Hoje trago para o blog
Indagações-Zapytania um artigo bem atual e muito oportuno do professor Aldo
Fornazieri sobre a situação política e social em que neste momento encontra-se o Brasil.
Como analisar e entender as
recentes mudanças políticas que ocorreram no Brasil? Por que se deu o processo
de impeachment? Quais são as perspectivas para o novo governo que assumiu o
poder após o afastamento de Dilma? O que pensar sobre a crescente onda de
manifestações populares contra o ‘Golpe’ e contra as mudanças de arrocho
sinalizadas pelo presidente Temer e o seu governo? Que chance de algum sucesso
pode ter um governo considerado como ilegítimo por uma grande parte da
sociedade brasileira? – Essas são algumas indagações, para as quais certamente
neste momento buscamos respostas e esclarecimento.
Acho que o artigo Temer:
ou não governa ou cai possa ser muito útil para
quem procura a formar uma opinião própria mais objetiva e justa.
Vale a pena ler !
WCejnóg
REVISTA IH!U – ON-LINE
05 Setembro 2016
Temer: ou não governa ou cai.
“Os
analistas mais sensatos já sabem que Temer não conseguirá fazer as reformas e
que a presença do PSDB e do DEM no governo tem prazo de validade. Sabem também
que o próprio PMDB está trincado e que o centrão se guia por interesses
próprios. Assim, Temer não conseguirá governar no sentido dos compromissos que
ele mesmo se propôs. E na medida em que as propostas de arrocho dos
trabalhadores e das políticas sociais se explicitarem, crescerão as
mobilizações e as manifestações contra o governo usurpador”, afirma Aldo
Fornazieri, professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, em
artigo publicado por Jornal GGN, 05-09-2016.
Eis o artigo.
Com a
consumação do impeachment de Dilma sem crime de responsabilidade e com a
violação da Constituição, o que caracteriza o golpe, o país se encaminha para
uma perigosa e irresponsável aventura política cuja desfecho é imprevisível.
Mesmo que a democracia brasileira seja jovem, padecendo de
enfermidades de nascença e muito imperfeita, não se pode brincar de democracia
violentando a soberania popular e caçando 54 milhões de votos.
Nos Estados
Unidos da América, país onde o instrumento do impeachment foi
criado no sistema presidencialista, após de 230 anos, nenhum presidente foi
afastado em definitivo por esse mecanismo, pois, para levar a democracia a
sério é preciso um ato muito grave do mandatário supremo da nação para que se
justifique tão drástica medida. A exigência da gravidade do ato de afastamento
de um presidente está diretamente ligada ao fato de que seu mandato é
expressão da vontade soberana do povo. Não é por acaso que, em editorial,
o New York Times, a exemplo de outros jornais da grande imprensa
dos EUA e da Europa, afirmou que os deputados e senadores não têm moral para
afastar Dilma.
Nos Estados
Unidos existiram presidentes com baixa popularidade, como aqui no Brasil e em
outros países presidencialistas também. No seu segundo mandato, o presidente Fernando Henrique Cardoso, tinha uma
popularidade semelhante à de Dilma e as condições econômicas e
sociais eram piores do que as de 2015 e 2016. Nem por isso se abriu o processo
de impeachment. O próprio PT, em decisão de Congresso Nacional,
barrou o “Fora FHC”, desobstruindo um estorvo político que poderia
inviabilizar aquele governo.
Fernando
Henrique afirmou, em artigo publicano no domingo, que
o melhor seria que Dilma tivesse chegado ao fim do seu mandato
em 2018. Mas o que o ex-presidente tem a dizer acerca do fato de que, desde o
término das eleições em 2014, o PSDB desestabilizou o governo
Dilma e se aliou a toda sorte de conspiradores, incluindo Cunha e
a extrema direita de Bolsonaro? A crise política foi
fator fundamental de agravamento da crise econômica e de criação das condições
de ingovernabilidade.
Evidentemente, Dilma e o PT
contribuíram para que esse curso dos acontecimentos se agravasse. Mas jogar a
responsabilidade apenas sobre Dilma, escamoteando a conspiração do
PSDB e de Cunha e as traições de Temer e de
outros partidos que faziam parte do governo, é incorrer naquele crime político
assinalado por Max Weber, que consiste em colocar sempre a culpa
nos outros.
O golpe é
inaceitável pela consciência democrática e progressista porque é uma violência
contra a democracia e contra a soberania popular. Acresce-se a isso que o
golpe é inaceitável pelos trabalhadores e pelos movimentos sociais porque o
programa do governo ilegítimo consiste em jogar todo o peso da crise nos ombros
dos assalariados, dos mais pobres e das políticas sociais.
