Hoje
trago para o blog Indagações-Zapytania o artigo
As religiões e terrorismo, do Leonardo Boff.
O
texto é muito bom e esclarecedor sobre o
tema proposto. Foi publicado pelo autor no blog leonardo.BOFF.com, no mês de
janeiro de 2015.
Vale a pena
ler!
WCejnóg
As religiões e
o terrorismo
26/01/2015
Leonardo Boff*
Os
principais conflitos do final do século XX e dos inícios do novo milênio
possuem um transfundo religioso. Assim na Irlanda, em Kosovo, na Kachemira, no
Afeganistão, no Iraque e no novo Estado Islâmico, extremamente violento. Ficou
claro em Paris com o assassinato dos cartunistas e outras pessoas por
fundamentalistas islâmicos. Como nisso entra a religião?
Não
sem razão escreveu Samiuel P. Huntington em seu conhecido livro O
choque de civilizações: ”No mundo moderno, a religião é uma força central,
talvez a força central que motiva e mobiliza as
pessoas….O que em última análise conta para as pessoas não é a ideologia
política nem o interesse econômico; mas aquilo que com que as pessoas se
identificam são as convicções religiosas, a família e os credos. É por estas
coisas que elas combatem e até estão dispostas a dar a sua vida” (1997, p.79).
Ele critica a política externa norte-americana por nunca ter dado o devido peso
ao fator religioso, considerado algo passado e ultrapassado. Ledo engano. É o
substrato dos mais graves conflitos que estamos vivendo.
Quer
queiramos ou não, e não obstante o processo de secularização e o eclipse do sagrado,
grande parte da humanidade se orienta pela cosmovisão religiosa, judaica,
cristã, islâmica, xintoista, budista e outras.
Como
já afirmava Christopher Dawson(1889-1970), o grande historiador inglês das
culturas:”as grandes religiões são os alicerces sobre os quais repousam as
civilizações”(Dynamics of World History,1957,p.128). As religiões são o
“point d’honneur” de uma cultura, pois através dela projeta seus grandes
sonhos, elabora seus ditames éticos, confere um sentido à história e tem uma
palavra a dizer sobre o fins últimos da vida e do universo. Somente a cultura
moderna não produziu religião nehuma. Encontrou subtituivos com funções
idolátricas, como a Razão, o progresso sem fim, o consumo ilimitado, acumulação
sem limites e outros. A consequência foi denunciada por Nietzsche que proclamou
a morte de Deus. Não que Deus tenha morrido, pois não seria Deus. É o fato de
que os homens mataram Deus. Com isso queria significar que Deus não é mais
ponto de referência para valores fundamentais, para uma coesão por cima entre
os humanos. Os efeitos os estamos vivendo em nível planetário: uma humanidade
sem rumo, uma solidão atroz e o sentimento de desenraizamento, sem saber para
onde a história nos leva.
Se
quisermos ter paz neste mundo precisamos resgatar o sentimento do sagrado, a
dimensão espiritual da vida que estão nas origens das religiões. Na verdade,
mais importante que as religiões, é a espiritualidade que se apresenta como a
dimensão do humano profundo. Mas a espiritualidade se exterioriza sob a forma
de religiões, cujo sentido é alimentar, sustentar e impregnar a vida de
espiritualidade. Nem sempre o realiza porque quase todas as religiões, ao se
institucionalizarem, entram no jogo do poder, das hierarquias e podem assumir
formas patológicas. Tudo o que é sadio pode ficar doente. Mas é pelo “sadio”
que medimos as religiões, bem como as pessoas e não pelo “patológico”. E
aí vemos que elas preenchem uma função insubstituível: a tentativa de dar um
sentido último à vida e oferecer um quadro esperançador da história.
Ocorre
que hoje o fundamentalismo e o terrorismo que são patologias religiosas,
ganharam relevância. Em grande parte se deve ao devastador processo de
globalização (na verdade é ocidentalização do mundo) que passa por cima das
diferenças, destrói identidades e impõe hábitos estranhos a eles.
Geralmente,
quando isso ocorre, os povos se agarram àquelas instâncias que são os guardiães
de sua identidade. É nas religiões que guardam suas memórias e seus melhores
símbolos. Ao se sentirem invadidos como no Iraque e no Afeganistão, com
milhares de vítimas, refugiam-se em suas religiões como forma de resistência.
Então a questão não é tanto religiosa. Ela é antes política que usa da religião
para se auto-defender. A invasão gera raiva e vontade de vingança. O
fundamentalismo e o terrorismo encontram nesse complexo de questões seu nicho
de origem. Daí os atentados do terror.
Como
superar este impasse civilizacional? Fundamental é viver a ética da
hospitalidade, dispor-se a dialogar e aprender com o diferente, viver a
tolerância ativa, sentir-se humanos.
As
religiões precisam se reconhecer mutuamente, entrar em diálogo e buscar
convergências mínimas que lhes permitem conviver pacificamente.
Antes
de mais nada importa reconhecer o pluralismo religioso, de fato e de direito. A
pluralidade se deriva de uma correta comprensão de Deus. Nenhuma religião pode
pretender enquadrar o Mistério, a Fonte originária de todo ser ou qualquer nome
que quisermos dar à Suprema Realidade, nas malhas de seu discurso e de seus
ritos. Se assim fora, Deus seria um pedaço do mundo, na realidade, um ídolo.
Ele está sempre mais além e sempre mais acima. Então, há espaço para outras
expressões e outras formas de celebrá-lo que não seja exclusivamente através
desta religião concreta.
Os
onze primeiros capítulos do Gênesis encerram uma grande lição. Neles não se
fala de Israel como povo escolhido. Refere-se aos povos da Terra, todos como
povos de Deus. Sobre eles paira o arco-iris da aliança divina. Esta mensagem
nos recorda ainda hoje que todos os povos, com suas religiões e tradições, são
povos de Deus, todos vivem na Terra, jardim de Deus e que formam a única
Espécie Humana composta de muitas famílias com suas tradições, culturas e
religiões.
*
Leonardo Boff é colunista do JBonline, filósofo e teólogo
Fonte: leonardo.BOFF.com
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