Temas diversos. Observar, pensar, sentir, fazer crítica construtiva e refletir sobre tudo que o mundo e a própria vida nos traz - é o meu propósito. Um pequeno espaço para uma visão subjetiva, talvez impregnada de utopia, mas, certamente, repleta de perguntas, questionamentos, dúvidas e buscas, que norteiam a vida de muitas pessoas nos dias de hoje.

As perguntas sobre a existência e a vida humana, sobre a fé, a Bíblia, a religião, a Igreja (sobretudo a Igreja Católica) e sobre a sociedade em que vivemos – me ajudam a buscar uma compreensão melhor desses assuntos, com a qual eu me identifico. Nessa busca, encontrando as melhores interpretações, análises e colocações – faço questão para compartilhá-las com os visitantes desta página.

Dedico este Blog de modo especial a todos os adolescentes e jovens cuja vida está cheia de indagações.
"Navegar em mar aberto, vivendo em graça ou não, inteiramente no poder de Deus..." (Soren Kierkegaard)

quarta-feira, 31 de maio de 2017

Certezas e incertezas da fé. – Artigo de Pe. Alfredo J. Gonçavez, CS. Muito oportuno e esclarecedor!




O artigo Certezas e incertezas da fé, do Pe. Alfredo J. Gonçavez, CS é muito bom. Para entender melhor os conflitos no mundo que sempre existiam e hoje também se manifestam com a intesidade fora do normal, é preciso ter a consciência das causas que os provocam.  A leitura desse artigo pode ser muito útil para quem estiver interessado em entender um pouco melhor esse assunto.
O texto  foi publicado no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).
Vale a pena ler.
WCejnog



IHU - Adital
30 de maio 2017.

Certezas e incertezas da fé

"Evidente que todo fundamentalismo é pernicioso. A história da humanidade está pontilhada de experiências trágicas, as quais, em vez de dar lugar a uma dúvida aberta e sincera, agarram-se tenazmente, ferozmente às suas certezas. A partir destas, julgam tudo e todos. De um lado, temos o fundamentalismo sociopolítico e ideológico daqueles que pretendem impor suas ideias ou suas formações históricas. Alguns dos resultados são bem conhecidos, com milhares ou milhões de pessoas exterminadas pela forca, pelo paredão de fuzilamento, pela guilhotina, pelos “gulags”, pelos “vietnams”, pelas câmeras de gás, pelos atentados ou massacres", escreve  Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs, assessor das Pastorais Sociais.

Eis o artigo. 

Disse alguém que “o oposto da fé não é a dúvida, mas a certeza”. Esta última, de fato, ao longo da história, tem provocado bem mais discórdias, conflitos e guerras que a primeira. Não falamos tanto do núcleo profundo da fé ou do seu “credo” original, o qual, de resto, permanece de foro íntimo. Referimo-nos, sobretudo, às suas consequências moralistas na convivência cotidiana. Isso não significa que o “foro íntimo” seja por si mesmo privado de implicações com respeito ao comportamento, e sim que, se livre e aberto, tende a respeitar a liberdade e a alteridade de cada pessoa.

O certo é que a dúvida, com suas inquietudes e interrogações, deixa espaço à escuta, à verdade do outro, à compreensão e ao confronto recíproco. O que em geral conduz ao recíproco enriquecimento. Privilegia o diálogo em lugar da imposição. A certeza, ao contrário, tende à rigidez, à primazia da lei, à intransigência e, em última instância, ao fundamentalismo. O julgamento implacável prevalece sobre a misericórdia. Neste caso, a justiça se faz não a partir do espírito da legislação, mas a partir de sua letra morta, o que leva à morte da própria justiça.

Pior ainda quando as coisas ocorrem no âmbito da religião. Aqui a tendência é de absolutizar alguns princípios religiosos, nem sempre essências e às vezes até mesmo banais, e à luz dos mesmos demonizar todo e qualquer comportamento que não se guie por eles. Então, mais do que diante de certezas, estamos diante de “verdades sagradas”. Resulta que se alguém as possui e outros não, estes últimos devem ser condenados à fogueira, à decapitação, ao inferno. Além de duvidar e interrogar, encontram-se em estado de pecado. Como infiéis, devem ser eliminados... em nome de Deus!

Evidente que todo fundamentalismo é pernicioso. A história da humanidade está pontilhada de experiências trágicas, as quais, em vez de dar lugar a uma dúvida aberta e sincera, agarram-se tenazmente, ferozmente às suas certezas. A partir destas, julgam tudo e todos. De um lado, temos o fundamentalismo sociopolítico e ideológico daqueles que pretendem impor suas ideias ou suas formações históricas. Alguns dos resultados são bem conhecidos, com milhares ou milhões de pessoas exterminadas pela forca, pelo paredão de fuzilamento, pela guilhotina, pelos “gulags”, pelos “vietnams”, pelas câmeras de gás, pelos atentados ou massacres.

De outro lado, nos deparamos com o fundamentalismo de roupagem cultural-religiosa. A primícia é sempre a mesma: a verdade está de um lado, do outro a falsidade. A dicotomia maniqueísta divide taxativamente a sociedade em santos e pecadores. Os “nossos, do lado de dentro” e os “outros, do lado de fora”. Céu e terra, salvos e transviados, fiéis e infiéis. Quando os primeiros chamam a si o direito e o dever de julgar e condenar, os segundos correm o risco de desaparecer da face da terra, devem ser sumariamente liquidados.

