Hoje
trago para este blog um excelente artigo, muito importante e interessante,
publicado em maio do ano passado (2019) por Paulo Cannabrava Filho, no Opera
Mundi.
As
informações e a abordagem da questão do genocídio praticado pelos europeus nas
Américas certamente precisam de maior divulgação e debate na sociedade
contemporânea. O conhecimento da verdadeira história dessa questão pelo homem
de hoje talvez poderia fazê-lo entender a necessidade absoluta da defesa dos
povos originários indígenas que sobreviveram. Ainda hoje esses povos
sofrem agressões e ameaças promovidas pelo poder político e econômico de governantes e elites, tanto no
Brasil como em outros países.
Publico
esta matéria aqui neste espaço para
contribuir um pouco em sua divulgação.
Vale
a pena conferir!
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Maior genocídio da
Humanidade foi feito por europeus nas Américas: 70 milhões morreram
No Brasil, genocídio iniciado em 1500 se estendeu até os anos 1900, quando
começam a surgir políticas com intenção de impedir ou diminuiu a mortandade
31 de mai de 2019
“O Maior Genocídio da História da Humanidade — mais
de 70 milhões de vítimas entre os povos originários das Américas - Resistência
e Sobrevivência”. Tudo isso é o título da capa do livro de Marcelo Grondin e
Moema Viezzer, editado por Princeps, em Toledo, Estado do Paraná, em 2018.
Viezzer e Grondin, na apresentação do livro, citam documento que assegura que a invasão
européia nas Américas, desde 1492, provocou um extermínio entre 90 e 95% da
população total. Assustados com esses dados foram, pesquisar e chegaram à
conclusão de que a conquista e ocupação territorial pelos europeus provocou ao
longo dos séculos, cerca de 70 milhões de mortos. Sem dúvida, o maior genocídio
da história da humanidade.
No México, foram assassinados 20 milhões, nos
Estados Unidos, 18 milhões, nos países andinos foram mais de dez milhões, no
território brasileiros mais de quatro milhões. Todas essas mortes foram por
massacre provocado por tropas militares, enfermidades, fome, trabalho forçado,
castigos corporais em regime de escravidão, deslocamentos para lugares
inóspitos.
Latuff
A invasão européia nas Américas, desde 1492, provocou um extermínio entre 90 e 95% da população originária
A invasão européia nas Américas, desde 1492, provocou um extermínio entre 90 e 95% da população originária
Extermínio nas ilhas caribenhas
A conquista teve início com os espanhóis nas ilhas
do Caribe, a partir da ilha que batizaram como La Hispaniola, hoje República
Dominicana e Haiti, habitada na época por pelo menos um milhão de pessoas. É
Bartolomé de las Casas, padre espanhol que acompanhava a expedição, quem
descreve o que presenciou:
“…saiu com seu séquito preparado para a guerra,
levando com ele Bartolomeu Cólon, seu irmão, e entrou em La Vega (aldeia) onde
havia muita gente reunida, dizem alguns que eram 100 mil homens. Ali avançaram
com suas espadas e lanças seus cães bravíssimos e o impetuoso poder dos
cavalos, cortando os índios como se fossem manadas de aves ou ovelhas
encurraladas, deixando uma grande multidão de gente feita em pedaços para os
cães, patas de cavalo e espadas. Àqueles que ainda se mantinham vivos, que
ainda era uma multidão, condenados a ser escravos” (LAS CASAS, 1951, I, p 414 -
citado por Viezzer e Grondin).
Ali onde havia uma cultura florescente, harmonizada
com a natureza, os espanhóis roubaram as terras, impuseram métodos de governo e
de trabalho, este como melhor meio para explorar as pessoas, como foi o método
da encomienda, divisão, em todo o mundo hispânico, conhecido como a meia, terça
ou cambão no mundo lusitano.
Morria muita gente no duro trabalho nas minas ou
nas plantações. Não estavam acostumados ao trabalho de quebrar pedra para
retirar o minério. Paralelamente, as enfermidades europeias que se
transformavam em epidemias dizimaram povos inteiros.
Em La Hispaniola, em 1492, havia um milhão de
habitantes. Em 1514, só 14 mil. E essa hecatombe se repetiu nas demais ilhas…
Jamaica, Porto Rico, Cuba. Os tainos, habitantes dessas ilhas desapareceram do
mapa.
México maior
que qualquer cidade da Europa
No México, os espanhóis chegam em 1519 e encontram
uma civilização mais avançada do que a dos conquistadores. Nos 30 primeiros
anos da conquista (1519-1548) foram mortos 20 milhões de habitantes. De 25
milhões de pessoas em 1519, foram reduzidos a 1,7 mil em 1605. Hoje o México
ainda tem uma população indígena majoritária que continua na luta por sua
libertação.
