Festa de Cristo Rei
Hoje trago para este espaço um interessante e relevante
comentário bíblico, de autoria de Ana Maria Casarotti. Este tem como pano de
fundo o texto bíblico Lc 15,
1-3.11-32 (Cristo, um rei servidor).
Foi publicado no site do
Instituto Humanitas Unisinos (IHU).
Vale a pena ler!
WCejnóg
IHU – ADITAL
22 Novembro 2019
O povo permanecia aí, olhando. Os chefes, porém,
zombavam de Jesus, dizendo: “A outros ele salvou. Que salve a si mesmo se é de
fato o Messias de Deus, o Escolhido!”.
Os soldados também caçoavam dele. Aproximavam-se,
ofereciam-lhe vinagre, e diziam: “Se tu és o rei dos judeus, salva a ti mesmo!”
Acima dele havia um letreiro: “Este é o Rei dos judeus”.
Um dos criminosos crucificados o insultava,
dizendo: “Não és tu o Messias? Salva a ti mesmo e a nós também!”. Mas o outro o
repreendeu, dizendo: “Nem você teme a Deus, sofrendo a mesma condenação? Para
nós é justo, porque estamos recebendo o que merecemos; mas ele não fez nada de
mal”. E acrescentou: “Jesus, lembra-te de mim, quando vieres em teu Reino”.
Jesus respondeu: “Eu lhe garanto: hoje mesmo você
estará comigo no Paraíso”. - Leitura do Evangelho de Evangelho de Lucas 23, 35-43. (Correspondente
à Festa de Cristo Rei, ciclo C, do Ano Litúrgico).
O comentário é de Ana Maria Casarotti,
Missionária de Cristo Ressuscitado.
Servir, não dominar
Hoje se celebra a Festa de Cristo Rei. A palavra de
Deus convida-nos a meditar sobre a realeza de Jesus. Que significa que Jesus
seja Rei hoje? Vivemos num mundo carregado de dificuldades, de problemas
sociais, políticos, de desigualdades, de pessoas que morrem vítimas da
desigualdade, da injustiça e dos interesses econômicos de um pequeno grupo que
se autoconsidera possuidor e senhor do mundo. Como é possível ver e ainda
celebrar esta realeza neste momento histórico? Verdadeiramente, Jesus é o Rei?
O Evangelho de Lucas convida-nos a dirigir nossa
mirada a Jesus Crucificado. Há vários grupos de pessoas que aparecem
diante de Jesus Crucificado.
O texto começa dizendo que “o povo permanecia
aí, olhando”. Quem são as pessoas que fazem parte deste povo? Pensemos no
grupo que vem caminhando junto dele, sejam os doentes, aqueles que o procuram
para conhecer melhor sua mensagem, seu seguidores, discípulos e discípulas, os
pobres, necessitados, as pessoas que vivem em Jerusalém e estão aí porque
escutaram falar dele e desejam conhece-lo, vê-lo... Lucas fala do povo
em geral, incluindo os diferentes interesses e ou necessidades de cada uma das
pessoas que estão aí olhando para Jesus Crucificado. O que veem? Seu olhar
dirige-se a uma pessoa condenada, possivelmente nem sabem porque, com
uma coroa de espinhos na cabeça, com feridas no corpo e junto dele, algum homem
e duas ou três mulheres que sofrem sua condenação.
No olhar deste "povo", podemos
imaginar diferentes tipos de sentimentos. Qual é o sentir desse povo?
Possivelmente, está consternado, triste e abrumado mirando Jesus na
cruz. Não compreende o que está acontecendo, sofre a condena do seu Mestre,
daquele que o curou das feridas da alma e do corpo. Jesus lhe ensinou a amar
com um amor sincero, a não desprezar ninguém. Mas ele está aí, na cruz, sem
fazer nada!!!
Continua nomeando outro grupo: "Os
chefes" que "zombavam de Jesus". Os mandantes, os que se
consideram os principais, os que estavam molestos pela pregação de Jesus,
porque os questionava, zombam de Jesus: “A outros ele salvou. Que salve a si
mesmo se é de fato o Messias de Deus, o Escolhido!”. Eles mandaram condená-lo por
ter se proclamado o Messias, o Salvador, e desfrutam da sua vitória.
Agora Jesus
está na cruz, condenado pelas autoridades, vai morrer como um usurpador de um
poder e um envio de Deus que eles nunca souberam ver nem reconhecer. Dirigem-se
a Jesus, nomeando-o ironicamente como salvador, zombando de seus
milagres e das curas que as pessoas receberam pela fé e confiança em Jesus:
daqueles que foram salvos! Para este grupo dos "chefes", a morte de
Jesus dessa forma é um desprestigio e uma evidência da sua falsidade diante de
povo. Os mandantes gozam do possível descrédito e da vergonha das pessoas que o
seguiram durante sua vida: "Ele", seu Mestre, não pode nem salvar-se
a sim mesmo!!
O terceiro grupo, "os soldados também
caçoavam dele". "Aproximavam-se, ofereciam-lhe vinagre".
Os soldados são os representantes dos romanos, eles obedecem o que lhes é
solicitado: neste momento, crucificar três condenados que são considerados
perigosos para o povo. No seu evangelho, Lucas deixa claro a injustiça cometida
contra Jesus: nem Pilatos nem Herodes veem nele uma causa importante para
morrer, mas diante da pressão dos judeus, Pilatos manda crucificá-lo. Os
soldados levam a cabo esta crucificação. Eles zombam das pretensões de Jesus e
do cartel que Pilatos tinha colocado acima dele: “Este é o Rei dos
judeus”. Consideram uma ironia estas palavras e por isso as usam como desprezo
e burla de Jesus Crucificado.
