Temas diversos. Observar, pensar, sentir, fazer crítica construtiva e refletir sobre tudo que o mundo e a própria vida nos traz - é o meu propósito. Um pequeno espaço para uma visão subjetiva, talvez impregnada de utopia, mas, certamente, repleta de perguntas, questionamentos, dúvidas e buscas, que norteiam a vida de muitas pessoas nos dias de hoje.

As perguntas sobre a existência e a vida humana, sobre a fé, a Bíblia, a religião, a Igreja (sobretudo a Igreja Católica) e sobre a sociedade em que vivemos – me ajudam a buscar uma compreensão melhor desses assuntos, com a qual eu me identifico. Nessa busca, encontrando as melhores interpretações, análises e colocações – faço questão para compartilhá-las com os visitantes desta página.

Dedico este Blog de modo especial a todos os adolescentes e jovens cuja vida está cheia de indagações.
"Navegar em mar aberto, vivendo em graça ou não, inteiramente no poder de Deus..." (Soren Kierkegaard)

sexta-feira, 29 de junho de 2018

“A fé grande de uma mulher“ – Reflexão de José Antonio Pagola. Vale a pena ler!



 Então a mulher, que sabia o que lhe tinha acontecido, temendo e tremendo, aproximou-se, e prostrou-se diante dele, e disse-lhe toda a verdade. E ele lhe disse: < Filha, a tua fé te salvou; vai em paz, e sê curada deste teu mal.>”  (Mc 5, 33-34)

Abaixo, uma reflexão muito concreta e atual, do padre e teólogo espanhol José Antonio Pagola, que tem como pano de fundo o texto bíblico Mc 5, 21-43 (Uma mulher doente e humilde veio por detrás, entre a multidão e toca na veste de Jesus. A sua fé torna-se exemplo para todos).
O texto foi publicado na no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).
Não deixe de  ler!
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IHU – ADITAL
29 Junho 2018

A fé grande de uma mulher

A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo segundo Marcos 5,21-43 que corresponde ao 13° Domingo do Tempo Comum, ciclo B, do Ano Litúrgico. O teólogo espanhol José Antonio Pagola comenta o texto. 

Eis o texto

A cena é surpreendente. O evangelista Marcos apresenta uma mulher desconhecida como modelo de fé para as comunidades cristãs. Dela aprenderão como procurar Jesus com fé, como chegar a um contato com Ele que os cure e como encontrar Nele a força para iniciar uma vida nova, cheia de paz e saúde.

Diferentemente de Jairo, identificado como «chefe da sinagoga» e homem importante em Cafarnaum, esta mulher não é ninguém. Só sabemos que padece de uma doença secreta, tipicamente feminina, que lhe impede de viver de forma sã a sua vida de mulher, esposa e mãe.

Sofre muito física e moralmente. Arruinou-se procurando ajuda nos médicos, mas ninguém a pôde curar. No entanto resiste a viver para sempre como uma mulher doente. Está só. Ninguém a ajuda a aproximar-se de Jesus, mas ela saberá encontrar-se com Ele.

Não espera passivamente que Jesus se aproxime e lhe imponha as Suas mãos. Ela mesma o procurará. Irá superando todos os obstáculos. Fará tudo o que possa e saiba. Jesus compreenderá o seu desejo de uma vida mais sã. Confia plenamente na Sua força curadora.

A mulher não se contenta só com ver Jesus de longe. Procura um contato mais direto e pessoal. Atua com determinação, mas não de forma amalucada. Não quer incomodar ninguém. Aproxima-se por detrás, entre as pessoas, e toca-Lhe no manto. Nesse gesto delicado concretiza e expressa a sua confiança total em Jesus.

Tudo ocorreu em segredo, mas Jesus quer que todos conheçam a fé grande desta mulher. Quando ela assustada e temorosa confessa o que fez, Jesus diz-lhe: “Filha, a tua fé curou-te”. “Vai em paz e com saúde”. Esta mulher, com a sua capacidade para procurar e acolher a salvação que se nos oferece em Jesus, é um modelo de fé para todos nós.

Quem ajuda as mulheres dos nossos dias a encontrar-se com Jesus?  Quem se esforça por compreender os obstáculos que encontram em alguns setores da Igreja atual para viver a sua fé em Cristo «em paz e com saúde»?  Quem valoriza a fé e os esforços das teólogas que, com pouco apoio e vencendo toda a classe de resistências e rejeições, trabalham sem descanso por abrir caminhos que permitam à mulher viver com mais dignidade na Igreja de Jesus?

