“O planeta consome cerca de 90 milhões de
barris por dia. Se fosse um oleoduto, ele daria duas voltas em torno da terra
pela linha do Equador. Ou seja, consumimos diariamente mais petróleo do
que água potável. A sociedade está drogada pelo petróleo.” (Tomás
Tarquinio - do
texto abaixo)
Achei
muito interessante a entrevista concedida
por e-mail à IHU On-Line pelo Prof. Tomás Togni Tarquinio, especialista
em assuntos que tratam de Energia e Recursos Naturais.
A entrevista foi publicada recentemente
(mês janeiro de 2019) no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU), na revista
IHU – On Line.
Vale
a pena ler!
WCejnóg
IHU
– ADITAL
16 Janeiro 2019
Por: João Vitor Santos
“Numa
sociedade drogada pelo petróleo, só se enxergam os números do PIB.” -
Entrevista especial com Tomas Togni Tarquinio
“O planeta consome aproximadamente 90 milhões de
barris [de petróleo] por dia. Se empilhados um barril sobre o outro (0,80
cm de altura por 0,50 cm de diâmetro), teríamos uma coluna da ordem de 75 mil
quilômetros”. Tomás Togni Tarquinio usa o exemplo para tentar clarear ainda mais o quanto a sociedade
de nosso tempo é dependente das energias geradas a partir de fontes fósseis, do petróleo. Se por um lado já percebemos alguns lampejos sobre
a importância de racionar o consumo de água, quando o assunto é petróleo
vivemos ainda na escuridão. “Consumimos diariamente mais petróleo do que água
potável”, compara. Para ele, ainda vivemos como cegos, correndo atrás de
melhores performances do Produto Interno Bruto - PIB. “É muito fácil
propor o crescimento do PIB, é uma solução reconfortante para a população. O
difícil é manter um discurso revelando os limites que a crise ecológica nos impõe. As propostas políticas não supõem que vivemos em um planeta finito”, dispara, na entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line.
E essa ainda não é uma questão só de políticos e do
poder público. A sociedade de hoje é ávida pela geração de mais e mais tecnologia,
só que não se dá conta de que, além de a automatização minar postos de
trabalho, para fabricar e manter essas máquinas em
funcionamento é preciso sempre mais e mais energia. “A continuidade
desse processo nos levará ao colapso de nosso modo de vida e cujas
consequências serão dramáticas. O que nos resta a fazer é procurar soluções que
permitam que a humanidade se adapte a estas novas condições e desde agora”,
aponta. Assim, observa que não adianta aumentar o PIB se isso acelerar ainda
mais a degradação do planeta. Para romper com isso é preciso se dar conta de
que vivemos entorpecidos pelas energias fósseis. Ou, como Tarquinio
formula: “a sociedade está drogada pelo petróleo”.
Também é preciso vigilância, porque, como aponta o
pesquisador, não basta apenas converter o uso de energias fósseis para
as chamadas energias limpas, como o carro elétrico, por exemplo, por ser apenas uma solução parcial
ao drama. “O importante é saber como será feita a eletricidade, com carvão, gás
natural, petróleo? É verdade que o veículo elétrico reduz a poluição
atmosférica nas cidades, mas não elimina as emissões de CO2 se a
eletricidade for produzida com carvão. Estas emissões estarão sendo
produzidas e concentradas em pontos fixos, nas grandes usinas termoelétricas,
hidroelétricas ou nucleares, e não mais em pontos móveis como
ocorre com os veículos com motor térmico”, adverte.
Confira a
entrevista.
IHU On-Line – Recentemente, em artigo publicado, o senhor afirma que “o crescimento do PIB não resolve o problema do
emprego, da distribuição da renda e tampouco o da crise ecológica” . Gostaria
que retomasse essa reflexão e analisasse por que o crescimento do Produto
Interno Bruto - PIB a qualquer custo parece ser a única grande meta dos
governos?
Tomás Togni Tarquinio – Crescimento de PIB indica que houve crescimento da extração de recursos naturais do
país ou do planeta para produzir bens e serviços. Crescer significa aumentar a
produção econômica, ou seja, transformar recursos naturais em outras coisas. E
estas transformações são possíveis graças ao emprego de máquinas movidas a
energia. E a energia substitui o trabalho humano com muito mais
eficiência. Há aumento de produtividade. E redução do emprego. E
produzir significa mais veículos, mais petróleo, mais minério. E
mais gases de efeito estufa.