Em conclusão, a dúvida permite que outros e diferentes saberes entrem pelas fissuras normais da trajetória de cada pessoa ou grupo, de cada povo ou nação, de cada religião ou cultura. Novos raios de luz passam a iluminar o conjunto das relações interpessoais, comunitárias, humanas... A experiência ganha novos enfoques e novos elementos para um discernimento permanente, o qual tornar-se-á, ao mesmo tempo, um permanente diálogo. Somente num caminho semelhante será possível exorcizar o racismo e o preconceito, a discriminação e a xenofobia.

intolerância nasce das certezas frias e rígidas como blocos de gelo, ao passo que a fé cresce e se rejuvenesce no terreno fecundo da dúvida. A fé tem a coragem de elevar ao céu as perguntas, aflições, incongruência, ambiguidades e contradições que habitam a alma humana – na esperança que o espírito de Deus venha em nosso socorro, ilumine os projetos, os caminhos e os passos que juntos nos propomos a levar adiante.


Roma, 25 de maio de 2017

Fonte: IHU - Adital


terça-feira, 30 de maio de 2017

Dominação financeira, o caminho ao caos. - Artigo de Ladislau Dowbor. Excelente! É importante saber!




Hoje trago para o blog Indagações-Zapytania uma excelente análise da situação econômica do Brasil e dos mecanismos que levaram o país à crise atual. É um texto que, na minha opinião, todos os cidadãos do Brasil que almejam o verdadeiro bem e um futuro digno e justo deste país para todos os seus habitantes deveriam ler e analisar o seu conteúdo. A verdade  aparece aqui com toda a sua força e sem maquiagem.

Aproveito a ocasião para parabenizar o autor do artigo, o Prof. Ladislau Dowbor  por essa excelente análise.
Para contribuir pelo menos um pouquinho para a divulgação desse artigo, publico-o também no meu blog.
Não deixe de ler!

WCejnóg









Dominação financeira, o caminho ao caos
27/05/2017



A semanas de lançar novo livro, Ladislau Dowbor sustenta: foi o controle exercido pelos bancos sobre orçamento público e o das famílias que provocou crise do lulismo e espiral do golpe.

Por Ladislau Dowbor | Imagem: Pablo PicassoMassacre na Coreia, 1951


Eis o artigo.

O modelo brasileiro de desenvolvimento da última década ia bem obrigado. Um conjunto de programas econômicos e sociais, como a elevação do salário mínimo, ampliação das aposentadorias, transferências para as famílias mais pobres, expansão da educação e dos serviços de saúde, amplos investimentos em infraestruturas e outros programas ampliaram a demanda para as empresas, o que por sua vez, além de gerar produtos, gerou mais de 10 milhões de empregos formais, ampliando ainda mais a demanda – levando ao chamado “círculo virtuoso” de crescimento: dinamizou-se a economia, ao mesmo tempo que se respondia às necessidades reais da população, priorizando quem mais precisa. E como uma economia mais dinâmica gera mais recursos públicos, foi possível equilibrar o financiamento do conjunto, inclusive as políticas sociais e redistributivas.

Este esquema funciona, e não somente aqui. Funcionou na Coreia do Sul que realizou um milagre com forte participação estatal nos investimentos e redução da desigualdade, como funcionou também nos “30 anos de ouro” do pós-guerra na Europa da socialdemocracia, e nos EUA do New Deal, até ser travado nos anos 1980 pela onda ideológica neoliberal. O que deixou as pessoas perplexas, no nosso caso, é como este modelo de desenvolvimento foi interrompido, e porque deixou de funcionar. O mais importante que temos de entender é que o modelo é correto e adequado, a economia deve sim responder às necessidades da população, e o Estado deve ser um articulador importante. Mas a apropriação privada da política é que travou o sistema.

Não só travaram o círculo virtuoso, como geraram uma enorme campanha de convencimento da população de que a culpa do travamento foi justamente aorientação redistributiva, a demagogia de um estado querendo ser bonzinho com os pobres, e portanto essencialmente “populista” e “irresponsável”. O boicote organizado contra toda iniciativa do Estado, o ataque contra as políticas desenvolvimentistas em todos os espaços, na mídia, no Judiciário e em particular no Legislativo geraram a crise. Assim conseguiram desarticular os processos democráticos, travar a economia, e ao mesmo tempo atribuir a culpa aos que tinham promovido a política redistributiva. Mas em nome da nação, naturalmente, em nome da luta contra a corrupção — pois desde sempre a bandidagem política se exerce em nome de elevados ideais éticos.

Do final do milênio herdamos a Constituição de 1988, com uma visão adequada de mais democracia e redução da desigualdade, e em particular o artigo 192º, que passava a reger o sistema financeiro nacional. Mas em 1997 foi aprovado o  financiamento corporativo das campanhas eleitorais, e passamos a ter um congresso com bancadas dos grandes bancos, do agronegócio, da grande mídia, das montadoras — fica-se à procura da bancada do cidadão. É este congresso, eleito por um sistema que já foi declarado inconstitucional pelo STF, que serviu de instrumento para o travamento geral do desenvolvimento inclusivo que estava em curso, e a desestruturação geral dos ganhos democráticos do país nas últimas décadas. Mas a base de interesses econômicos que deu força ao movimento de retrocesso gerado no país foi o sistema financeiro.

