O artigo de Leonardo Boff A doença chamada homem oferece uma boa reflexão sobre o ser
humano, suas atitudes e comportamentos e sua complexa realidade. Neste caso, sobretudo
sobre a sua capacidade de escolher e praticar os crimes que causam a morte e
sofrimento.
Para quem fica espantado hoje em dia diante de
tanta violência, tantos crimes e mortes provocados pelo homem (no Brasil e no
mundo afora), e tenta entender essa realidade, o texto mencionado acima pode
ajudar muito.
Foi escrito em 2011 por ocasião daquele crime cometido no Rio de Janeiro dentro de uma escola, qundo foram mortos12 estudantes e
feridos tantos outros. A reflexão é muito objetiva e continua bem atual... - Basta mencionar as
recentes chacinas em alguns presídios brasileiros.
Por considerar este texto muito oportuno e
útil para uma objetiva reflexão que a sociedade brasileira precisa fazer,
trago-o também para o blog Indagações-Zapytania.
O artigo foi publicado pelo autor no seu blog leonardoBOFF.com, no mês de abril de
2011.
Vale a pena ler e refletir.
WCejnóg
A doença chamada Homem
15/04/2011
Por Leonardo Boff
Esta
frase é de F. Nietzsche e quer dizer: o ser humano é um ser paradoxal, são e
doente:nele vivem o santo e o assassino. Bioantropólogos, cosmólogos e outros
afirmam:o ser humano é, ao mesmo tempo, sapiente e demente,
anjo e demônio, dia-bólico e sim-bólico. Freud dirá que nele vigoram dois
instintos básicos: um de vida que ama e enriquece a vida e outro de morte que
busca a destruição e deseja matar. Importa enfatizar:nele coexistem
simultaneamente as duas forças. Por isso, nossa existência não é simples mas
complexa e dramática. Ora predomina a vontade de viver e então tudo irradia e
cresce. Noutro momento, ganha a partida a vontade de matar e então irrompem
crimes como aquele que ocorreu recentemente no Rio.
Podemos
superar esta dilaceração no humano? Foi a pergunta que A. Einstein colocou numa
carta de 30 de julho de 1932 a S. Freud: ”Existe a possibilidade de dirigir a
evolução psíquica a ponto de tornar os seres humanos mais capazes de resistir à
psicose do ódio e da destruição”? Freud respondeu realisticamente: ”Não existe
a esperança de suprimir de modo direto a agressividade humana. O que podemos é
percorrer vias indiretas, reforçando o princípio de vida (Eros) contra o
princípio de morte (Thanatos). E termina com uma frase resignada: ”esfaimados
pensamos no moinho que tão lentamente mói que poderemos morrer de fome antes de
receber a farinha”. Será este o destino da espernaça?
Por
que escrevo isso tudo? É em razão do tresloucado que no dia 5 abril numa escola
de um bairro do Rio de Janeiro matou à bala 12 inocentes estudantes entre 13-15
anos e deixou 12 feridos. Já se fizeram um sem número de análises, foram
sugeridas inúmeras medidas como a da restrição à venda de armas, de montar
esquemas de segurança policial em cada escola e outras. Tudo isso tem seu
sentido. Mas não se vai ao fundo da questão. A dimensão assassina, sejamos
concretos e humildes, habita em cada um de nós. Temos instintos de agredir e de
matar. É da condição humana, pouco importam as interpretações que lhe dermos. A
sublimação e a negação desta anti-realidade não nos ajuda. Importa assumi-la e
buscar formas de mantê-la sob controle e impedir que inunde a consciência,
recalque o instinto de vida e assuma as rédeas da situação. Freud bem sugeria:
tudo o que faz surgir laços emotivos entre os seres humanos, tudo o que
civiliza, toda a educação, toda arte e toda competição pelo melhor, trabalha
contra a agressão e a morte.
O
crime perpretado na escola é horripilante. Nós cristãos conhecemos a matança
dos inocentes ordenada por Herodes. De medo que Jesus, recém-nascido, mais
tarde iria lhe arrebatar o poder, mandou matar todas as crianças nas redondezas
de Belém. E os textos sagrados trazem expressões das mais comovedoras: ”Em Ramá
se ouviu uma voz, muito choro e gemido: é Raquel que chora os filhos e não quer
ser consolada porque os perdeu”(Mt 2,18). Algo parecido ocorreu com os
familiares.
Esse
fato criminoso não está isolado de nossa sociedade. Esta não tem violência.
Pior. Está montada sobre estruturas permanentes de violênca. Aqui mais valem os
privilégios que os direitos. Marcio Pochmann em seu Atlas Social do
Brasil nos traz dados estarrecedores: 1% da população (cerca de 5 mil
famílias) controlam 48% do PIB e 1% dos grandes proprietários detém 46% de
todas as terras. Pode-se construir uma sociedade sem violência com estas relações
injustas? Estes são aqueles que abominam falar de reforma agrária e de
modificações no Código Florestal. Mais valem seus privilégios que os direitos
da vida.
O
fato é que em pessoas pertubadas psicologicamente, a dimensão de morte, por mil
razões subjacentes, pode aflorar e dominar a personalidade. Não perde a razão.
Usa-a a serviço de uma emoção distorcida. O fato mais trágico, estudado
minuciosamente por Erich Fromm (Anatomia da destrutividade humana, 1975)
foi o de Adolf Hittler. Desde jovem foi tomado pelo instinto de morte. No final
da guerra, ao constatar a derrota, pede ao povo que destrua tudo, envene as
águas, queime os solos, liquide os animais, derrube os monumentos, se mate como
raça e destrua o mundo. Efetivamente ele se matou e todo os seus seguidores
próximos. Era o império do princípio de morte.
Cabe
a Deus julgar a subjetividade do assassino da escola de estudantes. A nós cabe
condenar o que é objetivo, o crime de gravíssima perversidade e saber
localizá-lo no âmbito da condição humana. E usar todas as estratégias positivas
para enfrentar o Trabalho do Negativo e compeender os mecanismos que nos podem
subjugar. Não conheço outra estratégia melhor do que buscar uma sociedade
justa, na qual o direito, o respeito, a cooperação e a educacção e saúde para
todos sejam garantidos. E o método nos foi apontado por Francisco de Assis em
sua famosa oração: levar amor onde reinar o ódio, o perdão onde houver ofensa,
a esperança onde grassar o desespero e a luz onde dominar as trevas. A vida
cura a vida e o amor supera em nós o ódio que mata.
Fonte: leonardoBOFF.com
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