As mulheres não encontram entre nós o acolhimento, a valorização e a compreensão que encontravam em Jesus. Não sabemos olhar como as olhava Ele. No entanto, com frequência, elas são também hoje as que com a sua fé em Jesus e o seu alento evangélico sustentam a vida de não poucas comunidades cristãs.

Fonte: IHU - Comentário do Evangelho



sexta-feira, 22 de junho de 2018

“Por que tanto medo“. - Reflexão de José Antonio Pagola. Bem atual!



E ele, despertando, repreendeu o vento, e disse ao mar: Cala-te, aquieta-te. E o vento se aquietou, e houve grande bonança. E disse-lhes: Por que sois tão tímidos? Ainda não tendes fé? E sentiram um grande temor, e diziam uns aos outros: Mas quem é este, que até o vento e o mar lhe obedecem?” (Mc 4, 39-41)


A reflexão que trago hoje para o blog Indagações-Zapytania, do padre e teólogo espanhol José Antônio Pagola, é muito atual e concreta. Tem como pano de fundo o texto bíblico Mc 4, 35-41 (Jesus acalma uma tempestade).
Foi publicado no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).
Vale a pena ler.
WCejnóg


IHU – ADITAL
 22 junho 2018.

Por que tanto medo?

A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo segundo Marcos 4, 35-41 que corresponde ao 12° Domingo do Tempo Comum, ciclo B, do Ano Litúrgico. O teólogo espanhol José Antonio Pagola comenta o texto. 

Eis o texto

A barca em que vai Jesus e os Seus discípulos vê-se presa por uma daquelas tormentas imprevistas e furiosas que se levantam no lago da Galileia ao entardecer de alguns dias de calor. Marcos descreve o episódio para despertar a fé das comunidades cristãs, que vivem momentos difíceis.

O relato não é uma história tranquilizadora para consolar a nós cristãos de hoje com a promessa de uma proteção divina que permita à Igreja passear tranquila através da história. É a chamada decisiva de Jesus para fazer com Ele a travessia em tempos difíceis: «Por que sois tão covardes?”. Ainda não tendes fé?».

Marcos prepara a cena desde o início. Diz-nos que era «ao cair da tarde». Rapidamente caíram as trevas da noite sobre o lago. É Jesus quem toma a iniciativa daquela estranha travessia: «Vamos para a outra margem». A expressão não é nada inocente. Convida-os a passar juntos, na mesma barca, para outro mundo, mais além do conhecido: a região pagã da Decápolis.

De repente levanta-se uma forte tormenta, e as ondas batem contra a frágil embarcação, inundando-a. A cena é patética: na parte dianteira, os discípulos lutando impotentes contra a tempestade; na popa, num lugar mais elevado, Jesus dormindo tranquilamente sobre uma cabeceira.

Aterrorizados, os discípulos despertam Jesus. Não captam a confiança de Jesus no Pai. A única coisa que veem Nele é uma incrível falta de interesse por eles. Estão cheios de medo e nervosismo: «Mestre, não te importa que pereçamos?».

Jesus não se justifica. Coloca-se de pé e pronuncia uma espécie de exorcismo: o vento cessa de rugir e faz-se uma grande calma. Jesus aproveita essa paz e silêncio grandes para fazer-lhes duas perguntas que hoje chegam até nós: «Por que sois tão covardes? Ainda não tendes fé?».

O que está acontecendo com nós cristãos? Por que são tantos os nossos medos para afrontar este tempo crucial e tão pouca a nossa confiança em Jesus? Não é o medo de afundar que nos está bloqueando? Não é a busca cega de segurança que nos impede de fazer uma leitura mais lúcida, responsável e confiada destes tempos?

Por que resistimos a ver que Deus está conduzindo a Igreja até um futuro mais fiel a Jesus e ao Seu Evangelho? Por que procuramos segurança no conhecido e estabelecido no passado, e não escutamos a chamada de Jesus a «passar para a outra margem» para semear humildemente a Sua Boa Nova num mundo indiferente a Deus, mas tão necessitado de esperança?


Fonte: IHU - Comentário do Evangelho


sexta-feira, 15 de junho de 2018

“Com humildade e confiança.” – Reflexão de José Antonio Pagola. Muito concreta e atual!



