Temas diversos. Observar, pensar, sentir, fazer crítica construtiva e refletir sobre tudo que o mundo e a própria vida nos traz - é o meu propósito. Um pequeno espaço para uma visão subjetiva, talvez impregnada de utopia, mas, certamente, repleta de perguntas, questionamentos, dúvidas e buscas, que norteiam a vida de muitas pessoas nos dias de hoje.

As perguntas sobre a existência e a vida humana, sobre a fé, a Bíblia, a religião, a Igreja (sobretudo a Igreja Católica) e sobre a sociedade em que vivemos – me ajudam a buscar uma compreensão melhor desses assuntos, com a qual eu me identifico. Nessa busca, encontrando as melhores interpretações, análises e colocações – faço questão para compartilhá-las com os visitantes desta página.

Dedico este Blog de modo especial a todos os adolescentes e jovens cuja vida está cheia de indagações.
"Navegar em mar aberto, vivendo em graça ou não, inteiramente no poder de Deus..." (Soren Kierkegaard)

sexta-feira, 27 de abril de 2018

Acreditar. – Reflexão de José Antonio Pagola. Bem atual!



Abaixo, uma boa reflexão, muito concreta e atual, que tem como pano de fundo o texto bíblico Jo 15, 1-8 (Jesus diz: “Eu sou a videira e vós, os ramos!”), do padre e teólogo espanhol José Antonio Pagola.
O texto foi publicado na no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).
Não deixe de  ler!
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IHU - ADITAL
27 de abril 2018

Acreditar

A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo João 15,1-8 que corresponde ao Quinto Domingo da Páscoa ciclo B, do Ano Litúrgico. O teólogo espanhol José Antonio Pagola comenta o texto. 

Eis o texto

A fé não é uma impressão ou emoção do coração. Sem dúvida, o crente sente a sua fé, experimenta-a e desfruta-a, mas seria um erro reduzi-la a «sentimentalismo». A fé não é algo que dependa dos sentimentos: «Já não sinto nada; devo estar a perder a fé». Ser crentes é uma atitude responsável e razoável.

A fé não é tampouco uma opinião pessoal. O crente compromete-se pessoalmente a acreditar em Deus, mas a fé não pode ser reduzida a «subjetivismo»: «Eu tenho as minhas ideias e acredito naquilo que me parece». A realidade de Deus não depende de mim nem a fé cristã é elaboração própria. Brota da ação de Deus em nós.

A fé não é tampouco um costume ou tradição recebida dos padres. É bom nascer numa família crente e receber desde criança uma orientação cristã da vida, mas seria muito pobre reduzir a fé a «hábitos religiosos»: «Na minha família sempre temos sido muito de Igreja». A fé é uma decisão pessoal de cada um.

A fé não é tampouco uma receita moral. Acreditar em Deus tem as suas exigências, mas seria um equívoco reduzir tudo a «moralismo»: «Eu respeito a todos e não faço mal a ninguém». A fé é, além disso, amor a Deus, compromisso por um mundo mais humano, esperança de vida eterna, ação de graças, celebração.

A fé não é tampouco um «tranquilizante». Acreditar em Deus é, sem dúvida, fonte de paz, consolo e serenidade, mas a fé não é só uma «boia de salvação» para os momentos críticos: «Eu, quando me encontro em apuros, recorro à Virgem». Acreditar é o melhor estímulo para lutar, trabalhar e viver de forma digna e responsável.

A fé cristã começa a despertar-se em nós quando nos encontramos com Jesus. O cristão é uma pessoa que se encontra com Cristo, e Nele vai descobrindo um Deus Amor que a cada dia o atrai mais. Diz muito bem João: «Nós conhecemos o amor que Deus tem por nós e temos acreditado Nele. Deus é Amor» (1 João 4,16).

Esta fé cresce e dá frutos só quando permanecemos dia a dia unidos a Cristo, quer dizer, motivados e sustentados pelo Seu Espírito e a Sua Palavra: «O que permanece unido a mim, como eu estou unido a ele, produz muito fruto, porque sem mim não podeis fazer nada».



quinta-feira, 19 de abril de 2018

“O amor de Jesus às pessoas não tem limites” – Reflexão de José Antonio Pagola. Ótima!



