Com tristeza recebi a notícia sobre a morte do pe. João Batista Libânio. As
lembranças de algumas palestras suas que eu tive a oportunidade de assistir
ficarão guardadas na minha memória com o sentimento de admiração e gratidão (a
última foi durante o EBRUC I, em Betim, MG). Lembranças como essas certamente
ficarão na memória de muitas pessoas que chegaram a conhecê-lo, participar dos
encontros ou ler seus escritos.
Para
deixar aqui no blog Indagações-Zapytania uma homenagem a esse grande homem de
Deus, trago a entrevista com o prof. Faustino Teixeira em que ele fala do pe. J.
B. Libânio. Foi publicada recentemente no site do Instituto Humanitas Unisinos
(IHU). Muito interessante!
Não deixe de ler.
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IHU - NOTÍCIAS
Sexta, 31 de janeiro de 2014
J. B. Libânio - Um
testemunho de abertura, respeito e liberdade. Entrevista especial com Faustino
Teixeira
João Batista Libanio
Para o professor Faustino
Teixeira, não é difícil falar sobre João
Batista Libânio e
os valores que a ele estão associados. “É uma figura iluminada, um mestre em
seu sentido mais nobre. Um dos traços mais bonitos de sua vida é a alegria, o
otimismo e o profundo respeito aos caminhos da liberdade. O seu entusiasmo é
contagiante. Por onde passa deixa um rastro e um aroma diferencial. Suas
palavras abrem caminhos e suscitam possibilidades”.
Na entrevista
que concedeu à IHU
On-Line por
e-mail, Faustino descreve
Libânio como um dos teólogos que “viveram e assumiram a primavera conciliar.
Foi nesse lindo clima que se gestou sua reflexão. Trata-se de uma reflexão
diferenciada, pontuada pela abertura e ousadia, mas também pela simplicidade e
busca. Não é uma teologia morna ou puramente intelectual, mas vibrante e
entusiasmada, pois gestada no humus da compaixão e da generosidade”. E, ao se
referir ao mestre e amigo, completa: “seu respeito à liberdade é irradiador.
Sua capacidade de escuta, de abertura e de aceitação da singularidade e
irredutibilidade dos passos de cada um talvez seja um dos segredos mais lindos
de sua sedução. Em tempos de tanta arrogância e autoritarismo, também no campo
das igrejas, presenças assim, tranquilas e abertas, são testemunhos
imprescindíveis”.
A presente entrevista foi publicada pela revista IHU On-Line,
no. 384, celebrando os 80 anos de sua vida.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual o seu testemunho sobre João
Batista Libânio, que celebra 80 anos de vida?
Faustino Teixeira – Falar sobre o mestre Libânio é sempre motivo de grande
alegria para mim. São décadas pontuadas por uma grande e linda amizade. Ele
está na raiz de minha vocação teológica. Com ele veio o impulso decisivo para o
aprofundamento no mundo da teologia. Vinha da Ciência da Religião, motivado a
continuar meus estudos no campo da sociologia da religião. Ocorreu então o
toque de delicadeza de Libânio,
incentivando-me a trilhar rumos alternativos, com a possibilidade de continuidade
dos estudos na PUC-Rio. E aí nasceu toda uma trajetória de vida.
Não é difícil falar sobre o Libânio e os valores que a ele estão
associados. É uma figura iluminada, um mestre em seu sentido mais nobre. Um dos
traços mais bonitos de sua vida é a alegria, o otimismo e o profundo respeito
aos caminhos da liberdade. O seu entusiasmo é contagiante. Por onde passa deixa
um rastro e um aroma diferencial. Suas palavras abrem caminhos e suscitam
possibilidades. Sabe também, como poucos, acolher com carinho, a qualquer
momento, as pessoas com suas angústias e dificuldades. É um traço de sua vida.
