Temas diversos. Observar, pensar, sentir, fazer crítica construtiva e refletir sobre tudo que o mundo e a própria vida nos traz - é o meu propósito. Um pequeno espaço para uma visão subjetiva, talvez impregnada de utopia, mas, certamente, repleta de perguntas, questionamentos, dúvidas e buscas, que norteiam a vida de muitas pessoas nos dias de hoje.

As perguntas sobre a existência e a vida humana, sobre a fé, a Bíblia, a religião, a Igreja (sobretudo a Igreja Católica) e sobre a sociedade em que vivemos – me ajudam a buscar uma compreensão melhor desses assuntos, com a qual eu me identifico. Nessa busca, encontrando as melhores interpretações, análises e colocações – faço questão para compartilhá-las com os visitantes desta página.

Dedico este Blog de modo especial a todos os adolescentes e jovens cuja vida está cheia de indagações.
"Navegar em mar aberto, vivendo em graça ou não, inteiramente no poder de Deus..." (Soren Kierkegaard)

sexta-feira, 31 de agosto de 2018

“A queixa de Deus”. – Reflexão de José Antonio Pagola. Excelente!



“Jesus respondeu: ‘Bem profetizou Isaías a vosso respeito, hipócritas,
como está escrito: ‘Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim.  De nada adianta o culto que me prestam, pois as doutrinas que ensinam são preceitos humanos’. Vós abandonais o mandamento de Deus para seguir a tradição dos homens’."  (Mc 7, 6-8)

A reflexão que trago hoje para o blog Indagações-Zapytania, do padre e teólogo espanhol José Antônio Pagola, é muito concreto e atual. Tem como pano de fundo o texto bíblico Mc 7,1-8.14-15.21-23.
Foi publicado no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).

Muito bom. Não deixe de ler.
WCejnog



IHU – ADITAL
31 Agosto 2018

A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo segundo Marcos 7,1-8.14-15.21-23 que corresponde ao 22° Domingo do Tempo Comum, ciclo B, do Ano Litúrgico. O teólogo espanhol José Antonio Pagola comenta o texto. 

Eis o texto

A queixa de Deus

Um grupo de fariseus da Galileia aproxima-se de Jesus em atitude crítica. Não vêm sós. Estão acompanhados por alguns escribas vindos de Jerusalém, preocupados sem dúvida em defender a ortodoxia dos simples camponeses das aldeias. A atuação de Jesus é perigosa. Convêm corrigi-la.

Observaram que, em alguns aspectos, os seus discípulos não seguem a tradição dos mais velhos. Apesar de falarem do comportamento dos discípulos, a sua pergunta dirige-se a Jesus, pois sabem que é Ele quem lhes tem ensinado a viver com aquela liberdade surpreendente. Por quê?

Jesus responde-lhes com umas palavras do profeta Isaías que iluminam muito bem a Sua mensagem e a Sua atuação. Estas palavras com as que Jesus se identifica totalmente têm de escutá-las com atenção, pois tocam em algo muito fundamental da nossa religião. Segundo o profeta de Israel, esta é a queixa de Deus.

«Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de Mim». Este é sempre o risco de toda a religião: dar culto a Deus com os lábios, repetindo fórmulas, recitando salmos, pronunciando palavras bonitas, enquanto o nosso coração «está longe Dele». No entanto, o culto que agrada a Deus nasce do coração, da adesão interior, desse centro íntimo da pessoa de onde nascem as nossas decisões e projetos.

Quando o nosso coração está longe de Deus, o nosso culto fica sem conteúdo. Falta-lhe a vida, o escutar sincero da Palavra de Deus, o amor ao irmão. A religião converte-se em algo exterior que se pratica por hábito, mas em que faltam os frutos de uma vida fiel a Deus.

A doutrina que ensinam os escribas são preceitos humanos. Em toda a religião há tradições que são «humanas». Normas, costumes, devoções que nasceram para viver a religiosidade numa determinada cultura. Podem fazer muito bem. Mas fazem muito mal quando nos distraem e afastam do que Deus espera de nós. Nunca devem ter a primazia.

