Temas diversos. Observar, pensar, sentir, fazer crítica construtiva e refletir sobre tudo que o mundo e a própria vida nos traz - é o meu propósito. Um pequeno espaço para uma visão subjetiva, talvez impregnada de utopia, mas, certamente, repleta de perguntas, questionamentos, dúvidas e buscas, que norteiam a vida de muitas pessoas nos dias de hoje.

As perguntas sobre a existência e a vida humana, sobre a fé, a Bíblia, a religião, a Igreja (sobretudo a Igreja Católica) e sobre a sociedade em que vivemos – me ajudam a buscar uma compreensão melhor desses assuntos, com a qual eu me identifico. Nessa busca, encontrando as melhores interpretações, análises e colocações – faço questão para compartilhá-las com os visitantes desta página.

Dedico este Blog de modo especial a todos os adolescentes e jovens cuja vida está cheia de indagações.
"Navegar em mar aberto, vivendo em graça ou não, inteiramente no poder de Deus..." (Soren Kierkegaard)

quinta-feira, 14 de junho de 2018

“Cuidado necessário”- Livro do Leonardo Boff. – Excelente! Vale a pena ler!




Hoje quero fazer aqui, no meu blog Indagações-Zapytania, uma singela propaganda do livro “Cuidado necessário. Na vida, na saúde, na educação, na ecologia, na ética e na espiritualidade”, do Leonardo Boff.

É um livro muito bom, de fácil leitura, que poderia (e deveria) ser um livro de cabeceira para cada homem e mulher neste mundo, nos dias de hoje. Diante do quadro cada vez mais complexo e confuso pintado pela nossa própria vida, junto a vários problemas graves e complicados existentes nas sociedades e no mundo de hoje, ficamos cada vez mais desorientados e “perdidos”. Muitas vezes não sabemos mais o que pensar...

O livro “Cuidado necessário” oferece-nos, nesse sentido, uma preciosa ajuda, irradiando a esperança de um possível futuro melhor. Com certeza quem ler, ficará grato ao autor do livro por esta oportunidade, recomendando-o a outras pessoas.

Quero aqui sugerir que as pessoas interessadas adquiram este livro e leiam-no. Pode ser encontrado principalmente nas livrarias “Vozes”, mas também em outras.

Como incentivo para sua leitura, abaixo publico um pequeno trecho. Porém,  reforço mais uma vez a ideia de ler o livro inteiro.  Vale a pena!
WCejnog


_____

6
Cuidar de si mesmo, dos outros, da Terra
Autor: Leonardo Boff

Seguramente um dos grandes desafios existenciais consiste em cuidar de si mesmo. Somos o mais próximo dos próximos e, ao mesmo tempo, o mais complexo e mais indecifrável dos seres.

6.1  O que somos enquanto humanos?

O que somos? Sabemos quem somos?  Qual é o nosso lugar no universo? Para que existimos? Por que temos de morrer? Para onde vamos? Refletindo nestas perguntas inadiáveis vale lembrar a ponderação de Blaise Pascal (†1662). Ninguém melhor do que ele, matemático, filósofo e místico para expressar o ser complexo que somos: “O que é o ser humano na natureza? Um nada diante do infinito e um tudo diante do nada, um elo entre o nada e o todo, mas incapaz de ver o nada de onde veio e o infinito para onde vai” (Pascal, Pensées, §72).

Nele se cruzam os quatro infinitos: o infinitamente pequeno, o infinitamente grande, o infinitamente complexo (Theilard de Chardin) o infinitamente profundo.

Na verdade, não sabemos quem somos. Ou melhor, na esteira do grande romancista brasileiro Guimarães Rosa eu diria: desconfiamos de alguma coisa na medida em que vivemos e pelas emergências – os fatos que nos vão acontecendo diuturnamente – que irrompem em nossa vida, vindas de todos os lados, e, em último termo, daquela Energia do fundo que tudo sustenta e tudo dirige. Em um somos muitos.