Mesmo nos espaços jesuítas, em geral reservados, soube estar sempre aberto e
atento às demandas dos outros. Como é sabido, a porta de seu quarto ou gabinete
sempre esteve aberta para a generosidade desse acolhimento. Como um verdadeiro
mestre, soube sempre ajudar os outros a se encaminhar, e de uma forma didática
singular, nos caminhos do aprendizado teológico.
Sim, um
pedagogo muito especial. Seria difícil nomear todos os profissionais,
ministros, leigos e bispos que passaram por esse aprendizado. E todos guardam,
sem dúvida, uma linda recordação dessa convivência e legado. Sua presença viva
e dedicada não se deu apenas no campo da academia, mas também no âmbito da pastoral
da juventude e do compromisso pastoral.
IHU On-Line – Como a teologia vibra no modo de
ser de Libânio?
Faustino Teixeira – A teologia que pulsa no
coração de Libânio é uma teologia sedenta de realidade. É dos teólogos que
viveram e assumiram a primavera conciliar. Foi nesse lindo clima que se gestou
sua reflexão. Trata-se de uma reflexão diferenciada, pontuada pela abertura e
ousadia, mas também pela simplicidade e busca. Não é uma teologia morna ou
puramente intelectual, mas vibrante e entusiasmada, pois gestada no humus da
compaixão e da generosidade. Já no período de sua atuação em Roma,
enquanto repetidor de estudos no Colégio
Pio Brasileiro, irradiava essa alegria e abertura. Em seu
retorno ao Brasil, veio o reforço da Teologia da Libertação, e o incentivo mais
fundo para uma reflexão enraizada na vida e no compromisso com os pobres. Os
alunos tinham contato comLibânio no início de seu processo de
formação teológica, o que é muito importante. Seus cursos tinham esse traço
propedêudico. Como não recordar suas aulas de introdução à teologia e de
teologia fundamental, que abriam o ciclo da formação teológica. Dali vinham as
inspirações geradoras de todo um caminho de formação, e também um entusiasmo
único para essa nobre tarefa. Para Libânio,
a arte de formar-se envolve um duplo movimento, de ampliação das qualidades
humanas e religiosas e de compromisso com a transformação do mundo.
IHU On-Line – Que pensadores ou fontes matriciais
fundamentam o pensamento de Libânio?
Faustino Teixeira – Sublinho isso num artigo
que escrevi num livro de homenagem aos 80 anos de Libânio,
organizado por Afonso
Murad e Vera
Bombonatto (Teologia para viver com sentido.
São Paulo: Paulinas, 2012).
Ele teve grandes mestres em sua trajetória, e
cada um deles pontuou um aspecto importante de sua perspectiva teológica. Ele
sublinha a presença do padre Antônio
Aquino no
incentivo ao exercício metodológico. Com ele aprendeu a importância da
tranquilidade e leveza na arte de escrever.
Com outro mestre, Franz
Lennartz, ocorreu a abertura ao universo da psicologia
profunda, tão fundamental para a arte do acompanhamento pedagógico e pastoral.
Teve também a presença do Pe. Oscar
Mueller, que aprofundou em sua vida o agudo sentido da
liberdade pessoal e o respeito à diversidade dos caminhos. Duas palavras que
marcam a personalidade de Libânio: o valor da liberdade e o respeito pelo
outro.
São
dois traços sempre lembrados por todos que passaram por seu caminho ou que
ainda desfrutam de sua presença amiga.
Não se pode deixar de mencionar, entre seus
importantes mestres, a presença do Pe. Henrique Cláudio de
Lima Vaz. Foi das presenças mais decisivas em sua vida, com
uma força irradiadora indescritível. Não só um mestre da inteligência, mas
também um amigo de todos os momentos.
No âmbito do influxo intelectual, há que
sublinhar a presença de Karl Rahner, que deixou marcas profundas em sua
abertura teológica, sobretudo a dinâmica de integração do humano com o divino.
