Temas diversos. Observar, pensar, sentir, fazer crítica construtiva e refletir sobre tudo que o mundo e a própria vida nos traz - é o meu propósito. Um pequeno espaço para uma visão subjetiva, talvez impregnada de utopia, mas, certamente, repleta de perguntas, questionamentos, dúvidas e buscas, que norteiam a vida de muitas pessoas nos dias de hoje.

As perguntas sobre a existência e a vida humana, sobre a fé, a Bíblia, a religião, a Igreja (sobretudo a Igreja Católica) e sobre a sociedade em que vivemos – me ajudam a buscar uma compreensão melhor desses assuntos, com a qual eu me identifico. Nessa busca, encontrando as melhores interpretações, análises e colocações – faço questão para compartilhá-las com os visitantes desta página.

Dedico este Blog de modo especial a todos os adolescentes e jovens cuja vida está cheia de indagações.
"Navegar em mar aberto, vivendo em graça ou não, inteiramente no poder de Deus..." (Soren Kierkegaard)

terça-feira, 30 de janeiro de 2018

O “novo” velho golpe. – Artigo de Jessé Souza. Excelente! É importante saber!



Excelente artigo:  O “novo” velho golpe, do sociólogo Jessé Sousa. Penso que a sua leitura pode ajudar muito a quem realmente procura entender os fatos e a situação política e social do nosso Brasil para poder construir uma opinião própria, mais objetiva e justa. É muito importante saber separar a verdade das mentiras propositalmente “servidas” à sociedade brasileira.
O artigo foi publicado dia 16 de Janeiro deste ano (2018) por Carta Capital. 
Vale a pena ler!
WCejnóg








16/01/2018

O “novo” velho golpe

por Jessé Souza* — publicado 16/01/2018 

Desde 1930, por obra da oposição a Vargas, o Brasil repete um mesmo roteiro


Luiz Carlos Murauskas/FolhaPress


A mídia oferece uma fraude diária ao público
 por meio da distorção sistemática da realidade

A sociedade brasileira foi vítima, a partir de 2013, de um dos ataques mais insidiosos e virulentos do capitalismo financeiro internacional.
O ataque teve um sentido duplo: quebrar a nascente experiência do BRICS enquanto tentativa de inserção internacional autônoma do País e transformar o Orçamento público por meio da dívida pública – gigantesca fraude de socialização de prejuízos e privatização de lucros –, além das riquezas nacionais, em um espaço livre para a rapina econômica de uma ínfima elite.

Como as outras frações dos proprietários, incluídos o agronegócio e a indústria, retiram seu lucro maior, crescentemente, da mesma fraude, a fração financeira do capital passa a ter o comando do processo econômico e do processo político.

O capitalismo financeiro não é apenas uma nova ordem econômica mundial. Ele não muda apenas a forma e a velocidade da acumulação do capital e a forma do controle do processo de trabalho.
Também criminaliza e estigmatiza a esfera política para que esta perca qualquer autonomia e a agenda predatória financeira possa impor-se sem qualquer restrição. E, acima de tudo, deseja evitar a mediação política como expressão de interesses das classes populares.

Daí a criminalização dos movimentos populares, o ataque aos sindicatos e a estigmatização dos partidos de esquerda. Na dimensão simbólica, o ataque foi planejado há décadas pela disseminação de think tanks conservadores no mundo e pela compra e cooptação da indústria cultural e da mídia.

O núcleo duro da nova forma de poder é bifronte: o capital financeiro assalta a população e legaliza sua corrupção pela compra da política e do Judiciário. E a mídia frauda o público por meio da distorção sistemática da realidade.

Essa estratégia de manipular as mentes para assaltar o bolso dos imbecilizados tem sólida tradição no Brasil. Como mostro no meu livro mais recente (A Elite do Atraso, Leya, 2017), a elite paulistana construiu a criminalização seletiva da política, contra Getúlio Vargas e seu projeto nacional, ao cooptar a elite intelectual e fundar a imprensa elitista e venal que hoje possuímos.

ascensão de Vargas, com o apoio da classe média “tenentista”, havia mostrado à elite a necessidade do controle da heterodoxia rebelde da classe média letrada. Se em relação à classe trabalhadora e à “ralé” de marginalizados a violência material e física era, e continua a ser, o tratamento “normal”, em relação à classe média a estratégia teria de ser outra.