A economia real funciona com quatro motores: as exportações, que permitem dinamizar um conjunto de atividades; a demanda das famílias – de longe o principal motor, inclusive porque responde às necessidades imediatas de consumo; o investimento das empresas, que depende diretamente do consumo das famílias e também do investimento público; e o próprio investimento público, tanto em infraestruturas como em políticas sociais de consumo coletivo como Saúde, Educação, Segurança e semelhantes. Da saúde destes quatro motores depende a dinâmica econômica do país.

O mercado externo

No Brasil as exportações não constituem nem de longe o principal motor. Os cerca de 185 bilhões de dólares de exportações, representando como ordem de grandeza 600 bilhões de reais, constituem cerca de 10% do PIB. É significativo, em particular porque permite importar bens e serviços importantes para a economia, mas nada de decisivo. Não somos de modo algum uma economia como alguns países asiáticos, onde o motor do comércio externo é essencial. Com uma população de 205 milhões habitantes, e um PIB de 6 trilhões de reais, somos antes de tudo uma economia vinculada ao mercado interno. Se as dinâmicas internas não funcionam, o setor externo pouco poderá resolver. E na fase atual de marasmo mundial o setor externo não é alternativa.

O essencial para o nosso raciocínio, aqui, é que as soluções no curto e no médio prazo, para a economia brasileira, concentram-se no mercado interno, no consumo das famílias, nas atividades empresariais e nos investimentos públicos em infraestruturas e políticas sociais.

A demanda interna

Incomparavelmente mais importante é a demanda das famílias, que constitui o principal motor da economia. Trata-se também de uma dinâmica que estimula atividades fins, o arroz e o feijão na nossa mesa. Quando a demanda interna murcha, as empresas não têm interesse em produzir. E quando a demanda está forte, haverá quem invista para responder e lucrar, dinamizando a economia.

A partir de 2014, no entanto, o processo entrou em crise. A realidade é que os bancos e outros intermediários financeiros demoraram pouco para aprender a drenar o aumento da capacidade de compra do andar de baixo da economia, esterilizando em grande parte o processo redistributivo e a dinâmica de crescimento. O assalto representado pelos juros para pessoa física é impressionante: na Europa o crédito é da ordem de 3,5% ao ano, no Brasil a média é 103%! Artigos do lar, nos crediários, média de 105%, na Europa 13%!

O resultado é que a população se endividou muito para comprar pouco no volume final. A prestação que cabe no bolso pesa no bolso durante muito tempo. O efeito demanda é travado. A dívida das famílias passou de 19,3% da renda familiar em 2005 para 46,5% em 2015: ninguém entra em novas compras com este nível de endividamento, quando quase a metade da renda está presa no serviço da dívida. O principal motor da economia, a demanda das famílias, é travado.

O investimento empresarial

O travamento da demanda das famílias, da grande massa de consumo da população, tem efeito imediato nas inciativas das empresas, que vêm os seus estoques de produtos não vendidos se acumular. É natural que reduzam o ritmo de produção, o que por sua vez afeta o emprego. Quanto ao financiamento bancário para pessoas jurídicas, os juros são igualmente proibitivos, da ordem de 24% para capital de giro, 35% para desconto de duplicatas, e tocar uma empresa nestas condições não é viável. Na zona euro o custo médio do crédito para pessoa jurídica é de 2,2% ao ano, diretamente acessível em qualquer banco. Ninguém consegue desenvolver atividades produtivas com taxas de juros como as que praticamos, e as empresas acabam buscando o autofinanciamento, perdendo-se o imenso motor de dinamização da economia que é o crédito barato ao produtor.

Além da baixa demanda e do crédito caro, no caso brasileiro, um terceiro fator desestimula o produtor: ele tem a alternativa de aplicar no Tesouro Direto, que rende 6% acima da inflação, liquidez total, risco zero, uma alternativa que permite ao empresário ver o seu dinheiro render sem precisar enfrentar os esforços e riscos das atividades produtivas. Entramos no reino do capital improdutivo.

Os investimentos públicos

Vejamos o quarto item da engrenagem, a  taxa Selic que incide sobre a dívida pública. O mecanismo é simples. Eu que sou poupador, de um bolso coloco a minha poupança no banco que me remunera de maneira simbólica. O banco aplica este dinheiro em títulos do governo, que o remunera a partir dos impostos. Assim, via governo, sou eu que pago aos bancos 11% para terem o prazer de ter o meu dinheiro (6% descontada a inflação). É importante lembrar que os títulos da dívida pública pagam na faixa de 0,5% ao ano na maioria dos países do mundo.

O gasto com a dívida pública atingiu 8,5% do PIB em 2015. São cerca de 500 bi dos nossos impostos transferidos essencialmente para os grupos financeiros. Com isso se esteriliza parte muito significativa da capacidade do governo financiar infraestruturas e políticas sociais, como Saúde, Educação e Segurança. O sistema é absolutamente insustentável para a economia.