Ao terminar a citação do profeta Isaías, Jesus resume o Seu pensamento com umas palavras muito graves: «Vocês deixam de lado o mandamento de Deus para agarrarem-se à tradição dos homens».

Quando nos agarramos cegamente a tradições humanas, corremos o risco de esquecer o mandato de amor e desviamo-nos de seguir a Jesus, Palavra encarnada de Deus. Na religião cristã, em primeiro é sempre Jesus e a Sua chamada ao amor. Só depois vêm as nossas tradições humanas, por muito importantes que nos possam parecer. Não temos de esquecer nunca o essencial.




sexta-feira, 24 de agosto de 2018

“Pergunta decisiva”. – Reflexão de José Antonio Pagola. Muito atual!



“Simão Pedro lhe respondeu: "Senhor, para quem iremos? Tu tens as palavras de vida eterna. Nós cremos e sabemos que és o Santo de Deus". (Jo 6, 68-69)

Hoje, uma boa reflexão, muito atual e importante. Como pano de fundo  tem o texto bíblico Jo 6, 60-69  (Só Jesus tem palavras de vida eterna). É de autoria do padre e teólogo espanhol José Antonio Pagola.
O texto foi publicado na no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).
Vale a pena ler.

WCejnóg




IHU – ADITAL
24 Agosto 2018

A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo segundo João 6,60-69 que corresponde ao 21° Domingo do Tempo Comum, ciclo B, do Ano Litúrgico. O teólogo espanhol José Antonio Pagola comenta o texto. 

Eis o texto

O evangelho de João conservou a recordação de uma forte crise entre os seguidores de Jesus. Não temos dados. Apenas nos é dito que aos discípulos lhes resulta duro o seu modo de falar. Provavelmente parecia-lhes excessiva a adesão que espera deles. Num determinado momento, “muitos discípulos voltaram atrás, e não andavam mais com Jesus”.

Pela primeira vez experimenta Jesus que as Suas palavras não têm a força desejada. No entanto não as retira, pelo contrário, reafirma-as ainda mais: “As palavras que vos disse são espírito e vida, mas alguns de vocês não acreditam”. As Suas palavras parecem duras, mas transmitem vida, fazem viver, pois contêm Espírito de Deus.

Jesus não perde a paz. Não o inquieta o fracasso. Dirigindo-se aos Doze faz-lhes a pergunta decisiva: “Vocês também querem ir embora?”. Não os quer reter pela força. Deixa-lhes a liberdade de decidir. Os Seus discípulos não devem ser servos, mas amigos. Se querem, podem voltar a suas casas.

Uma vez mais, Pedro responde em nome de todos. A sua resposta é exemplar. Sincera, humilde, sensata, própria de um discípulo que conhece Jesus o suficiente para não o abandonar. A sua atitude pode ainda hoje ajudar a quem com fé vacilante pondera prescindir de toda a fé.

“A quem iremos, Senhor?”. Não tem sentido abandonar Jesus de qualquer forma, sem encontrar um mestre melhor e mais convincente. Se não seguem Jesus, ficarão sem saber a quem seguir. Não devem precipitar-se. Não é bom ficar sem luz nem guia na vida.

Pedro é realista. É bom abandonar Jesus sem ter encontrado uma esperança mais convincente e atrativa? Bastará substituí-lo por um estilo de vida rebaixado, sem metas nem horizonte? É melhor viver sem perguntas, questões, nem busca de nenhum tipo?

Há algo que Pedro não esquece: “As Tuas palavras dão vida eterna”. Sente que as palavras de Jesus não são palavras vazias nem enganosas. Junto Dele descobriram a vida de outra forma. A Sua mensagem abriu-lhes a vida eterna. Onde poderiam encontrar uma notícia melhor de Deus?