“Eu sou o bom Pastor; o bom Pastor dá a sua vida pelas ovelhas”.  (Jo 10,11)
  
Hoje, uma boa reflexão, muito atual e importante. Como pano de fundo  tem o texto bíblico Jo 10, 11-18 (Jesus é o Bom Pastor). É de autoria do padre e teólogo espanhol José Antonio Pagola.
O texto foi publicado na no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).
Vale a pena ler e meditar sobre esse assunto.
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IHU - ADITAL
18 Abril 2018

O amor de Jesus às pessoas não tem limites

A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo segundo João 10, 11-18 que corresponde ao Domingo 4º da Páscoa, ciclo B do Ano Litúrgico. O teólogo espanhol José Antonio Pagola  comenta o texto.

Eis o texto

O símbolo de Jesus como Bom Pastor produz hoje, em alguns cristãos, certo aborrecimento. Não queremos ser tratados como ovelhas de um rebanho. Não necessitamos de ninguém que governe e controle nossa vida. Queremos ser respeitados. Não necessitamos de nenhum pastor.

Não sentiam assim os primeiros cristãos. A figura de Jesus Bom Pastor converteu-se muito rapidamente na imagem mais querida de Jesus. Já nas catacumbas de Roma, ele é representado carregando sobre os seus ombros a ovelha perdida. Ninguém pensa em Jesus como um pastor autoritário dedicado a vigiar e controlar os seus seguidores, mas como um bom pastor que cuida delas.

O “Bom Pastor” preocupa-se com as suas ovelhas. É o seu primeiro traço. Nunca as abandona. Não as esquece. Vive pendente delas. Está sempre atento às mais débeis ou doentes. Não é como o pastor mercenário que, quando vê algum perigo, foge para salvar a sua vida abandonando o rebanho. Não quer saber das ovelhas.

Jesus tinha deixado uma recordação inesquecível. Os relatos evangélicos descrevem-no bem, preocupado com os doentes, os marginalizados, os pequenos, os mais indefesos e esquecidos, os mais perdidos. Não parece preocupar-se por si mesmo. Sempre se vê pensando nos outros. Preocupam-no sobretudo os mais desvalidos.

Mas há algo mais. “O Bom Pastor dá a vida pelas Suas ovelhas”. É o segundo traço. Até cinco vezes repete o evangelho de João esta linguagem. O amor de Jesus às pessoas não tem limites. Ama os outros mais do que a si mesmo. Ama a todos com amor de Bom Pastor que não foge perante o perigo, mas que dá a sua vida para salvar o rebanho.

Por isso a imagem de Jesus, Bom Pastor, converteu-se rapidamente numa mensagem de consolo e confiança para seus seguidores. Os cristãos aprenderam a dirigir-se a Jesus com palavras recolhidas do salmo 22: “O Senhor é o meu Pastor, nada me falta... mesmo que caminhe por vales profundos, nada temo, porque Tu vais comigo... A Tua bondade e a Tua misericórdia acompanham-me todos os dias da minha vida”.

Nós, cristãos, vivemos com frequência uma relação bastante pobre com Jesus. Necessitamos conhecer uma experiência mais viva e profunda. Não acreditamos que ele cuida de nós. Esquecemo-nos que podemos acudir a ele quando nos sentimos cansados e sem forças ou perdidos e desorientados.

Uma igreja formada por cristãos que se relacionam com um Jesus mal conhecido, apresentado apenas de forma doutrinal, um Jesus longínquo cuja voz não se escuta bem nas comunidades..., corre o risco de esquecer o seu Pastor. Mas quem cuidará da Igreja se não for o seu Pastor?



segunda-feira, 16 de abril de 2018

Livro “Saindo do recinto sagrado. Mística para cristãs e cristãos inconformados”, de Ana Márcia Guilhermina de Jesus e José Lisboa Moreira de Oliveira. – Excelente! Disponível em PDF.



No dia 01 de Março deste ano (2018) passaram-se 3 anos desde a morte de José Lisboa Moreira de Oliveira*. Pessoalmente, eu tive o privilégio de conhecê-lo (através da correspondência) poucos anos antes de sua morte, admirando o seu jeito de ver a vida e valorizando muito os seus textos e reflexões. Com a sua morte perdi um mestre e estimado colega.

José Lisboa junto com a sua esposa Ana Márcia Guilhermina escreveram um excelente livro, intitulado “Saindo do recinto sagrado. Mística para cristãs e cristãos inconformados”. Acredito que muitas pessoas possam encontrar nas páginas deste livro uma reflexão bem apropriada para a sua própria situação de vida e para as suas dúvidas em relação à fé cristã, à pertença à Igreja Instituição (ou dificuldades de fazer parte dela), enfim, para encarar de frente os problemas de consciência nesse aspecto.

