Hoje
trago para o blog Indagações-Zapytania uma excelente análise da situação econômica
do Brasil e dos mecanismos que levaram o país à crise atual. É um texto que, na
minha opinião, todos os cidadãos do Brasil que almejam o verdadeiro bem e um
futuro digno e justo deste país para todos os seus habitantes deveriam ler e
analisar o seu conteúdo. A verdade aparece aqui com toda a sua força e sem
maquiagem.
Aproveito
a ocasião para parabenizar o autor do artigo, o Prof. Ladislau Dowbor por essa excelente análise.
Para
contribuir pelo menos um pouquinho para a divulgação desse artigo, publico-o
também no meu blog.
Não
deixe de ler!
WCejnóg
Dominação financeira, o caminho ao
caos
Por INÊS CASTILHO
27/05/2017
A semanas de lançar
novo livro, Ladislau Dowbor sustenta: foi o controle exercido pelos bancos
sobre orçamento público e o das famílias que provocou crise do lulismo e
espiral do golpe.
Por Ladislau
Dowbor |
Imagem: Pablo Picasso, Massacre na Coreia, 1951
Eis o
artigo.
O modelo brasileiro de
desenvolvimento da última década ia bem obrigado. Um conjunto de programas
econômicos e sociais, como a elevação do salário mínimo, ampliação das
aposentadorias, transferências para as famílias mais pobres, expansão da
educação e dos serviços de saúde, amplos investimentos em infraestruturas e
outros programas ampliaram a demanda para as empresas, o que por sua vez, além de
gerar produtos, gerou mais de 10 milhões de empregos formais, ampliando ainda
mais a demanda – levando ao chamado “círculo virtuoso” de crescimento:
dinamizou-se a economia, ao mesmo tempo que se respondia às necessidades reais
da população, priorizando quem mais precisa. E como uma economia mais dinâmica
gera mais recursos públicos, foi possível equilibrar o financiamento do
conjunto, inclusive as políticas sociais e redistributivas.
Este esquema funciona, e não somente
aqui. Funcionou na Coreia do Sul que realizou um milagre com
forte participação estatal nos investimentos e redução da desigualdade, como
funcionou também nos “30 anos de ouro” do pós-guerra na Europa da
socialdemocracia, e nos EUA do New Deal, até ser travado nos
anos 1980 pela onda ideológica neoliberal. O que deixou as pessoas perplexas,
no nosso caso, é como este modelo de desenvolvimento foi
interrompido, e porque deixou de funcionar. O mais importante que temos de
entender é que o modelo é correto e adequado, a economia deve sim responder às
necessidades da população, e o Estado deve ser um articulador importante. Mas a
apropriação privada da política é que travou o sistema.
Não só travaram o círculo virtuoso,
como geraram uma enorme campanha de convencimento da população de que a culpa
do travamento foi justamente aorientação redistributiva, a demagogia de
um estado querendo ser bonzinho com os pobres, e portanto essencialmente
“populista” e “irresponsável”. O boicote organizado contra toda iniciativa
do Estado, o ataque contra as políticas desenvolvimentistas
em todos os espaços, na mídia, no Judiciário e
em particular no Legislativo geraram a crise. Assim conseguiram
desarticular os processos democráticos, travar a economia, e ao mesmo tempo
atribuir a culpa aos que tinham promovido a política redistributiva.
Mas em nome da nação, naturalmente, em nome da luta contra a corrupção — pois
desde sempre a bandidagem política se exerce em nome de elevados ideais éticos.
Do final do milênio herdamos a Constituição
de 1988, com uma visão adequada de mais democracia e redução da
desigualdade, e em particular o artigo 192º, que passava a reger o sistema
financeiro nacional. Mas em 1997 foi aprovado o financiamento
corporativo das campanhas eleitorais,
e passamos a ter um congresso com bancadas dos grandes bancos, do agronegócio,
da grande mídia, das montadoras — fica-se à procura da bancada do cidadão. É
este congresso, eleito por um sistema que já foi declarado inconstitucional
pelo STF, que serviu de instrumento para o travamento geral do
desenvolvimento inclusivo que estava em curso, e a desestruturação geral dos
ganhos democráticos do país nas últimas décadas. Mas a base de interesses
econômicos que deu força ao movimento de retrocesso gerado no país foi o
sistema financeiro.
A economia real funciona com quatro
motores: as exportações, que permitem dinamizar um conjunto de
atividades; a demanda das famílias – de longe o principal
motor, inclusive porque responde às necessidades imediatas de consumo; o investimento
das empresas, que depende diretamente do consumo das famílias e também do
investimento público; e o próprio investimento público, tanto em
infraestruturas como em políticas sociais de consumo coletivo como Saúde,
Educação, Segurança e semelhantes. Da saúde destes quatro motores depende a
dinâmica econômica do país.
O mercado externo
No Brasil as
exportações não constituem nem de longe o principal motor. Os cerca de 185
bilhões de dólares de exportações, representando como ordem de grandeza 600
bilhões de reais, constituem cerca de 10% do PIB. É significativo,
em particular porque permite importar bens e serviços importantes para a
economia, mas nada de decisivo. Não somos de modo algum uma economia como
alguns países asiáticos, onde o motor do comércio externo é essencial. Com uma
população de 205 milhões habitantes, e um PIB de 6 trilhões de reais, somos
antes de tudo uma economia vinculada ao mercado interno. Se as dinâmicas
internas não funcionam, o setor externo pouco poderá resolver. E na fase atual
de marasmo mundial o setor externo não é alternativa.