Quando o governo Dilma tentou baixar os juros, que chegaram a 7,5% para uma inflação de 5%, em 2014, a revolta dos rentistas que ganham com juros altos foi geral, passaram a questionar inclusive a eleição. Iniciou-se uma articulação perversa entre crise financeira e crise política, uma sustentando a outra, paralisando o país. Com o golpe, o Brasil volta para uma economia “de base estreita”, prioridade para os ricos, e trava-se o objetivo histórico essencial de harmonizar o país pela elevação social das massas populares.

E para a população, vende-se a ideia de que são as políticas sociais que geraram o déficit público e o travamento da economia. Quando se compara as poucas dezenas de bilhões que representa o Bolsa Família, investimento nas pessoas, e os 500 bilhões transferidos para rentistas, que ganham sem produzir, o argumento se torna ridículo. Os interesses financeiros serviram de escada para a captura política e o retrocesso democrático.



segunda-feira, 29 de maio de 2017

Um certo Galileu. (pe. Zezinho). Uma música para se emcionar e refletir.


Hoje trago para o blog Indagações – Zapytania uma música muito conhecida e já antiga: Um Certo Galileu!!!  (autor: Pe.Zezinho, SCJ), que sempre emociona a quem a ouve,  e também convida à reflexão. Tenho certeza que  são poucas as pessoas  a discordarem disso.

Acontece que um amigo meu enviou-me esse vídeo recentemente, e eu, apesar de já ter escutado muitas vezes  essa música,  ao ouví-la novamente fiquei grato a ele por esse momento... E é com a mesma intenção que eu compartilho esse vídeo aqui, no meu blog.

Convido você a dedicar esses cinco minutos para ouvir a música e meditar sobre a letra dessa maravilhosa história contada pelo pe. Zezinho.

WCejnóg

Um Certo Galileu!!! (pe.Zezinho)
(versão ampliada, preparada por Isa Vieira Santos)



sexta-feira, 26 de maio de 2017

Abrir o horizonte. – Reflexão de José Antonio Pagola. Muito atual!




“Então Jesus aproximou-se e falou: “Toda a autoridade me foi dada no céu e sobre a terra. Portanto, ide e fazei discípulos meus todos os povos, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, e ensinando-os a observar tudo o que vos ordenei! Eis que estarei convosco todos os dias, até o fim do mundo”. (Mt 28, 18-20)

Festa da Ascensão

Abaixo, uma pequena reflexão, muito concreta e atual, que tem como pano de fundo o texto bíblico Mt 28,16-20 (Jesus diz a seus discípulos: Ide! Eis que estou com vocês todos os dias!) escrita pelo padre e teólogo espanhol José Antonio Pagola. 
O texto foi publicado no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU) em maio de 2014 e novamente agora, na festa da Ascensão.
Não deixe de  ler!
WCejnog



IHU - Adital
26 maio 2017.

Abrir o horizonte

A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho segundo Mateus capítulo 28,16-20 que corresponde ao Domingo da Ascensão, ciclo A do Ano Litúrgico. O teólogo espanhol José Antonio Pagola comenta o texto. 

Eis o texto

Ocupados apenas em conseguir imediatamente um maior bem-estar e atraídos por pequenas aspirações e esperanças, corremos o risco de empobrecer o horizonte da nossa existência perdendo a ânsia de eternidade. É um progresso? É um erro?

Há dois fatos que não é difícil comprovar neste novo milênio em que vivemos desde alguns anos. Por um lado cresce na comunidade humana a expectativa e o desejo de um mundo melhor. Não nos contentamos com qualquer coisa: necessitamos progredir para um mundo mais digno, mais humano e ditoso.

Por outro, está crescendo ao mesmo tempo o desencanto, o ceticismo e a incerteza ante o futuro. Há tanto sofrimento absurdo na vida das pessoas e dos povos, tantos conflitos envenenados, como abusos contra o planeta, que não é fácil manter a fé no ser humano.

É certo que o desenvolvimento da ciência e da tecnologia consegue resolver muitos males e sofrimentos. No futuro se conseguirão, sem dúvida, êxitos ainda mais espetaculares. Ainda não somos capazes de intuir a capacidade contida no ser humano para desenvolver um bem-estar físico, psíquico e social.

Mas não seria honesto esquecer que este desenvolvimento prodigioso nos vai “salvando” apenas de alguns males e apenas de forma limitada. Agora precisamente que desfrutamos cada vez mais do progresso humano, começamos a perceber melhor que o ser humano não pode dar-se a si mesmo tudo o que deseja e procura.

Quem nos salvará do envelhecimento, da morte inevitável ou do estranho poder do mal? Não nos deve surpreender que muitos comecem a sentir a necessidade de algo que não é nem técnica nem ciência, tampouco ideologia ou doutrina religiosa. O ser humano resiste a viver encerrado para sempre nesta condição caduca e mortal. Procura um horizonte, necessita de uma esperança mais definitiva.

Não poucos cristãos vivem hoje olhando exclusivamente para a terra. Ao que parece não nos atrevemos a levantar o olhar mais além do imediato de cada dia. Nesta festa cristã da Ascensão do Senhor, quero recordar umas palavras daquele grande cientista e místico que foi P. Teilhard de Chardin: “Cristãos a apenas vinte séculos da Ascensão”. “Que fizestes da esperança cristã?”.