E dizia: O reino de Deus é assim como se um homem lançasse semente à terra. E dormisse, e se levantasse de noite ou de dia, e a semente brotasse e crescesse, não sabendo ele como. Porque a terra por si mesma frutifica, primeiro a erva, depois a espiga, por último o grão cheio na espiga.” (Mc 4, 26-28)


A reflexão que trago hoje para o blog Indagações-Zapytania, do padre e teólogo espanhol José Antônio Pagola, é muito concreta e atual. Tem como pano de fundo o texto bíblico  Mc 4, 26-34  (Parábola da semente).
Foi publicada no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).
Muito boa. Não deixe de ler.
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IHU – ADITAL
15 junho 2018

Com humildade e confiança

A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo segundo Marcos 4, 26-34 que corresponde ao 11° Domingo do Tempo Comum, ciclo B, do Ano Litúrgico. O teólogo espanhol José Antonio Pagola comenta o texto.

Eis o texto

A Jesus preocupava-o que os seus seguidores terminassem um dia desalentados ao ver que os seus esforços por um mundo mais humano e ditoso não obtinham o êxito esperado. Esqueceriam o reino de Deus? Manteriam a sua confiança no Pai? O mais importante é que não esqueçam nunca como hão de trabalhar.

Com exemplos tomados da experiência dos camponeses da Galileia anima-os a trabalhar sempre com realismo, com paciência e com uma confiança grande. Não é possível abrir caminhos para o reino de Deus de qualquer forma. Têm de ver como Ele trabalha.

O primeiro que têm de saber é que a sua tarefa é semeare não colher. Não viverão pendentes dos resultados. Não lhes há de preocupar a eficácia nem o êxito imediato. A sua atenção deverá centrar-se em semear bem o Evangelho. Os colaboradores de Jesus devem ser semeadores. Nada mais.

Depois de séculos de expansão religiosa e grande poder social, os cristãos temos de recuperar na Igreja o gesto humilde do semeador. Esquecer a lógica do colhedor, que sai sempre a recolher frutos, e entrar na lógica paciente do que semeia um futuro melhor.

O início de todo o semear é sempre humilde. Mais ainda, trata-se de semear o projeto de Deus no ser humano. A força do Evangelho não é nunca algo espetacular ou clamoroso. Segundo Jesus, é como semear algo tão pequeno e insignificante como «um grão de mostarda», que germina secretamente no coração das pessoas.

Por isso o Evangelho só se pode semear com fé. É o que Jesus quer lhes fazer ver com as suas pequenas parábolas. O projeto de Deus de fazer um mundo mais humano leva dentro uma força salvadora e transformadora que já não depende do semeador. Quando a Boa Nova desse Deus penetra numa pessoa ou num grupo humano, ali começa a crescer algo que a nós nos transborda.

Na Igreja não sabemos nestes momentos como atuar nesta situação nova e inédita, no meio de uma sociedade cada vez mais indiferente e niilista. Ninguém tem a receita. Ninguém sabe exatamente o que deve fazer. O que necessitamos é procurar caminhos novos com a humildade e a confiança de Jesus.

Tarde ou cedo, os cristãos, sentiremos a necessidade de voltar ao essencial. Descobriremos que só a força de Jesus pode regenerar a fé na sociedade descristianizada dos nossos dias. Então aprenderemos a semear com humildade o Evangelho como início de uma fé renovada, não transmitida pelos nossos esforços pastorais, mas sim gerada por Ele.



quinta-feira, 14 de junho de 2018

“Cuidado necessário”- Livro do Leonardo Boff. – Excelente! Vale a pena ler!




Hoje quero fazer aqui, no meu blog Indagações-Zapytania, uma singela propaganda do livro “Cuidado necessário. Na vida, na saúde, na educação, na ecologia, na ética e na espiritualidade”, do Leonardo Boff.

É um livro muito bom, de fácil leitura, que poderia (e deveria) ser um livro de cabeceira para cada homem e mulher neste mundo, nos dias de hoje. Diante do quadro cada vez mais complexo e confuso pintado pela nossa própria vida, junto a vários problemas graves e complicados existentes nas sociedades e no mundo de hoje, ficamos cada vez mais desorientados e “perdidos”. Muitas vezes não sabemos mais o que pensar...

