Temas diversos. Observar, pensar, sentir, fazer crítica construtiva e refletir sobre tudo que o mundo e a própria vida nos traz - é o meu propósito. Um pequeno espaço para uma visão subjetiva, talvez impregnada de utopia, mas, certamente, repleta de perguntas, questionamentos, dúvidas e buscas, que norteiam a vida de muitas pessoas nos dias de hoje.

As perguntas sobre a existência e a vida humana, sobre a fé, a Bíblia, a religião, a Igreja (sobretudo a Igreja Católica) e sobre a sociedade em que vivemos – me ajudam a buscar uma compreensão melhor desses assuntos, com a qual eu me identifico. Nessa busca, encontrando as melhores interpretações, análises e colocações – faço questão para compartilhá-las com os visitantes desta página.

Dedico este Blog de modo especial a todos os adolescentes e jovens cuja vida está cheia de indagações.
"Navegar em mar aberto, vivendo em graça ou não, inteiramente no poder de Deus..." (Soren Kierkegaard)

terça-feira, 18 de janeiro de 2022

“Império do Medo”. – Artigo de Frei Betto. Muito atual!

 


Um excelente artigo!

Vale a pena ler!

 WCejnóg


 

 

 Foto: Raphael Sanz/Cor­reio da Ci­da­dania


Frei Betto

14/12/2021 

 

O império do medo

 

Neste mundo des­pro­vido de utopia, senso his­tó­rico e con­fi­ança na re­pre­sen­ta­ti­vi­dade po­lí­tica, o medo ocupa cada vez mais espaço. As forças con­ser­va­doras in­cutem em muitos tal insegurança que, como cor­deiros a serem tos­qui­ados, aceitam trocar a li­ber­dade pela se­gu­rança. Essa do­ença tem nome: eleute­ro­fobia, medo de ser livre. Deixa-se de me­lhorar a qua­li­dade de vida ou fazer uma vi­agem de lazer para manter in­to­cado o di­nheiro no banco.

 

Temos medo do de­sem­prego, da in­flação, da re­cessão. Medo da pan­demia. Medo do go­verno ne­o­fas­cista. Medo do ódio des­ti­lado nas redes di­gi­tais. Medo da ve­lhice. “O medo é uma pressa que vem de todos os lados, uma pressa sem ca­minho” (Gui­ma­rães Rosa in “Con­versa de bois”, Sa­ga­rana). A toda hora soa o alarme: Cui­dado! A fera está solta!

 

Nem sempre iden­ti­fi­camos a fera com ni­tidez mas, como manada, dis­pa­ramos em atro­pelos para nos afastar o mais possível do seu al­cance.

 

Quem é a fera? É o “outro”, o imi­grante que vem roubar nossos em­pregos. É o es­tran­geiro que ameaça sub­verter o nosso es­tilo de vida. É o mu­çul­mano que, por baixo da tú­nica, car­rega um cin­turão de di­na­mites. É o re­fu­giado que obriga o nosso go­verno a des­viar re­cursos para so­corrê-lo. É o ho­mos­se­xual en­ca­rado como pro­míscuo. É quem pensa di­fe­rente e cujas ideias nos parecem conter ma­te­rial ex­plo­sivo…

 

Assim o medo se dis­se­mina pelo país. Pe­netra em nossas casas. Im­pregna-nos a mente, os olhos, os ou­vidos, o ol­fato e o pa­ladar. Medo do ali­mento que en­gorda, do ta­baco que en­ve­nena, da bebida que em­briaga. Medo de tudo e de todos. Es­que­cemos que a sa­be­doria re­co­menda ter medo do medo.

Cresce a sín­drome do medo. Isso vale para Rio, São Paulo, Nova York, Paris ou qual­quer outra grande ci­dade. Medo de as­salto, o que induz o ci­dadão a tonar-se pri­si­o­neiro de sua pró­pria casa, tran­cada a mil chaves, do­tada de alarme de se­gu­rança, e quebrada, no vi­sual, pelas grades que co­brem as ja­nelas.


O medo viaja a bordo do des­co­nhe­cido. O por­teiro do pr
édio deve exigir iden­ti­fi­cação, o nome é anun­ciado por in­ter­fone, o vi­si­tante con­fe­rido pelo olho má­gico e, por fim, as fe­cha­duras, de ro­liças chaves den­tadas, abertas uma a uma.

 

Do­ença da moda é a ago­ra­fobia - medo de lu­gares pú­blicos. Teme-se que a praça es­conda la­drões atrás das ár­vores, e crianças pe­dintes se trans­formem em pe­ri­gosos as­sal­tantes ao se apro­ximar do carro. Au­menta o nú­mero de pes­soas que pre­ferem não sair à noite, ja­mais usam joias e en­tram em pâ­nico se al­guém se di­rige a elas para per­guntar onde fica tal rua. O homem é, enfim, o lobo do homem. "Quem vive sob o do­mínio do medo nunca será livre", dizia Ho­rácio.

 

De onde vem tanto medo? Da so­ci­e­dade que nos abriga, mar­cada por de­si­gual­dade e pre­con­ceitos. Se não somos iguais em direitos e nas mí­nimas con­di­ções de vida, por que se es­pantar com re­a­ções di­fe­rentes? Como exigir po­lidez de um homem que sente na pele a dis­cri­mi­nação ra­cial e, na po­breza, a so­cial? Como es­perar um sor­riso de uma cri­ança que, no bar­raco em que mora, vê o pai de­sem­pre­gado des­car­regar a be­be­deira na surra que dá na mu­lher? A dis­cri­mi­nação hu­milha, e a hu­mi­lhação gera res­sen­ti­mento, amar­gura e re­volta.

 

O medo de­corre também das au­to­ri­dades civis e re­li­gi­osas que, na falta de ar­gu­mentos, ate­mo­rizam com ame­aças, bra­vatas, ter­ro­rismo psi­co­ló­gico, evo­ca­ções do demônio e do in­ferno.


O con­trário do medo não é a co­ragem, é a fé. Não apenas religiosa, mas cí­vica, po­lí­tica, utó­pica. Acre­ditar que o fu­turo pode ser me­lhor e di­fe­rente. E co­meçar, hoje, a se­mear os bons frutos a serem co­lhidos no fu­turo.

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Frei Betto

As­sessor de mo­vi­mentos so­ciais. Autor de 53 li­vros, edi­tados no Brasil e no ex­te­rior, ga­nhou por duas vezes o prêmio Ja­buti (1982, com "Ba­tismo de Sangue", e 2005, com "Tí­picos Tipos")

 

Fonte: Correio da Cidadania

 

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