Nas guerras de independência dos povos sob o jugo
da coroa espanhola também foram os povos originários os que deram suas vidas
com esperança de que teriam uma situação melhor. Sem chance.
O saqueio
das riquezas minerais é incalculável
A conquista dos povos andinos, que estavam sob o
domínio do império Inca, com organização própria de Estado e de produção, teve
início em 1532. Ouro e prata abundantes enlouqueceram os europeus. Todos
queriam ficar ricos rapidamente e isso a custo da vida dos povos nativos.
“Entre 1503 e 1650 desembarcaram no porto de
Sevilha 185 mil quilos de ouro e 16 milhões de quilos de prata. A prata levada
de Potosi para Espanha em pouco mais de um século excedia três vezes o total
das reservas europeias. E essas cifras não incluem o contrabando”. (GALEANO,
2014, p. 43 - citado por Viezzer e Grondin).
Quando os espanhóis chegaram, em 1500, o
Tawantinsuyo tinha 15 milhões de habitantes, e em 1620, um milhão. Só nas minas
de Potosi, foram oito milhões de mortes. Nos anos 1700, com a criação dos
vice-reinos, os incas, cansados de exploração, se sublevaram, o que provocou
aumento da mortandade.
O papa Paolo III, preocupado com tanto morticínio,
editou uma bula em que considerava os índios como seres humanos e que, por
isso, deviam ser batizados. Isso em nada mudou a relação com os conquistadores.
Ao contrário, colocou igreja e religião como armas da conquista e consolidação
da colônia.
Na América
do Norte, outro genocídio sem fim
Na América do Norte, excluindo o México já citado,
a conquista começou um pouco mais tarde por súditos da corte da Inglaterra que
migraram por razões religiosas depois da Reforma, ou por razões econômica.
Quando desembarcaram, o território era habitado por 18 milhões de pessoas, pelo
menos. Hoje, se tanto, mal chega a 2,5 milhões porque houve uma recuperação. Em
1790, a população branca de pouco menos de quatro milhões era igual a dos
indígenas, exterminados por guerras, fome e doenças de brancos.
À ânsia por terra e riqueza se somava a questão
religiosa e a ideia da supremacia branca dos teutões, raça destinada a dominar
o mundo selvagem. Quem não era branco não era gente. O destino manifesto, como
doutrina de Estado orientou a expansão e ocupação do território do Atlântico ao
Pacífico.
A Lei de Remoção de 1830 autorizava os
conquistadores a sacar os indígenas das terras férteis para entregá-las aos
colonos. Isso se vê nos filmes de cowboys. Os nativos expulsos tinham que ir
para as montanhas inóspitas e, mais tarde, às reduções, verdadeiros campos de
concentração de extermínio cultural.
O terrível desse genocídio se vê nos números. Em
1620, a população nativa era de 18 milhões, foi reduzida a 600 mil em 1800 e
chegou a 250 mil em 1900. Em 2008, o censo demográfico dos Estados Unidos
mostrou uma população de aproximadamente 325 milhões de habitantes. Entre
esses, 75,1% brancos, oriundos de imigrações europeias, enquanto os nativos
representavam 0,13% da população, algo como 2,5 milhões, quando no início do
século 17 eram 18 milhões. Os dados revelam tudo, diz o livro sobre o maior
genocídio.
No Brasil o
genocídio ainda não terminou
No Brasil de 1500, com a chegada dos conquistadores
portugueses, havia uma população nativa de 4 a 5 milhões de habitantes. A coroa
portuguesa distribuía terras sem limites à nobreza e membros da corte, criando
desde os primeiros assentamentos, o latifúndio e a cultura de terra
arrasada.
Os bandeirantes organizavam expedições armadas para
capturar indígenas para o trabalho escravo e no avanço da ocupação os confinam
em reduções e aldeias sob controle do poder colonial.
Esse genocídio sem controle iniciado em 1500 se
estendeu até os anos 1900, quando começam a surgir políticas com intenção de
impedir ou diminuiu a mortandade. A partir da República surgem novas ameaças
com as extensões das ferrovias e rodovias e a expansão predatória da fronteira
agrícola, seguida dos processos de ruralização e urbanização, com adensamento
da população branca resultado da promoção da imigração de europeus. População
branca adversa, que raramente aceitavam conviver com a população indígena e
negra. Em muitos centros urbanos a população de negros escravos ou libertos era
maior do que a dos colonos brancos.
Houve guerra, diz a história, mas na verdade foi
resistência e massacre pela incomparável disparidade de força e do armamento
utilizado pelos invasores das terras.
