Hoje trago para o blog Indagações-Zapytania um
excelente artigo de Júlio Ottoboni*, que merece ser lido com atenção e
seriedade.
Penso que nos dias de hoje, mais do que nunca,
precisamos deste tipo de abordagem (que não deixa de ser uma grande e valiosa ‘provocação’!)
para sacudir fortemente os nossos pensamentos acomodados e medíocres a respeito
da situação em que nós, os humanos, nos encontramos hoje no mundo.
O texto foi publicado em dezembro do ano passado
(2015) no portal Envolverde, e também no site do Instituto Humanitas Unisinos
(IHU). Ao meu ver, continua muito atual.
Realmente vale a pena ler, analisar as colocações e
depois cada um tirar as suas conclusões.
WCejnóg
IHU - Notícias
terça, 08 de dezembro de 2015
Homem, o maior dos parasitas planetário
"Essa postura adotada é o mesmo que decretar
a extinção em massa da vida por ação antrópica, o último ato de uma
espécie que acredita ser superior às outras e compreende ser sua existência
mais valiosa que a de outros seres viventes", escreve Júlio Ottoboni,
jornalista e pós-graduado em jornalismo científico, em artigo publicado por Envolverde,
04-12-2015.
Eis o artigo.
Enquanto o planeta agoniza para o ser humano e se
torna cada vez mais ameaçado de não comportar a sobrevivência de diversas
outras espécies, os entraves da Cop21 só
reforçam a percepção que vivemos sob a influência de um autismo que desconectou
complemente o homem da realidade planetária. Tratam os problemas globais sob a
ótica separatista, excludente, territorialista e norteada pelo poder e
interesses econômicos.
O sistema projetado para vivermos no que
denominamos de Terra é o reflexo de nossa própria estupidez, arrogância e
soberba.
Aos governantes mundiais presentes no encontro de
Paris, bastaria dizer que o analfabetismo ambiental não pode
ser confundido com ganância e mentira. Criar uma nova cortina – literalmente –
de fumaça para esconder as obrigações que seus governos têm com as grandes
corporações econômicas e financeiras, com um modelo de desenvolvimento
absolutamente insustentável só acelerará o processo de autodestruição.
Essa postura adotada é o mesmo que decretar a extinção em
massa da vida por ação antrópica, o último ato de uma espécie que acredita ser
superior às outras e compreende ser sua existência mais valiosa que a de outros
seres viventes.
O planeta é um só, seja em seu clima, em suas
porções de terra e seus oceanos. Na verdade, essa terceira rocha a partir do
Sol continuará sua trajetória, seja no tal ‘cinturão verde’ com ou sem o
homem sobre ou sob sua superfície. O rumo cósmico não pode ser definido pelas
vontades humanas e nem de seus deuses. O planeta seguirá em sua evolução
permanente.
A política se mostra a arte da enganação, do
cinismo e da hipocrisia. Particularizar a discussão ambiental sobre quem financiará
a suspensão do suicídio coletivo ou datar ações emergenciais
para 20 ou 30 anos é dar mais fôlego a um sistema econômico falido, autofágico
e, crucialmente, ecocida. O tempo e as consequências serão, no resultado final,
os mesmos para todos. Mas para tal sistema, que se posta como um louco
agressivo, também não haverá escapatória.
Nesta alucinação geral sobram culpados sobre
procedimentos criados pelo próprio homem. Responsabilizam as emissões dos combustíveis
fósseis, das queimadas e desmatamento de florestas, a
falta de água doce, desertificação, poluição em diversos níveis e formas,
aumento da temperatura troposférica entre outros aspectos. Mas nunca se toca
diretamente no problema, que é a falta de uma visão holística, planetária, sem
fronteiras geopolíticas, algo que abranja e corrija o todo e altere uma rota de
comportamento diretamente relacionado ao modo de vida e consumo.
Mas somos uma espécie introjetada, mergulhada
profundamente em sua dissociação com o meio natural. Criamos um Deus a nossa
própria imagem e semelhança e nos devotamos a ele. O homem é devoto do homem.
Por isso um Deus bipolar, hora vingativo, vaidoso, predador e num outro
instante compreensivo, afetivo e pacificador.
No livro do Gênesis, na
Bíblia judaica – cristã, que contempla elementos de outros livros sagrados,
surge a origem de boa parte da linha condutora do raciocínio e comportamento do
senso comum. Então disse Deus: “Cubra-se a terra de vegetação: plantas que deem
sementes e árvores cujos frutos produzam sementes de acordo com as suas
espécies”. E assim foi. A terra fez brotar a vegetação: plantas que dão
sementes de acordo com as suas espécies, e árvores cujos frutos produzem
sementes de acordo com as suas espécies. E Deus viu que ficou bom.
