presença misteriosa de Deus?

Então Jesus «aproxima-se, toca-lhe e diz: "Levantai-vos. Não tenhais medo"». Sabe que necessitam experimentar a Sua proximidade humana: o contato da Sua mão, não apenas o resplendor divino do Seu rosto. Sempre que escutamos Jesus no silêncio do nosso ser, as suas primeiras palavras dizem-nos: «Levanta-te, não tenhais medo».

Muitas pessoas só conhecem Jesus de ouvir falar. O Seu nome resulta-lhes familiar, mas o que sabem Dele não vai mais longe do que algumas recordações e impressões de infância. Inclusive, apesar de se chamarem cristãos, vivem sem escutar no seu interior Jesus. E sem essa experiência não é possível conhecer a Sua paz inconfundível nem a Sua força alentar e sustentar a vida.

Quando um crente se detém para escutar em silêncio Jesus, no interior da Sua consciência escuta sempre algo como isto:
«Não tenhas medo. Abandona-te com toda a simplicidade no mistério de Deus. A tua pouca fé basta. Não te inquietes. Se me escutas, descobrirás que o amor de Deus consiste em estar sempre a perdoar-te. E, se acreditas nisto, a tua vida mudará. Conhecerás a paz do coração».


No livro do Apocalipse pode-se ler assim: «Olha, estou à porta e chamo; se alguém ouve a minha voz e me abre a porta, entrarei em sua casa». Jesus chama à porta de cristãos e não cristãos. Podemos abrir-lhe a porta ou rejeitá-lo. Mas não é o mesmo viver com Jesus que sem Ele.