Hoje trago para o blog Indagações-Zapytania um artigo
muito interessante do jornalista americano John L. Allen Jr*. sobre o Papa Francisco, que acaba de completar cinco
anos à frente da Igreja Católica. Como avaliar esse período? O que se fala sobre
o Papa Francisco? Quais são as opiniões sobre ele? E, sobretudo, como é visto
esse Papa pelos diversos setores da Igreja Católica? – eis algumas indagações
analisadas no artigo.
O
artigo foi publicado no dia 13 de Março deste ano (2018) por Crux, e
também, posteriormente, no
site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).
Vale
a pena ler na íntegra.
WCejnóg
IHU
15
março 2018
Francisco
em seu quinto ano: goste ou não dele, temos um papa relevante
"Embora todo papa seja extremamente relevante
espiritual e teologicamente, Francisco é também surpreendentemente relevante na
definição dos termos em debate dentro do catolicismo", escreve John L. Allen Jr., jornalista, em artigo publicado
por Crux, 13-03-2018. A tradução é de Isaque Gomes
Correa.
Eis o artigo.
Tentar avaliar um papa, assim como um presidente,
primeiro-ministro, premier, é em geral um caminho direito para a subjetividade.
Se julgamos ou não que um papa está fazendo um bom trabalho depende, em
primeiro lugar, do que acreditamos que um papa deve fazer – e aqui as opiniões
sempre abundam.
No momento em que o Papa Francisco marca o aniversário de cinco anos desde a sua
eleição em 13-03-2013, as opiniões sobre o seu papado podem parecer um teste de
Rorschach, por vezes dizendo mais sobre o observador do que sobre o pontífice
observado.
Se, por exemplo, formos do tipo de católico
convencido de que, num mundo confuso e turbulento, a qualidade mais importante
que um papa deve apresentar é uma clareza doutrinal e moral, então Francisco pode
não ir tão bem na avaliação. No entanto, para um católico que acredita que a
Igreja se tornou rígida e ossificada demais antes da eleição do atual papa,
estando excessivamente centrada num cânone estreito de temas morais
contenciosos, então podemos vê-lo como um grande pontífice.
Se resolver os escândalos de abuso sexual clerical for o único teste de um
trabalho papal eficaz, Francisco receberá uma avaliação; se a ênfase estiver na
adesão dele à visão do Concílio Vaticano II (1962-1965), então
receberá uma outra nota; e assim por diante, quase indefinidamente.
Em meio a cosmovisões e pautas as mais diversas, há
algo que podemos dizer sobre o histórico de Francisco após
cinco anos e que seja verdadeiramente objetivo? Talvez isto: ame ou odeie este
papa, ele é inegavelmente relevante.
Francisco é
culturalmente relevante numa diversidade surpreendente de lugares, onde o seu
estilo e o seu discurso não convencionais, combinados com uma mensagem de
misericórdia, continuam a atrair a atenção e comentários. Mesmo quando
desafiado e sob fogo, Francisco continua sendo um ímã para a imprensa.
Francisco é
também politicamente relevante, com os governos ao redor do mundo seguindo as
suas prioridades de perto, e políticos de todas as estirpes buscando explorar o
seu carisma em benefício próprio: mesmo se nem sempre for politicamente
decisivo, como ilustra o sucesso de um partido contrário a imigrantes nas
eleições nacionais italianas no começo do mês.
Finalmente, Francisco é
eclesiasticamente relevante. Isso pode parecer estranho quando afirmado a
respeito de um papa, já que “relevância” parece ser tomado como óbvio. No
entanto, embora todo papa seja extremamente relevante espiritual e
teologicamente, Francisco é também surpreendentemente relevante na definição
dos termos em debate dentro do catolicismo. Todo debate na Igreja,
hoje, resume-se ao que alguém acha da liderança deste papa.
Essas avaliações não nos dizem automaticamente
se Francisco está levando a Igreja para a direção certa,
ou se está definindo as prioridades certas quanto ao engajamento com o mundo.
Não indicam se o seu legado durará ou não, e também não determinam se um dia
ele será lembrado como um santo – como o próprio pontífice recentemente previu
de brincadeira, dizendo que ele e o Papa Emérito Bento XVI estão
na “lista de espera” para uma eventual auréola.