No meio de interrogações e incertezas, os seguidores de Jesus, seguimos caminhando pela vida trabalhados pela confiança e pela convicção. Quando parece que a vida se fecha ou se extingue, Deus permanece. O mistério último da realidade é um mistério de amor salvador. Deus é uma porta aberta à vida eterna. Ninguém a pode fechar.






sexta-feira, 19 de maio de 2017

O Espírito da verdade. – Reflexão de José Antonio Pagola. Excelente!



E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador, para que fique convosco para sempre;  O Espírito de verdade, que o mundo não pode receber, porque não o vê nem o conhece; mas vós o conheceis, porque habita convosco, e estará em vós.” ( Jo 14, 16-17)

Hoje, uma reflexão muito bonita e atual. Como pano de fundo  tem o texto bíblico Jo  14, 15-21  (Jesus fala que o Espírito Consolador estará sempre com aqueles que são seu amigos e amam a Deus). É de autoria do padre e teólogo espanhol José Antonio Pagola.
O texto foi publicado na no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).
Vale a pena ler e refletir!
WCejnóg


IHU – Adital
19 maio 2017.

O Espírito da verdade

A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho segundo João capítulo 14,15-21 que corresponde ao Sexto Domingo de Páscoa, ciclo A do Ano Litúrgico. O teólogo espanhol José Antonio Pagola  comenta o texto. 

Eis o texto

Jesus está se despedindo dos seus discípulos. Vê que estão tristes e abatidos. Brevemente já não o terão. Quem poderá encher o seu vazio? Até agora foi Ele que cuidou deles, defendeu-os dos escribas e fariseus, sustentou a sua fé débil e vacilante, foi-lhes mostrando a verdade de Deus e os iniciou no seu projeto humanizador.

Jesus fala-lhes apaixonadamente do Espírito. Não os quer deixar órfãos. Ele mesmo pedirá ao Pai que não os abandone que lhes dê “outro Defensor” para que “permaneça sempre com eles”. Jesus chama-lhe “o Espírito da verdade”. Que se esconde nestas palavras de Jesus?

Este “Espírito da verdade” não deve ser confundido com uma doutrina. Esta verdade não tem de se procurar nos livros dos teólogos nem nos documentos da hierarquia. É algo muito mais profundo. Jesus diz que “vive conosco e está em nós”. É alento, força, luz, amor que nos chega do mistério último de Deus. Temos de acolhê-lo com coração simples e confiado.

Este “Espírito da verdade” não nos converte em “proprietários” da verdade. Não vem para que imponhamos a outros a nossa fé, nem para que controlemos a sua ortodoxia. Vem para não nos deixar órfãos de Jesus, e nos convida a nos abrirmos à Sua verdade escutando, acolhendo e vivendo seu Evangelho.

Este “Espírito da verdade” não nos faz tampouco “guardiães” da verdade, mas testemunhas. O nosso fazer não é disputar, combater nem derrotar adversários, mas viver a verdade do Evangelho e “amar Jesus guardando seus preceitos”.

Este “Espírito da verdade” está no interior de cada um de nós, defendendo-nos de tudo o que nos pode afastar de Jesus. Convida a abrir-nos com simplicidade ao mistério de um Deus Amigo da vida. Quem procura este Deus com honradez e verdade não está longe Dele. Jesus disse em certa ocasião: “Todo aquele que é da verdade escuta minha voz”. É certo.

Este “Espírito da verdade” convida-nos a viver na verdade de Jesus no meio de uma sociedade onde com frequência à mentira se lhe chama estratégia; à exploração, negócio; à irresponsabilidade, tolerância; à injustiça, ordem estabelecida; à arbitrariedade, liberdade; à falta de respeito, sinceridade...

Que sentido pode ter a Igreja de Jesus se deixamos que o Espírito da Verdade fique esquecido nas nossas comunidades?
Quem a poderá salvar do autoengano, dos desvios e da mediocridade generalizada?

Quem anunciará a Boa Nova de Jesus numa sociedade tão necessitada de alento e esperança?



Fonte: IHU – Comentário do Evangelho


sábado, 13 de maio de 2017

Francisco Papa franciscano e jesuita, e a sua visita a Fátima. – Entrevista com Anselmo Borges. Muito boa!



A entrevista de José Manuel Vidal com filósofo e teólogo português pe. Anselmo Borges é muito interessante e esclarecedora. Fala sobre o Papa Francisco, sobre a sua atuação como líder da Igreja católica, como também sobre a sua ida a Fátima em Portugal. Deixa também algumas colocações esclarecedoras a respeito de aparições de Nossa Senhora aos pastorzinhos em Fátima, e sobre a canonização dos dois deles nessa ocasião pelo Papa Francisco.

Trago essa entrevista também para o blog Indagações-Zapytania, para compartilhar com quem estiver interessado nesse assunto.
O texto foi publicado por Religion Digital e também, posteriormente, no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).
Vale a pena ler até a última palavra!