O movimento dos tenentes assustou os donos do poder 
e exigiu uma pronta reação

Como a pequena elite precisa da classe média como sua aliada carnal no exercício diário da dominação econômica social e política, esta tem de ser seduzida e conquistada. Daí a estratégia de convencimento e não de repressão. Para “convencer” é preciso ideias e uma imprensa elitista e venal para distribuí-las.

Essa elite criou a USP como seu gigantesco think tank do liberalismo conservador brasileiro e a tornou universidade de referência nacional, que forma os professores e estipula os critérios das outras instituições de ensino superior.

Assim, temos a formação de todas as elites nacionais segundo uma referência comum, as ideias centrais de patrimonialismo e de populismo, ambas criadas e difundidas pela USP.

A primeira tese sustenta que a corrupção é só do Estado e da política para tornar invisível a corrupção do mercado, possível pela captura do poder público enfraquecido e criminalizado. Depois, ainda diz que a elite do mal está no Estado, tornando o mercado um espaço idealizado de virtudes como empreendedorismo, honestidade, trabalho duro e iniciativa individual.

O conceito de populismo serve, por sua vez, para tornar as classes populares suspeitas de burrice inata e, portanto, presas fáceis de líderes demagógicos e manipuladores. Com isso, de uma penada, pode-se mitigar o efeito do princípio da soberania popular e tornar suspeita qualquer liderança popular. São essas ideias, distribuídas desde então todos os dias, que envenenam a capacidade de reflexão da população.

Não bastasse, criou-se uma narrativa histórica de longa duração, baseada nessa visão distorcida, possibilitando uma singularidade “vira-lata”, hoje patrimônio indissociável de todo brasileiro. É que a corrupção dos tolos, só do Estado e da política, passa a ser percebida como herança portuguesa e ensinada não só nas universidades, mas a toda criança brasileira na escola.

O ridículo dessa crença, que supõe já existirem no século XIV em Portugal noções que só seriam criadas no século XVIII, entre elas a ideia moderna de bem público, que pressupõe o conceito de soberania popular, não parece ter incomodado ninguém.


Uma tese bastante difundida prega que a corrupção só existe no Estado.
 O mercado seria um poço de virtudes, eficiência e meritocracia (Acervo Jornal da USP)

O ponto decisivo, ao arrepio da verdade e da inteligência, é inverter o sentido de apropriação privada do público como atributo do Estado e da política e nunca do mercado e da elite de proprietários.

Sem o esclarecimento dessa pré-história, a conjuntura atual é incompreensível. O golpe de 2016 é uma continuidade aprofundada e mais cruel dessa grande fraude brasileira iniciada em 1930. Todos os golpes de Estado desde então tiveram exatamente o mesmo roteiro.

No mais recente, não apenas se reverberou a mentira pronta de cem anos da corrupção dos tolos e do populismo. Sob o comando da Rede Globo e da farsa da Operação Lava Jato, atacou-se o próprio princípio da igualdade social como maior valor do cristianismo e da cultura ocidental.

O ataque seletivo ao PT, entre 2013 e 2016, como “organização criminosa”, narrativa criada pela Globo e depois assumida pela própria Lava Jato, desnudando seu conluio midiático e elitista, é o principal elemento da conjuntura.

O PT, com todos os seus defeitos, foi a única verdadeira novidade da política brasileira nesses últimos cem anos. Um partido que nasceu, em grande medida, de baixo para cima, espécie de confederação de movimentos sociais e associações de trabalhadores do campo e da cidade que procurou assegurar uma pequena parte da riqueza social e do Orçamento público para a maioria carente.

Ao criminalizar tão somente o Partido dos Trabalhadores, enquanto se “fulaniza” a corrupção das demais legendas, conseguiu-se rebaixar a própria demanda por igualdade que o PT simbolizava para as classes populares, de fim moral mais alto em simples meio para um suposto saque ao Estado.

