Temas diversos. Observar, pensar, sentir, fazer crítica construtiva e refletir sobre tudo que o mundo e a própria vida nos traz - é o meu propósito. Um pequeno espaço para uma visão subjetiva, talvez impregnada de utopia, mas, certamente, repleta de perguntas, questionamentos, dúvidas e buscas, que norteiam a vida de muitas pessoas nos dias de hoje.

As perguntas sobre a existência e a vida humana, sobre a fé, a Bíblia, a religião, a Igreja (sobretudo a Igreja Católica) e sobre a sociedade em que vivemos – me ajudam a buscar uma compreensão melhor desses assuntos, com a qual eu me identifico. Nessa busca, encontrando as melhores interpretações, análises e colocações – faço questão para compartilhá-las com os visitantes desta página.

Dedico este Blog de modo especial a todos os adolescentes e jovens cuja vida está cheia de indagações.
"Navegar em mar aberto, vivendo em graça ou não, inteiramente no poder de Deus..." (Soren Kierkegaard)

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

“Por uma Igreja sem alfândegas e sem aduaneiros.” – O artigo de Josè Lisboa Moreira de Oliveira. Muito bom!


Como já escrevi anteriormente neste Blog, considero importante poder divulgar as coisas que acho boas e de valor, e compartilhá-las com os outros. É por isso que hoje trago para o blog Indagações-Zapytania mais um artigo que fala da Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (EG) do papa Francisco. O autor publicou este artigo recentemente no seu blog O Chamado. É muito atual e esclarecedor.
Não deixe de ler! .
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O Chamado
sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Evangelii Gaudium

Por uma Igreja sem alfândegas e sem aduaneiros

José Lisboa Moreira de Oliveira
Filósofo, teólogo, escritor, conferencista e professor universitário

Aproveitei o período de férias do meu trabalho para fazer uma leitura meditativa da Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (EG) do papa Francisco. Confesso com toda sinceridade que há um bom tempo não lia um documento do magistério da Igreja tão arejado e tão animador. Fiquei realmente surpreendido com a coragem e a determinação do papa Francisco em afrontar certos problemas e em falar da atual situação da Igreja Católica. Sem pretender esgotar o assunto, analiso agora alguns aspectos da exortação papal que julgo mais interessantes.

Creio que o fio condutor que permeia todo o documento é a determinação com a qual o papa Francisco fala sobre a urgente necessidade de voltarmos a ter uma Igreja sem “alfândegas”, ou seja, sem “controladores da graça divina”, mas aberta a todas as pessoas que em sua vida de lutas e fadigas queiram nela encontrar abrigo ao longo do caminho (EG, 47). Lamentavelmente, nas últimas décadas, tivemos que conviver com um modelo de Igreja na qual determinadas pessoas se diziam, e agiam, como se elas fossem as “donas” dela, formando uma espécie de “casta dos perfeitos”, única que podia ter acesso aos benefícios salvíficos. Esses grupinhos, apoiados por certos padres e bispos, se colocavam diante dos demais como os verdadeiros membros da Igreja e ousavam apontar o dedo acusador contra determinadas categorias de pessoas, arrogando-se no direito de impedi-las de participar da vida eclesial e dos sacramentos.

Isso aparecia com muita visibilidade nas pregações moralistas de alguns bispos e padres, em programas ultraconservadores das televisões católicas e na prática de alguns movimentos. Papa Francisco chega com ousadia e nos convida a sairmos do recinto sagrado, das proteções e amparos de uma religiosidade melosa e medrosa, afirmando que prefere “uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças” (EG, 49). 

Neste sentido causou-me alegria e me trouxe muita esperança o gesto com o qual o papa Francisco, corajosamente, nos convida a romper com toda forma de estrutura caduca atualmente existente na Igreja Católica Romana e que termina por condicionar o dinamismo evangelizador (EG, 26-27). Todo católico honesto, consciente e sincero sabe o quanto de “entulho institucional eclesiástico” fomos acumulando, de modo particular durante o segundo milênio. O convite do papa chega em boa hora, pois há muito que purificar para que volte a resplandecer na Igreja Católica Romana a beleza da mensagem do Evangelho. A nossa Igreja, há muito tempo, não consegue entusiasmar as pessoas porque se encontra sufocada pelos entulhos de um velho edifício eclesiástico em ruínas.

