Acho muito interessante e útil para o conhecimento
de muitas pessoas a reportagem Chernobyl: Uma reserva natural com uma lixeira
nuclear no centro, de Clara
Barata *, jornalista do diário Público, em Portugual.
A reportagem foi
publicada também no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU). Para ajudar um
pouco na sua divulgação publico-a também no blog Indagações-Zapytania.
Acho que vale a pena ler este
matéria (obviamente, quem ainda não leu, ou quem estiver interessado), para
conhecer um pouco mais sobre as consequencias do acidente de Chernobyl e sobre
a situação atual naquela região.
WCejnóg
IHU- Notícias
Quarta, 27 de abril de 2016
Chernobyl: Uma reserva natural com uma lixeira nuclear no centro
Três décadas após o pior desastre nuclear da
História, a Ucrânia começa a pensar no que fazer com a antiga central, onde
ainda estão 200 toneladas de combustível atômico. As interrogações
multiplicam-se.
O que fazer com Chernobyl, 30
anos depois do pior acidente nuclear da História? Animais e plantas
reconquistaram em força os mais de quatro mil quilômetros quadrados da zona de
exclusão na Ucrânia e na Bielorrússia, onde se concentraram as cinzas
radioativas da explosão de um dos reatores da central, por isso fala-se na
criação de uma reserva natural. Mas também há planos para criar uma lixeira
nuclear ao lado deste paraíso de vida selvagem que durante muitos e muitos
séculos continuará contaminado pela radioatividade. O difícil é fazer uma
escolha que se possa pagar e de que se possa garantir o futuro.
A reportagem é de Clara Barata,
publicada por Público, 26-04-2016.
A reportagem
Marina Shkviria descobriu uma
alcateia de lobos perto de uma das centenas de povoações abandonadas após a
explosão do reator 4 da central de Chernobyl, no Norte da Ucrânia,
a 26 de Abril de 1986, na então União Soviética. Só na Bielorrússia, 70
povoações foram permanentemente enterradas, por terem ficado tão radioativas.
“Viemos aqui na Primavera passada e uivamos. As crias responderam, do cimo
daquele monte”, contou a especialista em lobos da Academia Nacional de Ciências
da Ucrânia à National Geographic.
Estes grandes mamíferos tornaram-se ainda mais
comuns na região do que nas décadas de 1950 e 1960. “É simplesmente incrível.
Não se consegue ir a lado nenhum sem ver lobos”, explicou também à National
Geographic o cientista
norte-americano Jim Beasley, da Universidade da Georgia (EUA). Beasley é
o coordenador de um estudo publicado este mês na revista científica Frontiers
in Ecology and the Environment, em que foram montadas 30 câmaras em 94
locais diferentes na zona de exclusão de Chernobyl para documentar quais
as espécies animais ali presentes.
Hoje, no raio de 30 km em torno da acidentada
central nuclear que forma a zona de exclusão, há alces, bisontes,
ratos-do-campo, águias-de-cauda-branca, andorinhas e outras aves, lebres,
imensos castores, linces, ursos castanhos e até uma manada de cavalos de
Przewalski, uma subespécie de cavalos selvagens, que foi reintroduzida pela
Bielorrússia, quando criou um parque natural — a Reserva Radioecológica Estatal
de Polésia. Em biodiversidade, houve uma recuperação espantosa,
considerando que a região continua radioativa — e continuará durante muitos séculos,
pois foi aqui que se concentrou a maior quantidade da cinza radioativa lançada
para a atmosfera pela explosão do reator 4 de Chernobyl.
Seria aceitável criar uma lixeira nuclear aqui, no
raio dos 10 km mais próximos da central, para depositar os subprodutos do
combustível usado nos 15 reatores que a Ucrânia tem ainda em funcionamento?
A Ucrânia é o país que mais depende do nuclear —
cerca de 60% da electricidade que consome provém das suas envelhecidas
centrais, e não tem intenções de desistir desta forma de energia, apesar de Chernobyl.