O livro é direcionado para todos cristãos e cristãs inconformados com a práxis e/ou os rumos das instituições eclesiásticas cristãs. O mais importante, porém, é o conforto vindo da afirmação de que há muito para se fazer, mesmo fora dos muros dos templos, e que o reino de Deus transcende toda religião e toda Igreja.

Hoje quero deixar aqui, no blog Indagações-Zapytania, para a disposição de quem estiver interessado e de visitantes esse livro em PDF. Agradeço à autora, Ana Márcia Guilhermina, por concordar em disponibilizá-lo neste espaço.

Abaixo segue apenas a introdução. Caso alguém deseje continuar a ler (ou copiar) o livro, pode acessar o link do arquivo PDF, que se encontra logo abaixo da Introdução.

Vale a pena ler!

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 Introdução:
“Saiamos do recinto sagrado...” (Hb 13,13)

“Compreendo aqueles que se afastam indignados de uma Igreja que dá provas de uma falta de sensibilidade tão elementar”.
(ARTURO PAOLI)

O fenômeno do retorno ao fundamentalismo e ao conservadorismo vem aumentando no interior da Igreja Católica Romana[1]. Esta volta começou já no fim da vida de Paulo VI, quando o papa, doente, não controlava mais a Cúria Romana, e se consolidou durante os anos do pontificado de João Paulo II[2]. Com isso muitas pessoas sensatas sentem-se completamente excluídas. Elas não conseguem mais se encaixar dentro de esquemas voltados para um tipo de cristianismo feito de cristandade e de gestos completamente arcaicos, ultrapassados e bem distantes do Evangelho.
Uma grande parte dessas pessoas, percebendo que não há mais espaços para elas dentro da Igreja Católica, resolveu abandoná-la[3] Algumas deixaram até de acreditar, depois de serem sistematicamente empurradas para fora do “recinto sagrado” (Hb 13,13) pelos que se julgam donos da “chave do conhecimento” (Lc 11,52)[4]. Outras se voltaram para espaços da sociedade civil onde ainda é possível viver, mesmo que de forma bem diferente, o compromisso cristão. Alguns poucos insistem em permanecer em lugares e atividades mais eclesiais, resistindo e sem querer deixar de vez o engajamento nas pastorais e grupos eclesiais. Por fim, uma pequena parcela foi capturada pelas propostas adocicadas de determinados movimentos religiosos tanto no interior da Igreja Católica como fora dela. Cansadas de lutar, as pessoas se entregaram facilmente às propostas ilusórias de grupos alienados.
Este fenômeno de distanciamento da religião tradicional afetou também as Igrejas protestantes históricas. No caso do Brasil, tudo indica que este distanciamento se deu pelo afastamento das Igrejas da matriz religiosa brasileira. Os pentecostais foram mais espontâneos, mais flexíveis, conseguindo adaptar-se às culturas brasileiras [5]. Houve quem insinuasse que o abandono da Igreja Católica Romana estaria relacionado com a sua excessiva preocupação com as questões sociais. Mas estudos sérios e dados estatísticos comprovaram que este fenômeno se dava também com a mesma intensidade em dioceses católicas cujos bispos eram altamente conservadores. Os estudos e as estatísticas apontaram, como principais causas, a pouca atenção para os problemas imediatos da população, a distância da religiosidade popular, o racionalismo da cúpula da Igreja que não se abre para os sentimentos e a emoção, a clericalização da Igreja, a burocratização das relações e a escassa vida de comunidade[6].
O que fazer diante disso? Certamente não podemos entregar os pontos, permitindo que o conservadorismo e o tradicionalismo acabem com uma experiência significativa de Igreja, muito mais próxima da proposta do Novo Testamento, e que herdamos do Concílio Vaticano II[7] Algumas pessoas começaram a reagir e estão se reorganizando, na tentativa de reconstruir tal experiência.
As propostas que estão nascendo dessa resistência não querem acrescer a fileira de movimentos e grupos já existentes. Não querem ser mais uma pastoral esquisita e nem tão pouco uma nova igreja. Dessas coisas já temos o bastante e todas, com o passar do tempo, mostram as suas fragilidades e a sua insignificância. Muitas dessas experiências fracassaram e, com o passar do tempo, foram também corrompidas pela tentação do poder e do sucesso[8].
Podemos afirmar que aquilo que está surgindo é apenas uma mística que pode congregar as cristãs e os cristãos inconformados e lhes ajudar a resistir sem desespero, mas também sem ceder às pressões dos que querem a todo custo que a Igreja volte aos tempos da Idade Média, de Pio V e da contra-reforma.
