"Por acaso não fará Deus
justiça aos seus escolhidos, que estão clamando por ele dia e noite? Porventura
tardará em socorrê-los? Digo-vos que em
breve lhes fará justiça. Mas, quando vier o Filho do Homem, acaso achará fé
sobre a terra?”." (Lc 18, 7-8)
Hoje trago novamente para o blog Indagações-Zapytania uma
excelente reflexão do padre e teólogo
espanhol José Antônio Pagola. Tem como pano de fundo o texto bíblico Lc 18, 1-20 (parábola do juiz iníquo e a
viúva).
Esta reflexão já foi publicada
neste espaço alguns anos atrás, mas continua muito útil e pode servir de ajuda
para quem procura entender melhor as mensagens bíblicas.
Foi
publicada no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).
WCejnog
IHU – ADITAL
18 Outubro 2019
Continuamos a acreditar na justiça?
A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho
segundo Lc 18,1-20, que corresponde ao 29° Domingo do Tempo Comum,
ciclo C do Ano Litúrgico. O teólogo espanhol José Antonio Pagola comenta o
texto.
Eis o texto
Lucas narra uma
breve parábola indicando-nos que Jesus a contou para explicar aos seus
discípulos “como tinham de orar sempre sem desanimar”. Este tema é muito
querido para o evangelista que, em várias ocasiões, repete a mesma ideia. Como
é natural, a parábola foi lida, quase sempre, como um convite para cuidar da
perseverança da nossa oração a Deus.
No entanto, se observamos o conteúdo do relato e a
conclusão do próprio Jesus, vemos que a chave da parábola é a sede de
justiça. Até quatro vezes se repete a expressão “fazer justiça”. Mais do
que um modelo de oração, a viúva do relato é exemplo admirável de luta pela
justiça no meio de uma sociedade corrupta que abusa dos mais fracos.
O primeiro personagem da parábola é um juiz
que “nem teme a Deus nem se importa com os homens”. É a encarnação exata da corrupção
que denunciam repetidamente os profetas: os poderosos não temem a justiça de
Deus e não respeitam a dignidade nem os direitos dos pobres. Eles não são casos
isolados. Os profetas denunciam a corrupção do sistema judicial em Israel e a
estrutura machista daquela sociedade patriarcal.
O segundo personagem é uma viúva indefesa no
meio de uma sociedade injusta. Por um lado, vive sofrendo os abusos de um
“adversário” mais poderoso que ela. Por outro lado, é vítima de um juiz
que não se importa em absoluto com a sua pessoa nem o seu sofrimento. Assim
vivem milhões de mulheres de todos os tempos na maioria das terras.
Na conclusão da parábola, Jesus não fala de oração.
Primeiro de tudo, pede confiança na justiça de Deus: “Deus não fará
justiça aos seus eleitos que Lhe clamam dia e noite?”. Esses eleitos não são os
"membros da Igreja", mas os pobres de todos os povos que clamam
pedindo justiça. Deles é o reino de Deus.
Então, Jesus faz uma pergunta que é um desafio para
os seus discípulos: “Quando vier o Filho do Homem, encontrará esta fé na
terra?”. Não está a pensar na fé como adesão doutrinal, mas na fé que alenta
a atuação da viúva, modelo de indignação, resistência ativa e coragem para
reclamar justiça aos corruptos.
É esta fé e a oração de cristãos satisfeitos das
sociedades de bem-estar? Seguramente, tem razão J. B. Metz quando denuncia que
na espiritualidade cristã há demasiados cânticos e poucos gritos de
indignação, demasiada complacência e pouca nostalgia de um mundo mais
humano, demasiado conforto e pouca fome de justiça.
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