Temas diversos. Observar, pensar, sentir, fazer crítica construtiva e refletir sobre tudo que o mundo e a própria vida nos traz - é o meu propósito. Um pequeno espaço para uma visão subjetiva, talvez impregnada de utopia, mas, certamente, repleta de perguntas, questionamentos, dúvidas e buscas, que norteiam a vida de muitas pessoas nos dias de hoje.

As perguntas sobre a existência e a vida humana, sobre a fé, a Bíblia, a religião, a Igreja (sobretudo a Igreja Católica) e sobre a sociedade em que vivemos – me ajudam a buscar uma compreensão melhor desses assuntos, com a qual eu me identifico. Nessa busca, encontrando as melhores interpretações, análises e colocações – faço questão para compartilhá-las com os visitantes desta página.

Dedico este Blog de modo especial a todos os adolescentes e jovens cuja vida está cheia de indagações.
"Navegar em mar aberto, vivendo em graça ou não, inteiramente no poder de Deus..." (Soren Kierkegaard)

quarta-feira, 23 de março de 2016

Despedida inesquecível. - Uma reflexão maravilhosa sobre Quinta-feira Santa, de José Antonio Pagola.


Hoje trago para o blog Indagações-Zapytania uma excelente reflexão  sobre a Quinta-feira Santa. O texto pode servir de grande ajuda para quem deseja entender melhor o que realmente aconteceu durante a Última Céia e que importância isso deveria ter tanto para os discípulos de Jesus, como também para os cristãos de hoje.

O texto é de autoria do padre e teólogo espanhol José Antonio Pagola e foi publicado pelo autor no seu espaço no Facebook.

Vale a pena ler até o fim!
WCejnóg


Quinta-feira santa na ceia do Senhor
José Antônio pagola


Despedida inesquecível


Também Jesus sabe que suas horas estão contadas. No entanto não pensa em se esconder ou fugir. O que faz é organizar um jantar especial de despedida com os amigos e amigas mais próximos. É um momento grave e delicado para ele e para os seus discípulos: quer vivê-lo em toda a sua expressão. É uma decisão pensada.

Consciente da iminência de sua morte, precisa de partilhar com os seus a sua confiança total no Pai mesmo nesta hora. Quer prepará-los para um golpe tão duro; sua execução não pode afundá-los na tristeza ou desespero. Têm que partilhar juntos as interrogações que acordam em todos eles: o que vai ser do reino de Deus sem Jesus? O que devem fazer os seus seguidores? Daqui para frente onde vão alimentar a sua esperança na vinda do reino de Deus?

Aparentemente, não se trata de um jantar pascal. É verdade que algumas fontes indicam que Jesus quis comemorar com os seus discípulos o jantar da Páscoa ou
Seder, na qual os judeus comemoram a libertação da escravidão egípcia. No entanto, ao descrever o banquete, não se faz uma alusão à liturgia da Páscoa, nada se diz do Cordeiro pascal nem das ervas amargas que se come essa noite, não se recorda ritualmente a saída do Egito, tal como estava prescrito.

Por outro lado, é impensável que essa mesma noite em que todas as famílias estavam comemorando o jantar mais importante do calendário judeu, os sumos sacerdotes e os seus ajudantes deixaram tudo isso para tratar da detenção de Jesus e organizar uma reunião noturna com o fim de ir concretizando as acusações mais graves contra Ele. Parece mais plausível a informação de outra fonte que coloca a ceia de Jesus antes da festa da Páscoa, pois nos diz que Jesus é executado em 14 de nisán, na véspera da Páscoa.

Assim, não parece possível estabelecer com segurança o caráter pascal da última ceia. Provavelmente, Jesus peregrinou até Jerusalém para celebrar a Páscoa com seus discípulos, mas não conseguiu realizar o seu desejo, pois foi preso e executado antes de chegar essa noite. No entanto, sim, deu tempo para realizar um jantar de despedida.

Em qualquer caso, não é uma comida normal, mas um jantar solene, o último de tantos outros que tinham celebrado pelas aldeias da Galiléia. Beberam vinho, como se fazia nas grandes ocasiões; jantaram deitados para ter uma mesa tranquila, não sentados, como o faziam cada dia.