Em 1910, o governo, por iniciativa do marechal
Cândido da Silva Rondon, descendente de índios, em tarefa de demarcação das
fronteiras, criou o Serviço de Proteção do Índio (SPI) e reservas florestais
protegidas para sobrevivência das aldeias. Em 1967, em plena ditadura militar,
o SPI foi substituído pela Fundação Nacional do Índio (Funai). A trajetória
dessas duas organizações oscilava entre proteger os indígenas e favorecer os
proprietários fundiários na expansão dos latifúndios.
Nos primeiros anos dos 1900, na pequena e
provinciana capital de São Paulo ainda se falava nhenhen catu, a língua geral
tupi-guarani. Nesse início do século 20, os livros de geografia indicavam que a
partir de Bauru, no centro-oeste paulista, eram terras desconhecidas habitadas
pelos indígenas. De fato, eram botocudos, tupi-guarani majoritariamente. Esse
território ia até as barrancas do Rio Paraná e, do outro lado do rio, ao Sul,
tribos da etnia guarani e, ao Norte, xavantes.
Foi Vargas quem abriu as terras de Mato Grosso,
colindante com São Paulo, para colonização por latifundiários paulistas ou seus
descendentes. Eram terras habitadas pelos guarani ao Sul e xavante ao Norte. Os
indígenas foram obrigados a se deslocar para terras virgens e florestas inóspitas
do Centro-Oeste e do Norte.
Nos anos 1950 essa fronteira agrícola se estendeu
pelo Norte e Oeste do Paraná, Oeste de Santa Catarina. Na década seguinte,
continuou a expansão da fronteira agrícola em direção Oeste e começou a
ocupação da Amazônia, projeto da ditadura militar, com abertura de estradas
(transamazônica), assentamentos e matança dos povos originários. Em outra
década mais e a fronteira se estendeu pelo Sul do Pará e do Maranhão, Oeste e
Norte de Goiás, Norte de Mato Grosso.
Tudo isso se faz ao custo da vida dos povo
originários e ribeirinhos, dos quilombolas, posseiros, e também ao custo do
desmatamento, contaminação de rios, perda de mananciais. Há um dramático
documentário feito pela Televisão italiana, Rai, que mostra brancos metralhando
aldeias e jogando roupas contaminadas para envenenar os índios.
Essa é a história da invasão europeia (chamada
civilização ocidental e cristã) que continua perpetuada pelos descendentes dos
primeiros colonizadores e pelos imigrantes que lhes seguiram os passos no
transcorrer desses cinco séculos. Massacre contínuo das populações e destruição
predatória da natureza, praticada também até mesmo pela população não tão
branca por força da mestiçagem. Essa é a história da expansão das fronteiras
agrícolas no século 21, sem que se tenha visto vontade de mudar. Entra governo
sai governo, continua tudo na mesma.
Como ocorre
a expansão da fronteira agrícola
Como regra, o governo libera áreas de terras da
União para uma empresa de colonização. É quem processa a divisão em lotes, que
serão vendidos para agricultores e pecuaristas, prevê caminhos e centros
urbanos para oferta de serviços. Os primeiros que entram na área são as
madeireiras. Derrubam a floresta, vendem as toras para a indústria madeireira e
também para os fazedores de carvão. No Brasil do século 21 ainda há fundições
que utilizam carvão vegetal.
Os assentamentos e o movimento nessas áreas logo
atraem os grileiros para ocupar as terras ao redor. Também é muito comum o tipo
que compra uma fazendo os alqueires rapidamente dobrar ou triplicar o tamanho
ocupando terras públicas ou de posseiros.
Nas décadas de 1940/50, no Norte do Paraná,
derrubaram a Mata Atlântica, mataram os povos nativos e plantaram café. Hoje
essa região está transformada em um mar de soja a perder-se no horizonte.
Hoje a expansão predatória se faz principalmente
fazendo pasto ou semeando grãos (soja, milho, algodão, amendoim, sorgo). O
Brasil tem hoje o maior rebanho bovino do mundo com 220 milhões de cabeças; e
já ultrapassou os Estados Unidos em produção de soja.
A modernização da agricultura extensiva de grão
para exportação em nada melhorou a vida das populações em geral. Ao contrário,
aumentou as desigualdades sociais, ampliou enormemente o abismo entre a pobreza
e a riqueza e obriga os brasileiros a conviverem com as mudanças climáticas por
conta da derrubada das florestas, contaminação dos rios e mananciais e dos
defensivos agrícolas venenosos. E, como se não bastasse, o desprezo absoluto
por qualquer ser vivente.
*Paulo Cannabrava Filho é editor da Diálogos do Sul
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