Se pautar pelo crescimento do PIB é ficar
reduzido a uma visão de curto prazo e à qual se adequam bem os políticos que
nunca levam em consideração a questão da finitude de nosso planeta terra.
Os políticos anseiam por respostas imediatas aos problemas, inclusive
ambientais e ecológicos.
Infelizmente, o tempo político é diferente dos
tempos da natureza. É muito fácil propor o crescimento do PIB, é uma
solução reconfortante para a população. O difícil é manter um discurso
revelando os limites que a crise ecológica nos impõe. As propostas
políticas não supõem que vivemos em um planeta finito, fato que os conduz a
pensar que o crescimento exponencial dos recursos naturais vai durar
indefinidamente. Acreditam que a tecnologia vai resolver as questões do esgotamento dos recursos, da perda de biodiversidade, das poluições e das mudanças climáticas.
Limites do
planeta
Na verdade, ainda não assimilaram que não podemos
continuar indefinidamente a extrair recursos do planeta, que estes se
esgotarão, que a terra tem apenas 12,7 mil quilômetros de diâmetro e 40 mil de
circunferência. E que ela já era deste tamanho milhões de anos antes da revolução
industrial.
Os governantes não se preocupam com os signos de
esgotamento dos recursos naturais: por exemplo, atualmente é preciso cada
vez mais investimento para extrair da mina uma mesma quantidade de minério,
seja cobre, petróleo ou outro. É preciso cada vez mais capital para se obter
uma mesma quantidade de matérias-primas. Mas chegará um momento em que haverá
queda da produção por falta de matérias-primas em quantidades suficientes.
IHU On-Line – Como o investimento em inteligência
artificial pode contribuir não só para o crescimento do PIB, mas para a geração
de emprego, o combate às desigualdades e a redução dos impactos da crise
ambiental?
Tomás Togni Tarquinio – A inteligência artificial não é diferente de outros processos de aumento da produtividade que
levaram à redução da participação do
trabalho humano na produção de bens e serviços.
O trabalho humano foi substituído por máquinas, aumentando a produtividade e o
emprego de energias, particularmente fósseis. Aumenta-se a produtividade e com
isto o PIB.
Este processo deveria ser bem avaliado na medida em
que é implementado nas sociedades. Ele continua o processo de substituição
do trabalho humano por máquinas e robôs que não pagam impostos que são
cobrados do trabalho humano, contribuindo para o aumento de déficit público e
para a concentração de renda. Quando um trabalhador é substituído por uma
máquina que tem uma eficiência 40 vezes maior, esta máquina não recebe salário,
não recolhe INSS, nem imposto de renda. E a máquina depende de energia
para funcionar e contribui para o aquecimento global, pois ainda 85% das
energias empregadas no planeta são fósseis, emissoras de gases de
efeito estufa.
IHU On-Line – No que diz respeito à inteligência
artificial, há inúmeros projetos na área de transportes que propõem
alternativas aos veículos movidos a combustíveis fósseis. Como avalia essas
iniciativas? Em que medida levam a uma outra cilada, livrando a necessidade de
uso de combustíveis?
Tomás Togni Tarquinio – O setor de transporte mundial é tributário do petróleo em 95% do total de energia consumida por este setor. Tudo que foi
movido ou está em movimento foi feito graças ao petróleo.
A questão da substituição de veículos
alternativos elétricos por veículos com motor térmico depende de com qual
energia primária ele vai funcionar. O importante é saber como será feita a
eletricidade, com carvão, gás natural, petróleo? É verdade que o veículo
elétrico reduz a poluição atmosférica nas cidades, mas não elimina as emissões
de CO2 se a eletricidade for produzida com carvão. Estas emissões
estarão sendo produzidas e concentradas em pontos fixos, nas grandes usinas
termoelétricas, hidroelétricas ou nucleares, e não mais em
pontos móveis como ocorre com os veículos com motor térmico.
Há um outro problema. O rendimento do veículo
elétrico é muito baixo, pois ele transforma em energia mecânica na
roda do veículo algo em torno de 15% da energia total destinada ao veículo.
Outra questão, ainda, é que não sabemos fazer baterias eficientes. As melhores
são feitas de lítio e trata-se de um recurso não renovável e existente em
poucos países. Será impossível manter um parque de veículos mundial da ordem de
1,5 bilhão funcionando com baterias de lítio. Sem falar como fazer para
transportar sobre um veículo elétrico uma carga de 30 toneladas.