Mesmo assim, o que estes índices de relevância
sugerem é que, independentemente do que se julgue como certo ou errado neste
papado, ele importa: importa para o mundo, importa para os líderes mundiais e
importa para a Igreja que Francisco foi chamado a conduzir cinco anos atrás.
Relevância cultural
Nos EUA, o estudo mais recente do Centro de Pesquisas Pew (Pew Research Center) descobriu que 84% dos católicos americanos
têm uma opinião favorável de Francisco, contra apenas 9% dos que o
veem desfavoravelmente. É verdade: temos aqui um aumento significativo dos 4%
auferidos em 2014 mas, ainda sim, o papa conta com um apoio esmagador entre as
bases católicas americanas.
O citado estudo também sinalizou alguns pontos de
desencanto, com uma parcela de americanos católicos que dizem que Francisco é
“demasiado progressista” pulando 15 pontos percentuais entre 2015 e hoje, indo
de 19% para 34%, e os que acreditam que ele é “ingênuo’ subiram de 15% para
24%, quase um quarto do número total.
Noutras partes do mundo onde a opinião pode ser
cientificamente mensurada, o quadro é em geral o mesmo.
Uma pesquisa em nível mundial do WIN/Gallup
International envolvendo 64 países descobriu que Francisco desfrutava
de uma aprovação de 60%, tornando-o o líder mais admirado no mundo, à frente do
presidente russo Putin, da chanceler alemã Angela Merkel e
do então presidente americano Barack Obama. Entre os católicos ao
redor do mundo, Francisco tinha uma avaliação 85% favorável, marcadamente
próximo do número que a mais recente pesquisa do Centro Pew encontrou nos EUA.
Vida Nueva, importante
publicação católica espanhola, conduziu recentemente a sua própria pesquisa de
opinião e descobriu que 8 em cada 10 espanhóis dizem que sairiam para tomar uma
cerveja com o Papa Francisco, o que dá a entender que a maior parte
da população gosta dele.
Uma outra medida da relevância do papa é a sua
presença nas mídias sociais. As suas nove contas no Twitter
têm, hoje, juntas 42.6 milhões de seguidores, com a versão em inglês um pouco à
frente da espanhola, com 17 milhões e 16.3 milhões, respectivamente.
Quando o Vaticano lançou em março de 2016 a conta
de Francisco no Instagram, ele atraiu mais de um milhão
de seguidores em apenas doze horas. Este número superou o recorde anterior, que
era de David Beckham, que havia levado 24 horas para conseguir a
mesma façanha.
Embora seja difícil obter dados empíricos sobre o
volume de atenção em nível mundial dispensada a Francisco pela
imprensa, a impressão que temos sugere que ele é facilmente um dos seres
humanos mais presentes nela em suas publicações. Ironicamente, para um papa que
frequentemente pede uma “descentralização salutar” na Igreja, não há nada de
descentralização sobre a quem a imprensa recorre atualmente quando quer
apresentar uma história católica – o foco recai quase exclusivamente sobre ele.
Estas últimas semanas sugerem que o longo caso de
amor da imprensa com Francisco pode estar perdendo força,
principalmente em consequência das críticas sobre o tratamento dele dispensado
no caso de Dom Juan Barros, no Chile, e, de modo mais amplo, na resposta que
deu aos escândalos de abuso sexual clerical. Grande parte disso dependerá de
como Francisco vai lidar com as coisas a partir daqui, mas, por enquanto, ele
continua sendo o assunto de uma constante, e amplamente positiva, cobertura.
Um recente editorial do jornal inglês Catholic
Herald assim disse:
“A enorme imagem do Papa Francisco na imprensa
permitiu-lhe ter uma atenção como poucos papas antes dele. Quando faz escolhas,
ele consegue fazer com que sua mensagem corra a uma intensidade que papas
anteriores precisariam se esforçar para conseguir”.
Relevância política
No ranking anual da revista Forbes com as
pessoas mais poderosas do mundo, Francisco atualmente ocupa o
posto número cinco, atrás de Putin, Trump, Merkel e
do presidente chinês Xi Jinping. Francisco ocupa a fileira mais
alta de alguém que não é chefe de Estado, e é também o único líder religioso e
espiritual em toda a lista de 75 nomes.