WCejnóg



IHU - Adital
12 maio 2017

Entrevista com Anselmo Borges

Filósofo e teólogo, professor da Universidade de Coimbra, o padre português Anselmo Borges (Paus, 1944) publica Francisco: desafios à Igreja e ao Mundo (Gradiva), em cuja apresentação esteve o Presidente da República.  Profundamente ‘franciscano’, crítico e livre, o escritor denuncia o “adormecimento” da Igreja portuguesa, critica “o clericalismo e o carreirismo” como “peste da instituição” e espera que a visita do Papa Francisco a Fátima sirva para sacudi-la de sua letargia. Embora Nossa Senhora não tivesse aparecido ali aos pastorinhos.
A entrevista é de José Manuel Vidal, publicada por Religión Digital, 11-05-2017. A tradução é de André Langer


Eis a entrevista.

Qual é a tese de fundo do seu livro Francisco: desafios à Igreja e ao Mundo? Ela se resume ao título da obra?

Em certo sentido, a tese está no título. Creio que o professor jesuíta Juan Masiá, que leu o livro, diz o essencial, embora se tenha que descontar o que exagera em função da nossa amizade: ‘No contexto de um mundo globalizado, Anselmo Borges apresenta uma excelente síntese para entender o desafio franciscano e jesuíta do Papa. O autor utiliza, de forma brilhante, duas chaves do pensamento e da ação do Papa Francisco: o discernimento, para diagnosticar os desafios, e a misericórdia, para curar as feridas. Anselmo Borges, que acompanha o caminho de Francisco pelas periferias do cuidado da vida na Igreja e na política, demonstra que é capaz de articular de forma correta a implicação que transforma os desafios da Igreja em desafios de Francisco para o mundo do século XXI’.

Quais são os objetivos que o senhor persegue com esta nova publicação?

Eu estou convencido de que Jesus Cristo é e anunciou a maior revolução da História da Humanidade. Ele é o Evangelho vivo de Deus para todos: a boa notícia de que Deus é Amor e Misericórdia. Infelizmente, muitas vezes o que a Igreja comunicou, com palavras e obras, foi e é, na expressão de Nietzsche, um ‘Anti-evangelho’, isto é, uma notícia triste e que não encaminha para a felicidade.

Agora, o Papa Francisco traz novamente o Evangelho, e as pessoas percebem nele, em suas palavras, em seus gestos e em suas atitudes, quem é, o que fez e o que quer Jesus. Na minha opinião, o Papa Francisco é um líder político-moral global decisivo para o futuro da Igreja e da Humanidade.

O senhor compartilha a tese de que Francisco é o Papa da primavera?

Não há dúvida alguma. O Concílio Vaticano II foi uma primavera, à qual se seguiu um longo inverno. Um dos sinais mais dramáticos disso constata-se na condenação de tantos teólogos, assim como na nomeação de bispos conservadores. Francisco quer que se caminhe na linha do Vaticano II.

primavera reflete-se no próprio nome que Bergoglio escolheu: Francisco. O Papa é franciscano por opção e, por isso, é cristão. Esta é a revolução de Francisco: ele é cristão, não porque foi batizado, mas porque segue Jesus em sua vida. Basta ver como ele se comporta. É simples, humilde, abraça, beija, está com todos e, sobretudo, com quem ninguém ou pouquíssimos estão: os mais pobres, os marginalizados, os injuriados, os humilhados, as pessoas das periferias.

Mas, ao mesmo tempo, o Papa é jesuíta, formado para a eficácia, no contexto do mundo atual globalizado. Por isso, luta para fazer uma revolução dentro da Igreja: tolerância zero para o flagelo da pederastia, transparência plena no Banco Vaticano, reforma profunda e constitucional da cúria romana (será a cúria passível de reforma?), primado da pastoral sobre o dogma no cuidado das pessoas concretas, do Evangelho sobre o Direito Canônico, governo sinodal da Igreja em todos os níveis, inculturação do Evangelho nas diferentes culturas, participação ativa dos leigos, não discriminação das mulheres, o próximo Sínodo é para e com todos os jovens (também com os afastados da Igreja, os agnósticos e os ateus), abertura de portas para o fim do celibato obrigatório com a ordenação de homens casados, diálogo com e entre as diferentes Igrejas cristãs (nunca se apresenta a si mesmo como Papa, mas como Bispo de Roma e elogia Luterofoi ao Egito,  encontrou-se com o papa dos coptas e com o imã da mesquita-universidade de Al-Azhar) e diálogo inter-religioso, concretamente com o Islã moderado.

Anúncio e denúncia

Ele anuncia o Evangelho e denuncia os infortúnios da Igreja no mundo. A Encíclica ‘Laudato Si’ sobre a ecologia integral fará história e repete que este capitalismo desregulado e selvagem ‘mata’, que no centro da economia tem que estar a pessoa (todas as pessoas) e não o deus-dinheiro. Luta pela paz, com intervenções eficazes, como se viu nas relações entre os Estados Unidos e Cuba ou na Colômbia.


Foi a Israel e ao Egito e vai ao Sudão do Sul.  E gostaria de ir ao IraqueMoscou e, sobretudo, a Pequim, especialmente porque está convencido de que o futuro do cristianismo se joga em grande medida na Ásia.


(Foto: Periodista Digital)

Como fazer para que a sua revolução da ternura se solidifique nos diferentes países e nas diferentes dioceses?