Além daquilo que somos vigora em nós aquilo que podemos ser: o inesgotável cabedal de virtualidades escondidas dentro do nosso ser. Nosso potencial representa aquilo que é o mais verdadeiro e real em nós. Daí a nossa dificuldade em construirmos uma representação satisfatória do que somos. Mas isso não nos dispensa elaborar algumas chaves de leitura que de alguma maneira nos orientam na busca daquilo que queremos e podemos ser.

É nesta busca que o cuidado de si mesmo desempenha uma função decisiva. Não se trata, primeiramente, de um olhar narcisista sobre o próprio eu, o que leva, geralmente, a não conhecer a si mesmo, mas identificar-se com uma imagem projetada de si e, por isso, falsa e alienante.

Foi Michel Foucauld com sua minuciosa investigação Hermenêutica do sujeito (2004) que tentou resgatar a tradição  ocidental do cuidado do sujeito, especialmente nos sábios do século II/III como Sêneca, Marco Aurélio, Epíteto e outros. O grande moto era o famoso ghôti seautón: conheça-te a ti mesmo. Esse conhecimento não era entendido de forma abstrata, mas concreta como: reconheça-se naquilo que és, procure aprofundar-te em ti mesmo para descobrires tuas potencialidades; tente realizar aquilo que de fato és.

Neste contexto se abordavam  as várias virtudes, tão bem discutidas por Sócrates, como a prudência, a justa medida (méden ágan), a justiça, a bondade, a coragem e o amor. Faziam-se duras críticas aos vícios, especialmente o mais desprezível pelos gregos e tão central em nossa cultura dominante e imperial: a hybris, que é passar dos limites, orgulhar-se vaidosamente, dar-se por aquilo que não é e, especialmente, pretender acumular poder para estar sobre os outros, colocando-se como um deus. Talvez o maior vício da cultura ocidental, da cultura cristã e especialmente da cultura estado-unidense com o seu imaginado destino manifesto (o sentir-se o novo povo eleito por Deus) é a hybris do sentimento de superioridade e de excepcionalidade, de missão e de conquista dos outros em  nome dos seus valores tidos como os únicos válidos, melhores e sancionados por Deus.

A primeira coisa que importa afirmar é que o ser humano é um sujeito, e não uma coisa. Não é uma substância constituída uma vez por todas (Foucault. Hermenêutica do sujeito, 2004), mas um nó de relações sempre ativo que mediante o jogo das relações está continuamente se construindo. Ou, usando uma outra analogia, comparece como um rizoma (um bulbo de planta da qual saem rebentos em todas as direções).

Todos os seres do universo, consoante à nova cosmologia, são portadores de certa subjetividade porque têm história, vivem em interação e interdependência com todos, aprendem trocando e acumulando informações. Este é um princípio cosmológico universal. Mas o ser humano realiza uma modalidade própria deste princípio, que é o fato de ser um sujeito consciente e reflexivo. Ele “sabe o que sabe” e ”sabe que não sabe” e, para sermos completos, “não sabe o que não sabe”.

Este nó de relações se articula a partir de um centro ao redor do qual organiza os sentimentos, as ideias, os sonhos e as projeções. Por mais que se ponha em questão a realidade do eu como algo socialmente construído e, por isso, não originário, o eu como autoidentificação se sustenta de pé. Ele é um centro, único e irrepetível. Representa, na linguagem do filósofo mais sutil de todos os medievais, o franciscano Duns Scotus (†1203), a ultima solitudo entis, a última solidão do ser. Cunhou uma palavra de difícil tradução: Haecceitas, que traduzida seria: este ser aqui concreto e irrepetível que é o meu eu. Jamais houve, não existe e jamais haverá alguém que seja em tudo igual a mim. O eu é único e não replicável.

Este eu insubstituível e irrenunciável deve ser entendido no contexto do nó de relações dentro do processo global de interdependências, de sorte que a solidão não é o desligamento dos outros. Ela significa a singularidade e a especificidade inconfundível de cada um. Portanto, esta  solidão é para a comunhão, é um estar só em uma identidade para poder estar com o outro e no outro, também com sua identidade, e poder ser um-para-o-outro e com-o-outro. O eu nunca está só, ele reclama um tu. Melhor, segundo Martin Buber, é a partir do tu que o eu desperta e se forma.