Por cristã ou por cristão inconformado entendemos aqui alguém que não se deixa enquadrar, que não se deixa capturar, não aceita ser colocado na fôrma e rompe sempre com as porteiras dos currais religiosos. Do ponto de vista cristão é alguém que não se sujeita aos caprichos das autoridades da Igreja, pouco se importando com as “personalidades eclesiásticas”, e que não se submete à vontade escravizante de determinadas observâncias religiosas, por mais bonitas e encantadoras que sejam. Inconformada é a pessoa que, mesmo tendo a sua liberdade vigiada pelos “falsos irmãos”, não se deixar escravizar por suas pretensões, propostas e imposições[9]. Inconformado, portanto, é quem não faz nenhum tipo de concessão, mas se mantém fiel à verdade do Evangelho. Inconformada é a pessoa realmente livre. Certamente “a liberdade é um dom muito perigoso, mas é aquilo que distingue a pessoa dos outros seres”[10].
A cristã e o cristão inconformado, fazendo memória das primeiras comunidades cristãs. Aderindo a essa mística buscam resgatar a alegria de ser “microscópico rebanho” (Lc 12,32), não se deixando levar pelo medo da perseguição e da exclusão provenientes dos próprios irmãos de sua Igreja (cf. Jo 16,1-2).
A mística das discípulas e dos discípulos inconformados está fundamentada em duas atitudes básicas que devem caracterizar a vida das comunidades cristãs: a memória das origens e a ação encarnada. A recuperação da memória quer ser antes de tudo um memorial. Algo capaz de trazer para o hoje da nossa história a coragem e a audácia dos primeiros cristãos e das primeiras cristãs. Trata-se não apenas de uma recordação nostálgica dos “bons tempos” do cristianismo, mas de uma memória que impulsione para o agir, fazendo-nos assumir a responsabilidade de construir uma nova história. Assim recordação e ação, lembrança e participação, memória e memorial vão se intercalando sem divisões e sem exclusões.
Neste tipo de mística todos os textos do Segundo Testamento são fundamentais, mas neste nosso estudo ocupará um espaço bastante significativo a Carta aos Hebreus[11]. Enquanto expressão da primeira aliança de Deus com a humanidade e com o povo eleito, também o Primeiro Testamento ajudará nessa re-leitura da nossa história, à luz dos desígnios divinos, de modo particular os escritos atribuídos aos profetas.
A mística das discípulas e dos discípulos inconformados parte da seguinte constatação: “Toda transformação começa por um despertar. Cai a ilusão e fica a desilusão, desvanece-se o engano e sobra o desengano. Sim, todo despertar é um desengano [...]. Mas o desengano pode ser a primeira pedra de um mundo novo”[12].
Nesse texto que ora se inicia queremos recuperar alguns elementos dessa mística. Nossa reflexão se fundamenta na observação da vida cotidiana dessas pessoas que insistem em resistir, não se acomodando, não se acovardando e nem entregando os pontos. Por isso, num primeiro momento, indicamos os principais aspectos ou elementos que norteiam a experiência mística das cristãs e dos cristãos incomodados ou inconformados. Trata-se de olhar com carinho para esses homens e essas mulheres que, segundo a versão da Bíblia Pastoral[13], desde o tempo das origens da caminhada de fé no Deus da vida, “extraíram força de sua própria fraqueza” (Hb 11,34).
Num segundo momento propomos um olhar para o sistema eclesiástico atual, mostrando o seu distanciamento do Evangelho. Falamos de “sistema eclesiástico” e não de “sistema eclesial” porque não se trata de um problema de Igreja, mas de uma parte dela que, infelizmente, nesse momento detém o poder e dita as regras. Para nós a Igreja é muito mais que o sistema eclesiástico. O Reino, ou Reinado de Deus, tem as suas fronteiras alargadas para muito além dos limites da Igreja. E, para bem além dos limites do Reino está a Trindade eterna. E isso deve animar a mística das cristãs e dos cristãos inconformados que não devem ficar atrelados ao sistema eclesiástico e nem desanimados, pensando que não existem mais espaços para viver a experiência do seguimento de Cristo. “O vento sopra onde quer” (Jo 3,8), ou seja, o Espírito, a Divina Ruah, o divino sopro, não está condicionado aos esquemas eclesiásticos[14]. E quem se deixa condicionar por qualquer tipo de “canga” se desliga de Cristo e se separa da sua graça (cf. Gl 5,1-6).
Por fim, num terceiro bloco, procuramos colher algumas experiências que transformam a mística das cristãs e dos cristãos inconformados em ações concretas. De fato, não basta lamentar-se ou encolher-se num casulo de seguranças contra as possíveis dificuldades ou ameaças da vida. O seguimento de Cristo é ação e compromisso em favor dos irmãos e irmãs. De fato, a nossa “vida espiritual não é mera intencionalidade, não se avalia nas ideias piedosas ou apenas nos sentimentos sublimes que podem ser alienantes”[15]. Por isso o cristão e a cristã não podem ficar encostados ou apenas amargurados, esperando que um dia as coisas melhorem. Eles precisam agir e antecipar a chegada do novo céu e da nova terra (cf. Ap 21,1). Se Deus Pai e Jesus continuam agindo no mundo (cf. Jo 5,17) é porque querem que os cristãos e as cristãs também trabalhem e sejam capazes de provocar mudanças significativas até maiores do que aquelas que eles realizaram no meio da humanidade (cf. Jo 14,12).