Só que, com o conflito com o vizinho russo, deixou de poder transportar os seus
lixos nucleares para a Rússia para serem reprocessados, porque Moscovo quis
aumentar muito os preços que cobrava, e Kiev não aceitou. Agora, as varas de
combustível usado estão a acumular-se nas centrais, a precisar de uma solução,
e a hipótese de usar Chernobyl para isso começou a ser explorada.
Coexistência pacífica
O Público quis saber o que pensam
os cientistas de aumentar a carga nuclear em Chernobyl, quando ali,
no reator acidentado, ainda estão 200 toneladas de combustível que derreteu no
incêndio de 1986 e hoje em dia é ainda tecnologicamente impossível retirar.
Fez-se a pergunta a Jim Smith, investigador da Universidade de
Portsmouth, no Reino Unido, que há 30 anos tem feito estudos de radioecologia
em Chernobyl e
a resposta é surpreendente.
“Se for gerido de forma adequada, uma lixeira
nuclear e uma reserva de vida selvagem podem coexistir ali, porque é uma zona
grande. Isto provavelmente é um conceito estranho, mas acho que é possível”,
afirmou o cientista. “Seria muito triste”, sublinha, que ao criar uma lixeira
nuclear se afetasse a sua atual situação como uma espécie de reserva natural.
“Como não há propriamente pessoas a viver ali,
evitar-se-ia muitos problemas e o custo elevado de comprar terrenos privados e
obrigar pessoas a mudarem-se. É compreensível que ninguém goste de ter lixeiras
nucleares ao pé do local onde vive, ainda que nós, os cientistas, achemos que
os riscos são muito reduzidos”, diz Jim Smith. “Uma vez que a zona
já foi evacuada, os riscos de uma fuga (que eu julgo que são muito pequenos)
são muito reduzidos”.
O ministro do Ambiente do novo Governo ucraniano,
no entanto, disse que pretendia transformar a zona de exclusão de Chernobyl
“numa plataforma única para fazer investigação científica”. Sem
especificar.
Meia-vida
Os elementos químicos radioativos mais perigosos
produzidos pela fissão nuclear que permanecem no ambiente são o césio
137 e o estrôncio 90. No entanto, em 2016 atinge-se a
vida-média destes dois radioisótopos — o que quer dizer que só metade da
quantidade libertada permanece no ambiente. O resto desintegrou-se — mas,
enquanto isso aconteceu, emitiu radiação beta e gama,
que penetra nos tecidos dos seres humanos e animais.
Na maior parte da zona de exclusão, no exterior dos
primeiros dez quilômetros e fora algumas áreas de maior concentração de césio
137, a radioatividade ronda os 500 quilobequeréis por metro quadrado — um
nível seguro para os seres humanos, desde que não comam produtos naturais que
se tornam muito radioativos, como os cogumelos, tinha dito à New
Scientist Jim Smith.
Mas os animais que lá têm vivido são também
radioativos e têm sofrido os efeitos da radioatividade nos seus genes, na
capacidade de deixarem descendência. Ainda não são conclusões definitivas, mas
há vários estudos que mostram os efeitos negativos sobre várias espécies. A
forte incidência de cataratas em ratos-do-campo e em algumas aves, por exemplo,
ou o parcial albinismo de uma espécie de andorinhas, numa geração, que deixou
de acontecer na geração seguinte — talvez porque tiveram menos sucesso
reprodutivo e não voltaram à zona de exclusão, depois de terem migrado para
terras mais quentes, no Inverno.
Os lobos tornaram-se abundantes e, como espécie,
beneficiaram da ausência do homem — os efeitos da presença humana são mais
negativos para os animais de Chernobyl do que a
radioatividade, isso é já algo que os cientistas podem afirmar. Mas se tentar
analisar os efeitos da radioatividade indivíduo a indivíduo, percebe-se que não
há como escapar. “Os cogumelos concentram radiação. Os ratos-do-campo adoram
cogumelos. Quando comem cogumelos contaminados, concentram radiação nos seus
corpos. Quando os lobos comem ratos-do-campo, estão também a concentrar
radiação no seu corpo”, explicou à National Geographic a
especialista em lobos Marina Shkviria. Tornam-se lobos
radioactivos, como lhes chamou um documentário da PBS americana
em 2011.