Pedro lembra, por último, a experiência fundamental. Ao conviver com Jesus descobriu que vem de Deus. De longe, a distância, desde a indiferença ou o desinteresse não se pode reconhecer o mistério que está em Jesus. Os Doze conviveram de perto. Por isso podem dizer: “Nós acreditamos e sabemos que tu és o Santo de Deus”. Seguirão junto a Jesus.


Fonte: IHU - Comentário do Evangelho


“Abuso sexual e a cultura do clericalismo.” - Artigo de Jason Blakely. Vale a pena ler!




Por considerar bem atual  e muito útil para o conhecimento das pessoas interessadas no assunto, trago hoje também para o blog Indagações-Zapytania o artigo “Abuso sexual e a cultura do clericalismo”, de Jason Blakely.

Penso que vale a pena ler  todo esse texto, que é uma crítica boa e construtiva, o que pode nos ajudar na formação de uma opinião pessoal correta e justa. Nos tempos atuais isso é muito  importante sobretudo para os fiéis da Igreja Católica.

A matéria foi publicada por America (23-08-2018) e também, posteriormente, no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).
WCejnog
  

IHU – ADITAL
24 Agosto 2018

"É importante reconhecer que o clericalismo cria uma cultura na qual os padres não-abusivos não podem se desculpar abertamente ou ser vistos como moralmente falhos. No esforço de parecerem tão impassivelmente perfeitos quanto um ícone bizantino, os padres não têm mais uma maneira de discutir francamente suas próprias limitações morais", escreve Jason Blakely, professor assistente de ciência política na Pepperdine University, autor do livro Alasdair MacIntyre, Charles Taylor, and the Demise of Naturalism: Reunifying Political Theory and Social Science('Alasdair MacIntyre, Charles Taylor e o fim do naturalismo: reunificando teoria política e ciências sociais', em tradução livre) de 2016, em artigo publicado por America, 23-08-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.

Segundo ele, "devemos passar por cima de relatos simplistas e inúteis das fontes de abuso que revezam a masculinidade, o celibato e a homossexualidade como bode expiatório. O papa Francisco está oferecendo um lugar para uma investigação mais profunda sobre como reparar a cultura católica".

Eis o artigo.

recente revelação de um grande júri sobre décadas de níveis sistematicamente entrincheirados e profundamente sádicos de abuso infantil em seis dioceses da Pensilvânia causou uma raiva atordoante em muitos católicos. É de se perguntar: por que a Igreja - e em particular a Igreja dos EUA - continuamente se encontra não apenas aquém da comunidade de amor e solidariedade de Jesus, mas fracassando catastroficamente em satisfazer até mesmo os níveis mais rudimentares da decência humana? Qual é o problema com o catolicismo de hoje?

Uma resposta ao problema destaca razoavelmente a necessidade de melhores protocolos e grades de proteção legais quando se trata de abuso sexual. Muitos bispos e representantes da Igreja trataram vítimas de abuso como opositores legais a serem silenciados e passíveis de serem manipulados. Com demasiada frequência, casos de abuso eram tratados de maneira sinistra e egoísta, como solucionáveis internamente, sem a necessidade de envolver autoridades civis e investigações. A “Charter for the Protection of Children and Young People” (“Carta para a Proteção de Crianças e Jovens”, em tradução livre) é apenas o começo de um processo necessário de reforma e de supervisão da justiça civil.

Embora essas exigências sejam fundamentais, elas não abordam adequadamente as fontes mais profundas do problema na Igreja. Afinal, a reforma legal, por todas as suas virtudes, é naturalmente externa à vida cotidiana da Igreja e é, em grande parte, reativa a crimes e abusos já existentes. Nesse sentido, as reformas legais são insuficientes para abordar as condições que geraram inicialmente um sistema de abuso. De fato, os católicos ainda não têm uma história consistente sobre o que deu errado. E, sem uma narrativa vigorosa sobre o que levou a Igreja a um lugar tão sombrio, será difícil encontrar um caminho que nos leve a um lugar onde as crianças, e não seus abusadores, sejam protegidas.