Para onde vão o ressentimento e a raiva justa que os excluídos sentem por causa da exclusão? Sem expressão racional e política possível, o ressentimento popular transforma-se em massa disforme de anseios, medos e desejos irracionais à procura de expressão. Esse é o verdadeiro pano de fundo para as eleições de 2018.

Jair Bolsonaro, como ameaça real, só é compreensível pela ação conjunta do conluio Globo-Lava Jato. Por sua vez, a imunidade parcial de Lula a uma desconstrução orquestrada é reflexo da inteligência prática das classes populares que percebem a política como o jogo dos ricos e corruptos, e querem saber unicamente o que sobra para eles. E foi Lula quem entregou algo a quem nunca teve nada.

Apesar do sucesso pragmático inicial, o golpe perde legitimidade a cada dia. Seu planejamento míope e de curto prazo cobra agora um alto preço daqueles que sujaram as mãos pela elite do saque, a começar pela mídia venal que arriscou seu capital de confiança. E passa pela casta jurídica que acobertou a Lava Jato e destruiu a segurança jurídica e pela política tradicional, que perdeu qualquer legitimidade.

Articuladores tão medíocres fizeram com que, pela primeira vez nestes cem anos de domínio material e simbólico da elite do saque, as entranhas do País real estejam à mostra como nunca dantes. Tudo que era sólido se desfez no ar. Todas as ideias que colonizavam a direita e a esquerda também.



O discurso dos progressistas e dos movimentos sociais não pode ser de volta ao passado, mas se apoiar no aprendizado de um novo futuro. Não há como escapar do desafio
 (Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula)

As oportunidades abertas pelo fracasso na legitimação do golpe são revolucionárias. Elas podem efetivamente permitir expor a crueldade do domínio de uma elite mesquinha e de seus prepostos hipócritas na mídia e no aparelho de Estado. Abre-se a possibilidade objetiva de um processo de aprendizado histórico inédito no Brasil.

O problema real da oposição de “esquerda” é que ela foi criada nesse mesmo jogo e, ainda pior, nas mesmas ideias. A esquerda é tão miopemente moralista quanto a direita. Também não possui ideias próprias sobre o funcionamento da sociedade ou do Estado.

Daí ter perdido a narrativa da ascensão social, que ela mesma produziu, para as igrejas evangélicas. Daí ter aparelhado e dado força a instituições de Estado que depois a perseguiram com sanha assassina.

Como em toda crise radical temos agora em 2018 tanto a possibilidade do caos quanto a oportunidade do novo. O discurso da esquerda não pode ser o da volta ao passado, mas o do aprendizado de um novo futuro. O desafio é difícil, mas incontornável.
  
Fonte: CartaCapital

sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

Jesus aquele que cura. – Reflexão de José Antonio Pagola. Excelente!


“ Nesse momento, estava na sinagoga um homem possuído por um espírito mau, que começou a gritar:  «Que queres de nós, Jesus Nazareno? Vieste para nos destruir? Eu sei quem tu és: tu és o Santo de Deus!».  Jesus ameaçou o espírito mau: «Cale-se, e saia dele!»  Então o espírito mau sacudiu o homem com violência, deu um grande grito e saiu dele.  Todos ficaram muito espantados e perguntavam uns aos outros: «O que é isso? Um ensinamento novo, dado com autoridade… Ele manda até nos espíritos maus e eles obedecem!.” (Mc, 1,23-27)

Hoje, uma excelente reflexão, muito concreta e atual. Pode ajudar muito a quem realmente gostaria de entender melhor o episódio do Evangelho segundo Marcos, em que, na sinagoga, Jesus cura um homem possuído pelo espírito imundo. (Texto: Mc 1, 21-28).   É de autoria do padre e teólogo espanhol José Antonio Pagola.
O texto foi publicado na no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).
Não deixe de ler!
WCejnóg
  
IHU – Adital
26 Janeiro 2017.

