Dia
dos Finados
Abaixo, uma interessante reflexão, que tem como pano de fundo o texto
bíblico Mt 25, 31-46 (“Vinde benditos de
meu Pai”), do padre jesuíta Adroaldo Palaoro.
O texto foi publicado na no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).
Não deixe de ler!
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IHU - ADITAL
02 Novembro 2018.
Finados:
“Assim na Vida como na vida”
A reflexão bíblica é elaborada
por Adroaldo Palaoro, sacerdote jesuíta, comentando o evangelho
da Comemoração dos Fiéis Defuntos - Ciclo B (02/11/2018) que
corresponde ao texto bíblico de Marcos 25,31-46.
“Vinde, benditos de meu Pai!” (Mt
25,34)
Todos somos criaturas procedentes das
entranhas d’Aquele que é Plenitude e Presença. Filhos e filhas de Deus, gerados
pelos nossos pais, desde toda a Eternidade estamos em seu pensamento e em seu
coração; daí nosso desejo de eternidade. Na Eternidade não há passado nem
futuro, só Presente, aqui e agora.
Ao nascer, começamos a existir, mas
já estávamos na mente e no coração de Deus; existir é ser no tempo; ao morrer,
deixamos de existir, mas não deixamos de ser. Usando uma expressão poética
podemos dizer que “somos suspiros de amor de Deus” e, tal como as ondas do mar
que beijam a praia e retornam ao oceano que as constitui, assim nós também
retornaremos à nossa Fonte original; seremos “aspirados” para dentro do coração
oceânico do Deus Pai/Mãe.
Isso celebramos cada 2 de novembro: a
esperança de que aqueles que morreram, já vivem ressuscitados para a Vida de
Deus. No “Dia de Finados”, nós cristãos re-cordamos (visitamos de novo
com o coração), na oração e no afeto, aqueles(as) que amamos e que já deixaram
este mundo. Apesar de sua ausência física, pela fé sabemos que a morte não tem
nunca a última palavra. De fato, a morte é a passagem para a Vida, para sempre;
a Vida que não terá fim, pois nosso Deus não é Deus de mortos, mas de vivos.
Porque para Deus, todos vivem.
Celebrar e recordar os falecidos a
cada 02 de novembro e cada dia na eucaristia nos anima a viver a fé na
Ressurreição e nos encher de esperança.
A experiência cristã da morte parte
de uma revelação básica: Deus não quer a morte, mas a vida, a vida plena para
toda pessoa humana. “Tu perdoas a todos, porque são teus, Senhor, amigo da
vida” (Sab. 11,26). Somos convidados à confiança em Deus, renunciando toda
pretensão de querer controlar nossa existência; somos movidos a reconhecer que
os momentos cruciais de nossa vida foram “dom de Deus”, mais que planificada
construção nossa.
Morrer é o processo pelo qual nos
“reintegramos” na Vida que sempre fomos. Somos viventes mortais e honramos os
nossos mortos, aqueles cuja recordação ainda nos afeta. Mas todos os mortos,
grandes e pequenos, santos e pecadores, são nossos, somos de todos eles, pois a
mesma vida nos une na morte, e a mesma morte nos une na vida. O que eles(elas)
foram na vida agora faz parte do que somos, e nossa vida deve restaurar e
completar o que eles não alcançaram viver. Nisso consiste honrar os mortos: em
dar culto à vida, em cultivá-la, cuidá-la, curá-la neles e em nós.
Celebrar o dia de Finados é
um ato de justiça para com os mortos. Os mortos também tem direitos e é bom que
se reconheça isso. Vivemos uma cultura que extingue o passado, obscurece o
futuro e fica preso a um presente emocional vazio. Os mortos têm direito a que
lhes agradeçamos sua vida e a marca original que nos deixaram.
Celebrar e recordar aqueles que nos
precederam é negar à morte a última palavra, é afirmar que a Vida é
a palavra definitiva; recordar aqueles com os quais convivemos nos faz viver a
partir das raízes humanas, ancorados em nossa existência cotidiana.