IHU On-Line – Segundo suas reflexões, projetos de
crescimento econômico tendem a se tornar insustentáveis porque se apoiam no
desenvolvimento de tecnologias que, além de reduzirem postos de trabalho,
dependem cada vez mais de energias, especialmente fósseis. Pode nos dar
exemplos de projetos de desenvolvimento que estão sendo feitos desse modo? Que
alternativas a esse cenário podemos conceber?
Tomás Togni Tarquinio – O melhor exemplo de insustentabilidade é o nosso modo de produção e consumo
dominante, que são processos de desenvolvimento clássicos
cujo indicador de performance principal é o PIB. Os diversos indicadores
que dispomos nos confirmam que atualmente não há nenhuma inflexão nas emissões
de CO2 no processo de produção e consumo mundial. Os defensores do
crescimento continuam acreditando que vão alcançar um desenvolvimento verde,
reduzindo as emissões de CO2 com o emprego de energias renováveis, mantendo
níveis elevados de produção e consumo, solucionando a perda de
biodiversidade, o esgotamento dos recursos naturais e combatendo as
poluições em um planeta que contará com uma população superior a 9 bilhões de
habitantes.
Mas, até hoje, não há uma inflexão das degradações
ambientais. Ao contrário, elas aumentam. Os indicadores confirmam. As emissões mundiais de CO2 crescem anualmente a uma taxa de 3% superior ao que seria necessário
para estabilizar a temperatura média do planeta em 2ºC, no final do século XXI.
Para reduzir as emissões de CO2 atuais seria necessário que o crescimento do PIB
mundial fosse inferior em 1,5% ao ano. O que não ocorre. Desde o ano 2000,
até hoje, as emissões de CO2 praticamente dobraram em quantidade. O crescimento
do consumo de energia foi de 40% no mesmo período. Apenas no Brasil, desde
2000, o número de veículos aumentou de 30 milhões para 98 milhões em 2017.
Rumo ao
colapso
A continuidade desse processo nos levará ao colapso
de nosso modo de vida e cujas consequências serão dramáticas. O que nos
resta a fazer é procurar soluções que permitam que a humanidade se adapte a
estas novas condições e desde agora.
Em 2017, o consumo mundial total de energia
primária foi da ordem de 14 bilhões de Tep [tonelada equivalente de
petróleo]; deste total, as energias fósseis respondem por 12,0 bilhões de Tep.
Ou seja, 85% do total do consumo mundial de energias no planeta hoje são
fósseis. E são essas energias que mais crescem ainda hoje em termos absolutos.
O aumento da produção mundial de carvão é maior do que a produção de energia solar e
eólica.
Aproximadamente, 70% da eletricidade é
produzida por energias fósseis e o carvão responde por 40% da
produção de eletricidade mundial. E as energias fotovoltaica e eólica
representam 1% do consumo mundial de energia primária atualmente.
IHU On-Line – Como o senhor avalia as contestações
que estão sendo feitas à tese de que não há aquecimento global e de que há uma
ideologização da questão ecológica?
Tomás Togni Tarquinio – O desprezo pelas fontes científicas é um dos aspectos. O IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas] mobiliza mais de
3 mil cientistas do planeta e emite pareceres bastante fundamentados. Os
contestadores nem sequer se dão conta da quantidade de petróleo que
consumimos a cada dia. Esta quantidade permite dar uma ideia do que é emitido
de CO2 diariamente pela combustão desta fonte de energia.
O planeta consome aproximadamente 90 milhões de
barris por dia. Se empilhados um barril sobre o outro (0,80 cm de altura
por 0,50 cm de diâmetro), teríamos uma coluna da ordem de 75 mil quilômetros.
Se fosse um oleoduto, ele daria duas voltas em torno da terra pela linha do
Equador. Per capita, cada cidadão do Planeta teria direito a dois litros
diários de petróleo. Ou seja, consumimos diariamente mais petróleo do que água
potável. A sociedade está drogada pelo petróleo.
IHU On-Line – Como o senhor tem acompanhado as
primeiras ações do governo de Jair Bolsonaro no que diz respeito a questões
ambientais e de desenvolvimento econômico?
