Hoje
trago para esta página o artigo “O coronavirus resgata a nossa verdadeira
humanidade” de Leonardo Boff. Foi publicado recentemente pelo autor em
seu blog.
Atualmente,
todos nós vivemos um momento muito dramático, no qual o mundo inteiro enfrenta
a batalha contra a pandemia do coronavirus COVID-19. É uma abordagem necessária
e muito perspicaz. Parabenizo o autor por mais essa reflexão.
Não
deixe de ler!
WCejnóg
Blog leonardoBoff
31/03/2020
O texto
A pandemia do coronavírus nos obriga
a todos a pensar: o que conta, verdadeiramente, a vida ou os bens materiais? O individualismo de cada um para si, de costas para os outros, ou a
solidariedade de uns para com os outros? Podemos continuar explorando, sem
qualquer consideração, os bens e serviços naturais para vivermos cada vez
melhor ou cuidar da natureza, da vitalidade da Mãe Terra e do bem-viver que é a harmonia entre
todos e com os seres da natureza?
Adiantou alguma coisa as potências amantes da
guerra, acumularem cada vez mais armas de destruição em massa que agora têm que
se pôr de joelhos diante de um vírus invisível evidenciando como é ineficaz todo esse aparato de
morte? Podemos continuar com nosso estilo de vida consumista, depredador
da natureza, produzindo ilimitada riqueza em poucas mãos à custa de
milhões de pobres e miseráveis? Faz ainda sentido afirmar cada país afirmar a
sua soberania, opondo-se a dos outros, quando deveríamos ter uma governança
global para resolver um problema global? Por que não descobrimos ainda a única Casa Comum, a Mãe Terra e o nosso dever de cuidar dela para
que todos possam caber nela, a natureza incluída?
São perguntas que não podem ser obviadas. Ninguém
tem a resposta. Uma coisa, entretanto, é certa, atribuída a Einstein: “a visão de mundo que criou a crise não pode ser
a mesma que nos vai tirar da crise”. Temos que, forçosamente, mudar. O pior
seria se tudo voltasse como antes, com a mesma lógica consumista e
especulativa, talvez, com mais fúria ainda. Aí sim, por não termos aprendido a
lição, a Terra nos poderia enviar um outro vírus, talvez aquele que pode pôr um
fim ao desastrado projeto humano.
Mas podemos olhar a guerra que o coronavírus está movendo em todo o planeta, sob um outro
ângulo e este positivo. O vírus nos faz descobrir qual é a nossa mais profunda
e autêntica natureza humana. Ela é ambígua, boa e má. Aqui veremos a
dimensão boa.
Em primeiro lugar, somos seres de relação. Somos, como tenho repetido inúmeras vezes, um nó de relações totais
voltadas em todas as direções. Portanto, ninguém é uma ilha. Lançamos pontes
para todos os lados.
Em segundo lugar, como consequência, todos
dependemos uns dos outros. A
compreensão africana “Ubuntu” bem o expressa:”eu só sou eu através de você”.
Portanto, todo individualismo, alma da cultura do capital, é falso e
anti-humano. O coronavírus o comprova. A saúde de um depende da saúde do
outro. Esta mútua dependência assumida conscientemente se chama solidariedade.
Foi a solidariedade que outrora, nos fez deixar o mundo dos antropoides e nos
permitiu sermos humanos, convivendo cooperativamente. Assistimos nestas semanas
gestos comoventes de verdadeira solidariedade uns ajudando a outros, não apenas
dando o que lhes sobra mas compartilhando o que têm.
Em terceiro lugar, somos seres essencialmente de
cuidado. Sem o cuidado, desde de a nossa concepção e
durante toda a vida, ninguém subsistiria. Precisamos cuidar de tudo: de nós
mesmos, caso contrário podemos adoecer e morrer, dos outros que nos podem
salvar ou eu que os podemos salvar, da natureza senão ela se volta
contra nós com vírus deletérios, com estiagens desastrosas, com
enchentes devastadoras, com eventos climáticos extremos, cuidado para com a Mãe Terra para que
continue a nos dar tudo aquilo que precisamos para viver e que ainda nos queira
sobre seu solo, já que, durante séculos, a agredimos de forma impiedosa.
Especialmente agora sob o ataque do coronavírus todos devemos nos cuidar, cuidar dos outros mais
vulneráveis, nos recolher em casa, manter o distanciamento social e cuidar da infra-estrutura
sanitária sem a qual assistiremos a uma catástrofe humanitária de proporções
bíblicas.
Em quarto lugar, descobrimos que devemos ser todos
corresponsáveis, vale dizer, ser conscientes das consequências benéficas ou
maléficas de nossos atos. A vida e a morte estão em
nossas mãos. Não basta a responsabilidade do Estado ou de alguns, mas
deve ser de todos, pois todos são afetados e todos podem afetar. Todos devem
aceitar o confinamento.
Por fim, descobrimos a força do mundo espiritual que
constitui o nosso Profundo, lá onde se elaboram os grandes
sonhos, se colocam as questões derradeiras sobre o sentido de nossa vida e onde
sentimos que deve existir uma Energia amorosa e poderosa que tudo perpassa,
sustenta o céu estrelado e nossa própria vida sobre qual não temos todo o
controle. Podemos nos abrir a ela, acolhê-la e, como numa aposta, confiar que
Ela nos segura na palma de sua mão e que, apesar de todas as contradições,
garante um fim bom para todo o universo, para nossa história sapiente e demente
e para cada um de nós. Se cultivarmos esse mundo espiritual nos sentiremos mais
fortes, mais cuidadores, mais amorosos, em fim, mais humanos.
Estes valores nos permitem sonhar e construir outro
tipo de mundo, biocentrado, no qual a economia, com outra racionalidade,
sustenta uma sociedade globalmente integrada, fortalecida mais por alianças
afetivas do que por pactos políticos. Será a sociedade do cuidado, da gentileza
e da alegria de viver.
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