A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo segundo Marcos 1,21-28 que corresponde ao Quarto Domingo do Tempo Comum, ciclo B, do Ano Litúrgico. O teólogo espanhol José Antonio Pagola comenta o texto. 

Eis o texto

Segundo Marcos, a primeira atuação pública de Jesus foi a cura de um homem possuído por um espírito maligno na sinagoga de Cafarnaum. É uma cena impressionante, narrada para que, desde o início, os leitores descobrem o poder de cura e de libertação de Jesus.

É sábado e o povo encontra-se reunido na sinagoga para escutar o comentário da Lei explicado pelos escribas. Pela primeira vez Jesus vai proclamar a Boa Nova de Deus precisamente no local onde se ensina oficialmente ao povo as tradições religiosas de Israel.

As pessoas ficam surpreendidas ao escutá-Lo. Têm a impressão de que até agora escutaram notícias velhas, ditas sem autoridade. Jesus é diferente. Não repete o que ouviu a outros. Fala com autoridade. Anuncia com liberdade e sem medos um Deus bom.

De repente, um homem põe-se a gritar: “Vieste destruir-nos?”. Ao escutar a mensagem de Jesus sentiu-se ameaçado. O seu mundo religioso desmorona-se. Diz-nos que está possuído por um «espírito imundo», hostil a Deus. Que forças estranhas o impedem de continuar a escutar Jesus? Que experiências más e perversas bloqueiam o caminho até o Deus bom que anuncia Jesus?

Jesus não se acovarda. Vê o pobre homem oprimido pelo mal e grita: “Cala-te e sai deste homem!”.  Ordena que se calem essas vozes malignas que não lhe deixam encontrar-se com Deus nem consigo mesmo. Que recupere o silêncio que cura o mais profundo do ser humano.

O narrador descreve a cura de forma dramática. Num último esforço para destruí-lo, o espírito «retorceu violentamente e, fazendo um forte alarido, saiu dele». Jesus conseguiu libertar o homem da sua violência interior. Colocou um fim às trevas e ao medo a Deus. Daqui em diante poderá escutar a Boa Nova de Jesus.

Não poucas pessoas vivem no seu interior imagens falsas de Deus que lhes fazem viver sem dignidade e sem verdade. Sentem-no, não como uma presença amistosa que convida a viver de forma criativa, mas como uma sombra ameaçadora que controla a sua existência. Jesus sempre começa a curar-nos libertando-nos de um Deus opressor.

As Suas palavras despertam a confiança e fazem desaparecer os medos. As Suas parábolas atraem para o amor de Deus, não para a submissão cega da Lei. A Sua presença faz crescer a liberdade, não os servilismos; suscita o amor à vida, não o ressentimento. Jesus cura porque nos ensina a viver apenas da bondade, do perdão e do amor, que não exclui ninguém. Cura, porque nos liberta do poder das coisas, do autoengano e da egolatria.

Fonte: IHU - Comentário do Evangelho


sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Outro mundo é possível. Reflexão de José Antonio Pagola. Bem atual!



E, depois que João foi entregue à prisão, veio Jesus para a Galiléia, pregando o evangelho do reino de Deus, e dizendo: O tempo está cumprido, e o reino de Deus está próximo. Arrependei-vos, e crede no evangelho."  (Mc 1, 14-15)

A reflexão que trago hoje para o blog Indagações-Zapytania, do padre e teólogo espanhol José Antônio Pagola, é muito concreta e atual. Tem como pano de fundo o texto bíblico Mc 1,14-20  (depois que Batista foi preso, Jesus começa a pregar a boa nova do reino de Deus, chamando os primeiros discípulos).
Foi publicado no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).

Muito bom. Vale a pena ler.
WCejnóg


IHU – ADITAL
19 Janeiro 2018 
Outro mundo é possível
A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo segundo Marcos 1,14-20 que corresponde ao Terceiro Domingo do Tempo Comum, ciclo B, do Ano Litúrgico. O teólogo espanhol José Antonio Pagola comenta o texto. 