[1] O fundamentalismo pode ser definido como falta de equilíbrio na relação entre as religiões ou mesmo dentro de uma determinada religião. Pelo fundamentalismo um determinado grupo tenta impor a sua ideologia, buscando fundamentá-la, legitimá-la, defendê-la e afirmá-la. Por esse motivo estabelece-se um conflito e até mesmo o uso da violência, por parte do grupo mais forte, para a afirmação dos princípios que se defende. De acordo com Wolff, “o fundamentalismo cria uma interpretação própria da divindade e uma linguagem que em si mesmo expressam uma dupla violência: contra Deus e contra o ser humano. A violência contra Deus manifesta-se no fato de o absolutismo e o totalitarismo fundamentalistas forçarem o divino a esquemas de representação que limitam sua revelação por um processo de distorção do conteúdo original dos princípios religiosos. Deus não está livre para revelar-se como é e como quiser. A violência sobre o ser humano manifesta-se pelo uso da imagem de Deus de um modo ameaçador para a existência das pessoas” (WOLFF, Elias. Humanismo e religião. In: BENTO, Fábio Régio (org.). Cristianismo, humanismo e democracia. São Paulo: Paulus, 2005, pp. 213-248. Aqui p. 222.
[2] Cf. LIBÂNIO, João Batista. A volta à grande disciplina. Reflexão teológico-pastoral sobre a atual conjuntura da Igreja. São Paulo: Loyola, 1983.
[3] O fenômeno do abandono da Igreja Católica Romana é cada vez mais visível, embora os organismos da Cúria Romana continuem insistindo no aumento dos seus fiéis. Na Europa o abandono é cada vez maior. Na Alemanha, por exemplo, segundo dados de 2009, a cada ano, o abandono atinge cerca de 200 mil fiéis (Cf. CAPPELLI, Piero. O cisma silencioso. Da casta clerical à profecia da fé. São Paulo: Paulus, 2010, pp. 160-166). Nos países mais pobres a tendência será cada vez mais a mesma. Na internet circulam dados afirmando, por exemplo, que em 2010 os evangélicos no Brasil chegaram a 50 milhões e que em 2050 dobrarão de número. Embora esses dados não sejam oficiais, nada nos impede de acreditar que eles são verdadeiros. Basta comparar o crescimento do número de templos evangélicos com os da Igreja Católica Romana.
[4] Os textos bíblicos aqui citados, quando não são traduções próprias, são tirados da Tradução Ecumênica da Bíblia (TEB), Edições Loyola, 1994.
[5] Acerca desse fenômeno no âmbito das Igrejas protestantes históricas veja-se LIMA, Delcio Monteiro de. Os demônios descem do Norte. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1987, pp. 33-40; FILHO, José Bittencourt. Matriz religiosa brasileira. Religiosidade e mudança social. Petrópolis: Vozes, 2003, pp. 83-128; MENDONÇA, Antônio Gouvêa. Evangélicos e pentecostais: um campo religioso em ebulição. In: TEIXEIRA, Faustino; MENEZES, Renata (organizadores). As religiões no Brasil. Continuidades e rupturas. Petrópolis: Vozes, 2006, pp. 89-110; ALMEIDA, Ronaldo de. A expansão pentecostal: circulação e flexibilidade. In: Ibid., pp. 111-122.