Junto com Jesus há dois "criminosos
crucificados" que têm duas reações totalmente diferentes. Um deles,
"o insultava, dizendo: “Não és tu o Messias? Salva a ti mesmo e a nós
também!”. Deseja ser liberado da dor e da morte próxima. Mas o outro
condenado tem uma atitude totalmente contrária. Num primeiro momento,
censura as palavras do primeiro crucificado, dizendo: “Nem você teme a Deus,
sofrendo a mesma condenação? Para nós, é justo, porque estamos recebendo o que
merecemos; mas ele não fez nada de mal”.
Escutemos suas palavras com atenção. Sofre uma
condenação que ele considera merecida, mas eleva seu olhar temeroso a Deus. Ele
sabe que fez mal, porém não fica no seu erro e procura sua própria salvação.
Ele mira Jesus e percebe a injustiça de sua condenação. Possivelmente, as
atitudes de Jesus, sua confiança no Pai, seu olhar compassivo, levam-no a
perceber quem é Jesus! Jesus não fez nada de mal! Ele vê na pessoa de
Jesus a injustiça e as atrocidades cometidas pelos que se consideram
donos do poder, sejam religiosos ou políticos. Dessa realidade, ele dirige a
Jesus um pedido: “Jesus, lembra-te de mim, quando vieres em teu Reino”.
Possivelmente, sente-se atraído por Jesus e acolhe sua mensagem, suas
palavras e, fundamentalmente, sua atitude diante do Pai: confia nele!
Diante de tantas situações de injustiça e dominação
que acontecem ao nosso redor, como reagimos? Continuamente recebemos
informações de situações de injustiça, de dominação dos que alardeiam de seu
poder e se vangloriam de aparentes logros. Podemos ser atores passivos
que simplesmente deixam transcorrer os acontecimentos ou ser profetas, sendo
responsáveis pela vida e a justiça dos nossos irmãos e irmãs. Como consideramos
que devemos reagir neste momento de sofrimentos injustos e de tantos povos
oprimidos? Como reagimos? Como reagimos enquanto povo? Olhando sem saber muito
o que fazer, mas deixando que "as coisas" passem?
Ou somos como o grupo dos chefes que consideramos
que os crucificados do mundo são responsáveis pelo sua dor e sofrimento? Achamos
que isso lhes é merecido e eles devem "salvar-se a si mesmos",
procurar seu próprio caminho de vida e liberdade? Dirigimo-nos a eles com
sarcasmo e até com ironia, pensando que seu sofrimento é justo por causa da sua
vida? Vamos responsabilizar e culpá-los?
Somos como os soldados que riem da dor e do
sofrimento dos pobres, dos marginalizados, dos crucificados da história pelas
suas crenças, atitudes, pela sua luta na defesa dos interesses dos excluídos
pelos sistemas econômicos e políticos que nos rodeiam?
Junto com os que sofrem diferentes tipos de doença,
podemos ter duas atitudes. Manter certa distância deles e dirigir-nos
simplesmente procurando nosso próprio bem-estar ou deixar que sua dor chegue ao
nosso coração e à nossa vida. Dialogamos com eles desde a experiência da vida e
na procura de construir um mundo mais humano e justo.
Como disse o Papa Francisco, “ainda que
infelizmente, com frequência, é notícia o mal, o ódio, a divisão, há um oceano
de bem escondido, que cresce e nos faz esperar no diálogo, no conhecimento
mútuo, na possibilidade de construir, junto com os crentes de outras religiões
e todos os homens e mulheres de boa vontade, um mundo de fraternidade e de
paz”. Texto completo: “O diálogo nos permitirá construir um mundo de fraternidade e de paz”, afirma o papa Francisco.
A vida de Jesus se caracterizou pelo serviço,
pelo amor e a entrega aos mais pobres e necessitados. Não há nele nenhuma
intensão de dominar; pelo contrario, ele escolhe o caminho que nos revela um
Deus compassivo e misericordioso, que ouve o clamor de seus filhos/as ao
ponto dele mesmo assumir em sua carne esse grito para assim abraçá-los/as em
seu amor misericordioso: “Pai, perdoa-lhes. Eles não sabem o que estão
fazendo!” (Lc 23, 34).
Neste dia, somos chamados a colocar-nos “no lugar”,
junto com nossos/as irmãos/ãs mais necessitados/as, para ali, com eles/as,
viver suas lutas e sofrimentos, deixando que a compaixão e a misericórdia
iluminem nossa inteligência, motivem nossas relações e conduzam nossos passos
para que o “hoje” do reinado de Deus continue acontecendo.
Oração
Tua alegria
insubornável
Concede-nos, Senhor
tua alegria insubornável.
A diversão tem preço e propaganda
e seus mercadores são peritos.
Aluga-se a evasão fugaz
com suas rotas exóticas e vãs
bebe-se o gozo com cartões de crédito
e se espreme como um copo descartável
mas tua alegria não tem preço,
nem podemos seduzi-la.
É um dom para ser acolhido e oferecido.
Concede-nos, Senhor, tua alegria surpreendente
mais unida ao perdão recebido
que à perfeição farisaica das leis.
Encontrada na perseguição pelo reino,
mais que no aplauso dos chefes.
Cresce na partilha do que é meu com os outros
e morre ao acumular o dos outros como meu.
Aprofunda-se ao servir aos escravos da história,
mais que ao ser servidos como mestres e senhores.
Multiplica-se ao descer com Jesus ao abismo humano
e se dilui ao subir sobre corpos despojados.
Renova-se ao apostar pelo futuro inédito
Esgota-se ao apoderar-se das colheitas do passado.
Tua alegria é humilde e paciente
e caminha de mãos dadas com os pobres.
Benjamin González Buelta
Salmos para sentir e saborear as coisas internamente