Eis o texto

Não sabemos com certeza como reagiram os discípulos de Batista quando Herodes Antipas o encarcerou na fortaleza de Maqueronte. Conhecemos a reação de Jesus. Não ficou no deserto. Tampouco se refugiou entre Seus familiares de Nazaré. Começou a percorrer as aldeias da Galileia predicando uma mensagem original e surpreendente.

O evangelista Marcos resume dizendo que “partiu para a Galileia proclamando a boa nova de Deus”. Jesus não repete a predicação do Batista nem fala do seu batismo no Jordão. Anuncia Deus como algo novo e bom. Esta é sua mensagem.

“Cumpriu-se o prazo”.

O tempo de espera que se vive em Israel acabou. Terminou também o tempo do Batista. Com Jesus começa uma era nova. Deus não quer deixar-nos sós ante nossos problemas, sofrimentos e desafios. Quer construir junto conosco um mundo mais humano.

“Está a chegar o reino de Deus”.

Com uma audácia desconhecida, Jesus surpreende a todos anunciando algo que nenhum profeta havia se atrevido a declarar: “Já está aqui Deus, com a força criadora da Sua justiça, tratando de reinar entre nós”. Jesus experiencia Deus como uma Presença boa e amistosa que abrira caminho entre nós para humanizar a nossa vida.

Por isso toda a vida de Jesus é uma chamada à esperança. Há uma alternativa. Não é verdade que a história tenha que seguir pelos caminhos da injustiça que lhe trazem os poderosos da terra. É possível um mundo mais justo e fraterno. Podemos modificar a trajetória da história.

“Convertei-vos”.

Já não é possível viver como se nada estivesse a acontecer. Deus pede a seus filhos colaboração. Por isso grita Jesus: “Mudai a forma de pensar e de atuar”.  São as pessoas as que primeiro temos de mudar. Deus não impõe nada pela força, mas a atrai nossas consciências para uma vida mais humana.

“Acreditai nesta boa nova”.

Tomai a sério. Despertai da indiferença. Mobilizai as vossas energias. Acreditai que é possível humanizar o mundo. Acreditai na força libertadora do Evangelho. Acreditai que é possível a transformação. Introduz no mundo a confiança.

Que temos feito desta mensagem apaixonante de Jesus? Como o podemos esquecer? Com que o temos substituído? Em que estamos a nos entreter se o primeiro é “procurar o reino de Deus e a sua justiça”? Como podemos viver tranquilos observando que o projeto criador de Deus, de uma terra cheia de paz e de justiça, está sendo aniquilado pelos homens?

Fonte: IHU – Comentário doEvangelho



segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

"Não discutir impostos sobre riqueza é loucura". – Entrevista com Thomas Piketty. É importante saber!


Existem assuntos importantes que fazem parte do jogo de poder, principalmente do poder econômico, e isso na escala mundial. A tributação de grandes fortunas é um desses temas. No Brasil, ao longo das últimas décadas, as elites conseguem manter os seus privilégios, frustrando qualquer tentativa de reforma nesse campo.
Como entender essa questão? Muitas vezes fica difícil para um simples cidadão formar uma opinião própria mais correta e justa.

A matéria que trago hoje para o blog Indagações-Zapytania é a entrevista "Não discutir impostos sobre riqueza é loucura", com o economista francês Thomas Piketty, que pode servir de ajuda para quem estiver interessado em entender um pouco mais a importância, necessidade e a urgência de um país resolver esse problema.
A entrevista foi realizada por Miguel Martins  há três anos atrás (publicada por CartaCapital em 2014), mas continua atual e interessante.

Vale  a pena ler!
WCejnóg



01/12/2014

"Não discutir impostos sobre riqueza é loucura"

No Brasil, a simples menção a um aumento nos impostos é garantia de turbulência para o governo. No caso do tributo sobre grandes fortunas, previsto na Constituição Federal e jamais aplicado, o tema só foi lembrado nas eleições deste ano por partidos de esquerda como PSOL e PSTU. Durante a campanha, Dilma Rousseff nem ousou pisar no terreno espinhoso. Nos países desenvolvidos, cujas fortunas chegam a superar em seis vezes a renda nacional, a criação de taxas para limitar os ganhos de capital já começou. Em 2012, a França aprovou uma alíquota de 75% sobre as maiores riquezas do país.


