O
artigo Natal em tempos de Herodes,
de Leonardo Boff, é uma excelente
abordagem das recentes mudanças ocorridas na vida política e social no Brasil. Acho
muito acertadas todas as observações e colocações do autor. Para contribuir um
pouco na sua divulgação trago este artigo também para o blog
Indagações-Zapytania.
O texto foi
publicado pelo autor no seu blog
(leonardoBOFF.com).
Vale a pena ler, analisar e refltir.
WCejnóg
leonardoBOFF.com
20/12/2016
Natal em tempos
de Herodes
O Natal deste ano será diferente de outros natais.
Geralmente é a festa da confraternização das famílias. Para os cristão é a
celebração da divina Criança que veio para assumir nossa humanidade e faze-la
melhor.
No contexto atual, porém, em seu lugar assomou a
figura do terrível Herodes, o Grande (73 a.C – 4 a.C), ligado à matança de
inocentes. Zeloso por seu poder, ouviu que nascera em seu reino, a Judéia, um
menino-rei. Foi quando ordenou degolar todas os meninos abaixo de dois anos (Mt
2,16). Ouviu-se então uma das palavras mais dolentes de toda Bíblia: ”Em
Ramá se ouviu uma voz, muito choro e gemido: é Raquel que chora os filhos e não
quer ser consolada, porque eles já não existem” (Mt 2,18).
Essa história do assassinato de inocentes continua
de outra forma. As políticas ultracapitalistas impostas pelo atual governo,
tirando direitos, diminuindo salários, cortando benefícios sociais básicos como
saúde, educação, segurança, aposentadorias e congelando por 20 anos as
possibilidades de desenvolvimento têm como consequência uma perversa e lenta
matança de inocentes da grande maioria pobre de nosso país.
Aos legisladores não são desconhecidas as
consequências letais, derivadas da decisão de considar mais importante o
mercado que as pessoas.
Dentro de poucos anos, teremos uma classe de
super-ricos (hoje são 71.440 segundo IPEA, portanto, 0,05% da população), uma
classe media amedrontada pelo risco de perder seu status e milhões de pobres e
párias que da pobreza passaram para miséria. Esta significa fome das crianças
que morrem por sub-nutrição e doenças absolutamente evitáveis, idosos que já
não conseguem seus remédios e o acesso à saúde pública, condenados a morrer
antes do tempo. Essa matança possui responsáveis. Boa parte dos legisladores
atuais da chamada “PEC da morte” não podem se eximir da pecha de serem os
atuais Herodes do povo brasileiro.
As elites do dinheiro e do privilégio conseguiram
voltar. Apoiados por parlamentares corruptos, de costas ao povo e moucos ao
clamor das ruas e por uma coligação de forças que envolve juizes justiceiros, o
Ministério Público, a Polícia Militar e parte do Judiciário e da mídia
corporativa, reacionária e golpista não sem o respaldo da potência imperial
interessada em nossas riquezas, forjaram a demisão da Presidenta Rousseff. O
real motor do golpe é o capital financeiro, os bancos e os rentistas (não
afetados pelas políticas dos ajustes fiscais).
Com razão denuncia o cientista politico Jessé
Souza: “O Brasil é palco de uma disputa entre dois projetos: o sonho de um país
grande e pujante para a maioria; e a realidade de uma elite da
rapina que quer drenar o trabalho de todos e saquear as riquezas do país para o
bolso de meia dúzia. A elite do dinheiro manda pelo simples fato de
poder “comprar” todas as outras elites” (FSP 16/4/2016).
A tristeza é constatar que todo esse processo de
expoliação é consequência da velha política de conciliação dos donos do
dinheiro entre si e com os governos, que vem desde o tempo da Colônia e da
Independência. Lula-Dilma não conseguiram ou não souberam superar a arte
finória desta minoria dominante que, a pretexto da governabilidade, busca a
conciliação entre si e com os governantes, concedendo alguns benefícios ao povo
a preço de manter intocada a natureza de seu processo de acumulação de riqueza
em altíssimos níveis.
O historiador José Honório Rodrigues que estudou a
fundo a conciliação de classe sempre de costas ao povo, afirma com razão: ”a
liderança nacional, em suas sucessivas gerações, foi sempre anti-reformista,
elitista e personalista… A arte de furtar é nobre e antiga praticada por essas
minorias e não pelo povo. O povo não rouba, é roubado… O povo é cordial, a
oligarquia é cruel e sem piedade…; o grande sucesso da história do Brasil é o
seu povo e grande decepção é a sua liderança” (Conciliação e Reforma no
Brasil, 1965, pp. 114;119).
Estamos vivendo a repetição desta maléfica
tradição, da qual jamais nos libertaremos sem o fortalecimento de um
anti-poder, vindo do andar de baixo, capaz de derrubar esta clique perversa e
instaurar um outro tipo de Estado, com outro tipo de política republicana, onde
o bem comum se sobrepõe ao bem particular e corporativo.
O Natal deste ano é um Natal sob o signo de
Herodes. Não obstante, cremos que a divina Criança é o Messias libertador e a
Estrela é generosa para nos mostrar melhores caminhos.
Leonardo Boff escreveu: Natal: o sol da
esperança, Mar de Ideias, Rio 2007.
Fonte: www.leonardoBOFF.com
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