Tomás Togni Tarquinio – Um governo negacionista, infelizmente. E está tomando atitudes com vistas a dar continuidade ao
processo de devastação dos recursos naturais brasileiros. Entregá-los à
exploração agrícola, mineira, florestal industrial. Um retrocesso sem tamanho.
IHU On-Line – O senhor destacaria alguma ação no
mundo a qual considera um exemplo em termos de redução da dependência de
combustíveis fósseis?
Tomás Togni Tarquinio – Muito poucas experiências e em geral no setor primário. São
epifenômenos. Nada de substantivo está sendo feito para se evitar o aquecimento global. Seriam necessárias decisões radicais: dividir o consumo de energias
fósseis por pelo menos um fator 3 para alcançarmos uma temperatura média de 2ºC
no final do século. Mas, pelo que está ocorrendo, poderemos chegar aos 2º
Celsius ainda em meados deste século.
Para restarmos no objetivo de 2º Celsius no final
do século XXI, é preciso reduzir as emissões de CO2 para menos de 1,5%
por ano. Mas o que ocorre é exatamente o contrário. As emissões mundiais de CO2
são da ordem de 1,5% ao ano, ou seja, em defasagem de 3% acima dos objetivos
definidos na COP 21. Com esses indicadores, a trajetória que seguimos é para um
aumento da temperatura de 3,7ºC a 4,0ºC no final do século. Assim, a escalada
de aumento de emissões de CO2 é da ordem de 3% por ano. Sem nenhum progresso
tecnológico e ações visando descarbonizar a sociedade, será necessário reduzir
o crescimento do PIB mundial atual de 1,5% ao ano para alcançarmos o objetivo
de 2,0ºC por ano.
Como alternativa urgente no plano mundial, há que
dividir as atuais emissões de CO2 por um fator 3, particularmente as de
origem fóssil. Mas nada disso foi feito, nem está sendo feito para os próximos
anos. A matriz energética mundial continuará tributária de energias fósseis nos próximos 15 anos.
Por essa razão e desde já, é necessário nos
acostumarmos com a ideia de que não será possível fazer tudo que é necessário
fazer. Se antes pensávamos em reduzir ao mínimo os impactos das mudanças
climáticas sobre o planeta e a sociedade, hoje não será mais possível. O
que importa hoje é tratar da adaptação a esse mundo diferente. Se antes pensávamos em melhorar a eficiência no
uso de matérias-primas e energia, hoje esse fluxo de consumo cresce mais
rapidamente que o PIB mundial. Se tínhamos veleidades quanto à preservação
da biodiversidade, esse objetivo não é mais alcançável. Assistimos a um desabamento
completo das populações vegetais e animais no planeta, da ordem de 40% no
caso de animais (58% dos vertebrados, por exemplo). E outro fator importante,
como manter a paz social durante o período agudo.
IHU On-Line – Já tendo passado pela dura
experiência da repressão, inclusive como preso político, como tem acompanhado o
avanço de posições totalitárias em todo o mundo? E, nesse quesito, como observa
a atual conjuntura brasileira?
Tomás Togni Tarquinio – Um retrocesso sob todos os pontos de vista. Economicamente neoliberais,
conservadores e autoritários. No tocante às questões
ecológicas e ambientais, defendem ideias que não têm mais curso no planeta.
Mesmo que os países façam muito pouco para melhorar as condições ecológicas e
ambientais, não renegam todo o conhecimento que as instituições internacionais
e nacionais têm da questão. Assistimos a uma contrarrevolução conservadora,
justamente quando o 1% mais rico do planeta detém
82% da riqueza mundial, segundo a Oxfam.
_________
Tomás Togni Tarquinio iniciou estudos de Economia na Pontifícia Universidade Católica - PUC-SP
e na Universidade de Chile. Licenciou-se em Etnologia/Antropologia na
Universidade Paris VII. Ainda realizou doutorado em Economia Industrial, em
Paris I, e pós-graduação em Prospectiva de Energia/Recursos Naturais, pela
EHESS Paris. Trabalhou na interface ecologia/desenvolvimento em várias
instituições francesas (GERPA, Groupe EDEN, Holos), europeias e internacionais
(UE, OCDE, IPEE, Uruguai, Bolívia, Peru, Portugal, Espanha, Equador) e Brasil
(Paraná, Amapá). Foi secretário de Governo do Amapá, gerente no Ministério do
Meio Ambiente e assessor no Senado Federal.