Narrativas Falsas

Naturalmente, há muitas vozes na sociedade que estão ansiosas para fornecer uma narrativa ao que há de errado com o catolicismo. Alguns comentaristas argumentam que as causas de tal abuso endêmico são simplesmente intrínsecas ao próprio catolicismo e suas distintas práticas espirituais.

Muitas vezes essa crítica assume a forma de uma explicação biologicamente redutiva do celibato. Nessa visão neofreudiana, o celibato é uma demanda insuportável. Qualquer ser humano solicitado a fazer promessas de celibato é levado à hipocrisia moral pela natureza irreprimível da libido sexual. Como um ex-padre e sobrevivente de abuso destacou, violações relativamente pequenas da castidade dão cobertura aos padres que cometem o pior tipo de abuso.
Um pastor, por exemplo, tem um relacionamento [consentido com um adulto] enquanto declara ser celibatário, mas ele tem um assistente que é um abusador de crianças, ou tem um amigo que é um abusador de crianças, e ele não vai soar o alarme sobre esse comportamento criminoso, porque seu próprio comportamento vai ser descoberto.

A partir de tal visão do celibato e sua relação com o abuso, é fácil chegar à conclusão de que a reforma deve incluir a abolição desse tipo de vocação. Por esse raciocínio, o próprio catolicismo e a vida de celibato vivida por  Jesus  são incompatíveis com uma humanidade saudável.

Outros comentaristas argumentam que a liderança apenas masculina é intrinsecamente disfuncional. Diz-se que a masculinidade como um fenômeno biológico está, de alguma forma, dirigindo e gerando um problema social particular - como se os homens, simplesmente por estarem em papéis de liderança, tivessem maior tendência a negligenciar e cometer atos sádicos de abuso.

Ainda outra versão dessa busca pelas fontes do problema na psique masculina é a afirmação de que o desejo homossexual masculino é o culpado e qualquer um que já tenha tido tais desejos deve ser excluído do sacerdócio. Este último argumento permite convenientemente que certos católicos evitem um esforço sério de autocrítica em favor de se concentrarem num bode expiatório (homens gays) como objeto de culpa.

Por mais diferentes que sejam esses diagnósticos, todos eles compartilham um problema comum: a saber, eles supõem erroneamente que o comportamento abusivo está de algum modo essencialmente ligado à sexualidade masculina reprimida ou à psique masculina como tal. Ao invés de uma análise histórica e culturalmente sensível do que deu errado com a Igreja, esses diagnósticos exigem uma ampla rejeição de expressões da sexualidade masculina (por exemplo, celibato ou homossexualidade) que não foram propriamente domadas em uniões heterossexuais.

Mas as estatísticas sobre a demografia dos autores de abusos revelam que os homens casados ​​não-celibatários são uma fonte significativa de abuso infantil nos Estados Unidos. O celibato, a homossexualidade, a heterossexualidade ou a liderança masculina simplesmente não caracterizam adequadamente o problema de uma cultura de abuso. Eles buscam marcadores formais, demográficos e biológicos onde o que é necessário é uma visão aprofundada de uma cultura particular.

Em uma guinada para explicações mais historicamente sensíveis, os católicos poderiam começar fazendo perguntas como esta: O que, em particular, deu errado com a cultura católica nos Estados Unidos durante o século XX? Não pretendo ter uma resposta adequada a essa pergunta. Mas a Igreja precisa responder a esse enigma crucial a fim de eliminar futuros abusos. Isso exigirá que se escute atentamente a história da Igreja Católica - que se escute repórteres, etnógrafos, historiadores e o testemunho dos próprios maltratados.