O economista francês defende o aumento dos tributos 
 sobre heranças e fortunas no País
 e afirma que a fatia de riqueza dos 10% mais ricos está sendo subestimada.

Não à toa, trata-se da terra natal de Thomas Piketty, economista alçado ao status de celebridade após entrar para a lista dos autores mais vendidos do New York Times por seu livro O Capital No Século XXI, lançado no Brasil pela editora Intrínseca. O sucesso explica-se não apenas pela densidade de sua base de dados, responsável por atestar o grande aumento da desigualdade de renda nos países ricos do Ocidente a partir da década de 1970. O livro inspira-se na tradição historiográfica francesa ao enxergar política, economia e cultura como dimensões integradas, e as relaciona com notável erudição. Por esse motivo, Piketty se vê mais como um cientista social e menos como um economista.

De passagem pelo Brasil, o pesquisador concedeu uma entrevista a CartaCapital. Simpático, fez questão de reiterar inúmeras vezes a necessidade dos países adotarem impostos mais onerosos às grandes fortunas para impedir a acumulação crescente dos 10% mais ricos no planeta. "A limitação da concentração é a saída para fazer da propriedade privada algo temporário", diz.  "É como dizer: 'Você é o dono, mas não para sempre. Se você continuar investindo e trabalhando, poderá manter essa propriedade. Se mantiver seu capital parado, iremos distribuí-lo.".

Afinado com a realidade política e econômica brasileira, Piketty defende o aumento de impostos sobre as heranças no País, até 10 vezes inferiores aos da Alemanha e dos Estados Unidos, e critica o grande volume de tributos indiretos, a alta taxa de juros e a falta de transparência nos dados da Receita Federal para grandes fortunas. Sobre programas como o Bolsa-Família, defende sua importância na redução da pobreza, mas considera ainda mais relevante a política de valorização do salário mínimo. A dificuldade em debater o aumento dos impostos sobre riqueza e patrimônio no país o surpreende. "Não discuti-los no Brasil é uma loucura. Todos os países têm impostos sobre herança muito superiores ao brasileiro. Você não precisa ser de esquerda para defender essa medida. Por acaso Angela Merkel ou David Cameron são de esquerda?"

Entrevista

CartaCapital:   Professor, um dos aspectos mais interessantes de seu livro é o diálogo apresentado entre a economia e as outras humanidades, em especial a história. Há uma forte base da história social de Fernand Braudel e Geroges Duby em seu trabalho. Trata-se de uma abordagem rara atualmente. Por que é tão difícil encontrar estudos econômicos interdisciplinares no contexto atual?

Thomas Piketty: Eu estou muito feliz que você diga isso, pois eu gostaria que meu trabalho se situasse na tradição de Braudel e outros historiadores franceses. Em 1995, deixei o MIT, nos Estados Unidos, para retornar à França, e fui para a Ecóle de Hautes Etudes en Ciencies Sociales, onde Braudel era o presidente, havia grandes historiadores, sociólogos como Pierre Bourdieu. Mas também fui influenciado por economistas anglo-saxônicos como Simon Kuznets, que foi um dos pioneiros na coleta de dados sobre distribuição. Eu tento combinar essas duas tradições. As fronteiras entre economia, história e sociologia são tênues demais. A divisão é bem menos clara do que os economistas imaginar ser. Me vejo mais como um cientista social.

CartaCapital:   Seu livro mostra como as duas guerras mundiais e suas consequências econômicas proporcionaram uma forte distribuição de renda. Todavia, em momentos de maior harmonia comercial e econômica entre as potências, como ocorreu na Belle Époque do fim do Século XIX e está ocorrendo atualmente, a riqueza acumulada pode superar e muito a renda nacional. Karl Marx não estava certo sobre o acúmulo infinito de capital ao menos em momentos de paz?