Turismo atômico
Ninguém sabe como retirar o combustível nuclear que
está dentro do reator 4, um passo essencial para o poder desmantelar. A ideia é
ganhar tempo, à espera de nova tecnologia. Pensar num regresso de populações
a Chernobyl e
à zona de exclusão não é, por isso, um cenário viável — ainda que se tenha
desenvolvido, nos últimos anos, um turismo em torno de curtas excursões às
povoações abandonadas depois do acidente nuclear. Por exemplo a áreas da cidade
de Pripiat, de onde foram retiradas quase 50 mil pessoas 36 horas após o
acidente na central, ainda sem serem informadas da gravidade do que se tinha
passado, embora tenham visto o fumo do fogo no reator das suas varandas.
Pripiat continua a ser um local proibido, mas pode
ser visitado, com um guia local, durante algumas horas, estando o guia equipado
com um dosímetro, para verificar a quantidade de radiação que se recebeu, e
estando todos bem protegidos. Por cerca de 200 euros, é possível fazer uma
vista com mais 40 turistas, vindos na maior parte da capital ucraniana, Kiev,
que fica a uma hora de carro. Também é possível fazer um passeio com menos
gente, com objetivos específicos — ficará é mais caro.
Os guias são alguns dos pouco mais de uma centena
de samoseli, antigos habitantes que regressaram às casas e aldeia que foram
obrigados a deixar. Cerca de 116 mil pessoas foram retiradas por causa da
radiação, e nos anos seguintes mais 230 mil foram desalojados de suas casas,
quando os cientistas descobriram que o cenário era muito pior do se pensava.
Pripriat, construída em 1970, tinha mais de 13 mil
apartamentos, um cinema, um hospital, um centro cultural, várias fábricas,
lojas e cafés, uma estátua de Lenine. Dias antes do desastre nuclear,
tinha sido montada uma roda gigante, para as comemorações do Dia do
Trabalhador, a 1 de Maio, e do Dia da Vitória na II
Guerra Mundial, 9 de Maio. A delapidada animação de feira tornou-se um dos
símbolos da cidade abandonada e da catástrofe nuclear. Os muitos objetos
deixados para trás — disseram aos habitantes para levar só uma mala leve,
estariam afastados por pouco tempo — foram sendo destruídos ou pilhados, apesar
do risco da radiação.
Mas estão lá coisas que não podem ser facilmente
levadas, como as escavadoras usadas para fazer um túnel, através do qual foi
canalizado azoto líquido para congelar o reator em chamas, depois de terem sido
lançados sacos de areia, a partir de helicópteros, para estancar as chamas. As
máquinas ficaram tão radioativas que não puderam sair dali.
Queixas das vítimas
Na luta contra a catástrofe nuclear de Chernobyl participaram
cerca de 600 mil pessoas — os “liquidadores”, como ficaram conhecidos. Mas 30
anos depois, estão a ser cortados os benefícios de que gozavam as vítimas de Chernobyl,
na Ucrânia como na Rússia, por serem demasiado caros. Compensações monetárias,
reformas, ajuda nos cuidados de saúde e medicamentos — tudo isso está a sofrer
cortes, com o argumento de que é muito caro, ou então de que os níveis de radioatividade
estão a reduzir-se.
Das 4413 localidades russas atingidas pelos efeitos
de Chernobyl, 383 verão, a partir de Julho, os apoios estatais
baixar e 558 serão erradicadas da lista, quando entrar em vigor o decreto
presidencial que considera que, como a radioatividade baixou, já não necessitam
de ajuda especial. “Com este decreto, o Estado recusa-se a reconhecer que serão
precisos 2000 anos e não 30 para descontaminar uma zona”, denuncia o
biólogo Anton Korsakov, citado pelaAFP. Cerca de cinco milhões
de pessoas vivem atualmente em zonas contaminadas, diz a organização
ambientalista Greenpeace.
