Achei muito oportuno e atual o artigo É lamentável o triste legado de Barack Obama, de Cornel West, que hoje trago também
para o blog Indagações-Zapytania. O
texto apresenta vários exemplos de decisões e ações desastrosas (e/ou pouco
felizes) do governo Obama sobre as quais pouco se fala e das quais muitos de
nós não tínhamos conhecimento claro. Normalmente somos ‘bombardeados’ pelas
notícias, opiniões e interpretações que a Mídia dominante ‘passa’ à sociedade...
Mas será que tudo isso corresponde à verdade? Por que não se fala de tudo?
Penso
que saber mais sobre qualquer assunto ajuda a cada um de nós formar uma opinião
própria mais objetiva e justa.
O texto foi publicado por The
Guardian, 09/01/2017 e
posteriormente, também no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).
Vale a pena ler com atenção todo o texto!
WCejnóg
IHU - Adital
12 janeiro 2017.
É lamentável o triste legado de Barack Obama
"A era Obama pode ter sido a nossa última chance de
romper com o nosso espírito neoliberal. Estamos estagnados em marcas voltadas
para o mercado que deixam de lado a integridade e em políticas direcionadas
para o lucro que estão acima dos bens públicos. Nosso mundo
"pós-integridade" e "pós-verdade" é sufocado por marcas de
entretenimento e atividades lucrativas que têm pouco ou nada a ver com a
verdade, a integridade ou a sobrevivência do planeta a longo prazo. Estamos
testemunhando a versão pós-moderna da gangsterização do mundo em larga
escala", a opinião é de Cornel
West, filósofo, autor, crítico, ator, ativista americano dos
direitos civis e líder dos Socialistas Democráticos da América. É professor de
Filosofia Pública Prática na Universidade de Harvard, em artigo publicado por The
Guardian, 09-01-2017. A tradução é de Luísa
Flores Somavilla.
Eis o artigo.
Oito anos atrás o mundo estava à beira de uma grande festa: a estreia de um brilhante e carismático presidente negro nos Estados Unidos da América. Hoje estamos à beira de um abismo: a posse de um presidente branco mentiroso e repugnante para substituí-lo.
Este é o declínio deprimente do mais alto cargo do império mais poderoso da história do mundo, que poderia facilmente produzir cinismo generalizado e um niilismo tóxico. Será que realmente existe alguma esperança para a verdade e a justiça nesta era decadente?
Os EUA ainda conseguem ser honestos sobre si
mesmos e reconciliar-se com o seu vício autodestrutivo do culto ao dinheiro e
da xenofobia covarde?
Ralph Waldo Emerson e Herman Melville - os dois grandes intelectuais dos EUA do século XIX - lutaram com questões semelhantes e chegaram à mesma conclusão que Heráclito: caráter é destino ("semeia um caráter, colherá um destino").
A era Obama pode ter sido a nossa última chance de romper com o nosso espírito neoliberal. Estamos estagnados em marcas voltadas para o mercado que deixam de lado a integridade e em políticas direcionadas para o lucro que estão acima dos bens públicos. Nosso mundo "pós-integridade" e "pós-verdade" é sufocado por marcas de entretenimento e atividades lucrativas que têm pouco ou nada a ver com a verdade, a integridade ou a sobrevivência do planeta a longo prazo. Estamos testemunhando a versão pós-moderna da gangsterização do mundo em larga escala.
O reinado de Obama não produziu o pesadelo de Donald Trump - mas contribuiu para isso. E os torcedores fanáticos de Obama que se recusaram a responsabilizá-lo também têm sua parcela nisso.
Alguns de nós imploramos e suplicamos a Obama para romper com as prioridades de Wall Street e socorrer a Main Street (rua principal, em inglês). Mas ele seguiu a opinião de seus "inteligentes" conselheiros neoliberais para socorrer a primeira. Em março de 2009, Obama se reuniu com líderes de Wall Street. Ele proclamou: Estou entre você e os tiranos. Estou do seu lado e vou protegê-los, - ele prometeu. E nenhum executivo criminoso de Wall Street foi para a cadeia.