6.2  Cuidar de si: acolher-se jovialmente

O cuidado de si implica, em primeiríssimo lugar, acolher-se a si mesmo, assim como fazemos com as aptidões e os limites que sempre nos acompanham. Não com amargura, como quem não consegue evitar ou modificar a sua situação existencial, mas com jovialidade. Acolher o próprio rosto, cabelos, pernas, dedos, seios, sua aparência e  modo de estar no mundo, enfim,  seu corpo (Corbin et al. O corpo, 3
vols. 2008). Quanto mais nos aceitarmos, menos clínicas de cirurgia plástica existirão. Com nossas características físicas devemos elaborar nosso jeito de ser e nosso mise-en-scène no mundo.

Nada mais ridículo do que a construção artificial de uma beleza montada, que não está em consonância com a beleza interior. Perde-se a irradiação e ganha lugar a vaidade vazia de brilho. É a tentativa vã de fazer um photoshop de nossa própria imagem.

Mais importante é acolher os dons, as habilidades, o poder, o quociente de inteligência, a capacidade emocional, o tipo de vontade e determinação com que se vem dotado. E, ao mesmo tempo, sem resignação negativa, os limites do corpo, da inteligência, das habilidades, da classe social e da história familiar e nacional na qual está inserido.

Tais realidades configura, a condição humana concreta e se apresentam como desafios a serem enfrentados com equilíbrio e com a determinação de explorar o mais que pudermos as potencialidades positivas.
O cuidado de si exige saber combinar as aptidões com as motivações. Não basta termos aptidão para a música se não sentimos motivação para desenvolver esta capacidade. Da mesma forma, não nos ajudam as motivações para sermos músicos se não tivermos aptidão para isso, seja no ouvido, seja no domínio de algum instrumento. Não adianta querer pintar como um Van Gogh se consegue apenas ser um pintor de paisagens, de flores e passarinhos que mal chegam a ser expostos na feira de domingo na praça (Lacroix. Se réaliser, p. 17-23). Em tais casos desperdiçamos energias e  colhemos frustrações, pois a mediocridade não engrandece ninguém.
Outro componente do cuidado para consigo mesmo é saber e aprender a conviver com o paradoxo que atravessa nossa existência: temos impulsos para a bondade, a solidariedade, a compaixão e o amor. E simultaneamente pulsam em nós apelos para egoísmo, a exclusão, a antipatia e até o ódio. Somos feitos com estas contradições, dadas com a existência. Antropologicamente se diz que somos ao mesmo tempo sapiens e demens, gente de inteligência e lucidez, e junto a isso gente de rudeza e de violência. Somos o encontro das oposições.

Cuidar de si mesmo impõe saber  renunciar e ir contra certas tendências em nós e  até nos pôr à prova. Leva-nos a elaborar um projeto de vida que confira centralidade a estas dimensões positivas e manter sob controle (sem recalca-las, porque elas persistem e podem voltar sob forma incontrolável) as dimensões sombrias que tornam agônica a nossa existência, quer dizer, sempre em combate contra nós mesmos.

Cuidar de si mesmo é amar-se, acolher-se, reconhecer nossa vulnerabilidade, saber perdoar-se e desenvolver a resiliência, que  é a capacidade de “dar a volta por cima” e aprender dos erros e contradições.

Fonte:

BOFF, Leonardo. O cuidado necessário. Petrópolis: Vozes 2013, 2ª Edição, p. 137-143.
[O livro foi composto e impresso pela Editora Vozes Ltda. Rua Frei Luís, 100 – Petrópolis, RJ – Brasil – CEP 25689-900
Caixa Postal 90023 – Tel.: (24) 2233-9000 Fax: (24) 2231-4676]



Nenhum comentário:

Postar um comentário