Privilégio Clerical

Um (embora ainda inadequado) ponto de partida para responder a essa pergunta foi oferecido pelo papa Francisco quando ele recentemente repetiu suas advertências contra o que chama de cultura do “clericalismo”, na qual a plenitude da realização espiritual é vista como amplamente reservada aos líderes religiosos ordenados. Nesta concepção da Igreja, os padres são vistos como os únicos exemplos reais e plenos da vida religiosa, enquanto os leigos ocupam, em sua maioria, um status secundário de ajudantes.

clericalismo na Igreja Católica, diz Francisco, “anula a personalidade dos cristãos” e “leva à funcionalização dos leigos, tratando-os como 'meninos [ou meninas] de recados'”. O clericalismo faz isso tratando os padres como ministros beatificados apenas por força do papel formal que eles ocupam na Igreja. Do ponto de vista do clericalismo, os sacerdotes parecem seres quase mágicos, mais sagrados do que o resto de nós, capazes de maior perfeição moral, discernimento, sabedoria e fortaleza.

Francisco observa que o clericalismo não é apenas perpetuado pelos padres, mas também reforçado por muitos leigos. Numa Igreja excessivamente clericalizada, os padres não estão em relações humanas abertas, iguais e vulneráveis ​​com o seu rebanho. Em vez disso, eles estão isolados por seu próprio status moral e espiritual. Ao invés de um laicato que pode conhecer seus sacerdotes como seres humanos (e, portanto, ver sinais de alerta e intervir quando há suspeita de abuso), os paroquianos veem o padre como um xamã ou um guru.

Mas Francisco observa que essa tendência subverte o cristianismo tradicional, que sustenta que os padres são servos dos leigos e não o contrário. O clericalismo está, portanto, ligado a uma configuração vertical excessivamente autoritária da Igreja. Por essa razão, Francisco vê uma ligação entre uma cultura de clericalismo e a falta de transparência tão característica do abuso na Pensilvânia. Como Francisco escreveu em sua recente carta em resposta ao relatório do grande júri: "Dizer 'não' ao abuso é dizer um enfático 'não' a todas as formas de clericalismo".

A crítica ao clericalismo é difícil de aceitar para muitos católicos, porque vai além da acusação (embora plenamente justificada) dos principais autores e das questões de responsabilidade distribuída. O clericalismo coloca a questão: Como todos os católicos são cúmplices de uma cultura em que o abuso é desenfreado? Talvez todos os católicos possam fazer alguma coisa a respeito do clericalismo criando comunidades eclesiais que são compostas de relacionamentos reais e densos e não a distância criada pelo clericalismo.

Será importante, no esforço para combater uma cultura do clericalismo, aprender com os erros do passado. Um desses erros foi assumir que o clericalismo é superado por gestos simples e formais de inclusão social. Como nos ensina a história de vida perturbadora de um sobrevivente de abuso, é possível convidar o pároco para jantar várias vezes por mês e ainda ter um conjunto de relações completamente clericalizado e quase autoritário.

Superar o clericalismo significa criar relações abertas, transparentes e iguais entre padres e leigos. Uma comunidade assim está disposta a permitir a correção moral dos sacerdotes pelos leigos e não simplesmente a correção dos leigos pelos sacerdotes. Essa comunidade é aberta e está disposta a aprender com todos os seus membros.

Apenas uma comunidade de relações humanas e transparência maiores poderá identificar e erradicar comportamentos abusivos. Onde o clericalismo esconde a psicologia do padre por trás de um véu de pseudobeatificação, Francisco nos pede para olhar realisticamente os seres humanos à nossa frente e responder de acordo. Da mesma forma, os padres apreendidos por uma mentalidade de  clericalismo precisam renunciar ao orgulho de uma divindade ou santidade especial e, em vez disso, devem procurar se tornarem mais profundamente humanos (como Cristo).

