“Apesar
da “sexta-feira santa” do ódio e da exaltação da violência, a ressurreição nos infunde a esperança
de que faremos a passagem (páscoa) desta situação sinistra para o resgate de
nosso país, onde não haverá mais ninguém que ousará favorecer a cultura da
violência nem exaltará a tortura, nem se mostrará insensível ao holocausto de
milhões de pessoas. Aleluia. Feliz Páscoa a todos.” – (Leonardo Boff) -do texto
abaixo
Hoje, na
proximidade da Páscoa deste ano de 2019, trago aqui, para este espaço, um
excelente texto-reflexão A ressurreição de um torturado e crucificado, de Leonardo Boff,
que o autor acaba de publicar no seu
blog. Ao meu ver, o texto é muito oportuno para os dias atuais no Brasil. Vale a pena conferir!
WCejnóg
Blog leonardoBOFF.com
15/04/2019
A ressurreição de um torturado e crucificado: Jesus de Nazaré
A páscoa da ressurreição deste ano se celebra no
contexto de um país onde quase toda a população está sendo sufocada por um
governo de extrema-direita que tem um projeto político-social radicalmente
ultra-neoliberal. Ele se mostra sem piedade e sem coração pois desmonta os
avanços e os direitos de milhões de trabalhadores e de pessoas de outras
categoriais sociais. Coloca à venda bens naturais pertencentes à soberania do
país. Aceita a recolonização do Brasil no intuito indisfarçável de repassar a
nossa riqueza para as mãos de pequenos e poderosos grupos nacionais e
internacionais. Não há qualquer sentido de solidariedade e de empatia para com
os mais pobres e com aqueles que vivem ameaçados de violência e até de morte
pelo fato de serem negros e negras, de habitarem em favelas, indígenas,
quilombolas ou de outra condição sexual.
Andando por este país e um pouco pelo mundo, ouço,
de muitas partes, gemidos de sofrimento e de indignação. Então, parece-me ouvir
as palavras sagradas: ”Eu vi a opressão de meu povo, ouvi os gritos de aflição
diante dos opressores e tomei conhecimento de seus sofrimentos. Desci para
libertá-los e faze-los sair desse país para uma terra boa e espaçosa” (Ex
3,7-8).
Deus deixa sua transcendência (“Deus acima de
todos?”), desce e se coloca no meio dos oprimidos para ajudá-los a fazer a
passagem (pessach=páscoa) da opressão para a libertação.
Vale enfatizar o fato de que há algo de assustador
e de perverso em curso: um chefe de estado exalta torturadores, elogia
ditadores sanguinários e considera um mero acidente o fuzilamento com 80 tiros,
por militares, de um negro, pai de família. E ainda propõe o perdão pelos que
promoveram o holocausto de seis milhões de judeus. Como falar de ressurreição
num contexto de alguém que prega uma perene “sexta-feira santa” de violência?
Ele tem continuamente o nome de Deus e de Jesus em seus lábios e esquece que
somos herdeiros de um prisioneiro político, caluniado, perseguido, torturado e
crucificado: Jesus de Nazaré. O que faz e diz é um escárnio, agravado pelo
apoio de pastores de igrejas neopentecostais, cuja mensagem pouco ou nada tem a
ver com o evangelho de Jesus.
Apesar desta infâmia, queremos celebrar a páscoa da
ressureição que é a festa da vida e da floração como a do semiárido nordestino.
Após algumas chuvas, tudo ressuscita e reverdece.
Os judeus, escravizados no Egito fizeram a
experiência de uma travessia, de um êxodo da servidão para a liberdade em
direção de “uma terra boa e vasta onde corre leite e mel”(símbolos de justiça e
de paz: Ex 3,8). A “Pessach” judaica (Páscoa) celebra a libertação de todo um
povo e não apenas de indivíduos.
A Páscoa cristã se agrega à Pessach judaica,
prolongando-a. Celebra a libertação da inteira humanidade pela entrega de
Jesus, aceitando a injusta condenação à morte de cruz, imposta, não pelo Pai de
bondade, mas como consequência de sua prática libertadora face aos desvalidos
de seu tempo e por apresentar uma outra visão de Deus-Pai, bom e misericordioso
e não mais um Deus castigador com normas e leis severas, fato inaceitável pela
ortodoxia da época. Ele morreu em solidariedade para com todos os humanos,
abrindo-lhes o acesso ao Deus de amor e de misericórdia.
A Páscoa cristã celebra a ressurreição de um
torturado e crucificado. Ele fez a passagem e o êxodo da morte para a vida. Não
voltou para a vida que tinha antes, limitada e mortal como a nossa. Mas nele
irrompeu um outro tipo de vida não mais submetida à morte e que representa a
realização de todas as potencialides presentes nela (e em nós). Aquele ser que
vinha nascendo lentamente dentro do processo da cosmogênese e da antropogênese,
alcançou por sua ressurreição tal plenitude que, enfim, acabou de nascer. Como
disse Pierre Teilhard de Chardin, ele, plenamente realizado, explodiu e
implodiu para dentro de Deus. São Paulo entre perplexo e encantado o chama de
“novissimus Adam” (1 Cor 15,45), o novo Adão, a nova humanidade. Se o Messias
ressuscitou, toda a sua comunidade, que somos todos nós, até cosmos do qual
somos parte, participamos desse evento bem-aventurado. Ele é o “primeiro entre
muitos irmãos e irmãs ( Rom 8, 29). Nós seguiremos a ele.
Apesar da “sexta-feira santa” do ódio e da
exaltação da violência, a ressurreição nos infunde a esperança de que faremos a
passagem (páscoa) desta situação sinistra para o resgate de nosso país, onde
não haverá mais ninguém que ousará favorecer a cultura da violência nem
exaltará a tortura, nem se mostrará insensível ao holocausto de milhões de
pessoas. Aleluia. Feliz Páscoa a todos.
Leonardo Boff, teólogo e filósofo, escreveu Paixão
de Cristo-paixão do mundo”, Vozes 2005.
Fonte: leonardoBOFF.com
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