Acredito
que conhecer as opiniões de outras pessoas sempre seja importante e proveitoso
para qualquer um, principalmente saber mais daquelas mais conhecidas, que marcaram a
história da humanidade.
Hoje
trago para o blog Indagações-Zapytania um artigo muito interessante intitulado “O jovem e o velho Marx”, de Eduardo Nunomura (Professor na Faculdade Cásper Líbero e
Editor de cultura na CartaCapital), que fala sobre o filósofo
talvez mais conhecido no século XIX e XX e, lógico, também atualmente. Trata-se
de Karl Marx. É bom lembrar que Karl
Marx foi também sociólogo e jornalista.
Acho
que a leitura desse texto pode nos ajudar a elaborar melhor as nossas próprias
opiniões, corrigir e construir novos olhares sobre o mundo, a sociedade, o
homem, a vida em si e até sobre nós mesmos.
O
texto foi publicado por Eduardo Nunomura em julho deste ano (2018) na Carta Capital.
Vale
a pena ler!
WCejnóg
O jovem e o velho Marx
por Eduardo Nunomura
— publicado 08/07/2018
No ano do bicentenário do filósofo, duas obras
revelam fatos desconhecidos e ajudam a desconstruir mitos criados sobre o autor
de 'O Capital'
Mais de 30 grandes biografias já foram escritas
sobre Marx.
Na gíria inglesa, Old Nick, ou “Velho Nick”,
significava “Velho Diabo”, e era assim que Karl Marx assinava
as cartas que enviava às filhas ou ao amigo Friedrich Engels. Detratores, e não
foram poucos, o acusaram de ser antissemita ou racista. Um padre romeno
publicou um livro questionando se ele não era satanista. A história é pródiga
em se repetir como farsa, o próprio Marx ensinou isso ao mundo, mas ele se
divertia com a comparação.
O Mouro, como também era chamado entre os mais
próximos, nunca foi alguém que coubesse em um só apelido. A complexidade de seu
pensamento foi difundida como mera oposição entre o “jovem” Marx, filosófico e
humanista, e o “velho” Marx, econômico e científico.
Duas biografias da editora Boitempo, lançadas neste
ano em que se celebra o bicentenário de seu nascimento, partem justamente
dessas duas frentes, mas alargam a compreensão sobre a vida de um dos maiores
pensadores do século XIX.
A esta altura da história, quando mais de 30
grandes biografias sobre Marx já foram lançadas, cabe perguntar as razões que
fizeram o matemático e cientista político alemão Michael Heinrich, autor
de Karl Marx e o Nascimento da Sociedade Moderna – Volume 1 (1818-1841),
e o filósofo e cientista político italiano Marcello Musto, de O Velho
Marx: Uma Biografia de Seus Últimos Anos (1881-1883), a embarcarem nessa
tarefa.
“Marx é o autor cujo perfil mais sofreu
modificações no decorrer dos últimos anos”, justifica Musto. Segundo ele, o
filósofo foi capaz de examinar as contradições da sociedade
capitalista muito além do conflito entre capital e
trabalho. No fim da vida, dedicou seu tempo para refletir sobre questões
ecológicas, conflitos em países não ocidentais e como o colonialismo exercia um
poder destruidor sobre as periferias do sistema capitalista.
Heinrich relembra que o Mouro também era um
estudioso de matemática, ciências naturais, antropologia, linguística e
história. “Essa diversidade de temas só pode ser compreendida em toda a sua
abrangência se levarmos em consideração os inúmeros artigos de jornal e seus
cadernos de excertos”, diz. “Marx não foi somente um pesquisador dedicado a
trabalhos científicos, mas um jornalista político.”
Um diferente e menos dogmático Marx começou a
emergir a partir das recentes publicações da Edição Completa da Obra de
Marx e Engels (mais conhecida como Mega, de Marx-Engels-Gesamtausgabe,
em alemão), e é sobre essa fonte de originais em alemão que os pesquisadores
têm se debruçado.
Constam novas versões de algumas obras, como A
Ideologia Alemã (1845), a dissertação e a tese de Marx, o Manifesto
Comunista (1848), os manuscritos preparatórios de O
Capital (1867), as cartas enviadas ou recebidas por ele a Engels e 200
cadernos de anotações que incluem os livros lidos e comentados pelo “Velho
Nick”. Imagina-se que, quando for inteiramente publicada, a coleção seja
composta de 114 volumes. Até agora são 66 volumes.
Esta não é a primeira tentativa de publicar os
originais. Entre 1927 e 1935, 12 volumes foram publicados pelo Instituto
Marx-Engels, de Moscou, mas com a ascensão de Hitler na Alemanha, em
1933, o projeto foi descontinuado. Apenas depois da morte de Stalin é que
editores soviéticos e alemães voltaram a trabalhar no material. Em 1975, foi
publicado o primeiro volume na chamada fase 2 da Mega, e a nova
leva só veio a ser retomada, na prática, em 1998.
O biógrafo Marcello Musto optou por enfrentar
alguns mitos, como o de que a curiosidade de Marx teria sido saciada e, nos
últimos anos, ele até teria parado de trabalhar. Na verdade, o italiano
descobriu que o “Velho Nick” estava atento aos principais acontecimentos
da política internacional.