Também é importante reconhecer que o clericalismo cria uma cultura na qual os padres não-abusivos não podem se desculpar abertamente ou ser vistos como moralmente falhos. No esforço de parecerem tão impassivelmente perfeitos quanto um ícone bizantino, os padres não têm mais uma maneira de discutir francamente suas próprias limitações morais. Eles se tornam cativos de sua própria beatificação falsa. Este é o verdadeiro fundo de verdade por trás da importante percepção de que os sacerdotes completamente degradados moralmente são capazes de chantagear aqueles que quebraram suas promessas de celibato em relações consensuais com adultos. Somente um padre cativo de uma noção inflada de superioridade moral é incapaz de viver a humilhação da revelação de suas próprias falhas humanas - e somente uma comunidade que se recusa a lutar com a humanidade de seus sacerdotes é capaz de colocar uma venda em seus próprios olhos e viver em meio aos abusos inaceitáveis ​​e intoleráveis ​​que estão escondidos da vista.

Não pretendo que isso seja uma análise completa ou adequada do que deu errado com o catolicismo americano no século XX. Mas devemos passar por cima de relatos simplistas e inúteis das fontes de abuso que revezam a masculinidade, o celibato e a homossexualidade como bode expiatório. O papa Francisco está oferecendo um lugar para uma investigação mais profunda sobre como reparar a cultura católica. A falta de atenção ao aviso levará à reprodução das exatas condições que inicialmente tornaram essa violência possível.

Como Francisco exorta, os católicos precisam trabalhar juntos para gerar uma nova cultura e renovar a Igreja - para criar “a solidariedade e o compromisso com uma cultura de cuidado que diga 'nunca mais' a toda forma de abuso”.




quinta-feira, 23 de agosto de 2018

“O jovem e o velho Marx”. – Artigo de Eduardo Nunomura. Muito interessante!



Acredito que conhecer as opiniões de outras pessoas sempre seja importante e proveitoso para qualquer um, principalmente saber mais daquelas mais conhecidas, que marcaram a história da humanidade.
Hoje trago para o blog Indagações-Zapytania um artigo muito interessante intitulado “O jovem e o velho Marx”, de Eduardo Nunomura (Professor na Faculdade Cásper Líbero e Editor de cultura na CartaCapital), que fala sobre o filósofo talvez mais conhecido no século XIX e XX e, lógico, também atualmente. Trata-se de Karl Marx.  É bom lembrar que Karl Marx foi também sociólogo e jornalista.

Acho que a leitura desse texto pode nos ajudar a elaborar melhor as nossas próprias opiniões, corrigir e construir novos olhares sobre o mundo, a sociedade, o homem, a vida em si e até sobre nós mesmos.

O texto foi publicado por Eduardo Nunomura em julho deste ano (2018)  na Carta Capital.
Vale a pena ler!
WCejnóg






O jovem e o velho Marx
por Eduardo Nunomura — publicado 08/07/2018


No ano do bicentenário do filósofo, duas obras revelam fatos desconhecidos e ajudam a desconstruir mitos criados sobre o autor de 'O Capital'



Mais de 30 grandes biografias já foram escritas sobre Marx.

Na gíria inglesa, Old Nick, ou “Velho Nick”, significava “Velho Diabo”, e era assim que Karl Marx assinava as cartas que enviava às filhas ou ao amigo Friedrich Engels. Detratores, e não foram poucos, o acusaram de ser antissemita ou racista. Um padre romeno publicou um livro questionando se ele não era satanista. A história é pródiga em se repetir como farsa, o próprio Marx ensinou isso ao mundo, mas ele se divertia com a comparação.

O Mouro, como também era chamado entre os mais próximos, nunca foi alguém que coubesse em um só apelido. A complexidade de seu pensamento foi difundida como mera oposição entre o “jovem” Marx, filosófico e humanista, e o “velho” Marx, econômico e científico.
Duas biografias da editora Boitempo, lançadas neste ano em que se celebra o bicentenário de seu nascimento, partem justamente dessas duas frentes, mas alargam a compreensão sobre a vida de um dos maiores pensadores do século XIX.

