Hoje trago para o blog Indagações-Zapytania
uma excelente reflexão sobre a Quinta-feira Santa. O texto pode
servir de grande ajuda para quem deseja entender melhor o que realmente aconteceu
durante a Última Céia e que importância isso deveria ter tanto para os discípulos
de Jesus, como também para os cristãos de hoje.
O texto é de autoria do padre e
teólogo espanhol José Antonio Pagola e foi publicado pelo autor no seu espaço
no Facebook.
Vale a pena ler até o fim!
WCejnóg
Quinta-feira santa na ceia do Senhor
José Antônio pagola
Despedida inesquecível
Também Jesus sabe que suas horas estão contadas. No entanto não pensa em se
esconder ou fugir. O que faz é organizar um jantar especial de despedida com os
amigos e amigas mais próximos. É um momento grave e delicado para ele e para os
seus discípulos: quer vivê-lo em toda a sua expressão. É uma decisão pensada.
Consciente da iminência de sua morte, precisa de partilhar com os seus a sua
confiança total no Pai mesmo nesta hora. Quer prepará-los para um golpe tão
duro; sua execução não pode afundá-los na tristeza ou desespero. Têm que
partilhar juntos as interrogações que acordam em todos eles: o que vai ser do reino
de Deus sem Jesus? O que devem fazer os seus seguidores? Daqui para frente onde
vão alimentar a sua esperança na vinda do reino de Deus?
Aparentemente, não se trata de um jantar pascal. É verdade que algumas fontes
indicam que Jesus quis comemorar com os seus discípulos o jantar da Páscoa ou Seder, na qual os judeus comemoram a
libertação da escravidão egípcia. No entanto, ao descrever o banquete, não se
faz uma alusão à liturgia da Páscoa, nada se diz do Cordeiro pascal nem das
ervas amargas que se come essa noite, não se recorda ritualmente a saída do
Egito, tal como estava prescrito.
Por outro lado, é impensável que essa mesma noite em que todas as famílias
estavam comemorando o jantar mais importante do calendário judeu, os sumos
sacerdotes e os seus ajudantes deixaram tudo isso para tratar da detenção de
Jesus e organizar uma reunião noturna com o fim de ir concretizando as
acusações mais graves contra Ele. Parece mais plausível a informação de outra
fonte que coloca a ceia de Jesus antes da festa da Páscoa, pois nos diz que
Jesus é executado em 14 de nisán, na véspera da Páscoa.
Assim,
não parece possível estabelecer com segurança o caráter pascal da última ceia.
Provavelmente, Jesus peregrinou até Jerusalém para celebrar a Páscoa com seus
discípulos, mas não conseguiu realizar o seu desejo, pois foi preso e executado
antes de chegar essa noite. No entanto, sim, deu tempo para realizar um jantar
de despedida.
Em qualquer caso, não é uma comida normal, mas um jantar solene, o último de
tantos outros que tinham celebrado pelas aldeias da Galiléia. Beberam vinho,
como se fazia nas grandes ocasiões; jantaram deitados para ter uma mesa
tranquila, não sentados, como o faziam cada dia.
Provavelmente não é um jantar de Páscoa, mas no ambiente já se respira a
excitação das festas pascais. Os peregrinos fazem seus últimos preparativos:
adquirem pão e compram seu cordeiro pascal. Todos procuram um lugar nas
pousadas ou nos pátios e terraços das casas. Também o grupo de Jesus procura um
lugar tranquilo. Essa noite Jesus não se retira à Betânia como nos dias
anteriores. Fica em Jerusalém. Sua despedida tem de se realizar na cidade
santa. Os relatos dizem que ele realizou o jantar com os doze, mas não devemos
excluir a presença de outros discípulos e discípulas que vieram com ele em
peregrinação. Seria muito estranho que, contra o seu hábito de dividir a mesa
com todo o tipo de pessoas, mesmo pecadores, Jesus tomasse de repente uma
atitude tão seletiva e restrita.