Pedimos pela responsabilização dos norte-americanos que torturaram muçulmanos inocentes e o esclarecimento do drone dos EUA que atinge e mata civis inocentes. A administração de Obama nos disse que nenhum civil havia sido morto. E, em seguida, fomos informados de que alguns tinham sido mortos. E então recebemos a informação de que talvez cerca de 65 tinham sido mortos. No entanto, quando Warren Weinstein, um civil americano, foi assassinado em 2015, houve uma conferência de imprensa imediata, com profundas desculpas e compensação financeira. E até hoje não sabemos quantos perderam suas vidas.
Chegamos às ruas novamente com o Black Lives Matter, entre outros grupos, e fomos presos por protestar contra a morte de um jovem negro pela polícia. Nós protestamos quando as Forças de Defesa Israelenses mataram mais de 2.000 palestinos (incluindo 550 crianças) em 50 dias. No entanto, Obama respondeu com palavras sobre a situação difícil de policiais, investigações de departamento (em que nenhum policial foi preso) e sobre o adicional de $225 milhões de apoio financeiro ao exército israelense. Obama não disse uma palavra sobre as crianças palestinas mortas, mas chamou o jovem negro de Baltimore de "criminoso e violento".
Além disso, a política de educação de Obama desencadeou ainda mais forças de mercado que fecharam centenas de escolas públicas para abrir escolas autônomas. O 1% mais privilegiado teve cerca de dois terços de crescimento em renda em oito anos, mesmo com a pobreza infantil, principalmente pobreza infantil negra, permaneceu gigantesca. As revoltas dos trabalhadores de Wisconsin, Seatlle e Chicago (vigorosamente reprimidas pelo prefeito Rahm Emanuel, confidente próximo de Obama) foram silenciadas.
Em 2009, Obama declarou que o Prefeito de Nova York, Michael Bloomberg,
era um "excelente prefeito". No entanto, ele esqueceu-se de que mais
de 4 milhões de pessoas foram detidas e revistadas pela vigilância de
Bloomberg. Juntamente com Carl Dix e outros, fui preso dois anos mais
tarde por protestar contra estas mesmas políticas que Obama ignorou ao elogiar
Bloomberg.
No entanto, a grande mídia e a academia não deram destaque a essas verdades dolorosas ligadas a Obama. Em vez disso, os especialistas mais bem pagos na TV e no rádio comemoraram a marca de Obama. E a maioria dos porta-vozes negros descaradamente defenderam os silêncios e crimes de Obama em nome do simbolismo racial e de seu próprio carreirismo.
Quanta hipocrisia vê-los agora falando verdades ao poder branco quando a maioria emudeceu frente ao poder negro. Sua autoridade moral é fraca e sua recém-descoberta militância, rasa.
A matança brutal de cidadãos norte-americanos sem o devido processo após ordens diretas de Obama foi omitida por partidários neoliberais de todas as cores. E Edward Snowden,, Chelsea Manning,, Jeffrey Sterling e outros que falaram a verdade foram demonizados, e os crimes que eles expuseram, raramente mencionados.
A maior conquista legislativa do presidente foi
fornecer assistência à saúde para mais de 25 milhões de cidadãos, mesmo que
outros 20 milhões ainda estejam desprotegidos. Mas permaneceu uma política
de mercado criada pela conservadora Heritage Foundation, cujo pioneiro foi Mitt Romney,
em Massachusetts.
A falta de coragem de Obama para enfrentar
os criminosos de Wall Street e seu lapso de caráter ao ordenar os ataques
de drones involuntariamente deflagraram revoltas populistas de direita no país
e terríveis rebeliões fascistas islâmicas no Oriente Médio. E, como
deporter-in-chief - com cerca de 2,5 milhões de imigrantes deportados -, as
políticas de Obama prenunciaram os planos bárbaros de Trump.
Bernie Sanders galantemente tentou gerar um
populismo de esquerda, mas foi esmagado por Clinton e Obama nas
desleais primárias do Partido Democrata. Então, agora nos encontramos no
início de uma era neofascista: uma economia neoliberal de esteroides, uma
atitude repressiva reacionária a "alienígenas" domésticos, um arsenal
militar ansioso por uma guerra e em negação ao aquecimento global. Ao mesmo
tempo, estamos assistindo a um eclipse da verdade e da integridade em nome da
marca Trump, facilitado pela mídia corporativa sedenta por lucro.
Que legado triste para o nosso candidato da
esperança e da mudança - mesmo para nós guerreiros que ainda agitamos os
desbotados nomes da verdade e da justiça.
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