Hoje trago para o blog Indagações-Zapytania um
artigo muito bom sobre a questão levantada ultimamente por vários meios de
comunicação e repetida no mundo inteiro, de que o Papa Francisco tivesse negado
a existência do inferno. Muitas pessoas ficaram surpresas e até desorientadas
diante dessas informações.
O artigo abaixo, do padre
jesuíta Thomas J. Reese, trata desse
assunto e oferece uma boa oportunidade para esclarecer algumas possíveis dúvidas. Foi publicado por Religion News Service no início deste mês (abril de
2018) e também, posteriormente, no site do Instituto Humanitas Unisinois (IHU)
Vale
a pena ler!
WCejnóg
IHU
- ADITAL
05
abril 2018
Papa
Francisco e o inferno. Artigo de Thomas J. Reese
As mídias sociais foram à loucura com as notícias
de que o Papa Francisco havia negado a existência
do inferno. Até mesmo alguns meios de comunicação
tradicionais publicaram a história, supostamente baseada em uma entrevista
com um jornalista italiano.
O comentário é do jesuíta estadunidense Thomas J. Reese, ex-editor-chefe da revista America,
dos jesuítas dos Estados Unidos, de 1998 a 2005, e autor de O
Vaticano por dentro (Ed. Edusc, 1998). O artigo foi
publicado por Religion News Service, 03-04-2018. A tradução é
de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto
Qualquer um que tenha acompanhado as falas e os sermões
do papa saberia imediatamente que algo não cheira bem aí. O papa de fato falou
do inferno no passado de uma forma que indica claramente que ele acredita nele.
Em 2014, o papa mencionou o inferno ao chamar a
máfia à conversão. Em 2016, ele disse que as pessoas que não abrem seus
corações a Cristo acabarão condenando a si mesmas ao inferno.
No mesmo ano, ele se referiu ao inferno como “a verdade” e descreveu-o como
estar “longe do Senhor por toda a eternidade”.
A explicação papal mais extensa sobre o inferno
veio em 2015, em resposta à pergunta de uma escoteira que questionou: “Se Deus
perdoa a todos, por que existe o inferno?”. Francisco reconheceu
que essa era uma “pergunta boa e difícil”.
O papa falou de um anjo muito orgulhoso que tinha
inveja de Deus, relata o Catholic News Service.
“Ele queria o lugar de Deus”, disse Francisco.
“E Deus queria perdoá-lo, mas ele dizia: ‘Eu não preciso de perdão. Eu sou
suficiente para mim mesmo!’”
“Isso é o inferno”, explicou o papa. “É dizer a
Deus: ‘Arranje-se você, porque eu me arranjo sozinho’. Não te mandam ao
inferno: você é que vai, porque você escolhe estar lá. O inferno é querer se
afastar de Deus porque eu não quero o amor de Deus. Isso é o inferno.”
A maioria dos teólogos contemporâneos concordaria
com o papa. O inferno não tem a ver com fogo e enxofre; tem a ver com a nossa
liberdade de dizer não a Deus, a nossa liberdade de rejeitar o amor e escolher
a solidão. Se você acredita em liberdade, você tem que acreditar no inferno.
Quando fechamos nossos corações e dizemos que o
mundo vá para o inferno, estamos, de fato, escolhendo o inferno para nós
mesmos. O inferno é a ausência de amor, companheirismo, comunhão. Nós não somos
enviados para lá; nós o escolhemos. Deus não criou o inferno; nós o criamos.
Por outro lado, alguns teólogos pensam que o
inferno está vazio porque, uma vez que nos encontremos com Deus, nós o
escolheremos.
Então, por que a confusão sobre Francisco e
o inferno?
A confusão veio de Eugenio
Scalfari, o cofundador de 93 anos e ex-editor do jornal
italiano La Repubblica, que, em uma reportagem de 28 de março,
afirma que o papa disse a ele que “o inferno não existe”.
Esta não é a primeira vez que Scalfari causou
frisson relatando suas conversas com o papa. Scalfari é um
amigo ateu com quem o papa gosta de falar. Scalfari apresenta
citações detalhadas do papa, apesar de não gravar suas conversas, nem mesmo
fazer anotações.
Todo repórter em Roma sabe que
você não pode levar as reportagens de Scalfari a sério, mas
suas histórias são sensacionais demais para serem ignoradas.
A Sala de Imprensa do Vaticano emitiu uma
declaração suave indicando que nenhuma citação no artigo
pode “ser considerada como uma transcrição fiel das palavras do Santo Padre”. O
que ela deveria ter dito é que o artigo era um absurdo absoluto. E poderia,
então, ter dado aos repórteres a explicação do papa sobre o inferno em 2015.
Isso teria poupado muita confusão a todos.
Nota de IHU On-Line: Karl Rahner, por ocasião do seu 75º aniversário, concedeu
uma longa entrevista para a revista America. A entrevista foi
republicada neste ano e traduzida em português e pode ser lida, na
íntegra, aqui.
Na entrevista, falando da sua obra teológica, o
teólogo alemão, confidencia:
"Há um ou dois anos, talvez, eu realmente
tinha a intenção de escrever algo sobre um possível ensino ortodoxo sobre
a apocatástase (a doutrina de que todos os seres livres, no
fim, compartilharão a graça da salvação). Na realidade, a teologia anterior
considerou a existência da condenação eterna e do inferno como um fato já dado
ou do qual se tinha a certeza absoluta de que ocorreria, no mesmo sentido que
considerava como certos o paraíso e a bem-aventurança eterna.
Hoje, penso eu, não apenas eu, mas também outros
teólogos, falaríamos de um modo diferente, sem querer representar um ensino
herético sobre a apocatástase. Dentro do meu tempo histórico, devo
lidar, de fato, de forma absoluta e incondicional, com a possibilidade de estar
eternamente perdido. Mas, apesar de certos textos do Novo Testamento,
eu não sei com absoluta certeza se essa perdição eterna ocorre para qualquer
pessoa em particular. E posso dizer, espero, sem conseguir saber disso agora
com certeza, que Deus, de fato, criou um mundo em que todas as questões
realmente encontram uma solução positiva.
Então, eu realmente ainda gostaria de escrever algo
sobre esse ensinamento sobre a apocatástase que fosse ortodoxo
e aceitável. Mas é uma questão muito difícil. Você provavelmente teria que
estudar e responder mais uma vez novas questões na história do dogma e,
especialmente, também na exegese. Você também deveria considerar questões de
interpretação exegética e filosófica. Para tudo isso, meu tempo e forças podem
não ser suficientes. Então, eu não sei como isso vai prosseguir."
Fonte: IHU - Adital
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