Hoje
trago para este espaço o artigo “Por que Deus
permite uma pandemia e se cala? É um castigo? Onde está Deus?” do jesuita boliviano Víctor Codina. O próprio título
deste artigo é uma indagação com a qual muitas pessoas se defrontam hoje em dia.
Talvez as colocações claras e
serenas deste texto possam ser úteis para as nossas buscas pelo entendimento e compreensão
dos acontecimentos causados pela pandemia do COVID-19, que tomaram conta do
mundo inteiro.
Foi
publicado no mês passado (março de
2020) por Religión Digital, e também no site do Instituto
Humanitas unisinos (IHU).
Não
deixe de ler!
WCejnóg
IHU – ADITAL
23 março 2020
"Onde está Deus? Está nas vítimas dessa pandemia,
está nos médicos e agentes sanitaristas que os atendem, está nos cientistas que
buscam vacinas antivírus, está em todos os que nesses dias colaboram e ajudam
para solucionar o problema, está nos que rezam pelos demais, nos que difundem
esperança", escreve Víctor Codina, jesuíta boliviano, em artigo publicado por Religión
Digital, 22-03-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Eis o
artigo.
Felizmente, junto aos aterrorizantes e quase
mórbidos noticiários televisivos sobre a pandemia, aparecem outras vozes alternativas, positivas e esperançosas.
Alguns recorrem à história para nos lembrar que a humanidade
passou e superou outros momentos de pestes e pandemias, como as da Idade
Média e a de 1918, depois da Primeira Guerra Mundial.
Outros se assombram da postura unitária europeia contra o vírus, quando
até agora discrepavam sobre a mudança climática, os imigrantes e o
armamentismo, seguramente porque essa pandemia rompe fronteiras e afeta os
interesses dos poderosos. Agora os europeus sofrem algo do que padecem os
refugiados e imigrantes que não podem cruzar as fronteiras.
Há humanistas que apontam que essa crise é
uma espécie de “quaresma secular” que nos concentra nos valores
essenciais, como a vida, o amor e a solidariedade, e nos obriga a relativizar
muitas coisas que até agora acreditávamos ser indispensáveis e intocáveis. De
repente, baixa a contaminação atmosférica e o ritmo frenético de vida
consumista que até agora não queríamos mudar.
Caiu nosso orgulho ocidental de ser onipotentes
protagonistas do mundo moderno, senhores da ciência e do progresso. Em plena
quarentena doméstica e sem poder ir à rua, começamos a valorizar a realidade da
vida familiar. Nos sentimos mais interdependentes, todos dependemos de todos,
todos somos vulneráveis, necessitamos uns dos outros, estamos interconectados
globalmente, para o bem e o mal.
Também surgem reflexões sobre o problema do mal, o
sentido da vida e a realidade da morte, um tema tabu, hoje. A novela “A
peste”, de Albert Camus, escrita em
1947, tornou-se um best seller. Não somente é uma crônica da peste de Orán,
mas sim uma parábola do sofrimento humano, do mal físico e moral do mundo, da
necessidade de ternura e solidariedade.
Os crentes de tradição judaico-cristã nos
perguntamos pelo silêncio de Deus diante desta epidemia. Por que Deus a
permitiu? É um castigo? É preciso pedir-lhe milagres, como pede o padre Penéloux,
em “A peste”? Precisamos devolver a Deus o bilhete da vida, como Iván
Karamazov, em “Os irmãos Karamazov”, ao ver o sofrimento dos
inocentes? Onde está Deus?
Não estamos diante de um enigma, mas sim de um
mistério, um mistério de fé que nos faz acreditar e confiar em um Deus
Pai-Mãe criador, que não castiga, que é bom e misericordioso, que está sempre
conosco, é o Emanuel; acreditamos e confiamos em Jesus de Nazaré que vem a nos
dar vida em abundância e se compadece dos que sofrem; acreditamos e confiamos
em um Espírito vivificante, Senhor e doador de vida. E essa fé não é uma
conquista, é um dom do Espírito do Senhor, que nos chega através da Palavra na
comunidade eclesial.
Tudo isso nos impede que, como Jó, nos queixemos e processemos frente a Deus por ver tanto sofrimento,
nem impede que, como Qohélet, ou Eclesiastes, constatemos a
brevidade, leveza e vaidade da vida. Porém não pediremos milagres a um Deus que
respeita a criação e nossa liberdade, Ele quer que colaboremos na realização
deste mundo limitado e finito. Jesus não nos resolve teoricamente o problema do
mal e do sofrimento, mas sim que através das suas chagas de
crucificado-ressuscitado nos abre o horizonte novo de sua paixão e
ressurreição; Jesus com sua identificação com os pobres e os que sofrem,
ilumina nossa vida; e com o dom do Espírito nos dá força e consolo nos nossos
momentos difíceis de sofrimento e paixão.
Onde está Deus? Está nas vítimas dessa pandemia, está nos médicos e agentes sanitaristas que os
atendem, está nos cientistas que buscam vacinas antivírus, está em todos os que
nesses dias colaboram e ajudam para solucionar o problema, está nos que rezam
pelos demais, nos que difundem esperança.
Terminamos
estas reflexões com o Salmo 90 (91), que é uma oração de confiança:
“Aquele que habita no esconderijo do Altíssimo, à
sombra do Onipotente descansará.
Direi do Senhor: Ele é o meu Deus, o meu refúgio, a minha fortaleza, e nele confiarei.
Porque ele te livrará do laço do caçador, e da peste perniciosa.
Ele te cobrirá com as suas penas, e debaixo das suas asas te confiarás; a sua verdade será o teu escudo e tuas armas.
Não terás medo do terror de noite nem da flecha disparada em pleno dia,
Nem da peste que anda na escuridão, nem da mortandade que assola ao meio-dia.”
Direi do Senhor: Ele é o meu Deus, o meu refúgio, a minha fortaleza, e nele confiarei.
Porque ele te livrará do laço do caçador, e da peste perniciosa.
Ele te cobrirá com as suas penas, e debaixo das suas asas te confiarás; a sua verdade será o teu escudo e tuas armas.
Não terás medo do terror de noite nem da flecha disparada em pleno dia,
Nem da peste que anda na escuridão, nem da mortandade que assola ao meio-dia.”
Talvez nossa pandemia nos ajude a encontrar Deus onde não
esperávamos.
Fonte: IHU – ADITAL
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