Não há praticamente nenhum grande desafio de política
pública no século XXI sobre o qual Francisco não se
pronunciou, desde a luta contra as mudanças climáticas e o tráfico humano até a proteção da Amazônia, a oposição tanto ao aborto quanto
à pena de morte, a difusão do terrorismo religiosamente inspirado
e a perseguição religiosa, entre outros.
Também não há praticamente nenhuma zona de conflito
no mundo em que Francisco e sua equipe diplomática não tenham
se engajado, desde a Síria e o Iraque até
a República Centro-Africana e a República Democrática
do Congo.
Conversando com os diplomatas acreditados à Santa
Sé nesta segunda-feira, todos eles dizem a mesma coisa quando
perguntados se os seus governos tomam nota quando Francisco fala
sobre um determinado assunto: “E como!”
Há uma lista impressionante de áreas em que a liderança
de Francisco não parece ter feito diferença, entre elas: ajudar a
deter a invasão ocidental da Síria em 2013 que pretendia derrubar o regime do
presidente Bashar al-Assad; ser inspiração moral para a adoção de
limites nas emissões de gás carbono na cúpula climática de Paris sobre
o clima em 2015; e ajudar a pavimentar o caminho para a restauração das relações diplomáticas entre os EUA e Cuba, também em 2015.
No entanto, é justo dizer que os ventos políticos
parecem estar, de certo modo, soprando contra o pontífice, talvez começando com
a eleição de Trump nos EUA. Ainda que Trump tenha
tido uma vitória estreita em parte graças ao apoio de eleitores religiosos,
incluindo uma grande parcela de católicos, em certo sentido essa não era
exatamente a agenda de “fé e valores” que Francisco preferiria,
a começar com a questão dos direitos dos imigrantes.
As eleições italianas no começo deste mês, em que
a Liga do Norte liderada por Matteo Salvini emergiu
como um dos dois grandes vencedores – depois que Salvini, de modo
provocativo, segurou um rosário numa campanha em fevereiro, dando a entender
que a sua postura nacionalista anti-imigrantes fosse uma verdadeira defesa da
fé –, foi talvez uma pílula particularmente amarga para se tomar, embora
Francisco tenha feito questão de ficar fora dos debates políticos italianos.
Quanto ao impacto direto de Francisco quando
escolhe se envolver numa situação, a República Centro-Africana é
um caso ilustrativo. Quando
visitou o país atormentado pela guerra em novembro de 2015,
as “vibes” positivas geradas na viagem foram grandemente creditadas pela
criação de um clima social no qual uma transferência de poder foi possível.
Após esse momento, no entanto, o país voltou ao
caos, com atentados recentes contra prestadores de ajuda humanitária fazendo
com que muitos desses grupos saíssem do país, e com sobreviventes a descreverem
uma prática crescente de estupro coletivo entre os vários grupos e facções
armados envolvidos no conflito.
A experiência, portanto, demonstra que Francisco não
pode simplesmente usar uma varinha mágica e fazer desaparecer os problemas
mundiais, tampouco pode necessariamente curvar os eleitorados à sua vontade.
Mesmo assim, como um exercício de pensamento,
consideremos esta questão: Se você vivesse num lugar atormentado pela guerra
neste exato momento e ouvisse que um importante líder mundial faria uma visita,
que nome mais lhe traz esperança de que algo bom resulte?
É bem provável que Francisco se
saia bem nessa pesquisa, e para um líder com nenhum exército, nenhuma economia
nacional e nenhum dos instrumentos usuais de poder, certamente esse parece ser
um resultado surpreendente.
Relevância eclesiástica
Em certo sentido, parece tolice avaliar a relevância
eclesiástica de um papa. O Código de Direito Canônico, no
número 331, diz do pontífice: “em razão do cargo, [ele] goza na Igreja de poder
ordinário, supremo, pleno, imediato e universal, que pode exercer sempre
livremente”. Nesse sentido, poderíamos
nos perguntar: Se o papa – qualquer papa – não for relevante para a Igreja,
quem afinal será?