Não querer ver a morte de frente,
ignorá-la, apagá-la de nossa vida, fazê-la invisível..., é perder humanidade, é
um auto-engano sobre a condição humana frágil, banaliza-se a mesma vida que
acaba não valendo nada. Quando a morte é “consumida” diariamente nos
noticiários, só se ativam emotividades instantâneas que não levam a nada, ou a
uma resignação estéril diante do que acontece.
Pensamos que a morte é o contrário da
vida e essa lógica é falsa. A vida é como uma moeda que tem duas faces: uma é o
nascimento, a outra é a morte. Entre as duas faces está a moeda, que é o
importante. É a vida que devemos dar valor, não seus limites.
Diante da necessidade inata de
recordar nossos antepassados devemos aproveitá-la para encontrar segurança e sentido
em nosso próprio mundo. A consciência de que somos o que somos, graças aos
seres humanos que nos precederam, é uma realidade inspiradora para o nosso
viver. Recordar os nossos familiares falecidos e agradecer-lhes o que fizeram
por nós nos ajudará a fazer o mesmo por aqueles que caminham conosco.
Entrar em sintonia com os seres
queridos que morreram nos impulsiona a viver com maior intensidade a vida que
ainda temos nas nossas mãos. Todo o humano que eles nos
transmitiram devemos potenciá-lo em nós para que o mundo vá se humanizando.
Pelos mortos já não podemos fazer
nada, mas sua recordação nos impulsiona para aqueles que vivem junto a nós. O
maior elogio que se pode dizer de um ser humano é que, quando partiu,
deixou o mundo um pouquinho melhor que quando chegou a ele.
O grande teólogo Karl Rahner entendia
a morte em chave de generosidade. Morrer, escreveu ele, é “dar
lugar” aos que virão depois, é nosso último exercício de amor, responsabilidade
e humildade. É, inclusive, nosso derradeiro exercício de liberdade.
Precisamos morrer, não só para que
outros vivam, abrindo, com nossa morte, um espaço para eles, mas
também para que valorizemos a vida como presente recebido, que vamos legando
aos que vem, constituindo, assim, uma corrente de vida sempre mais expansiva.
Todos morremos, mas há mortes e
mortes. Na cultura da “pós-moderna líquida” a morte se apresenta como termo,
ruptura e aniquilação. Somente os que não viveram seriamente, os que esbanjaram
sua vida em caprichos e superficialidades, os que semearam dor e morte ao seu
redor, os que asfixiaram a vida e não se importaram com os outros, tem medo de
morrer.
Os que aceitaram sua vida e se
atreveram a vivê-la seriamente, os que a viveram como dom que se entrega,
aceitam sua morte e a esperam de modo sereno e livre, como o descanso devido
depois de uma jornada trabalhosa e fecunda. Assim como a jornada cumprida
devidamente dá alegria ao sonho, uma vida bem vivida dá alegria à morte. Porque
a vida valeu a pena, também vale a pena morrer.
Dia de Finados é ocasião privilegiada para confrontar
a morte, como fazemos com outros medos.
Devemos contemplar nosso fim último,
familiarizar-nos com ele, aprofundá-lo e analisá-lo, conversar com ele e
descartar as aterrorizadoras distorções infantis sobre a morte.
Ao compreendermos, de verdade, nossa
condição humana – nossa finitude, nosso breve período de tempo sob a luz -, não
só passamos a saborear a preciosidade de cada momento e o simples prazer de
existir, como também intensificamos nossa compaixão por nós mesmos e por todos
os outros seres humanos.
Morre-se no instante da morte, como
morremos ao longo da vida. Este é o caminho normal de morrer. A presença da
morte na existência não se veste de luto, mas de seriedade e irreversibilidade
nas decisões. Uma vida pensada sem morte perde-se, no final, na total
irresponsabilidade.
Para
meditar na oração
- O “depois da vida” é um
grande encontro onde seremos perguntados: “o quanto você viveu sua vida?”
- “Fazer memória” das pessoas que
viveram intensamente e deixaram “marcas” em sua vida.
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