Thomas Piketty: Acho que ele estava um pouco certo, mas também errado em alguns pontos. No tempo em que ele escreveu, havia uma grande acumulação de capital e toda a nossa base de dados indica uma longa estagnação dos salários no Reino Unido e na França, entre 1800 e 1870, mesmo com a revolução industrial. Por isso, foi uma observação tão forte. Mas vejo erros em alguns pontos. A sua primeira limitação é o que ocorreria após a abolição da propriedade privada. Os países que o fizeram não foram capazes de organizar a sociedade e o Estado, foi um grande desastre. É fácil perceber o tamanho da acumulação de capital excessiva, mas é difícil pensar nas boas e democráticas soluções para limitar o poder do capital, entre elas o estabelecimento de impostos progressivos.

Não é por conta do desastre das experiências socialistas que precisamos parar de pensar nisso. A limitação da concentração da riqueza é uma saída para fazer da propriedade privada algo temporário. É como dizer "você é o dono, mas não para sempre. Os impostos vão tirar parte de sua propriedade ao longo do caminho. Se continuar a investir e trabalhar, poderá manter essa propriedade, mas se mantiver seu capital parado, iremos distribuí-lo".

CartaCapital:   No Brasil, a discussão do imposto sobre grandes fortunas é vista por muitos como uma agenda radical da esquerda. Na campanha eleitoral, Um dos únicos partidos a tocar abertamente no assunto foi o PSOL, cuja representação no Congresso é tímida. O senhor considera a proposta de esquerda?

Thomas Piketty: O Brasil poderia ter um sistema de imposto mais progressivo. O sistema é bastante regressivo, com altas taxas sobre o consumo para amplos setores da sociedade, enquanto os impostos diretos são relativamente pequenos. As taxas para as maiores rendas é de pouco mais de 30%, é tímido para os padrões internacionais. Países capitalistas taxam as principais rendas em 50% ou mais. Os impostos sobre herança e transmissão de capital são extremamente reduzidos, apenas 4%. Nos Estados Unidos é 40%, na Alemanha é 40%. Não discutir a cobrança de impostos sobre a riqueza no Brasil é uma loucura. É tudo muito ideológico. Todos os países têm imposto sobre herança muito superiores ao brasileiro. Você não precisa ser de esquerda para defender essa medida.  Por acaso Angela Merkel ou David Cameron são de esquerda?

O Brasil precisa de um sistema mais progressivo de impostos. Deveria haver uma redução de impostos indiretos. O PT poderia ir nessa direção, é uma forma de ter um sistema mais transparente e trazer mais confiança para o governo. Eu entendo que o PT está buscando um novo projeto para este mandato. Uma grande reforma tributária seria importante.

CartaCapital:   O caso francês é uma referência?

Thomas Piketty: O imposto sobre a fortuna é uma evolução importante. O problema na França e na Europa é que só agora estamos mudando para um transmissão automática de informação entre os países sobre ativos financeiros transnacionais. Até agora, se você tinha uma conta bancária na Suíça, a receita francesa não possuía a informação. É muito difícil controlar a cobrança de impostos em um continente com tamanha integração econômica e fluxos livres de capital. É necessário mais cooperação, e acho que vamos seguir nesta direção.

CartaCapital:   No debate da USP, na quarta 26, o senhor discutiu suas ideias com André Lara Resende, ex-presidente do BNDES no governo Fernando Henrique Cardoso, e Paulo Guedes, um dos fundadores do instituto Millenium, dois economistas de posição neoliberal e contra impostos sobre a riqueza. É um tipo de reação comum que o senhor tem testemunhado?

Thomas Piketty: Sempre há grupos de pessoas com diferentes reações. Muitas pessoas no Ocidente querem adiar o imposto sobre a riqueza. Eu entendo que os dois economistas com quem debati são também homens de negócios, talvez não economistas bilionários, mas eles querem adiar o máximo possível. Eles são a favor de um aumento dos impostos sobre herança, o que já é algo. O que me surpreende é ter conhecido muita gente a favor do imposto sobre herança, mas não ver ações concretas neste sentido.