Deve-se lembrar, por fim, outras personalidades
latino-americanas e brasileiras que o marcaram em sua trajetória, de modo particular
na afirmação de sua reflexão teológica libertadora. Nomes como Gustavo
Gutiérrez, Leonardo Boff, Clodovis
Boff, José Oscar Beozzo , Frei
Betto e
outros, não podem ser esquecidos. Contribuíram para o enraizamento de sua
reflexão teológica no mundo dos empobrecidos.
IHU On-Line – Como o senhor descreve a caminhada
de Libânio como teólogo e a sua importância para o contexto latino-americano?
Faustino Teixeira – Vejo sua contribuição em
dois âmbitos. Em primeiro lugar, no testemunho vivo, alegre, simples e
desapegado de sua presença na igreja e na sociedade. Esse testemunho é o que
fala mais forte em sua vida e o que mais encanta a todos. Trata-se de um
teólogo com o pé no chão e com o coração aberto.
Sua presença fala por si mesma do encantador
mistério do reino de Deus. Outro vetor de sua contribuição está na dinâmica de
sua pedagogia de formador. Tem um dom especial de iniciar as pessoas na arte de
formar-se. Dentre suas inúmeras obras, destacam-se aquelas que tratam dessa
questão: da formação, do discernimento, da iniciação à vida intelectual e da
introdução aos mistérios da teologia. Teve também, e continua tendo, um papel
muito importante na abertura das consciências, tanto no campo da consciência
crítica como igualmente da compreensão mais crítica dos cenários da igreja. São
reconhecidamente clássicos os livros que escreveu sobre a conjuntura da igreja,
sobre a teologia da libertação e o Vaticano II.
IHU On-Line – O que destaca de mais marcante
sobre a “Tropa Maldita” e a relação desse grupo com Libânio?
Faustino Teixeira – Ao retornar ao Brasil,
depois de longos anos de formação na Europa, um dos espaços importantes de
atuação de Libânio foi o campo da pastoral da
juventude. Registrou esse trabalho num importante livro a respeito, publicado
em 1978 (O mundo dos jovens. São Paulo: Loyola, 1978).
Atuou como orientador nos Cursos
da Juventude Cristã (CJC), prosseguindo depois no
acompanhamento de jovens universitários. Isso no começo dos anos 1970. A “Tropa
Maldita” nasceu nesse caldo. Eram jovens universitários,
desencantados com os grupos tradicionais de juventude e que buscavam caminhos
mais críticos de atuação. Irmanados por fortes laços de amizade e carinho por
Libânio, gestados nos encontros de juventude, esses jovens receberam sua pronta
acolhida para dar continuidade ao trabalho de formação. Assim nasceu o novo
grupo, a “Tropa”do Libânio, como indicou um
antigo padre e dirigente do CJC, de onde veio grande parte do grupo.
A “Tropa” se reunia com Libânio em torno de quatro vezes por
ano, quase sempre na cidade de Juiz de
Fora, no antigo seminário maior dos padres redentoristas, no
bairro Floresta.
Aproveitavam-se os feriados maiores para possibilitar a reunião do grupo. E os
temas eram de grande atualidade: conjuntura brasileira, formação da consciência
crítica, aprofundamento filosófico, etc.
Muitos autores passaram pela reflexão do grupo: Teilhard
de Chardin, Jacques
Monod, Ivan
Illich, Paul
Tillich, Carlos
Drummond de Andrade e tantos outros. Vale sublinhar que
os encontros aconteceram num difícil momento da conjuntura política, em pleno
exercício da ditadura militar. Algumas das reuniões foram vividas em clima de
muita apreensão e temor, dado o clima do período.
Os tempos não eram propícios para articulações de
grupos, muito menos de universitários. Mas a coragem do grupo e o estímulo do Libânio foram mais fortes para
enfrentar tais adversidades. E o grupo seguiu com os encontros. Era uma turma
bem diversificada, abrigando jovens de diversos ramos acadêmicos: medicina,
psicologia, teologia, filosofia, sociologia, serviço social. E de distintas
partes do Brasil: Belo
Horizonte, Juiz de
Fora, Rio de
Janeiro, Sete
Lagoas, Volta
Redonda e São
Paulo.