Provavelmente não é um jantar de Páscoa, mas no ambiente já se respira a excitação das festas pascais. Os peregrinos fazem seus últimos preparativos: adquirem pão e compram seu cordeiro pascal. Todos procuram um lugar nas pousadas ou nos pátios e terraços das casas. Também o grupo de Jesus procura um lugar tranquilo. Essa noite Jesus não se retira à Betânia como nos dias anteriores. Fica em Jerusalém. Sua despedida tem de se realizar na cidade santa. Os relatos dizem que ele realizou o jantar com os doze, mas não devemos excluir a presença de outros discípulos e discípulas que vieram com ele em peregrinação. Seria muito estranho que, contra o seu hábito de dividir a mesa com todo o tipo de pessoas, mesmo pecadores, Jesus tomasse de repente uma atitude tão seletiva e restrita.

Podemos saber o que se passou realmente nesse jantar? Jesus considerava os almoços e jantares que fazia na Galiléia como símbolo e antecipação do banquete final no reino de Deus. Todos conhecem essas refeições animadas pela fé de Jesus no reino definitivo do Pai. É um dos seus traços característicos enquanto percorre as aldeias.

Também esta noite, aquele jantar lhe faz pensar no banquete final do Reino. Dois sentimentos penhoram a Jesus. Primeiro, a certeza da sua morte iminente; Ele não pode evitar: aquela é a última bebida que vai compartilhar com os seus; todos sabem: Não há como ter ilusões. Ao mesmo tempo, a sua confiança inabalável no reino de Deus, ao que dedicou sua vida inteira. Fala com clareza: "Garanto-vos: já não beberei do fruto da videira até o dia em que o beba novo, no reino de Deus". A morte está próxima. Jerusalém não quer responder à sua chamada. Sua atividade como profeta e portador do Reino de Deus vai ser violentamente truncada, mas sua execução não vai impedir a chegada do reino de Deus que será  anunciado a todos. Jesus mantém inalterável sua fé nessa intervenção salvadora de Deus. Tem a certeza da validade de sua mensagem. Sua morte não tem de destruir a esperança de ninguém. Deus não vai recuar. Um dia Jesus se sentará à mesa para celebrar, com uma bebida na mão, o banquete eterno de Deus com os seus filhos e filhas. Beber um vinho "novo" e partilhar juntos a festa final do Pai. O jantar desta noite é um símbolo.

Movido por esta convicção, Jesus se prepara para animar o jantar e contagiar os seus discípulos com a sua esperança. Começa com a comida seguindo a tradição judaica: fica em pé, toma nas suas mãos o pão e pronuncia, em nome de todos, uma bênção a Deus, ao qual todos respondem dizendo "Amém". Depois de partir o pão distribui um pedaço a cada um. Todos conhecem esse gesto. Provavelmente viram Jesus fazendo assim em mais de uma ocasião. Sabem o que significa aquele rito de quem preside à mesa: ao receber este pedaço de pão, Jesus lhes faz chegar a bênção de Deus. Como lhes impressionava quando ele dava isso aos pecadores, cobradores de impostos e prostitutas! Ao receber aquele pão, todos se sentiam unidos entre si e com Deus. Mas naquela noite, Jesus acrescenta algumas palavras que lhe dão um conteúdo novo e estranho ao seu gesto. Enquanto lhes distribui o pão vai dizendo estas palavras: " Isto é o meu corpo. Eu sou esse pão. Vede-me nestes pedaços me entregando até o final, para vos fazer chegar a bênção do reino de Deus".

O que sentiram aqueles homens e mulheres quando ouviram pela primeira vez estas palavras de Jesus? Surpreendeu-lhes muito mais o que Jesus fez ao acabar o jantar. Todos conhecem o rito ao qual estavam acostumados. No final da refeição, quem presidia à mesa, permanecendo sentado, pegava na sua mão direita uma taça de vinho, a mantinha a um centímetro de altura sobre a mesa e pronunciava sobre ela uma oração de ação de graças pela comida, ao que todos responderam "Amém". Em seguida bebia de seu copo, o qual serviu de sinal aos outros para que cada um beber do seu.