Mesmo assim, é inevitável que alguns papas sejam
mais relevantes eclesiasticamente do que outros. Antes da ascensão das
comunicações modernas no século XX, muitos católicos no mundo, talvez a ampla
maioria, pouco sabiam sobre o papa, e ele certamente não era em geral aquilo
que as pessoas pensavam quando ponderavam sobre “a Igreja”.
No século XX, os papas variavam quanto ao que
sabiam sobre o estado da arte na Igreja.
São João Paulo II foi uma figura
extremamente carismática e um destacado líder, por exemplo, mas mesmo em seus
dias muitos debates no catolicismo tinham pouco a ver diretamente com ele. A
liturgia e a pressa por “uma reforma da reforma” nos anos 90 são um bom exemplo,
quando a energia, na realidade, não estava mais vindo do pontífice.
Na maior parte do tempo, o próprio liturgista
pessoal de João Paulo foi um progressista, mas o seu chefe
litúrgico na Congregação para o Culto Divino era um grande
conservador, o que permitiu que ambos os lados do debate reivindicassem o apoio
papal.
Hoje, entretanto, não há dúvida de que todo o
debate importa: desde a Comunhão para os divorciados e recasados até a possibilidade de diaconisas e padres casados decorrem
diretamente de algo que Francisco disse ou fez, ou
indiretamente das forças que ele põe em movimento. Às vezes, é quase como se
outras figuras importantes da hierarquia católica, incluindo altas autoridades
vaticanas, tivessem entrado para um programa de proteção a testemunhas devido à
invisibilidade que estão tendo.
Os críticos frequentemente dizem que isso acontece porque
Francisco criou um culto à personalidade em torno de si, e
intimidou os dissidentes para que ficassem quietos por meio de repreensões.
Enquanto isso, os fãs acreditam é porque a visão do papa é exatamente aquilo
que a Igreja necessita, e interpretam a impressão geral criada como uma
confirmação de que ele está no caminho certo.
Talvez seja instrutivo fazer uma comparação
entre Francisco e o antecessor que ele pretende canonizar
ainda este ano: o Beato Papa Paulo VI. Paulo foi eleito em 1963, o que significa que
ficou no cargo aproximadamente quatro anos, quase o mesmo tempo que Francisco
hoje, quando os Beatles gravaram o álbum “Magical Mystery
Tour”, com a música “Fool on the Hill” [O bobo na colina].
A letra assim diz:
“His head in a cloud” [Sua cabeça numa
nuvem]
“The man with a foolish grin is talking
perfectly loud” [O homem com um sorriso bobo fala perfeitamente alto]
“But nobody wants to hear him” [Mas ninguém
quer ouvi-lo]
“They can see that he’s just a fool” [Eles
podem ver que é apenas um tolo].
Mais tarde, Paul McCartney diria
que aí pensava em Maharishi Mahesh Yogi, um sábio indiano que
alcançou uma breve fama sendo uma espécie de capelão da banda. Alguns críticos
do rock na época, no entanto, achavam que a música poderia ser uma referência
a Paulo VI, que era visto com estando isolado, um alguém sem de
contato, que não era realmente levado a sério fora dos muros do Vaticano.
Talvez a melhor aposta para uma avaliação objetiva
de Francisco neste momento seja esta: Se os Beatles fossem
gravar “Fool on the Hill” hoje, é muito pouco provável que alguém pense
se tratar de uma referência ao atual pontífice.
“Revolution”, talvez, ou mesmo “The Long
and Winding Road” [A longa e sinuosa estrada], também da banda inglesa, mas
definitivamente não uma balada sobre a irrelevância.
_____________
* John L. Allen, Jr. (1965) é um jornalista americano, residente
em Roma que se especializou em noticiário sobre a Igreja Católica. É
correspondente senior do National Catholic Reporter e
vaticanista da CNN e
da NPR.
Allen Jr. é autor de várias obras sobre a Igreja Católica. Escreveu duas
biografias do Papa Bento XVI, a primeira publicada em 2000, quando ainda era
cardeal - foi a sua primeira biografia em inglês. In: Wikipedia