O artigo “Fundamentalismo e intolerância
distorcem a mensagem da cruz”, de Waldir Augusti e Padre Ticão, é muito
oportuno para que se possa entender melhor o que de fato está acontecendo hoje
no Brasil.
Dou meus parabéns ao Pe. Chicão e ao Prof.
Waldir pelas colocações críticas muito claras, que desnudam a hipocrisia do
discurso fundamentalista dos grupos de extrema direita que querem se impor a
toda a sociedade brasileira. Em um país democrático de direito, manipulações
deste tipo constituem abuso e falta de respeito para com a própria sociedade.
Trago este texto também para o meu blog para
ajudar um pouco em sua divulgação.
Vale a pena ler!
WCejnóg
Fundamentalismo e intolerância distorcem a mensagem
da cruz
8 de agosto de 2019
Amar a
mensagem da cruz e proclamá-la significa anunciar ao mundo o amor de Deus que
não diferencia raça, cor, sexo
No decorrer da história do cristianismo,
determinadas ideias impiedosas foram disseminadas entre os povos que a ele
aderiram: “a vida dos homens na Terra será repleta de lágrimas e sofrimentos“;
“as questões pertinentes a este mundo não importam à vida cristã”. Tais
ideias foram extraídas, respectivamente, do Evangelho de João, 18,36 em que
Jesus declara que seu reino não é deste mundo, e da narrativa na Carta aos
Hebreus 11,13-16, ao afirmar que os homens de fé foram peregrinos e
estrangeiros na Terra, voltando a atenção para Abraão e Sara, Isaac, Jacó e
José, pais e mães de Israel, enfatizando a vida itinerante dessas pessoas, que
estavam em busca de uma pátria. Importava, apenas, o cuidado da alma, estar bem
com Deus e agir de acordo com sua vontade. Negar o mundo seria, então, tomar
sua cruz e seguir Jesus.
Com o tempo, a maravilhosa mensagem da cruz foi
“posta de lado”. Em seu lugar, entra a “pregação dos dogmas cristãos” numa
tentativa de levar todas as pessoas à conversão ao cristianismo, mediante a
incontestável aceitação daquilo que lhes era apresentado como vontade de Deus –
o que na maioria das vezes pressupunha aceitar sofrer os dissabores da vida.
Feito isso, seriam “recompensados” com uma vida futura na glória.
Contudo, ao fazermos a leitura dos Evangelhos, nos
deparamos com a revelação de que a mensagem da cruz está longe dessa alocução.
Neles, nos deparamos com o intenso envolvimento de Jesus com as coisas do seu
tempo, com os membros e os problemas da sua comunidade, com os peregrinos que
por ele passavam e, sobretudo, com os marginalizados que habitavam sua região.
A mensagem da cruz, como mostram os Evangelhos, não
se resume a um conjunto de dogmas que deve ser obedecido como garantia de
recompensa no final. Ao contrário, revela um Deus amor que dá a vida por
aqueles a quem ama; que se entrega e nos convida a fazer o mesmo por nossos
semelhantes.
Infelizmente, a mensagem da cruz está sendo
substituída em nossos dias – como já o fora em outros tempos -, por um
fundamentalismo religioso descabido, segregador e cruel. Seus adeptos –
detentores de uma arrogância capaz de lhes fazer acreditar serem “senhores e
legítimos conhecedores da verdade e da vontade de Deus” -, se dão o direito de
invadirem eventos promovidos por grupos de jovens e outros mais, e interpelar
pessoas acusando-as de serem hereges e tumultuarem o evento a fim de que este
não ocorra.
Foi o que aconteceu na quinta-feira 1º de agosto na
Paróquia São Francisco de Assis de Ermelino Matarazzo – Zona Leste de São
Paulo, durante a 36ª Semana da Juventude. Um pequeno grupo de jovens católicos
– reconhecidamente conservadores e fundamentalistas -, se deu o direito de
desrespeitar a palestrante e demais participantes do encontro, acusando-os de estarem
defendendo o aborto, dentre outras coisas. Sem nenhuma base intelectual,
acusaram movimentos legítimos da Igreja como comunistas, marxistas e outras
coisas mais. Com diplomacia, a coordenação do evento conseguiu mantê-lo como
havia previsto. Mas não foram poucos os que ficaram estarrecidos com o
acontecido.
Grupos formados por indivíduos que não respeitam os
valores e a liberdade religiosa dos outros, afirmando a superioridade e o
domínio de sua crença em relação às demais, têm surgido abundantemente nas mais
diversas regiões do Brasil. Ao assumirem esta posição, de total desrespeito
àqueles que não professam o mesmo modo de ter fé, tais grupos estão abrindo
espaços para problemas mais complexos, como violência física e verbal,
discriminação, preconceitos, dentre outros. E fundamentalismo religioso é o
nome que se dá a este processo.
Amar a mensagem da cruz e proclamá-la significa
anunciar ao mundo o amor de Deus que não diferencia raça, cor, sexo… Significa
estar consciente dos problemas existentes no mundo e engajar-se em sua
transformação, cerrando fileiras com aqueles que são postos à margem da
sociedade e obrigados a viverem numa periferia existencial, que os obriga a
contemplar –cotidianamente -, a morte face a face.
Por fim, a mensagem da cruz exige que amemos o
mundo e todos que nele habitam; que lutemos pela transformação da sociedade de
modo a se tornar mais justa e solidária; que nos engajemos na defesa dos menos
favorecidos e detestemos o sistema mundano que destrói, arruína, rouba e mata aos
pequenos e abandonados.
Que a mensagem da cruz, mantenha acesa em nossos
corações a chama da verdade e da justiça, do amor e da paz e que sejamos
capazes de amar em espírito e em verdade e não apenas com palavras nem com a
língua. (1Jo 3,018).
Fonte: Carta Capital
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