Podemos saber o que se passou realmente nesse jantar? Jesus considerava os
almoços e jantares que fazia na Galiléia como símbolo e antecipação do banquete
final no reino de Deus. Todos conhecem essas refeições animadas pela fé de
Jesus no reino definitivo do Pai. É um dos seus traços característicos enquanto
percorre as aldeias.
Também
esta noite, aquele jantar lhe faz pensar no banquete final do Reino. Dois
sentimentos penhoram a Jesus. Primeiro,
a certeza da sua morte iminente; Ele
não pode evitar: aquela é a última bebida que vai compartilhar com os seus;
todos sabem: Não há como ter ilusões. Ao
mesmo tempo, a sua confiança inabalável no reino de Deus, ao que dedicou
sua vida inteira. Fala com clareza: "Garanto-vos: já não beberei do fruto
da videira até o dia em que o beba novo, no reino de Deus". A morte está
próxima. Jerusalém não quer responder à sua chamada. Sua atividade como profeta
e portador do Reino de Deus vai ser violentamente truncada, mas sua execução
não vai impedir a chegada do reino de Deus que será anunciado a todos. Jesus mantém inalterável
sua fé nessa intervenção salvadora de Deus. Tem a certeza da validade de sua
mensagem. Sua morte não tem de destruir a esperança de ninguém. Deus não vai
recuar. Um dia Jesus se sentará à mesa para celebrar, com uma bebida na mão, o
banquete eterno de Deus com os seus filhos e filhas. Beber um vinho
"novo" e partilhar juntos a festa final do Pai. O jantar desta noite
é um símbolo.
Movido por esta convicção, Jesus se prepara para animar o jantar e contagiar os
seus discípulos com a sua esperança. Começa com a comida seguindo a tradição
judaica: fica em pé, toma nas suas mãos o pão e pronuncia, em nome de todos,
uma bênção a Deus, ao qual todos respondem dizendo "Amém". Depois de
partir o pão distribui um pedaço a cada um. Todos conhecem esse gesto. Provavelmente viram Jesus
fazendo assim em mais de uma ocasião. Sabem o que significa aquele rito de quem
preside à mesa: ao receber este pedaço de pão, Jesus lhes faz chegar a bênção
de Deus. Como lhes impressionava quando ele dava isso aos pecadores, cobradores
de impostos e prostitutas! Ao receber aquele pão, todos se sentiam unidos entre
si e com Deus. Mas naquela noite, Jesus
acrescenta algumas palavras que lhe dão um conteúdo novo e estranho ao seu
gesto. Enquanto lhes distribui o pão vai dizendo estas palavras: " Isto é
o meu corpo. Eu sou esse pão. Vede-me nestes pedaços me entregando até o final,
para vos fazer chegar a bênção do reino de Deus".
O que sentiram aqueles homens e mulheres quando ouviram pela primeira vez estas
palavras de Jesus? Surpreendeu-lhes muito mais o que Jesus fez ao acabar o
jantar. Todos conhecem o rito ao qual estavam acostumados. No final da
refeição, quem presidia à mesa, permanecendo sentado, pegava na sua mão direita
uma taça de vinho, a mantinha a um centímetro de altura sobre a mesa e
pronunciava sobre ela uma oração de ação de graças pela comida, ao que todos
responderam "Amém". Em seguida bebia de seu copo, o qual serviu de
sinal aos outros para que cada um beber do seu.
No
entanto, naquela noite Jesus muda o rito e convida os seus discípulos e
discípulas para que todos bebam de um único cálice: o dele! Todos partilham esse
"Cálice de salvação" abençoado por Jesus. Nesse cálice que se vai
passando e é oferecido a todos, Jesus vê algo "novo" e peculiar, o
que quer explicar: "este cálice é a nova aliança em meu sangue. Minha
morte abrirá um novo futuro para vós e para todos". Jesus não pensa só em
seus discípulos mais próximos.