O livro “Cuidado necessário” oferece-nos, nesse sentido, uma preciosa ajuda, irradiando a esperança de um possível futuro melhor. Com certeza quem ler, ficará grato ao autor do livro por esta oportunidade, recomendando-o a outras pessoas.

Quero aqui sugerir que as pessoas interessadas adquiram este livro e leiam-no. Pode ser encontrado principalmente nas livrarias “Vozes”, mas também em outras.

Como incentivo para sua leitura, abaixo publico um pequeno trecho. Porém,  reforço mais uma vez a ideia de ler o livro inteiro.  Vale a pena!
WCejnog


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Cuidar de si mesmo, dos outros, da Terra
Autor: Leonardo Boff

Seguramente um dos grandes desafios existenciais consiste em cuidar de si mesmo. Somos o mais próximo dos próximos e, ao mesmo tempo, o mais complexo e mais indecifrável dos seres.

6.1  O que somos enquanto humanos?

O que somos? Sabemos quem somos?  Qual é o nosso lugar no universo? Para que existimos? Por que temos de morrer? Para onde vamos? Refletindo nestas perguntas inadiáveis vale lembrar a ponderação de Blaise Pascal (†1662). Ninguém melhor do que ele, matemático, filósofo e místico para expressar o ser complexo que somos: “O que é o ser humano na natureza? Um nada diante do infinito e um tudo diante do nada, um elo entre o nada e o todo, mas incapaz de ver o nada de onde veio e o infinito para onde vai” (Pascal, Pensées, §72).

Nele se cruzam os quatro infinitos: o infinitamente pequeno, o infinitamente grande, o infinitamente complexo (Theilard de Chardin) o infinitamente profundo.

Na verdade, não sabemos quem somos. Ou melhor, na esteira do grande romancista brasileiro Guimarães Rosa eu diria: desconfiamos de alguma coisa na medida em que vivemos e pelas emergências – os fatos que nos vão acontecendo diuturnamente – que irrompem em nossa vida, vindas de todos os lados, e, em último termo, daquela Energia do fundo que tudo sustenta e tudo dirige. Em um somos muitos.

Além daquilo que somos vigora em nós aquilo que podemos ser: o inesgotável cabedal de virtualidades escondidas dentro do nosso ser. Nosso potencial representa aquilo que é o mais verdadeiro e real em nós. Daí a nossa dificuldade em construirmos uma representação satisfatória do que somos. Mas isso não nos dispensa elaborar algumas chaves de leitura que de alguma maneira nos orientam na busca daquilo que queremos e podemos ser.

É nesta busca que o cuidado de si mesmo desempenha uma função decisiva. Não se trata, primeiramente, de um olhar narcisista sobre o próprio eu, o que leva, geralmente, a não conhecer a si mesmo, mas identificar-se com uma imagem projetada de si e, por isso, falsa e alienante.

Foi Michel Foucauld com sua minuciosa investigação Hermenêutica do sujeito (2004) que tentou resgatar a tradição  ocidental do cuidado do sujeito, especialmente nos sábios do século II/III como Sêneca, Marco Aurélio, Epíteto e outros. O grande moto era o famoso ghôti seautón: conheça-te a ti mesmo. Esse conhecimento não era entendido de forma abstrata, mas concreta como: reconheça-se naquilo que és, procure aprofundar-te em ti mesmo para descobrires tuas potencialidades; tente realizar aquilo que de fato és.

Neste contexto se abordavam  as várias virtudes, tão bem discutidas por Sócrates, como a prudência, a justa medida (méden ágan), a justiça, a bondade, a coragem e o amor. Faziam-se duras críticas aos vícios, especialmente o mais desprezível pelos gregos e tão central em nossa cultura dominante e imperial: a hybris, que é passar dos limites, orgulhar-se vaidosamente, dar-se por aquilo que não é e, especialmente, pretender acumular poder para estar sobre os outros, colocando-se como um deus. Talvez o maior vício da cultura ocidental, da cultura cristã e especialmente da cultura estado-unidense com o seu imaginado destino manifesto (o sentir-se o novo povo eleito por Deus) é a hybris do sentimento de superioridade e de excepcionalidade, de missão e de conquista dos outros em  nome dos seus valores tidos como os únicos válidos, melhores e sancionados por Deus.

A primeira coisa que importa afirmar é que o ser humano é um sujeito, e não uma coisa. Não é uma substância constituída uma vez por todas (Foucault. Hermenêutica do sujeito, 2004), mas um nó de relações sempre ativo que mediante o jogo das relações está continuamente se construindo. Ou, usando uma outra analogia, comparece como um rizoma (um bulbo de planta da qual saem rebentos em todas as direções).