A esta altura da história, quando mais de 30 grandes biografias sobre Marx já foram lançadas, cabe perguntar as razões que fizeram o matemático e cientista político alemão Michael Heinrich, autor de Karl Marx e o Nascimento da Sociedade Moderna – Volume 1 (1818-1841), e o filósofo e cientista político italiano Marcello Musto, de O Velho Marx: Uma Biografia de Seus Últimos Anos (1881-1883), a embarcarem nessa tarefa.

“Marx é o autor cujo perfil mais sofreu modificações no decorrer dos últimos anos”, justifica Musto. Segundo ele, o filósofo foi capaz de examinar as contradições da sociedade capitalista muito além do conflito entre capital e trabalho. No fim da vida, dedicou seu tempo para refletir sobre questões ecológicas, conflitos em países não ocidentais e como o colonialismo exercia um poder destruidor sobre as periferias do sistema capitalista.

Heinrich relembra que o Mouro também era um estudioso de matemática, ciências naturais, antropologia, linguística e história. “Essa diversidade de temas só pode ser compreendida em toda a sua abrangência se levarmos em consideração os inúmeros artigos de jornal e seus cadernos de excertos”, diz. “Marx não foi somente um pesquisador dedicado a trabalhos científicos, mas um jornalista político.”

Um diferente e menos dogmático Marx começou a emergir a partir das recentes publicações da Edição Completa da Obra de Marx e Engels (mais conhecida como Mega, de Marx-Engels-Gesamtausgabe, em alemão), e é sobre essa fonte de originais em alemão que os pesquisadores têm se debruçado.

Constam novas versões de algumas obras, como A Ideologia Alemã (1845), a dissertação e a tese de Marx, o Manifesto Comunista (1848), os manuscritos preparatórios de O Capital (1867), as cartas enviadas ou recebidas por ele a Engels e 200 cadernos de anotações que incluem os livros lidos e comentados pelo “Velho Nick”. Imagina-se que, quando for inteiramente publicada, a coleção seja composta de 114 volumes. Até agora são 66 volumes.

Esta não é a primeira tentativa de publicar os originais. Entre 1927 e 1935, 12 volumes foram publicados pelo Instituto Marx-Engels, de Moscou, mas com a ascensão de Hitler na Alemanha, em 1933, o projeto foi descontinuado. Apenas depois da morte de Stalin é que editores soviéticos e alemães voltaram a trabalhar no material. Em 1975, foi publicado o primeiro volume na chamada fase 2 da Mega, e a nova leva só veio a ser retomada, na prática, em 1998.

O biógrafo Marcello Musto optou por enfrentar alguns mitos, como o de que a curiosidade de Marx teria sido saciada e, nos últimos anos, ele até teria parado de trabalhar. Na verdade, o italiano descobriu que o “Velho Nick” estava atento aos principais acontecimentos da política internacional.

Reunia-se com dirigentes das forças de esquerda da Europa, ajudando-os a organizar a luta para pôr fim ao modo burguês de produção. Criticava economistas americanos pseudossocialistas, que tentavam “convencer a si mesmos e ao mundo de que, com a transformação da renda fundiária em imposto pago ao Estado, desaparecerão automaticamente todas as injustiças da produção capitalista”.

Condenava os russos pela lentidão do desenvolvimento econômico, em fins do século XIX. Mas, tirando Alemanha, França e Rússia, Musto afirma que Marx “continuava um total desconhecido na Inglaterra” e seus escritos tinham dificuldade de circular na Itália, na Espanha ou na Suíça, onde Mikhail Bakunin (1814-1876) fazia mais sucesso.

Ávido leitor, Marx tinha em sua biblioteca livros de Shakespeare, Dickens, Molière, Racine, Bacon, Goethe e Voltaire, obras políticas em alemão, francês, russo, inglês, espanhol e italiano. Referia-se aos livros como “meus escravos e devem obedecer à minha vontade”. Dobrava as pontas das páginas, fazia pontuações a lápis, sublinhava os textos. O biógrafo italiano procurou construir uma narrativa fluida e ligeira, que flerta com uma versão romanceada, mas sem se descuidar do rigor da pesquisa histórica.

