O
artigo Os preferidos de Deus, de Gustavo Gutiérrez, que hoje trago para o blog Indagações-Zapytania é muito
interessante e pode ser bastante útil para as pessoas que procuram compreender melhor a questão de
Teologia da Libertação. Apesar de essa ser uma publicação já um pouco antiga,
acho que as colocações e abordagem continuam muito atuais.
Não deixe de ler.
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IHU
- Notícias
Quinta, 05 de setembro
de 2013
Os preferidos de Deus. Artigo
de Gustavo Gutiérrez
É necessário
conhecer as razões da pobreza em nível social, econômico e cultural. Isso exige
instrumentos de análise que nos são fornecidos pelas ciências humanas, mas,
como todo pensamento científico, elas trabalham com hipóteses que permitem
compreender a realidade que buscam explicar. Isso equivale a dizer que elas são
chamadas a mudar diante de fenômenos novos.
A opinião é do
teólogo dominicano peruano Gustavo Gutiérrez, um dos "pais fundadores" da Teologia da Libertação, autor de Teologia da Libertação: Perspectivas (Ed.
Loyola). O artigo foi publicado no jornal do Vaticano, L'Osservatore
Romano, 04-09-2013. A tradução é de Moisés
Sbardelotto.
Gustavo
Gutiérrez, o pai da teologia da libertação
Eis o
texto.
Não estamos com
os pobres se não somos contra a pobreza, dizia Paul Ricoeur
há muitos anos. Ou seja, se não rejeitamos a condição que oprime uma parte tão
importante da humanidade. Não se trata de uma rejeição meramente emotiva. É
necessário conhecer as razões da pobreza em nível social, econômico e cultural.
Isso exige instrumentos de análise que nos são fornecidos pelas ciências
humanas, mas, como todo pensamento científico, elas trabalham com hipóteses que
permitem compreender a realidade que buscam explicar. Isso equivale a dizer que
elas são chamadas a mudar diante de fenômenos novos.
É o que acontece
hoje diante da presença dominante do neoliberalismo que vem sobre as costas de
uma economia cada vez mais autônoma da política (e, antes ainda, da ética),
graças ao fenômeno conhecido pelo termo, um pouco bárbaro,
"globalização".
A situação assim
designada, como sabemos, vem do mundo da informação, mas tem poderosas
repercussões sobre o campo econômico e social, e em outros âmbitos da atividade
humana. No entanto, a palavra é enganosa, porque faz acreditar que nos
orientamos rumo a um mundo único, quando, na realidade, e no momento atual,
comporta inevitavelmente uma contrapartida: a exclusão de uma parte da
humanidade do circuito econômico e dos chamados benefícios da civilização
contemporânea.
Uma assimetria
que se torna cada vez mais pronunciada. Milhões de pessoas são, assim,
transformadas em objetos inúteis, ou descartáveis após o uso. Trata-se daqueles
que ficaram fora do âmbito do conhecimento, elemento decisivo da economia dos
nossos dias e o eixo mais importante de acumulação de capital.
Deve-se notar
que essa polarização é consequência da forma em que estamos vivendo hoje a
globalização, que constitui um fato que necessariamente não deve assumir os
contornos atuais de uma crescente desigualdade. E, como sabemos, sem igualdade,
não há justiça. Sabemos disso, mas o problema assume hoje uma urgência cada vez
maior.
O neoliberalismo
econômico postula um mercado sem limites, chamado a se regular sozinho e
submete qualquer solidariedade social nesse campo a uma dura crítica,
acusando-a não só de ser ineficaz com relação à pobreza, mas até de ser uma das
suas causas. Que houve abusos nesse campo é claro e reconhecido, mas aqui
estamos diante de uma recusa de princípio que deixa sem proteção os mais
frágeis da sociedade.
Um dos
corolários desse pensamento, e um dos mais dolorosos e agudos, é o da dívida
externa, que oprime e mantém as mãos amarradas das nações pobres. Dívida que
cresceu de maneira espetacular, dentre outros motivos, por causa das taxas de
juros manipuladas pelos próprios credores. O pedido do seu cancelamento foi um
dos pontos mais concretos e interessantes da decisão de João Paulo II de
celebrar um jubileu, no sentido bíblico do termo, para o ano de 2000.
Essa
desumanização da economia, em vigor há algum tempo, que tende a transformar
tudo em mercadoria, inclusive as pessoas, foi denunciada por uma reflexão
teológica que mostra o caráter idólatra, no sentido bíblico do termo, desse
fato. As circunstâncias atuais não só tornaram mais urgente esse chamado, mas
também forneceram novos elementos de aprofundamento.
Por outro lado,
assistimos hoje a uma curiosa tentativa de justificação teológica do
neoliberalismo econômico que, por exemplo, compara as multinacionais ao Servo
de YHWH, atacado e vilipendiado por todos, enquanto delas viriam a justiça e a
salvação. Sem falar da chamada teologia da prosperidade, que tem vínculos muito
estreitos com a posição recém-lembrada. Isso levou, às vezes, a postular um
certo paralelismo entre cristianismo e doutrina neoliberal.
Sem negar as
suas intuições, é preciso se interrogar sobre o porte de uma operação que nos
lembra aquela que, no extremo oposto, foi feita, há anos, para refutar o
marxismo, considerado também como uma espécie de "religião", que,
além disso, teria seguido, passo a passo, a mensagem cristã (pecado original e
propriedade privada, necessidade de um redentor e proletariado etc.). Mas essa
observação, é claro, não tira nada da necessidade de uma crítica radical das
ideias dominantes hoje no âmbito da economia. Ao contrário.
Uma reflexão
teológica a partir dos pobres, preferidos por Deus, se impõe. Ela deve levar em
consideração a autonomia da disciplina econômica e, ao mesmo tempo, ter em
mente a sua relação com o conjunto da vida dos seres humanos, o que comporta,
acima de tudo, levar em consideração uma exigência ética.
Da mesma forma,
evitando entrar no jogo das posições que acabamos de mencionar, não devemos
perder de vista que a rejeição mais firme às posições neoliberais ocorre a
partir das contradições de uma economia que se esquece cinicamente e, a longo
prazo, de maneira suicida dos seres humanos, particularmente daqueles que não
têm defesas nesse campo, isto é, hoje, a maior parte da humanidade.
Trata-se de uma
questão ética no sentido mais amplo do termo, que impõe que entremos nos
perversos mecanismos que distorcem a partir de dentro a atividade humana
chamada economia. Esforços corajosos de reflexão teológica são feitos nesse
sentido entre nós.
Nessa linha, a
da globalização e da pobreza, também devemos colocar as perspectivas abertas
pelas correntes ecologistas diante da destruição, igualmente suicida, da natureza. Elas nos
tornaram mais sensíveis a todas as dimensões do dom da vida e nos ajudaram a
ampliar o horizonte da solidariedade social que deve compreender um respeitoso
vínculo com a natureza.
O problema não
diz respeito apenas aos países desenvolvidos, cujas indústrias causam tantos
danos ao habitat natural da humanidade. Envolve a todos, também os países mais
pobres.
É impossível
hoje refletir teologicamente sobre o problema da pobreza sem levar em conta
essas realidades.
Fonte: IHU – Notícias
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