Todos os seres do universo, consoante à nova cosmologia, são portadores de certa subjetividade porque têm história, vivem em interação e interdependência com todos, aprendem trocando e acumulando informações. Este é um princípio cosmológico universal. Mas o ser humano realiza uma modalidade própria deste princípio, que é o fato de ser um sujeito consciente e reflexivo. Ele “sabe o que sabe” e ”sabe que não sabe” e, para sermos completos, “não sabe o que não sabe”.

Este nó de relações se articula a partir de um centro ao redor do qual organiza os sentimentos, as ideias, os sonhos e as projeções. Por mais que se ponha em questão a realidade do eu como algo socialmente construído e, por isso, não originário, o eu como autoidentificação se sustenta de pé. Ele é um centro, único e irrepetível. Representa, na linguagem do filósofo mais sutil de todos os medievais, o franciscano Duns Scotus (†1203), a ultima solitudo entis, a última solidão do ser. Cunhou uma palavra de difícil tradução: Haecceitas, que traduzida seria: este ser aqui concreto e irrepetível que é o meu eu. Jamais houve, não existe e jamais haverá alguém que seja em tudo igual a mim. O eu é único e não replicável.

Este eu insubstituível e irrenunciável deve ser entendido no contexto do nó de relações dentro do processo global de interdependências, de sorte que a solidão não é o desligamento dos outros. Ela significa a singularidade e a especificidade inconfundível de cada um. Portanto, esta  solidão é para a comunhão, é um estar só em uma identidade para poder estar com o outro e no outro, também com sua identidade, e poder ser um-para-o-outro e com-o-outro. O eu nunca está só, ele reclama um tu. Melhor, segundo Martin Buber, é a partir do tu que o eu desperta e se forma.

6.2  Cuidar de si: acolher-se jovialmente

O cuidado de si implica, em primeiríssimo lugar, acolher-se a si mesmo, assim como fazemos com as aptidões e os limites que sempre nos acompanham. Não com amargura, como quem não consegue evitar ou modificar a sua situação existencial, mas com jovialidade. Acolher o próprio rosto, cabelos, pernas, dedos, seios, sua aparência e  modo de estar no mundo, enfim,  seu corpo (Corbin et al. O corpo, 3
vols. 2008). Quanto mais nos aceitarmos, menos clínicas de cirurgia plástica existirão. Com nossas características físicas devemos elaborar nosso jeito de ser e nosso mise-en-scène no mundo.

Nada mais ridículo do que a construção artificial de uma beleza montada, que não está em consonância com a beleza interior. Perde-se a irradiação e ganha lugar a vaidade vazia de brilho. É a tentativa vã de fazer um photoshop de nossa própria imagem.

Mais importante é acolher os dons, as habilidades, o poder, o quociente de inteligência, a capacidade emocional, o tipo de vontade e determinação com que se vem dotado. E, ao mesmo tempo, sem resignação negativa, os limites do corpo, da inteligência, das habilidades, da classe social e da história familiar e nacional na qual está inserido.

Tais realidades configura, a condição humana concreta e se apresentam como desafios a serem enfrentados com equilíbrio e com a determinação de explorar o mais que pudermos as potencialidades positivas.
O cuidado de si exige saber combinar as aptidões com as motivações. Não basta termos aptidão para a música se não sentimos motivação para desenvolver esta capacidade. Da mesma forma, não nos ajudam as motivações para sermos músicos se não tivermos aptidão para isso, seja no ouvido, seja no domínio de algum instrumento. Não adianta querer pintar como um Van Gogh se consegue apenas ser um pintor de paisagens, de flores e passarinhos que mal chegam a ser expostos na feira de domingo na praça (Lacroix. Se réaliser, p. 17-23). Em tais casos desperdiçamos energias e  colhemos frustrações, pois a mediocridade não engrandece ninguém.
Outro componente do cuidado para consigo mesmo é saber e aprender a conviver com o paradoxo que atravessa nossa existência: temos impulsos para a bondade, a solidariedade, a compaixão e o amor. E simultaneamente pulsam em nós apelos para egoísmo, a exclusão, a antipatia e até o ódio. Somos feitos com estas contradições, dadas com a existência. Antropologicamente se diz que somos ao mesmo tempo sapiens e demens, gente de inteligência e lucidez, e junto a isso gente de rudeza e de violência. Somos o encontro das oposições.