Elites
aventureiras e um governo sem futuro
Olhando
mesmo do ponto de vista dos interesses das elites, o golpe foi
uma aventura. Aventura que se explica pela endógena vocação golpista dessas
elites, que nunca se preocuparam em construir um projeto de país, tomando dos
outros o que está ao alcance de suas mãos e se servindo do Estado para subtrair
riqueza. É aventura porque o capitalismo precisa de segurança jurídica e de
ambiente de regulação do conflito social para prosperar. Mas como as elites
estão menos preocupadas com um capitalismo competitivo e mais em subtrair sem
esforço, o que elas querem é viabilizar um capitalismo aventureiro e predador.
A aventura
consiste em que, se Dilma era impopular, Temer é
tão ou mais impopular do que Dilma. Dilma,
reconhecidamente honesta, foi derrubada com o pretexto de combater a
corrupção. Temer, que tem várias citações na Lava Jato,
integra um partido cujo comando central é um comitê de corruptos. Aqui há um
curto circuito com a opinião pública: não se convocam milhões de pessoas às
ruas para combater a corrupção entregando-lhes como recompensa um governo
constituído por corruptos. É por isso que o governo Temer não terá
o beneplácito da sociedade. Afinal de contas, a própria manipulação da opinião
pública tem seus limites.
Os analistas
mais sensatos já sabem que Temer não conseguirá fazer as
reformas e que a presença do PSDB e do DEM no governo tem prazo de validade.
Sabem também que o próprio PMDB está trincado e que o centrão se guia por
interesses próprios. Assim, Temer não conseguirá governar no
sentido dos compromissos que ele mesmo se propôs. E na medida em que as
propostas de arrocho dos trabalhadores e das políticas sociais se explicitarem,
crescerão as mobilizações e as manifestações contra o governo usurpador.
Um governo
ilegítimo, fraco, impopular tenderá a perder base de apoio no próprio
conglomerado golpista da Câmara e do Senado. Esse governo, para se manter,
buscará implementar a repressão política e policial, como ficou evidente nos
primeiros dias do pós impeachment. A radicalização política, de desfecho
imprevisível, é o cenário da aventura em que os golpistas e
as elites encaminharam o país. Trata-se de um governo sem
futuro: ou se arrastará penosamente até 2018 ou será derrubado pela força da democracia.
Mas os
movimentos democráticos e progressistas e as esquerdas também têm seus dilemas.
Um dos principais consiste em conter os provocadores e controlar as próprias
manifestações, impedido os quebra-quebras que favorecem a repressão.
Convocar manifestações aos
domingos, à luz do dia, sob o sol do final das manhãs, parece ser uma condição
preliminar para impedir que as mesmas descambem para a violência e para o
esvaziamento. Mas é preciso também se opor à violência desmedida das polícias
politicamente orientada pelo ministro da Justiça. A grande imprensa está
assumindo a lógica da radicalização do golpe estimulando a repressão fascista.
A intervenção das Forçar Armadas nas ruas e para arbitram o conflito político é
inaceitável e caso isto ocorra será preciso promover uma campanha internacional
de denúncias.
Se “Fora Temer” e “Diretas Já” é o
mote mobilizador, será preciso politizar este embate com uma plataforma que se
oponha ao programa conservador e antipopular do governo. As duas frentes
– Povo Sem Medo e Brasil Popular – devem
comandar esse movimento. O PT não deve ser excluído, mas ao mesmo tempo não se
deve aceitar que ele pretenda assumir uma condição de hegemonia desse novo
processo que se abre. Uma plataforma de construção democrática do país também
deve ser debatida ao mesmo tempo em que os movimentos sociais e populares se
reorganizam com novos paradigmas e novos princípios. O ideal seria que se
buscasse uma unidade com pluralidade, sob os auspícios de uma frente política
nos moldes da Frente Ampla do Uruguai.
Nenhum
reconhecimento ao governo Temer e oposição sistemática devem
ser orientadores da conduta política da oposição. As elites econômicas e
políticas devem aprender que os golpes e a ilegitimidade custam caro. Devem
aprender que a democracia deve ser respeitada. O jogo da conciliação acabou. A
natureza própria da democracia, desde os antigos, é o dissenso. É o dissenso
dentro das regras do jogo. Mas, desta vez, como em outras, as regras do jogo
foram violadas. A violação da soberania popular e da democracia não pode ser
recompensada pela mansuetude da cidadania, pela paz dos cemitérios, pela
desigualdade ignominiosa e pela injustiça que se pretende perpetuar.