[6] Cf. ANTONIAZZI, Alberto. A Igreja Católica face à expansão do pentecostalismo. In: ANTONIAZZI, Alberto et alii. Nem anjos nem demônios. Interpretações sociológicas do pentecostalismo. Petrópolis: Vozes, 1996, 2ª edição, pp. 17-23.
[7] Na verdade esse retorno ao fundamentalismo e ao conservadorismo é uma volta a eclesiologia jurídica que prevaleceu na Igreja Católica Romana durante o período da Contra-Reforma até o Vaticano II. Durante este concílio travou-se uma dura batalha entre o grupo que defendia esta concepção eclesiológica e o grupo que queria a eclesiologia de comunhão. A eclesiologia jurídica vê a Igreja como “sociedade perfeita entre desiguais” e prioriza as normas canônicas. A eclesiologia de comunhão considera a Igreja na perspectiva bíblica de uma comunidade onde todos e todas são irmãos e irmãs (cf. Mt 23,8; Gl 3,25-29). Graças à intervenção de João XXIII e de Paulo VI a eclesiologia de comunhão terminou prevalecendo no Concílio Vaticano II. Mas com a eleição de João Paulo II os representantes da eclesiologia jurídica foram reconduzidos ao Vaticano e de lá para cá o que se tem assistido é a imposição da visão conservadora e fundamentalista. A respeito das duas concepções eclesiológicas veja-se ACERBI, Antonio. Due ecclesiologie. Ecclesiologia giuridica ed ecclesiologia di comunione nella “Lumen Gentium”. Bolonha: Dehoniane, 1975.
[8] Acerca dos problemas e desafios do exercício do poder na Igreja veja-se HOFFMANN, Paul. A herança de Jesus e o poder na Igreja. Reflexão sobre o Novo Testamento. São Paulo: Paulus, 1998.
[9] Cf. Gl 5,1; 4,8-10; 2,3-6.
[10] PAOLI, Arturo. La gioia di essere liberi. Pádua: Messaggero, 2002, p. 10.
[11] De acordo com alguns estudiosos, a Carta aos Hebreus aponta claramente “o fim do culto como caminho de salvação” (HOFFMANN, Paul. A herança de Jesus e o poder na Igreja, p. 91).
[12] LARRAÑAGA, Inácio. O irmão de Assis, São Paulo: Paulinas, 2005, 16ª edição, p. 13.
[13] Bíblia Sagrada. Edição Pastoral. São Paulo: Paulus, 1993.
[14] A este propósito veja-se ROY, Ana. Tu me deste um corpo... São Paulo: Paulinas, 2000, pp. 15-31. A revelação bíblica afirma com toda clareza que o envio do Espírito do Filho aos “nossos corações” (Gl 4,6) rompe com toda a forma de servidão e de minoridade cristã (cf. PENNA, Romano. Spirito Santo. In: ROSSANO, Pietro et alii. Nuovo Dizionario di Teologia Biblica. Cinisello Balsamo: Paoline, 1988, pp. 1498-1518).
[15] ROY, Ana. Tu me deste um corpo..., p. 29.