Cuidar de si mesmo impõe saber  renunciar e ir contra certas tendências em nós e  até nos pôr à prova. Leva-nos a elaborar um projeto de vida que confira centralidade a estas dimensões positivas e manter sob controle (sem recalca-las, porque elas persistem e podem voltar sob forma incontrolável) as dimensões sombrias que tornam agônica a nossa existência, quer dizer, sempre em combate contra nós mesmos.

Cuidar de si mesmo é amar-se, acolher-se, reconhecer nossa vulnerabilidade, saber perdoar-se e desenvolver a resiliência, que  é a capacidade de “dar a volta por cima” e aprender dos erros e contradições.

Fonte:

BOFF, Leonardo. O cuidado necessário. Petrópolis: Vozes 2013, 2ª Edição, p. 137-143.
[O livro foi composto e impresso pela Editora Vozes Ltda. Rua Frei Luís, 100 – Petrópolis, RJ – Brasil – CEP 25689-900
Caixa Postal 90023 – Tel.: (24) 2233-9000 Fax: (24) 2231-4676]



sexta-feira, 8 de junho de 2018

“O que é mais são?” – Reflexão de José Antonio Pagola. Muito atual!



Hoje, uma boa reflexão, muito concreta e atual. Pode ajudar muito a quem realmente gostaria de entender o texto bíblico Mc 3, 20-35 (Jesus é acusado pelos escribas de ‘estar fora de si’, de ’estar possesso de Belzebeu’, e por isso consegue expulsar os demônios e curar as pessoas...).   É de autoria do padre e teólogo espanhol José Antonio Pagola.
O texto foi publicado na no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).
Não deixe de ler!
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IHU - ADITAL
08 junho 2018.

O que é mais são?

A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo segundo Marcos 3, 20-35 que corresponde ao 10° Domingo do Tempo Comum, ciclo B, do Ano Litúrgico. O teólogo espanhol José Antonio Pagola comenta o texto.

Eis o texto

A cultura moderna exalta o valor da saúde física e mental, e dedica todo um conjunto de esforços para prevenir e combater as doenças. Mas, ao mesmo tempo, estamos construindo, entre todos, uma sociedade onde não é fácil viver de forma sã.

Nunca esteve a vida tão ameaçada pelo desequilíbrio ecológico, a contaminação, o estresse ou a depressão. Por outra parte, temos fomentado um estilo de vida onde a falta de sentido, a carência de valores, certo tipo de consumismo, a banalização do sexo, a falta de comunicação e tantas outras frustrações impedem as pessoas de crescer de forma sã.

Já Sigmund Freud, na sua obra O mal-estar na civilização,  considerou a possibilidade de que uma sociedade esteja doente no seu conjunto e possa padecer de neuroses coletivas das quais talvez poucos indivíduos estejam conscientes. Pode inclusive acontecer que dentro de uma sociedade doente se considerem precisamente doentes aqueles que estão mais sãos.

Algo disso acontece com Jesus, cujos familiares pensam que «não está no seu juízo», enquanto os letrados vindos de Jerusalém consideram que ele «tem dentro Belzebu».

Em qualquer caso, temos de afirmar que uma sociedade é sã na medida em que favorece o desenvolvimento são das pessoas. Quando, pelo contrário, as conduz ao seu esvaziamento interior, à fragmentação, à dissolução como seres humanos, deve-se dizer que essa sociedade é, pelo menos em parte, patogênica.

Por isso devemos ser suficientemente lúcidos para nos perguntarmos se não estamos caindo em neuroses coletivas e condutas pouco sãs sem estarmos conscientes disso.

O que é mais são, deixar-nos arrastar por uma vida de conforto, comodidade e excesso que provoca letargia no espírito e diminui a criatividade das pessoas ou viver de modo sóbrio e moderado, sem cair na «patologia da abundância»?

O que é mais são, continuar a funcionar como «objetos» que giram pela vida sem sentido, reduzindo-a a um «sistema de desejos e satisfações», ou construir a existência dia a dia, dando-lhe um sentido último a partir da fé? Não esqueçamos que Carl G. Jung ousou considerar a neurose como «o sofrimento da alma que não encontrou o seu sentido».