Reunia-se com dirigentes das forças de esquerda da
Europa, ajudando-os a organizar a luta para pôr fim ao modo burguês de
produção. Criticava economistas americanos pseudossocialistas, que tentavam
“convencer a si mesmos e ao mundo de que, com a transformação da renda
fundiária em imposto pago ao Estado, desaparecerão automaticamente todas as injustiças
da produção capitalista”.
Condenava os russos pela lentidão do
desenvolvimento econômico, em fins do século XIX. Mas, tirando Alemanha, França
e Rússia, Musto afirma que Marx “continuava um total desconhecido na
Inglaterra” e seus escritos tinham dificuldade de circular na Itália, na
Espanha ou na Suíça, onde Mikhail Bakunin (1814-1876) fazia mais sucesso.
Ávido leitor, Marx tinha em sua biblioteca livros
de Shakespeare, Dickens, Molière, Racine, Bacon, Goethe e Voltaire, obras
políticas em alemão, francês, russo, inglês, espanhol e italiano. Referia-se
aos livros como “meus escravos e devem obedecer à minha vontade”. Dobrava as
pontas das páginas, fazia pontuações a lápis, sublinhava os textos. O biógrafo
italiano procurou construir uma narrativa fluida e ligeira, que flerta com uma
versão romanceada, mas sem se descuidar do rigor da pesquisa histórica.
Como em uma novela, o biografado revela-se mais
humano quando Musto narra a sucessão de fatos trágicos dos anos finais, desde a
morte da mulher, Jenny von Westphalen, até os problemas de saúde dele (sofria
com a bronquite e era tratado à base de quinino, morfina e clorofórmio) e das
filhas, Eleanor e Jenny.
Para se curar, viajou até a Argélia, depois a
Montecarlo, Cannes e Lausanne. Em 14 de março de 1883, Marx morreu em sua casa
na periferia de Londres de um colapso repentino. “A humanidade tem agora uma
inteligência a menos, a mais importante de que ela poderia se orgulhar hoje em
dia”, escreveu o amigo Engels.
As obras de Musto e Heinrich ajudam a clarear o
debate em torno da herança deixada por Marx. Em
vários campos do saber, incontáveis correntes e leituras, algumas delas
conflitantes entre si, ancoram-se em seus pensamentos ou se consideram
influenciados por eles. Muitos se autodenominam marxistas, mas não seria
improvável que fossem repreendidos. “Tudo o que sei é que não sou marxista”,
ironizou ele, certa vez, aos que se diziam seguidores de suas ideias sem
conhecê-las profundamente.
Para Heinrich, a obra do filósofo “não é só
fragmentária, ela é uma sucessão de fragmentos” e se constitui de “uma série
permanente de tentativas interrompidas, de recomeços que não são continuados”.
Em texto mais rigoroso e lento, a biografia dele
pormenoriza e contextualiza cada evento significativo da infância e da
juventude de Marx, recorte do primeiro de três volumes que almeja concluir até
2022. Como se fosse um escrutinador literário, o biógrafo recorre a fontes originais
para apontar erros factuais e desmontar algumas “teses” que outros escritores
criaram para lustrar – ou macular – a imagem e a reputação do autor.
Algumas das mais famosas obras de Marx foram os
textos de juventude (ou Grundrisse, em alemão), mas esses só foram
publicados décadas após sua morte. Dos textos jornalísticos, de grande
repercussão na época, grande parte ainda é desconhecida. O cientista político
faz uma criteriosa revisão de informações que foram inflacionadas conforme
a conveniência, marxista ou não.
Mostra, por exemplo, que nos trabalhos de conclusão
do ginásio Marx, com 17 anos, redigia textos que poderiam “contribuir para a
prosperidade humana dentro do mundo burguês e como membro de uma elite
burguesa”.
Ele cresceu em condições relativamente prósperas em
Trier, na então Prússia. De família judaica que se converteu ao cristianismo
protestante, foi influenciado pelas ideias iluministas do pai, o advogado
Heinrich. Mudou-se para Bonn, a fim de estudar Direito, com direito a prisão
universitária por arruaça e embriaguez.
Foi, então, enviado a Berlim, onde havia a maior
universidade da Prússia. Lá escreveu alguns poemas românticos e logo tomou
conhecimento de filósofos como Demócrito, Epicuro e Kant, além de mergulhar na
filosofia de Friedrich Hegel, o mais influente de todos, “extremamente
importante para o desenvolvimento intelectual de Marx”, anota o biógrafo.
Aos 19 anos, o prodígio entrou para o “clube dos
doutores”, o mais jovem de um grupo de pesquisadores como Karl Althaus, Adolf
Rutenberg, Karl Köppen e Bruno Bauer, que discutiam história e filosofia e
alinharam-se à corrente dos jovens hegelianos,
tidos como pensadores mais à esquerda, enquanto os velhos hegelianos eram
vistos como mais à direita.
Já noivo de Jenny, quatro anos mais velha, ele foi
cobrado pelo pai para concluir os estudos e assumir o relacionamento amoroso.
Marx assumiu ainda jovem esse amor e viveu com Jenny até ambos ficarem
“velhos”.