Fonte: JESUS, Ana Márcia Guilhermina de; OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de.Saindo do recinto sagrado: mística para cristãs e cristãos inconformados. Brasília, Editora Ser, 2011. p. 5-11)



Este livro pode ser lido na íntegra acessando o texto em PDF: SAINDO DO RECINTO SAGRADO. (clique AQUI) 



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 José Lisboa Moreira de Oliveira (Nascimento 14/08/1956; Morte  01/03/2015)
Era filósofo, teólogo, escritor e professor universitário. Autor de 13 livros e algumas dezenas de artigos.
Para obter mais informações sobre o José Lisboa Moreira de Oliveira acesse o Perfil do blog O Chamado que ele mesmo conduzia (AQUI)
Também informações sobre os autores do livro encontram-se na última página da sua obra.


sexta-feira, 13 de abril de 2018

“Testemunhas”. – Reflexão de José Antonio Pagola. Muito boa!



Vós sois as testemunhas de tudo isso.” (Lc 24, 46-48)

A reflexão que trago hoje para o blog Indagações-Zapytania, do padre e teólogo espanhol José Antônio Pagola, é muito concreta e atual. Tem como pano de fundo o texto bíblico Lc 24, 48  (“Jesus apresentou-se no meio dos discípulos e lhes disse: ‘A paz esteja convosco’).
Foi publicada no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).

Muito atual. Não deixe de ler.
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IHU - ADITAL
13 Abril 2018

Testemunhas

A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo Lucas, 24, 35-48 que corresponde ao Terceiro Domingo da Páscoa ciclo B, do Ano Litúrgico. O teólogo espanhol José Antonio Pagola comenta o texto. 

Eis o texto

Lucas descreve o encontro do Ressuscitado com os Seus discípulos como uma experiência fundadora. O desejo de Jesus é claro. A Sua tarefa não terminou na cruz.

Ressuscitado por Deus depois da Sua execução, toma contato com os Seus para colocar em marcha um movimento de «testemunhas» capazes de contagiar todos os povos com a Sua Boa Nova: «Vós sois as Minhas testemunhas».

Não é fácil converter em testemunhas aqueles homens afundados no desconcerto e no medo. Ao longo de toda a cena, os discípulos permanecem calados, em silêncio total. O narrador só descreve o seu mundo interior: estão cheios de terror; só sentem perturbação e incredulidade; tudo aquilo lhes parece demasiado bonito para ser verdade.

É Jesus quem vai regenerar a sua fé. O mais importante é que não se sintam sós. Sentem-no cheio de vida no meio deles. Estas são as primeiras palavras que escutam do Ressuscitado: «A paz esteja convosco... Por que surgem dúvidas no vosso interior?».

Quando esquecemos a presença viva de Jesus no meio de nós; quando o ocultamos com os nossos protagonismos; quando a tristeza nos impede de sentir tudo menos a Sua paz; quando nos contagiamos uns aos outros com pessimismo e incredulidade... pecamos contra o Ressuscitado. Assim não é possível uma Igreja de testemunhas.

Para despertar a sua fé, Jesus não lhes pede que olhem o Seu rosto, mas sim as Suas mãos e os Seus pés. Que vejam as Suas feridas de crucificado. Que tenham sempre ante os seus olhos o Seu amor entregue até à morte. Não é um fantasma: «Sou Eu em pessoa». Ele mesmo que conheceram e amaram pelos caminhos da Galileia.

Sempre que pretendemos fundamentar a fé no Ressuscitado com as nossas elucubrações convertemo-lo num fantasma. Para nos encontrarmos com Ele temos de recorrer ao relato dos evangelhos; descobrir essas mãos que abençoam os doentes e acariciavam as crianças, esses pés cansados de caminhar ao encontro dos mais esquecidos; descobrir as Suas feridas e a Sua paixão. É esse Jesus o que agora vive ressuscitado pelo Pai.

Apesar de vê-los cheios de medo e de dúvidas, Jesus confia nos Seus discípulos. Ele mesmo lhes enviará o Espírito que os sustentará. Por isso lhes encomenda que prolonguem a Sua presença no mundo: «Vós sois testemunhas destas coisas». Não têm de ensinar doutrinas sublimes, mas sim contagiar com a Sua experiência. Não têm de predicar grandes teorias sobre Cristo, mas sim irradiar o Seu Espírito. Têm de se mostrar credível com a sua própria vida, não só com palavras. Este é sempre o verdadeiro problema da Igreja: a falta de testemunhas.



terça-feira, 10 de abril de 2018

“Os índios, nossos mortos” – Artigo de Luiz Ruffato. É importante falar sobre isso!



Hoje trago para o blog Indagações-Zapytania o artigo Os índios, nossos mortos, do escritor Luiz Ruffato. O texto não é recente (foi publicado em julho de 2016), mas continua muito atual no contexto político e social do Brasil de hoje.
Espero que a publicação desse artigo também aqui, no meu blog, possa ser uma pequena contribuição na divulgação e defesa da causa indígena.