O Papa é cristão e sua principal missão é tentar fazer com que os católicos, a começar pelos cardeais, bispos e sacerdotes, se convertam em autênticos cristãos e em verdadeiros discípulos de Jesus. Isso é essencial. Sem esta conversão não se conseguirá avançar. Cada pessoa tem que se perguntar a si mesma: o que significam para mim Jesus e seu Evangelho? De fato, o Evangelho só pode ser anunciado aos outros se realmente é uma boa notícia que dá sentido à nossa vida. A partir daí, dessa experiência fundante e radical, é necessário agir em conformidade.

As velhas inércias dos bispos-príncipes e o clericalismo são os principais inimigos de Francisco?

Eu parto da convicção de que o clericalismo, o carreirismo eclesiástico e a atitude dos bispos-príncipes  são a peste da Igreja. O carreirismo impede a liberdade de pensamento e de ação. A atitude dos bispos-príncipes atenta contra a revolução essencial do Evangelho de Jesus, que sobre o poder disse: ‘Não vim para ser servido, mas para servir’.

De fato, o grande problema de Francisco são os que deviam ser seus ‘mediadores’: cardeais, bispos e padres. Com as gloriosas exceções que todos nós conhecemos.

Como se situa na prática o episcopado e o clero português diante de Francisco?

Eu diria que ignorando e silenciando. Não consigo ver o novo dinamismo que Francisco está imprimindo à Igreja.

Sua visita a Fátima pode sacudir o adormecido catolicismo de seu país?

Creio que ‘adormecido’ é o termo exato. A visita do Papa Francisco pode fomentar somente um entusiasmo passageiro, que pode contribuir inclusive para um maior adormecimento. Temo que, depois da sua visita, se continue com uma pastoral de devoção, muito centrada nas liturgias fossilizadas, com homilias que, na maioria dos casos, não estão preparadas, mas distanciadas da vida, com um afastamento crescente por parte da juventude e com um clero pouco culto e bastante instalado. Meus receios aumentam, quando tenho que me perguntar até que ponto a Doutrina Social da Igreja está presente nas faculdades de Direito e de Economia e Gestão da Universidade Católica Portuguesa, cujo Grão-Chanceler é o cardeal-patriarca de Lisboa. Por outro lado, pergunto-me se o feriado (os funcionários públicos podem deixam de ir ao trabalho para ver o Papa) concedido não é um ‘bom negócio’ para o Governo, dado que a Igreja vai ficar devendo esse ‘favor’. Mas, quem sabe? Talvez possa dar-se essa sacudida de que você fala.

Nossa Senhora apareceu em Fátima? O senhor acredita nas aparições de Fátima?

Em primeiro lugar, Fátima não é um dogma de fé. Portanto, pode-se ser um bom católico, sem crer em FátimaFátima não faz parte do Credo. Mais ainda, Fátima não ocupa, nem pode ocupar, o centro do cristianismo. O centro da fé é Jesus de Nazaré, confessado como Cristo. Portanto, o centro do Evangelho é Jesus Cristo e o Deus de Jesus e todas as pessoas que Ele ama.

Dito isso, confesso que não me custa admitir que as três criaturas, os pastorinhos, tenham tido uma verdadeira experiência religiosa em Fátima. De fato, não consta que tenham sido pagos para dizer que viram Nossa Senhora. Pelo contrário, sofreram muito por isso. A própria Igreja, em um primeiro momento, mostrou muitas reticências. Mas é evidente que se tratou de uma experiência religiosa de crianças e ao estilo das crianças e em um contexto histórico especial, no qual a Igreja era perseguida pela Primeira República em Portugal, o mundo estava em guerra (os pastorzinhos certamente ouviram falar da Primeira Guerra Mundial e de como os soldados partiam para a guerra) e vivia-se em um contexto religioso, que implicava as chamadas missões populares, com pregadores ‘missionários’ que vinham de fora e que, do alto dos púlpitos, aterrorizavam os fiéis com sermões sobre o temor de Deus e o terror do inferno. As crianças ouviam todas estas coisas na igreja e em casa.

Tratou-se, pois, de uma experiência religiosa infantil e segundo os esquemas e um imaginário hermenêutico-interpretativo situado nesse contexto. Não se pode esquecer que a experiência religiosa sempre se dá dentro de uma interpretação, de tal modo que há experiências religiosas melhores e outras nem tão boas. A experiência daquelas crianças não foi das melhores. Para ver isso, basta perguntar-se: que mãe mostraria o inferno a crianças de 10, 9 e 7 anos? Os pastorinhos ficaram marcados negativamente e, de alguma maneira, com a vida quebrada. Ao mesmo tempo, é admirável a imensa generosidade que tiveram diante da situação que estavam vivendo, dando a pouca comida que tinham às ovelhas, para pedir pela conversão dos pecadores. Além disso, aquele núcleo de experiência foi submetido a mil arranjos ao longo do tempo, de acordo com os novos esquemas interpretativos. No contexto das novas situações e dos novos progressos, aparecem, por exemplo, o combate contra o comunismo. Ao contrário, não se falou absolutamente nada sobre a necessária condenação do nazismo...

Maria, a mãe de Jesus, apareceu em Fátima?