O essencial para o nosso raciocínio,
aqui, é que as soluções no curto e no médio prazo, para a economia
brasileira, concentram-se no mercado interno, no consumo das famílias, nas
atividades empresariais e nos investimentos públicos em infraestruturas e
políticas sociais.
A demanda
interna
Incomparavelmente mais importante é
a demanda das famílias, que constitui o principal motor da
economia. Trata-se também de uma dinâmica que estimula atividades fins, o arroz
e o feijão na nossa mesa. Quando a demanda interna murcha, as empresas não têm
interesse em produzir. E quando a demanda está forte, haverá quem invista para
responder e lucrar, dinamizando a economia.
A partir de 2014, no entanto, o
processo entrou em crise. A realidade é que os bancos e outros intermediários
financeiros demoraram pouco para aprender a drenar o aumento da capacidade de
compra do andar de baixo da economia, esterilizando em grande parte o processo
redistributivo e a dinâmica de crescimento. O assalto representado pelos juros
para pessoa física é impressionante: na Europa o
crédito é da ordem de 3,5% ao ano, no Brasil a média é 103%!
Artigos do lar, nos crediários, média de 105%, na Europa 13%!
O resultado é que a população se
endividou muito para comprar pouco no volume final. A prestação que cabe no
bolso pesa no bolso durante muito tempo. O efeito demanda é travado. A dívida
das famílias passou de 19,3% da renda familiar em 2005 para 46,5% em 2015:
ninguém entra em novas compras com este nível de endividamento, quando quase a
metade da renda está presa no serviço da dívida. O principal motor da economia,
a demanda das famílias, é travado.
O
investimento empresarial
O travamento da demanda das
famílias, da grande massa de consumo da população, tem efeito imediato nas
inciativas das empresas, que vêm os seus estoques de produtos não vendidos se
acumular. É natural que reduzam o ritmo de produção, o que por sua vez afeta o
emprego. Quanto ao financiamento bancário para pessoas jurídicas, os juros são
igualmente proibitivos, da ordem de 24% para capital de giro, 35% para desconto
de duplicatas, e tocar uma empresa nestas condições não é viável. Na zona euro
o custo médio do crédito para pessoa jurídica é de 2,2% ao ano, diretamente
acessível em qualquer banco. Ninguém consegue desenvolver atividades produtivas
com taxas de juros como as que praticamos, e as empresas acabam buscando o
autofinanciamento, perdendo-se o imenso motor de dinamização da economia que é
o crédito barato ao produtor.
Além da baixa demanda e do crédito
caro, no caso brasileiro, um terceiro fator desestimula o produtor: ele tem a
alternativa de aplicar no Tesouro Direto, que rende 6% acima da inflação,
liquidez total, risco zero, uma alternativa que permite ao empresário ver o seu
dinheiro render sem precisar enfrentar os esforços e riscos das atividades
produtivas. Entramos no reino do capital improdutivo.
Os
investimentos públicos
Vejamos o quarto item da engrenagem,
a taxa
Selic que incide sobre a dívida
pública. O mecanismo é simples. Eu que sou
poupador, de um bolso coloco a minha poupança no banco que me remunera de
maneira simbólica. O banco aplica este dinheiro em títulos do governo, que o
remunera a partir dos impostos. Assim, via governo, sou eu que pago aos bancos
11% para terem o prazer de ter o meu dinheiro (6% descontada a inflação). É
importante lembrar que os títulos da dívida pública pagam na faixa de 0,5% ao
ano na maioria dos países do mundo.
O gasto com a dívida pública atingiu
8,5% do PIB em 2015. São cerca de 500 bi dos nossos impostos transferidos
essencialmente para os grupos financeiros. Com isso se esteriliza parte muito
significativa da capacidade do governo financiar infraestruturas e políticas
sociais, como Saúde, Educação e Segurança. O sistema é absolutamente
insustentável para a economia.
Quando o governo Dilma tentou
baixar os juros, que chegaram a
7,5% para uma inflação de 5%, em 2014, a revolta dos rentistas que ganham com juros altos foi geral,
passaram a questionar inclusive a eleição. Iniciou-se uma articulação perversa
entre crise financeira e crise política, uma sustentando a outra, paralisando o
país. Com o golpe, o Brasil volta para uma economia “de base
estreita”, prioridade para os ricos, e trava-se o objetivo histórico essencial
de harmonizar o país pela elevação social das massas populares.
E para a população, vende-se a ideia
de que são as políticas sociais que geraram o déficit público e o travamento da
economia. Quando se compara as poucas dezenas de bilhões que representa o Bolsa
Família, investimento nas pessoas, e os 500 bilhões transferidos para
rentistas, que ganham sem produzir, o argumento se torna ridículo. Os interesses
financeiros serviram de escada para a captura política e o retrocesso
democrático.
Fonte: Outraspalavras.net
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