“Fora da esquerda, não há saída
para a miséria que assola o planeta (1,3 bilhão de pessoas). A lógica do
capitalismo é incompatível com a justiça social. O sistema requer acumulação; a
justiça, partilha. E não há futuro para a esquerda sem ética, utopia, vínculos
com os pobres e coragem de dar a vida pelo sonho.” – Do texto abaixo.
Hoje
trago para este blog um excelente artigo de autoria de Frei Betto: “Fora da esquerda,
não há saída para miséria que assola planeta Terra”. O texto foi publicado recentemente (em Janeiro
de 2020) em Diálogos do Sul no portal Opera Mundi.
Concordo plenamente com todas as colocações e
gostaria de parabenizar o autor por este texto, muito relevante e oportuno para
a reflexão nos tempos de hoje.
Realmente,
vale a pena ler!
Frei Betto: fora da esquerda, não há saída
para miséria que assola planeta Terra
Sem partilhar os bens do globo e os frutos do trabalho, os quase 8
bilhões de passageiros deste mundo estarão condenados à morte precoce
21 Janeiro 2020
Pertenço à geração que teve o privilégio de fazer
20 anos nos anos 60: Revolução Cubana, Chê, Beatles, Rei da Vela, manifestações
estudantis, Alegria, Alegria, Gláuber Rocha, McLuhan, revista Realidade,
Marcuse, Maio de 68, João XXIII, naves espaciais, etc.
Era a geração dos sonhos. "Sonhar é acordar-se
para dentro", lembra Mário Quintana. Estávamos permanentemente despertos.
Nossas quimeras não eram acalentadas por drogas, mas por utopias.
Segundo a teoria psicanalítica, todo sonho é
projeção de um desejo. Nossa geração desejava ardentemente mudar o mundo,
instaurar a justiça social, derrubar a velha ordem.
O sonho quebrou-se ao tocar a realidade. A ditadura
militar (1964-1985) encarou como subversivos nossos protestos e conteve, com
cassetetes e tiros, nossas passeatas. Nossos congressos estudantis terminaram
em prisões e, escorraçados para a clandestinidade, não nos restou alternativa
senão o exílio ou a resistência. Em nossas utopias os carrascos abriram
feridas, e dependuraram nossos ideais no pau-de-arara. O que era canto virou
dor; o que era encanto, cadáver. A roda-viva se encheu de medo e o nosso cálice
de “vinho tinto de sangue”.
Wikimedia Commons
A ditadura civil-militar (1964-1985) encarou como subversivos nossos
protestos e conteve, com cassetetes e tiros, nossas passeatas
Nossos paradigmas ruíram sob os escombros do Muro
de Berlim. Não era o socialismo das massas nem os proletários no poder. Era o
socialismo do Estado, pai e patrão, atolado no paradoxo de agigantar-se em nome
do fim iminente da luta de classes. O economicismo, a falta de uma teoria do
Estado e de uma sociedade civil forte e mobilizada, levaram o rio das fantasias
coletivas a transbordar sobre as pontes férreas dos engenheiros do sistema. O
socialismo real saciava a fome de pão, não o apetite de beleza. Partilhava bens
materiais e privatizava o sonho. Todo sonho estranho à ortodoxia era visto como
diversionista, ameaçador.
Astuto, o capitalismo socializa a beleza para
camuflar a cruel privatização do pão. Aqui, todos são livres para falar; não
para comer. Livres para transitar; não para comprar passagens. Livres para
votar; não para interferir no poder. O Muro de Berlim ruiu e, ainda hoje, a
poeira levantada embaça os nossos olhos.
Solteira de paradigmas, a esquerda é uma donzela
perplexa que, terminada a festa, não consegue encontrar o caminho de casa. Há
muitos pretendentes dispostos a acompanhá-la, mas ela teme ser conduzida ao
leito de quem quer estuprá-la. Ansiosa, envereda-se pelo labirinto do
eleitoralismo e se perde no jogo de espelhos que exacerbam o narcisismo de quem
se maquia no reflexo das urnas. Deixa-se arrastar pela rotatividade eleitoral,
onde ideais e programas são atropelados pela caça a votos e cargos. E, quanto
mais se aproxima das estruturas de poder, mais se distancia dos movimentos
populares.
É bem verdade que, ao assumir a administração
pública, investe em programas sociais, aprimora o acesso à saúde, à educação,
moradia e cesta básica. Contudo, desprovida de andaimes, não faz dessa massa um
novo edifício teórico, alternativo à globo colonização neoliberal que execra a
cidadania e exalta o consumismo, repudia os direitos sociais e idolatra o
mercado.
A maré sobe – Equador, Chile, Argentina - mas, na
praia, pescadores acostumados a selecionar os peixes têm os olhos cegos pelo
reflexo do Sol. A história cessou?
Fora da esquerda, não há saída para a miséria que
assola o planeta (1,3 bilhão de pessoas). A lógica do capitalismo é
incompatível com a justiça social. O sistema requer acumulação; a justiça,
partilha. E não há futuro para a esquerda sem ética, utopia, vínculos com os
pobres e coragem de dar a vida pelo sonho.
Hoje, o socialismo já não é apenas questão
ideológica ou política. É também aritmética: sem partilhar os bens da Terra e
os frutos do trabalho humano, os quase 8 bilhões de passageiros dessa nave
espacial chamada Terra estarão condenados, em sua maioria, à morte precoce, sem
o direito de desfrutar o que a vida requer de mais essencial para ser feliz:
pão, paz e prazer.
Resta, agora, a esquerda acordar para o sonho.
Fonte: Opera Mundi - Dialogos do Sul.
Nenhum comentário:
Postar um comentário