Os encontros tinham momentos reflexivos, que eram
fortes, e momentos celebrativos. As celebrações de Libânio eram indescritíveis,
com um ritmo singular de liberdade e participação. E sempre animadas por muita
música e cantoria. No repertório, a presença constante de Geraldo
Vandré, Chico
Buarque de Hollanda e Milton
Nascimento. Bem distante das celebrações mornas que marcam o
nosso tempo, as celebrações do Libânio eram vivas e entusiasmantes. O clima era
de muita liberdade e todos participavam com alegria e emoção.
O grupo percorreu as décadas de 1970, 1980 e
inícios de 1990. Curioso é que muitos casais formaram-se nesse grupo e também
amizades duradouras. Depois vieram os filhos, que também passaram a participar
com os pais dos encontros, formando em seguida uma verdadeira “tropinha”, com
encontros dedicados aos seus temas. O grupo ainda voltou a se reunir em tempos
mais recentes. Por ocasião dos 80 anos de Libânio, em fevereiro de 2012, houve
um grande encontro festivo da Tropa, no mesmo Seminário da Floresta, para
celebrar essa efeméride. Ali nesse grupo gestou-se uma gama de profissionais em
campos diversificados de atuação, que brilham com destaque no cenário nacional.
E na base dessa formação, a presença amiga e duradoura de Libânio.
IHU On-Line – Quais são os traços marcantes do
mestre Libânio?
Faustino Teixeira – Destacaria a alegria, o
cuidado e a delicadeza, mas, sobretudo, o gesto de respeito aos caminhos
diversificados e o sagrado compromisso de valorizar o campo da liberdade. Todos
nós que vivemos a riqueza dessa presença em nossas vidas somos unânimes em
reconhecer esse traço de Libânio.
Seu respeito à liberdade é irradiador. Sua capacidade de escuta, de abertura e
de aceitação da singularidade e irredutibilidade dos passos de cada um talvez
seja um dos segredos mais lindos de sua sedução. Em tempos de tanta arrogância
e autoritarismo, também no campo das igrejas, presenças assim, tranquilas e
abertas, são testemunhos imprescindíveis.
IHU On-Line – A partir de Libânio, o que
significa ser Igreja num mundo pós-moderno e plural?
Faustino Teixeira – Com base no aprendizado
com Libânio,
entendo que ser Igreja nesse tempo atual exige de nós alguns requisitos
essenciais. Há que ter sempre aceso no coração os valores essenciais da
solidariedade aos outros, do potencial de hospitalidade e abertura, da
delicadeza e cuidado na escuta dos sinais dos tempos, sobretudo nos pequenos e
inusitados sinais do cotidiano. E também uma abertura imarcescível ao mundo
plural. Nada mais triste e desalentador que uma igreja cerrada em si mesma, na
solidão de sua consciência de posse da verdade. Os caminhos vivenciados e
apontados por Jesus, que é o nosso mestre maior, vão por outras veredas, bem
mais arejadas e livres. Como tão bem mostrou José
Antônio Pagola ,
em seu fabuloso livro sobre Jesus,
já na quarta edição brasileira, o que esse galileu e profeta do reino de Deus
trouxe para nós é algo bem singelo: o amor pela vida e o cuidados com os
outros. O que ele nos transmite, quando de fato dele nos aproximamos, é um
apaixonado amor pela vida. É alguém que contagia e irradia saúde, transmitindo
com vigor uma profunda fé na bondade de Deus. Como assinala Pagola, o que o
Deus compassivo, anunciado por Jesus, pede a seus filhos e filhas é “uma vida
inspirada pela compaixão. Nada pode agradar-lhe mais. Construir a vida como
Deus a quer só é possível se se fizer do amor um imperativo absoluto”. Isso
também aprendemos com Libânio.
Fonte: IHU -Notícias
Para ler mais sobre a vida do pe. João Batista Libânio, acesse o link
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