E o mais entusiasmante é que o papa nos convida a sermos  ousados ecriativos “nesta tarefa de repensar os objetivos, as estruturas, o estilo e os métodos evangelizadores das respectivas comunidades” (EG, 33). Ele insiste em nos dizer que isso tem que ser feito “sem impedimentos e sem receios”. Creio que o papa está convencido de que não há alternativa para a Igreja a não ser uma profunda ruptura com tudo aquilo que é arcaico e ultrapassado e que não mais expressa a beleza do Evangelho de Jesus. Para ele, uma Igreja que não ousa e que não cria se torna uma “mera fantasia”, uma comunidade meramente “obsessionada pela transmissão desarticulada de uma imensidade de doutrinas que se tentam impor à força de insistir” (EG, 35).

Papa Francisco retoma com determinação alguns princípios do Concílio Vaticano II. Lembra que há uma hierarquia de verdades da doutrina católica, as quais não podem ser apresentadas como se fossem todas iguais e tendo o mesmo peso (EG, 36). Recorda a necessidade do equilíbrio, ou o que ele chama de “proporção adequada”, entre as verdades cristãs e denuncia a atual prática de bispos, de padres, de lideranças e de movimentos católicos cuja pregação e catequese ressaltam mais a lei do que a graça, mas a Igreja do que Jesus Cristo e mais o Papa do que a Palavra de Deus (EG, 38). Conclui dizendo que “a pregação moral cristã não é uma ética estóica, é mais do que uma ascese; não é uma mera filosofia prática nem um catálogo de pecados e erros” (EG, 39).

Há, pois, a necessidade de uma mudança de linguagem, ou seja, da forma como comunicamos a alegria do Evangelho. Francisco deixa bem claro que nem sempre uma linguagem totalmente ortodoxa, como aquela de certas pregações e de certos programas veiculados nas televisões católicas, é a melhor para anunciar o Evangelho. Muitas vezes, diz o papa, com a preocupação de conservar a ortodoxia, nós terminamos por falar de um falso deus ou de um ideal humano que não é verdadeiramente cristão. Queremos ser fiéis a uma formulação, mas não transmitimos a substância do Evangelho. E isso é grave, conclui o papa Francisco (EG, 41).

E para que não fiquem dúvidas, o papa Francisco, citando o apóstolo Paulo, explica em que consiste a substância do Evangelho: “a fé que atua pelo amor” (Gl 5,6). “As obras de amor ao próximo são a manifestação externa mais perfeita da graça interior do Espírito” (EG, 37). E fundamenta esta sua afirmação citando Santo Tomás de Aquino. Embora devamos fazer o anúncio da Boa Notícia com profundidade e na fidelidade à verdade, é indispensável concentrar-se no essencial do Evangelho, “no que é mais belo, mais importante, mais atraente e, ao mesmo tempo, mais necessário” (EG, 35).

De fato, anota o papa, citando inclusive Tomás de Aquino e Santo Agostinho, os preceitos comunicados por Cristo e pelos Apóstolos são pouquíssimos. Por isso a Igreja precisa ter muito cuidado e moderação para não transmitir como sendo de Cristo aquilo que são apenas posicionamentos seus feitos em determinadas épocas e dentro de certos contextos (EG, 43). Dentre os preceitos de Cristo e dos Apóstolos e dos quais não podemos abrir mão está a opção pelos pobres. “Não devem subsistir dúvidas nem explicações que debilitem esta mensagem claríssima [...]. Há que se afirmar sem rodeios que existe um vínculo indissolúvel entre a nossa fé e os pobres” (EG, 48). Francisco nos lembra também que não podemos confundir a opção preferencial pelos pobres com uma “caridade por receita”, ou seja, “uma série de ações destinadas apenas a tranqüilizar a própria consciência” (EG, 180). A opção preferencial pelos pobres inclui necessariamente ações concretas, praticadas pelos cristãos, que visem gerar fraternidade, justiça, paz e dignidade para todas as pessoas. Ações que transformem os sistemas injustos.

Poderíamos nos delongar mostrando a beleza e a audácia desta exortação do papa Francisco. Pretendo fazer isso num texto maior que, espero, seja aceito para publicação por alguma editora católica. Para os objetivos deste artigo basta o que foi dito.

Porém, uma coisa me deixou preocupado. No final de janeiro prestei assessoria a quatro grupos diferentes de Igreja, incluindo um bom número de cristãos leigos e leigas, religiosos, religiosas e padres. Assustou-me o fato de que a quase totalidade das pessoas ainda não tinham tomado conhecimento nem sequer da existência da exortação, mesmo dois meses depois da sua publicação. Tive a sensação de certo boicote por parte de pessoas e instâncias eclesiásticas que parecem esconder dos fiéis este documento. Por esse motivo, nós, que continuamos a acreditar numa Igreja diferente dessa que aí está, precisamos conhecer esta exortação, estudá-la em profundidade e difundi-la ao máximo, inclusive através dos modernos meios de divulgação que a tecnologia da informação nos oferece.

Fonte: Blog O Chamado


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