Aqui, o decisivo é fazer uma distinção fundamental entre aparições e visões. Uma aparição é objetiva, quando, por exemplo, estamos falando com uma pessoa e chega outra, ambos vemos a terceira pessoa que chega. Se estivéssemos em quatro ou cinco pessoas, seríamos quatro ou cinco vendo e constatando a chegada objetiva desta outra pessoa. Evidentemente, não foi isso que aconteceu em Fátima e, neste sentido, está claro que Nossa Senhora não apareceu em Fátima aos pastorinhos. Se fosse uma aparição, todos os presentes veriam e constatariam a sua presença, algo que não aconteceu, nem podia acontecer, pois Maria não tem corpo físico, que possa mostrar-se empiricamente.

Fátima é um milagre da religiosidade popular ou um puro negócio de marketing religioso?

Sim, Fátima é um milagre da religiosidade popular. O grande milagre de Fátima são os seis milhões de pessoas que anualmente visitam o santuário e ali encontraram e encontram paz, serenidade e recolhimento, consolo e alívio para suas aflições e seus sofrimentos, conversão ao Deus de Jesus e àqueles que Ele ama. O dominicano Frei Bento Domingues deu uma definição insuperável de todo esse fenômeno: ‘Fátima é a fonte de todas as lágrimas dos portugueses’.

Infelizmente, Fátima também é um negócio perigoso. Por isso, digo com frequência que Fátima precisa ser evangelizada. Diante do Deus do medo e do terror, anunciar o Deus do Evangelho, o Deus da alegria, da misericórdia, do perdão, o Deus que é Pai e Mãe, o Deus cujo único interesse é a felicidade e a plena realização de todos os homens e mulheres. O Deus que diz: ‘Não quero sacrifícios, mas misericórdia’. O Deus que rejeita a religião das promessas, porque Ele é graça.

Por outro lado, é necessário acabar com a queima de milhões de velas, inclusive por uma razão ecológica. E a Igreja terá que prestar contas, para que não haja dúvidas sobre a transparência em questões de dinheiro.

Por que o Papa vai a Fátima?

Francisco é muito devoto de Maria, sobre a qual disse: ‘Ela é minha mãe’. Por isso, ele vem como peregrino e não em visita oficial de Estado.

Em Fátima, o papa vai canonizar os dois pastorinhos menores: Jacinta e Francisco. No meu livro, também chamo a atenção para os perigos das canonizações e a questão da necessidade de milagres para comprovar a santidade. Na minha opinião, os únicos milagres são os milagres do amor. Pensar que Deus interrompe ou suspende as leis da natureza supõe pensar que Deus está fora do mundo e que, de vez em quando, entra no mundo e ajuda, arbitrariamente, a uns e não a outros. Pois bem, Deus não está fora, mas dentro, como fundamento do milagre da existência de tudo. Precisamente, porque tudo é milagre – o milagre de existir, de ser e de entender-se como ser – não há ‘milagres’, porque implicariam o ateísmo.

Todas as crianças são santas, porque são puras e inocentes. Por isso, espero que esta canonização sirva para se mobilizar pela salvação de todas as crianças do mundo, para acabar com a violência, os abusos, o tráfico de pessoas, o trabalho infantil e a exploração de todas as crianças do mundo. Que se acabe de uma vez por todas com a tragédia da morte por fome de 10 mil crianças por dia no mundo...
Caso se concretizasse este salvamento das crianças, esse, sim, seria o autêntico milagre de Fátima.

Qual acredita ser a mensagem que o Papa vai lançar de Fátima para o mundo? Que mensagem o senhor lhe pediria que lançasse?

Eu estou convencido de que nos proporcionará uma homilia histórica, de dimensão mundial, com um apelo dramático pela paz e pela justiça social, contra o deus-dinheiro, a favor do diálogo entre as nações, as culturas e as religiões. Certamente, pedirá aos católicos para que se tornem cristãos, discípulos vivos e ativos de Jesus no mundo. Uma homilia que será recordada, como a de Paulo VI, quando, em plena Guerra Fria, gritou dramaticamente e com os punhos cerrados em Fátima: ‘Homens, sede homens’.

Também espero que Francisco faça referência ao verdadeiro lugar de Maria no cristianismo – não é, nem pode ser, o centro do cristianismo –, como fez no Vaticano, diante da imagem de Nossa Senhora de Fátima: ‘Em que medida a fé de Maria foi um caminho? No sentido de que toda a sua vida consistiu em seguir o seu filho. Progredir na fé, progredir nesta peregrinação espiritual que é a fé consiste em seguir Jesus e ter seus sentimentos e atitudes. E quais são os sentimentos e as atitudes de Jesus? Humildade, misericórdia, solidariedade, mas também firme repulsa da hipocrisia, do fingimento e da idolatria’.

Maria é grande, porque é a primeira cristã. A primeira que acreditou no seu Filho e no seu Evangelho. Como se lê no Magnificat, o belo hino que São Lucas coloca em sua boca: ‘O Todo-poderoso fez em mim maravilhas. Sua misericórdia se estende de geração em geração. Ele dispersou os soberbos, derrubou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes. Aos famintos encheu de bens e aos ricos despediu de mãos vazias’.