Neste
momento decisivo e fundamental, o horizonte de seu olhar se faz universal: a
nova aliança, o reino definitivo de Deus é para muitos, "para todos".
Com estes gestos proféticos da entrega do pão e do vinho, partilhados por
todos, Jesus transforma aquele jantar de despedida em uma grande ação sacramental, a mais importante de sua vida, a que
melhor resume o seu serviço ao reino de Deus, e quer deixá-la gravada para
sempre em seus seguidores. Quer que continuem ligados a ele e que alimentem
nele a sua esperança. Que se lembrem sempre, dedicados ao seu serviço.
Continuará a ser "o que serve", o que ofereceu a sua vida e sua morte
por eles, o servidor de todos. Assim está agora no meio deles neste jantar e
assim quer que o lembrem-se sempre. O pão e o cálice de vinho lhes falará sobretudo
da festa final do reino de Deus; a entrega desse pão a cada um e a participação
na mesma bebida lhes trará à memória a entrega total de Jesus. "Por
vocês": Estas palavras resumem bem o que foi a sua vida ao serviço dos
pobres, dos doentes, dos pecadores, dos desprezados, dos oprimidos, de todos os
necessitados... Estas palavras expressam o que a sua morte será agora: foi
"tudo" por oferecer a todos, em nome de Deus, acolhimento, cura,
esperança e perdão. Agora entrega a sua vida até a morte oferecendo a todos a
salvação do Pai.
Assim foi a despedida de Jesus, que ficou gravada para sempre nas comunidades
cristãs. Seus seguidores não são órfãos; a comunhão com ele não será quebrada
por sua morte; se manterá até que um dia bebam todos juntos a taça de
"vinho novo" no reino de Deus. Não sentirão o vazio da sua ausência:
repetindo aquele jantar podem se alimentar de sua memória e sua presença. Ele
estará com os seus alimentando sua esperança; eles prolongarão e reproduzirão seu
serviço ao reino de Deus até o reencontro final. De maneira germinal, Jesus
está projetando em sua despedida as linhas mestres de seu movimento de
seguidores: uma comunidade alimentada por ele mesmo e dedicada totalmente a
abrir caminhos para o reino de Deus, em uma atitude de serviço humilde e
fraterno, com a esperança posta no reencontro da festa final.
Há também um novo sinal de Jesus, que convida os seus discípulos ao serviço
fraterno. O Evangelho de João diz que, em um determinado momento do jantar, ele
levantou-se da mesa e "começou a lavar os pés dos discípulos".
Segundo o relato, o fez para dar exemplo a todos e que eles saibam que seus
seguidores deveriam viver em atitude de serviço mútuo: "lavai-vos os vossos
pés uns aos outros". A cena é provavelmente uma criação do Evangelista,
mas apanha de maneira admirável o pensamento de Jesus. O gesto é insólito.
Em uma sociedade onde está tão perfeitamente determinado o papel das pessoas e
dos grupos, é impensável que o convidado de uma refeição festiva, e menos ainda
o que preside à mesa, se ponha a realizar esta tarefa humilde reservada aos
servos e escravos. Segundo o relato, Jesus deixa seu posto e, como um escravo,
começa a lavar os pés aos discípulos. Dificilmente se pode traçar uma imagem
mais expressiva do que tem sido a sua vida, e o que quer deixar gravado para
sempre em seus seguidores. Como foi repetido muitas vezes: "quem quiser
ser grande entre vós, será vosso servo; e quem quiser ser o primeiro entre vós,
será escravo de todos". Jesus o expressa agora plasticamente nesta cena:
limpando os pés aos discípulos está agindo como servo e escravo de todos;
dentro de algumas horas vai morrer crucificado, um castigo reservado sobre tudo
aos escravos.
Fonte: Facebook