CartaCapital:   O senhor também comentou no debate sobre suas dificuldades em acessar os dados anuais consolidados da Receita Federal no Brasil, principal fonte de sua pesquisa em 20 países. Quais são os maiores entraves?

Thomas Piketty: Quando há apenas o sistema de pesquisas domiciliares para se medir a distribuição de renda, você tende a subestimar a desigualdade. Os 10% mais ricos em particular não são bem registrados em pesquisas com famílias. Na maior parte dos países, quando há imposto de renda, os governos publicam balanços anuais detalhados. No Brasil, o governo não está publicando estas informações de forma transparente. Fomos capazes de encontrar os balanços de imposto de renda entre 1963 e 1999. A partir desse ano a base parece ter desaparecido. Recentemente, algum acesso foi dado a um grupo de economistas brasileiros, do professor Marcelo Medeiros, da UnB, relativo ao período de 2006 a 2012. O fim da publicação da base de dados em papel pode ter contribuído para isso. Muitas vezes há mais restrição para acessar os dados informatizados.

Em termos gerais, há uma falta de transparência na base de dados do imposto de renda no Brasil. As conclusões preliminares de Medeiros mostram um nível de desigualdade bem maior do que aquele aferido pelas pesquisas domiciliares. Ao tomar como referencia os dados da receita entre 2006 e 2012, houve inclusive um aumento na concentração dos 10% mais ricos, que saltou de 50% para 55% da renda total.

CartaCapital:   Embora não seja tanto o foco da sua pesquisa, como o senhor vê os programas de transferência de renda no Brasil como o Bolsa Família?

Thomas Piketty: Olho bastante para base a pirâmide. Me preocupo muito no livro com os 50% mais pobres. O Bolsa Família tem sido um imenso sucesso, o que contribui para a redução da extrema pobreza e o aumento da renda dos mais pobres. A parte dos impostos tem peso em meu livro, mas a transferência também. No caso brasileiro, mais importante ainda é a política de valorização do salário mínimo.

Isso foi muito positivo. Quaisquer que sejam os dados, a diminuição da miséria no Brasil é um fato, pelas políticas introduzidas pelo PT. Mas é possível ainda que os 10% mais ricos tenham ampliado sua distância. Pode ser ter ao mesmo tempo uma diminuição da pobreza e um aumento da desigualdade. É um erro imaginar que o Brasil já fez o suficiente em termos de redução da pobreza.

CartaCapital:   O Brasil tem uma taxa de juros alta, superior a 11%. Quais os riscos desse alto patamar para o futuro da distribuição de riqueza no País?

Thomas Piketty: Há limites com o que você pode fazer com política monetária. Precisamos de mais políticas e reformas fiscais. Inflação pode ser importante em alguns casos para distribuir renda, mas muitas vezes não têm funcionado. O Brasil paga muito mais em juros do que está colocando no Bolsa Família. Se você realmente quer distribuir riqueza e limitar o acúmulo e concentração de capital, é necessário um sistema mais progressivo. Para mim, os impostos progressivos sobre riquezas privadas são uma forma civilizada de inflação. A inflação geralmente pune cidadãos com pouco dinheiro em suas contas bancarias.

CartaCapital:   Qual a sua visão sobre o sistema de Bretton Woods hoje e qual o potencial do banco dos Brics, recém-criado?

Thomas Piketty: Precisamos de um sistema multipolar e faz sentido uma instituição coordenada pelos Brics. Também acredito que esse sistema deveria envolver uma Europa mais forte e o fortalecimento do Euro. Não é bom ter apenas dois países hegemônicos. O poder do dólar é bom para os Estados Unidos, mas não para o resto do mundo.

Especialmente pelo sistema legal por trás do dólar. Recentemente, a Argentina teve de pagar uma dívida bilionária da noite para o dia. Na França, o maior banco, o BNP Paribas, foi subitamente acionado a pagar uma multa enorme pelo sistema judicial norte-americano. Isso é errado. Nós todos nos beneficiaríamos de um sistema multipolar, com alternativas. Se você não está feliz com o dólar e o sistema jurídico por trás da moeda, você deve poder recorrer a outros sistemas.