Momentos mais tarde, no quarto dia: Disse também
Deus: “Encham-se as águas de seres vivos, e voem as aves sobre a terra, sob o
firmamento do céu”. Assim Deus criou os grandes animais aquáticos e os demais
seres vivos que povoam as águas, de acordo com as suas espécies; e todas as
aves, de acordo com as suas espécies. E Deus viu que ficou bom. Então Deus os
abençoou, dizendo: ”Sejam férteis e multipliquem-se! Encham as águas dos mares!
E multipliquem-se as aves na terra”.
No quinto dia: “E disse Deus: Produza a terra seres
vivos de acordo com as suas espécies: rebanhos domésticos, animais selvagens e
os demais seres vivos da terra, cada um de acordo com a sua espécie”. E assim
foi. Deus fez os animais selvagens de acordo com as suas espécies, os rebanhos
domésticos de acordo com as suas espécies, e os demais seres vivos da terra de
acordo com as suas espécies. E Deus viu que ficou bom.
Então disse Deus: “Façamos o homem à nossa imagem,
conforme a nossa semelhança. Domine ele (homem) sobre os peixes do mar, sobre
as aves do céu, sobre os grandes animais de toda a terra e sobre todos os
pequenos animais que se movem rente ao chão”.
O ditado popular nunca foi tão correto, o que é
dado de graça não tem valor. Como o astrofísico Neil Degrasse Tyson diz:
“Não há barreiras científica e tecnológica para se proteger o planeta, mas sim
o que realmente valorizamos”.
No universo paralelo da realidade, onde só habita o
homem, o planeta real pouco interessa. Ele não se dá conta que o ‘homem é o
lobo do homem’, citação suprema do livro Leviatã, publicado em
meados do século 17, pelo filósofo inglês Thomas Hobbes. Isso
significa que o homem é o maior inimigo do próprio homem. Uma analogia sobre os
lobos, que famintos na Pequena Idade do Gelo, compreendida entre os meados da
Idade Média e até o início da Revolução Industrial, atacavam as aldeias
e devoravam as pessoas.
Deixamos de ser caça para ser um voraz predador,
despertando um instinto adormecido. E não isso apenas, mas de aniquilador, que
pretende subjugar todas as coisas, inclusive a natureza.
A sexta maior extinção já
está em curso. A água doce está cada vez em menor disponibilidade, apesar de há
três bilhões de anos não ter entrado ou saído sequer um litro da crosta
terrestre. A Era geológica do Cenozoico, dentro do período Quaternário, época
do Holoceno deu espaço ao Antropoceno. Ou seja, o homem como fator de alteração
do curso natural do planeta e causador de uma nova extinção em massa, a sexta
em nossos registros.
A Terra entrou em um novo período de extinção
em massa, segundo estudos feitos por três universidades americanas. A
pesquisa desenvolvida por cientistas das universidades de Stanford, Princeton e
Berkeley, mostra que os vertebrados estão desaparecendo a uma taxa 114 vezes
mais rápida que o normal. Essa é a confirmação dos resultados da publicação da
Universidade de Duke, ocorrida no ano passado (2014).
O homem se multiplica a taxas insuportáveis para a
própria natureza planetária. Ele próprio sequer conseguiu conceituar sua
própria infestação sobre o corpo terrestre, como parasitas em um hospedeiro.
Bastaria avaliar os números de sua proliferação como espécie no reino animal
(algo que ele também não se compreende como parte integrante). Em 1812 havia um
bilhão de pessoas no planeta, em 1912 cerca de 1,5 bilhão e em 2012 atingimos a
marca de sete bilhões, inclusive com comemorações.
Para o cientista inglês e criador da Hipótese de Gaia, James
Lovelook, o planeta só suporta a manutenção de 2,3 bilhões de seres
humanos. A ideia da Hipótese de Resposta da Terra (denominação original)
apresenta o planeta como ser vivo e que se manifesta, principalmente contra as
agressões sofridas.
Resta uma conclusão, o homem é uma espécie
deslocada da natureza, insana, um projeto capaz de construir e destruir
coisas magnificas para sua compreensão, mas incapaz de se reconciliar com o
tempo planetário.
A Cop 21 mostra
que estamos mais para parasitas, que preferem matar o hospedeiro, que render-se
a ele numa convivência mútua. Como diria o naturalista inglês e premiado
jornalista da BBC, David Attenborough: “Somos muito mais filhos de
desastres naturais que da própria evolução natural”.
Fonte: IHU - Notícias
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* Júlio Ottoboni é jornalista diplomado, pós graduado em jornalismo
científico. tem 30 anos de profissão, atuou na Agência Estado, jornal O Estado
de S. Paulo, Gazeta Mercantil, Jornal do Brasil. entre outros veículos.
Tem diversos cursos na área de meio ambiente, tema ao qual se dedica.
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