Vale a pena ler!
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por   LUIZ RUFFATO
13 jul 2016

Os índios, nossos mortos

O Brasil, país racista e preconceituoso, sempre demonstrou profundo desprezo pelos povos indígenas

Indios protestam na marquise do Congresso Nacional 
em dezembro de 2015 JOSÉ CRUZ AGÊNCIA BRASIL

O recente episódio envolvendo a indicação, e posterior desistência, para o comando da Fundação Nacional do Índio (Funai) de um general identificado com a ditadura militar é bastante emblemático do tratamento que o Estado dispensa à população nativa brasileira. A escolha do nome do general Sérgio Roberto Peternelli para o cargo deveu-se ao Partido Social Cristão (PSC), ligado à Assembleia de Deus, e que tem entre seus líderes o pré-candidato à Presidência da República, deputado federal Jair Bolsonaro (RJ), de claras tendências fascistas. O PSC defende a Proposta de Emenda Constitucional 215 que transfere do Executivo para o Congresso a competência exclusiva para aprovar a demarcação de terras indígenas e o direito de retificar aquelas já homologadas. O que significaria, na prática, o fim das reservas.

O Brasil, país racista e preconceituoso, sempre demonstrou profundo desprezo pelos povos indígenas. O governo da presidente Dilma Rousseff, pressionado por interesses os mais diversos, foi responsável pelo pior índice de demarcação de terras de todo o período democrático: em cinco anos, ela homologou um total de 3,3 milhões de hectares - o governo Itamar Franco, em apenas dois anos, homologou 5,4 milhões de hectares. O recorde de demarcações pertence ao governo Fernando Henrique Cardoso, que, em dois mandatos, homologou um total de 42 milhões de hectares. O descaso com a questão indígena é a principal causa da violência no campo. De forma ilegal, alicerçados na força das armas e da corrupção, os fazendeiros avançam pelas florestas, derrubando-as para transformá-las em lavoura e pasto. O Brasil aparece como o campeão absoluto de desmatamento no mundo, com perda média de 984 mil hectares de florestas por ano, segundo relatório da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO).

O resultado desse conflito histórico pode ser medido em números: calcula-se que quando os primeiros homens brancos aqui aportaram havia cerca de 5 milhões de índios. Hoje, mais de 500 anos depois, eles não passam de 850 mil, segundo dados do IBGE. Caçados como animais, mortos em guerras bacteriológicas, expulsos para longe de seus domínios, confinados em pequenas reservas, os indígenas foram vítimas de um verdadeiro genocídio, que extinguiu etnias, línguas, culturas. E, o mais inacreditável, em pleno século XXI continuam sendo perseguidos e tendo seus direitos básicos desrespeitados, por conta da omissão do Estado, que no Brasil, antes de ser expressão de aspirações coletivas, é fortaleza de interesses privados.

De acordo com relatório do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), em 2014 foram assassinados 138 índios, a maioria decorrente de conflitos com invasores de seus territórios. A omissão do Poder Público foi também responsável pelo falecimento de 21 índios adultos por falta de acesso ao sistema de saúde – uma doença comum como a gripe, por exemplo, é responsável por 15,3% das mortes entre índios adultos. A mortalidade infantil entre a população indígena atinge índices inaceitáveis: 41,9 crianças mortas por mil nascidas vivas, quando a média nacional é a metade, 22 crianças mortas por mil nascidas vivas. Além disso, números da Data SUS mostram que a principal causa de óbito entre crianças indígenas de até 9 anos de idade é a desnutrição – esse grupo representa, sozinho, 55% do total das mortes por desnutrição no Brasil.

Menosprezados, desassistidos, abandonados, o índice de suicídio entre os indígenas alcança proporções alarmantes. Dados recolhidos no Mapa da Violência do Ministério da Saúde expõem que enquanto a média do Brasil é de 5,3 suicídios por 100 mil habitantes, a incidência entre os indígenas atinge uma média de 9 suicídios para cada 100 mil habitantes, podendo chegar, em alguns municípios da região Norte, a 30 suicídios por 100 mil habitantes. Um estudo da ONU afirma que o suicídio entre jovens indígenas ocorre em um contexto de discriminação, marginalização, colonização traumática e perda das formas tradicionais de vida, que forjam um sentimento de isolamento social.

No Brasil, os índios ocupam o último lugar na escala social. São os mais invisíveis dos invisíveis, os mais discriminados entre os discriminados, os mais ultrajados entre os ultrajados. Estão mortos, antes mesmo de morrer.

Fonte: El País