O que é mais são, encher a vida de coisas, produtos da moda, vestidos, bebidas, revistas e televisão ou cuidar das necessidades mais profundas e cativantes do ser humano na relação do casal, no lar e na convivência social?

O que é mais são, reprimir a dimensão religiosa esvaziando de transcendência a nossa vida ou viver a partir de uma atitude de confiança nesse Deus «amigo da vida» que só quer e busca a plenitude do ser humano?


Fonte: IHU - Comentário do Evangelho


sexta-feira, 1 de junho de 2018

“Eucaristia e crise” – Reflexão de José Antônio Pagola. Muito boa!



Enquanto comiam, Jesus tomou o pão e, tendo pronunciado a bênção, partiu-o e entregou-lhes, dizendo:’Tomai, isto é o meu corpo’.  Em seguida, tomou o cálice, deu graças, entregou-lhes, e todos beberam dele. Jesus lhes disse: ‘Isto é o meu sangue, o sangue da aliança, que é derramado em favor de muitos.’ “.  (Mc 14, 22-24)

Hoje trago para o blog Indagações-Zapytania uma reflexão muito boa e atual sobre a Eucaristia. Principalmente nos tempos de hoje uma reflexão como esta deveria ser lida e assimilada por todos os cristãos, mas sobretudo pelos católicos. A festa de Corpus Christii celebrada ontem (31/05) reforça ainda mais esse convite para leitura.
O texto é de autoria do padre e teólogo espanhol José Antônio Pagola. Tem como pano de fundo o texto bíblico Mc 14, 12-16;22-26.
Foi publicado no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).

Muito boa. Vale a pena ler.
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IHU - ADITAL
31 maio 2018.

Eucaristia e crise

A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo segundo Marcos 14, 12-16; 22-26 que corresponde à Solenidade do Corpo e Sangue de Cristo, ciclo B, do Ano Litúrgico. O teólogo espanhol José Antonio Pagola comenta o texto. 

Eis o texto

Todos os cristãos o sabem. A eucaristia dominical pode-se converter facilmente num “refúgio religioso” que nos protege da vida conflituosa em que nos movemos ao longo da semana. É tentador ir à missa para partilhar uma experiência religiosa que nos permite descansar dos problemas, tensões e más notícias que nos pressionam por todos os lados. Por vezes somos sensíveis ao que afeta a dignidade da celebração, mas preocupa-nos menos esquecer-nos das exigências do que significa celebrar a ceia do Senhor. Incomoda-nos que um sacerdote não siga estritamente a normativa ritual, mas podemos continuar a celebrar rotineiramente a missa sem escutar as chamadas do Evangelho.

O risco é sempre o mesmo: comungar com Cristo no íntimo do coração, sem nos preocupar de comungar com os irmãos que sofrem. Partilhar o pão da eucaristia e ignorar a fome de milhões de irmãos privados de pão, de justiça e de futuro.

Nos próximos anos vão-se agravar os efeitos da crise muito mais do que nós temíamos. A cascata de medidas que nos ditam de forma inapelável e implacável irá fazer crescer entre nós uma desigualdade injusta. Iremos ver como pessoas próximas de nós vão empobrecendo até ficar à mercê de um futuro incerto e imprevisível.

Conheceremos de perto imigrantes privados de assistência sanitária, doentes sem saber como resolver os seus problemas de saúde ou de medicamentos, famílias obrigadas a viver da caridade, pessoas ameaçadas pelo despejo, gente sem assistência, jovens sem um futuro nada claro... Não o poderemos evitar. Ou endurecemos os nossos hábitos egoístas de sempre ou nos fazemos mais solidários.

A celebração da eucaristia no meio desta sociedade em crise pode ser um lugar de consciencialização. Necessitamos nos libertar de uma cultura individualista que nos habituou a viver pensando só nos nossos próprios interesses, para aprender simplesmente a ser mais humanos. Toda a eucaristia está orientada a criar fraternidade.

Não é normal escutar todos os domingos ao longo do ano o Evangelho de Jesus sem reagir ante as Suas chamadas. Não podemos pedir ao Pai “o pão nosso de cada dia” sem pensar naqueles que têm dificuldades para obtê-lo. Não podemos comungar com Jesus sem nos fazermos mais generosos e solidários. Não podemos nos dar a paz uns aos outros sem estar dispostos a estender uma mão a quem está mais só e indefenso ante a crise.

Fonte: IHU – Comentário do Evangelho