“Ainda que consigamos descontaminar o ambiente,
terão de passar muitas gerações antes que nasçam crianças saudáveis”, sublinhou
Korsakov. Porque a herança atômica nos genes, nos animais, nas plantas,
nos homens, não se resume à primeira geração, às primeiras vítimas do desastre.
Os sobreviventes de Chernobyl têm um quadro múltiplo de
problemas de saúde, e as crianças continuam a ter muitos problemas de saúde:
80% dos que nascem sofrem de várias doenças crônicas, diz a AFP,
citando estatísticas oficiais.
Em 2011, foram suprimidos os controles de
radioatividade sobre grande parte dos alimentos russos e muitos produtos da
zona proibida chegam aos mercados, afirma a Greenpeace. “As pessoas
colhem bagas e cogumelos na floresta contaminada”, disse à AFP Ludmila
Komorgotseva, da organização não-governamental União para uma Segurança
Radioativa.
Até madeira radioativa é usada para fazer móveis,
denuncia o advogado Alexandre Govorovski, que fez queixa contra o
Departamento das Florestas, que acusa de fomentar esta prática ilícita. “As
pessoas comem e bebem produtos irradiados. E por causa do deixa andar das
autoridades, até vivem com a radiação em sua casa”, denuncia, citado pela
agência francesa.
A passagem de três décadas sobre a tragédia
de Chernobyl é ainda uma gota num longo rio de tempo que terá
de passar até se poderem apagar os seus efeitos. Veja-se os esforços para
construir uma nova proteção para o reator acidentado – o sarcófago construído
à pressa na altura do acidente tem-se vindo a rachar, vai entrando água, e
ninguém sabe que reações podem ocorrer no seu interior. De qualquer maneira,
não foi concebido para durar mais do que três décadas.
Mas o novo abrigo, ou Novo Confinamento
Seguro, a estrutura em cúpula pensada para conter o reator 4 de Chernobyl que
está em construção, foi planejada para durar 100 anos – ou, se necessário, “300
anos ou mais”, disse ao New York Times Vince Novak, diretor de
salvaguardas nucleares do Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento, um
dos financiadores do projecto avaliado em 2150 milhões de dólares e que está previsto
terminar no fim de 2017.
Os números que o descrevem são fantásticos, fazem
lembrar a construção de uma ópera na selva: é uma estrutura em arco de metal
com 25 mil toneladas (36 mil quando estiver toda equipada), de 108 metros de
altura, 162 de comprimento. Lá dentro caberiam a base da Torre Eiffel,
ou a Estátua da Liberdade de Nova Iorque. Para durar 100 anos,
o metal não pode enferrujar, e por isso a pintura é importante; mas ninguém
espera que se possa pintar regularmente as vigas que ficam sobre o reator onde
estão 200 toneladas de combustível nuclear. Por isso, vão ser instalados
desumidificadores para tentar evitar que se forme ferrugem.
A obra está pensada para cem anos porque ninguém
sabe como retirar o combustível nuclear que está dentro do reator, um passo
essencial para o poder desmantelar. Por isso, a ideia é ganhar tempo, esperar
que se desenvolva tecnologia para isso. Só que faltam ainda 200 milhões de
euros para completar o projecto — e não é claro como vai a Ucrânia pagar as
despesas de manter em operação a cúpula protetora de Chernobyl,
quando estiver finalmente pronta, diz a AFP.
De uma maneira ou de outra, Chernobyl é
um desastre que demorará a deixar de se fazer ouvir, ao longo de várias
gerações.
Fonte:
IHU - Notícias
__________
* Clara Barata -Jornalista
do diário Publico, em Portugal. (In: Google)
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