Como em uma novela, o biografado revela-se mais humano quando Musto narra a sucessão de fatos trágicos dos anos finais, desde a morte da mulher, Jenny von Westphalen, até os problemas de saúde dele (sofria com a bronquite e era tratado à base de quinino, morfina e clorofórmio) e das filhas, Eleanor e Jenny.

Para se curar, viajou até a Argélia, depois a Montecarlo, Cannes e Lausanne. Em 14 de março de 1883, Marx morreu em sua casa na periferia de Londres de um colapso repentino. “A humanidade tem agora uma inteligência a menos, a mais importante de que ela poderia se orgulhar hoje em dia”, escreveu o amigo Engels.

As obras de Musto e Heinrich ajudam a clarear o debate em torno da herança deixada por Marx. Em vários campos do saber, incontáveis correntes e leituras, algumas delas conflitantes entre si, ancoram-se em seus pensamentos ou se consideram influenciados por eles. Muitos se autodenominam marxistas, mas não seria improvável que fossem repreendidos. “Tudo o que sei é que não sou marxista”, ironizou ele, certa vez, aos que se diziam seguidores de suas ideias sem conhecê-las profundamente.

Para Heinrich, a obra do filósofo “não é só fragmentária, ela é uma sucessão de fragmentos” e se constitui de “uma série permanente de tentativas interrompidas, de recomeços que não são continuados”.

Em texto mais rigoroso e lento, a biografia dele pormenoriza e contextualiza cada evento significativo da infância e da juventude de Marx, recorte do primeiro de três volumes que almeja concluir até 2022. Como se fosse um escrutinador literário, o biógrafo recorre a fontes originais para apontar erros factuais e desmontar algumas “teses” que outros escritores criaram para lustrar – ou macular – a imagem e a reputação do autor.

Algumas das mais famosas obras de Marx foram os textos de juventude (ou Grundrisse, em alemão), mas esses só foram publicados décadas após sua morte. Dos textos jornalísticos, de grande repercussão na época, grande parte ainda é desconhecida. O cientista político faz uma criteriosa revisão de informações que foram inflacionadas conforme a conveniência, marxista ou não.

Mostra, por exemplo, que nos trabalhos de conclusão do ginásio Marx, com 17 anos, redigia textos que poderiam “contribuir para a prosperidade humana dentro do mundo burguês e como membro de uma elite burguesa”.

Ele cresceu em condições relativamente prósperas em Trier, na então Prússia. De família judaica que se converteu ao cristianismo protestante, foi influenciado pelas ideias iluministas do pai, o advogado Heinrich. Mudou-se para Bonn, a fim de estudar Direito, com direito a prisão universitária por arruaça e embriaguez.

Foi, então, enviado a Berlim, onde havia a maior universidade da Prússia. Lá escreveu alguns poemas românticos e logo tomou conhecimento de filósofos como Demócrito, Epicuro e Kant, além de mergulhar na filosofia de Friedrich Hegel, o mais influente de todos, “extremamente importante para o desenvolvimento intelectual de Marx”, anota o biógrafo.

Aos 19 anos, o prodígio entrou para o “clube dos doutores”, o mais jovem de um grupo de pesquisadores como Karl Althaus, Adolf Rutenberg, Karl Köppen e Bruno Bauer, que discutiam história e filosofia e alinharam-se à corrente dos jovens hegelianos, tidos como pensadores mais à esquerda, enquanto os velhos hegelianos eram vistos como mais à direita.

Já noivo de Jenny, quatro anos mais velha, ele foi cobrado pelo pai para concluir os estudos e assumir o relacionamento amoroso. Marx assumiu ainda jovem esse amor e viveu com Jenny até ambos ficarem “velhos”.