Hoje
trago para o blog Indagações-Zapytania o artigo Os índios, nossos mortos, do escritor Luiz Ruffato. O texto não é
recente (foi publicado
em julho de 2016), mas continua muito atual no contexto político e social do
Brasil de hoje.
Espero
que a publicação desse artigo também aqui, no meu blog, possa ser uma pequena
contribuição na divulgação e defesa da causa indígena.
Vale
a pena ler!
WCejnog
por
LUIZ
RUFFATO
13 jul 2016
Os índios, nossos mortos
O Brasil, país
racista e preconceituoso, sempre demonstrou profundo desprezo pelos povos
indígenas
Indios protestam na marquise do Congresso Nacional
em dezembro
de 2015 JOSÉ CRUZ AGÊNCIA BRASIL
O recente episódio
envolvendo a indicação, e posterior desistência, para o comando da Fundação
Nacional do Índio (Funai) de um general identificado com a ditadura
militar é bastante emblemático do tratamento que o Estado dispensa à população
nativa brasileira. A escolha do nome do general Sérgio Roberto Peternelli para o
cargo deveu-se ao Partido Social Cristão (PSC), ligado à Assembleia de
Deus, e que tem entre seus líderes o pré-candidato à Presidência da República, deputado
federal Jair Bolsonaro (RJ), de claras tendências fascistas. O
PSC defende a Proposta de Emenda Constitucional 215 que transfere do Executivo
para o Congresso a competência exclusiva para aprovar a demarcação de terras
indígenas e o direito de retificar aquelas já homologadas. O que significaria,
na prática, o fim das reservas.
O Brasil, país racista e
preconceituoso, sempre demonstrou profundo desprezo pelos povos indígenas. O
governo da presidente Dilma Rousseff, pressionado por interesses os mais
diversos, foi responsável pelo pior índice de demarcação de terras de todo o
período democrático: em cinco anos, ela homologou um total de 3,3 milhões de
hectares - o governo Itamar Franco, em apenas dois anos, homologou 5,4 milhões
de hectares. O recorde de demarcações pertence ao governo Fernando
Henrique Cardoso, que, em dois mandatos, homologou um total de 42 milhões
de hectares. O descaso com a questão indígena é a principal causa da violência
no campo. De forma ilegal, alicerçados na força das armas e da corrupção, os
fazendeiros avançam pelas florestas, derrubando-as para transformá-las em
lavoura e pasto. O Brasil aparece como o campeão absoluto de desmatamento no
mundo, com perda média de 984 mil hectares de florestas por ano, segundo
relatório da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO).
O resultado desse conflito histórico pode ser medido em
números: calcula-se que quando os primeiros homens brancos aqui aportaram havia
cerca de 5 milhões de índios. Hoje, mais de 500 anos depois, eles não passam de
850 mil, segundo dados do IBGE. Caçados como animais, mortos em
guerras bacteriológicas, expulsos para longe de seus domínios, confinados em
pequenas reservas, os indígenas foram vítimas de um verdadeiro genocídio, que
extinguiu etnias, línguas, culturas. E,
o mais inacreditável, em pleno século XXI continuam sendo perseguidos e tendo
seus direitos básicos desrespeitados, por conta da omissão do Estado, que no
Brasil, antes de ser expressão de aspirações coletivas, é fortaleza de
interesses privados.
De acordo com relatório
do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), em 2014 foram assassinados
138 índios, a maioria decorrente de conflitos com invasores de seus
territórios. A omissão do Poder Público foi também responsável pelo falecimento
de 21 índios adultos por falta de acesso ao sistema de saúde – uma doença comum
como a gripe, por exemplo, é responsável por 15,3% das mortes entre índios
adultos. A mortalidade infantil entre a população
indígena atinge índices inaceitáveis: 41,9 crianças mortas por mil nascidas
vivas, quando a média nacional é a metade, 22 crianças mortas por mil nascidas
vivas. Além disso, números da Data SUS mostram que a principal
causa de óbito entre crianças indígenas de até 9 anos de idade é a desnutrição
– esse grupo representa, sozinho, 55% do total das mortes por desnutrição no Brasil.
Menosprezados, desassistidos,
abandonados, o índice de suicídio entre os indígenas alcança proporções
alarmantes. Dados recolhidos no Mapa da Violência do
Ministério da Saúde expõem que enquanto a média do Brasil é de 5,3 suicídios
por 100 mil habitantes, a incidência entre os indígenas atinge uma média de 9
suicídios para cada 100 mil habitantes, podendo chegar, em alguns municípios da
região Norte, a 30 suicídios por 100 mil habitantes. Um estudo da ONU afirma
que o suicídio entre jovens indígenas ocorre em um
contexto de discriminação, marginalização, colonização traumática e perda das formas
tradicionais de vida, que forjam um sentimento de isolamento social.
No Brasil, os índios
ocupam o último lugar na escala social. São os mais invisíveis dos invisíveis,
os mais discriminados entre os discriminados, os mais ultrajados entre os ultrajados.
Estão mortos, antes mesmo de morrer.
Fonte: El País
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