No entanto, naquela noite Jesus muda o rito e convida os seus discípulos e discípulas para que todos bebam de um único cálice: o dele! Todos partilham esse "Cálice de salvação" abençoado por Jesus. Nesse cálice que se vai passando e é oferecido a todos, Jesus vê algo "novo" e peculiar, o que quer explicar: "este cálice é a nova aliança em meu sangue. Minha morte abrirá um novo futuro para vós e para todos". Jesus não pensa só em seus discípulos mais próximos.
Neste momento decisivo e fundamental, o horizonte de seu olhar se faz universal: a nova aliança, o reino definitivo de Deus é para muitos, "para todos".

Com estes gestos proféticos da entrega do pão e do vinho, partilhados por todos, Jesus transforma aquele jantar de despedida em uma grande ação sacramental, a mais importante de sua vida, a que melhor resume o seu serviço ao reino de Deus, e quer deixá-la gravada para sempre em seus seguidores. Quer que continuem ligados a ele e que alimentem nele a sua esperança. Que se lembrem sempre, dedicados ao seu serviço. Continuará a ser "o que serve", o que ofereceu a sua vida e sua morte por eles, o servidor de todos. Assim está agora no meio deles neste jantar e assim quer que o lembrem-se sempre. O pão e o cálice de vinho lhes falará sobretudo da festa final do reino de Deus; a entrega desse pão a cada um e a participação na mesma bebida lhes trará à memória a entrega total de Jesus. "Por vocês": Estas palavras resumem bem o que foi a sua vida ao serviço dos pobres, dos doentes, dos pecadores, dos desprezados, dos oprimidos, de todos os necessitados... Estas palavras expressam o que a sua morte será agora: foi "tudo" por oferecer a todos, em nome de Deus, acolhimento, cura, esperança e perdão. Agora entrega a sua vida até a morte oferecendo a todos a salvação do Pai.

Assim foi a despedida de Jesus, que ficou gravada para sempre nas comunidades cristãs. Seus seguidores não são órfãos; a comunhão com ele não será quebrada por sua morte; se manterá até que um dia bebam todos juntos a taça de "vinho novo" no reino de Deus. Não sentirão o vazio da sua ausência: repetindo aquele jantar podem se alimentar de sua memória e sua presença. Ele estará com os seus alimentando sua esperança; eles prolongarão e reproduzirão seu serviço ao reino de Deus até o reencontro final. De maneira germinal, Jesus está projetando em sua despedida as linhas mestres de seu movimento de seguidores: uma comunidade alimentada por ele mesmo e dedicada totalmente a abrir caminhos para o reino de Deus, em uma atitude de serviço humilde e fraterno, com a esperança posta no reencontro da festa final.

Há também um novo sinal de Jesus, que convida os seus discípulos ao serviço fraterno. O Evangelho de João diz que, em um determinado momento do jantar, ele levantou-se da mesa e "começou a lavar os pés dos discípulos". Segundo o relato, o fez para dar exemplo a todos e que eles saibam que seus seguidores deveriam viver em atitude de serviço mútuo: "lavai-vos os vossos pés uns aos outros". A cena é provavelmente uma criação do Evangelista, mas apanha de maneira admirável o pensamento de Jesus. O gesto é insólito.

Em uma sociedade onde está tão perfeitamente determinado o papel das pessoas e dos grupos, é impensável que o convidado de uma refeição festiva, e menos ainda o que preside à mesa, se ponha a realizar esta tarefa humilde reservada aos servos e escravos. Segundo o relato, Jesus deixa seu posto e, como um escravo, começa a lavar os pés aos discípulos. Dificilmente se pode traçar uma imagem mais expressiva do que tem sido a sua vida, e o que quer deixar gravado para sempre em seus seguidores. Como foi repetido muitas vezes: "quem quiser ser grande entre vós, será vosso servo; e quem quiser ser o primeiro entre vós, será escravo de todos". Jesus o expressa agora plasticamente nesta cena: limpando os pés aos discípulos está agindo como servo e escravo de todos; dentro de algumas horas vai morrer crucificado, um castigo reservado sobre tudo aos escravos.

Fonte: Facebook




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