Neste ano 2013, durante a Quaresma, os Jovens foram alvo da Campanha da Fraternidade, que teve como tema “Fraternidade e Juventude”, e lema: “Eis-me aqui, envia-me”. Agora, na véspera da JMC no Rio de Janeiro, continua a se falar muito sobre a Juventude. São os jovens que estão no “foco” das atenções, comentários e celebrações promovidas pela Igreja. Apesar de falar de modo geral da Juventude, a Igreja Católica refere-se aos jovens cristãos , sobretudo católicos, que participarão da JMC 2013.
Porém,
aqui surgem várias dúvidas e
questionamentos em relação às atitudes e métodos, com os quais, ultimamente, a
Igreja católica tenta “chegar” à Juventude. São muito importantes as
indagações, tipo: Será que esse é o
caminho certo? Para quais Jovens a
Igreja se dirige? Só isso satisfaz? E os
outros Jovens, que são a imensa maioria...? Que mudanças precisam ocorrer para que
a mensagem cristã possa fascinar hoje o mundo da Juventude?, etc.
Sobre
esta questão trata, de maneira clara
e muito objetiva, o artigo do José
Lisboa Moreira de Oliveira¹, “Após a CF,
qual futuro para a Juventude?”, publicado pelo autor no mês passado no seu
blog.
Considero
muito acertadas todas as suas colocações e conclusões, e gostaria muito que
mais gente tomasse conhecimento desta realidade. Para isto, trago esse artigo também para o blog Indagações.
Não deixe
de ler!
WCejnog
Eis o artigo:
terça-feira, 21 de maio de 2013
Após a CF, qual futuro
para a Juventude?
José Lisboa Moreira de Oliveira
Terminou
mais uma Campanha da Fraternidade. Como das outras vezes, sinto uma sensação de
vazio. O que ficou mesmo como legado? O que farão as dioceses e paróquias em
favor dos jovens? As comunidades católicas do Brasil estarão mais abertas para
o acolhimento dos verdadeiros jovens, daqueles que realmente existem? Ou
continuará sendo um lugar apenas para jovens fictícios como aquela mocinha do
cartaz da CF: bem vestidinha, de idade mediana, “carismática”, sem tatuagens e
sem piercings?
Na
Universidade Católica de Brasília aconteceu uma Semana Acadêmica para analisar
o tema da juventude brasileira. A análise foi feita através de uma metodologia
científica na qual os próprios jovens universitários se interrogavam a si
mesmos, faziam análise de dados da própria realidade, confrontavam os dados com
textos publicados em revistas científicas e, a partir dos dados e dos textos,
apontavam algumas propostas. Entre os tantos textos científicos analisados, um
deles me chamou bastante a atenção. Trata-se do artigo Violência social, pobreza e identidade entre jovens no Entorno do
Distrito Federal, resultante de uma pesquisa realizada por Marília Luíza
Peluso e Cassiana Vaz Tormim, professoras do Departamento de Geografia da
Universidade de Brasília (UnB) e publicado na revista Espaço e Tempo (nº 18,
2005, p. 127-137).
O
artigo me chamou a atenção antes de tudo porque falava da realidade de muitos
jovens que frequentam a nossa universidade e que moram no Entorno. Por Entorno se entende aqui os municípios do
estado de Goiás que estão em volta do Distrito Federal. Além disso, entre
tantos aspectos pesquisados, as autoras analisam o impacto na vida dos jovens
da pertença à Igreja Católica Romana. A pesquisa realizada revelou que a
participação eclesial dos jovens contribui para o resgate dos sujeitos, ou
seja, “lhes permite interagir socialmente e instituir uma identidade estável e
temporalmente contínua, que vem de um passado, mantém-se no presente e aponta
para um futuro” (p. 134). O reconhecimento por parte de outras pessoas que
compõem a comunidade cristã influencia decisivamente na afirmação da identidade
dos jovens, os quais encontram “um sentido estável de si” (p. 135).
Porém,
a pesquisa revela alguns aspectos que não deixam de ser preocupantes. As pesquisadoras
não tiveram a intenção de entrar no mérito estritamente religioso católico e
deixam bem explícito no trabalho que não fizeram uma pesquisa sobre religião
(p. 129). Todavia, lendo as entrelinhas dos dados da pesquisa é possível tirar
algumas conclusões voltadas especificamente para a questão eclesial.
Em primeiro lugar a leitura da pesquisa
(p. 134) permite perceber que a contribuição positiva para a vida dos jovens
supõe a existência de grupos de jovens
onde de fato eles e elas sejam protagonistas e realmente tratados como tais.
Isso quer dizer que não vale uma pastoral de massificação juvenil do tipo
“rebanhão”, mas é indispensável a existência de pequenos grupos que
possibilitem aos jovens “estarem entre pessoas conhecidas e entre familiares” (p.
134).
No
entanto, o que se tem visto nos últimos anos é o esfacelamento da Pastoral da Juventude (PJ), com a consequente
extinção de grupos de jovens organizados a partir da metodologia dessa
pastoral. Bispos e padres, de forma sistemática, aboliram a PJ em suas dioceses
e paróquia e empurram os jovens para o anonimato ou para movimentos
massificantes, moldados num estilo tradicional e europeu, onde as questões
reais da juventude brasileira não são tratadas e nem consideradas. Assim sendo,
aqueles jovens mais conscientes e mais críticos ficaram sem referenciais. Não
conseguem se encaixar em movimentos que, fazendo uma lavagem cerebral da
juventude, levam a meninada a não se identificar mais com a PJ e,
consequentemente, a não mais pensar. Tornam-se ovelhinhas dóceis e submissas
que aceitam qualquer idiotice pregada por padres e bispos. E para não permitir
que os jovens continuem pensando e alimentando a consciência crítica, fecharam
institutos de formação de jovens, como, por exemplo, o Instituto de Pastoral da
Juventude (IPJ) e a Casa da Juventude (CAJU).
Um segundo elemento que aparece na
pesquisa mencionada, mesmo que de maneira implícita, e que, certamente, é
decorrente do primeiro, é a tendência ao
dualismo e ao maniqueísmo. Jovens frequentadores das igrejas, captados e
cooptados pelos movimentos, sentem-se “os bons”, os “honestos”, aqueles que têm
um “comportamento correto”, e se recusam a misturar-se com os “jovens fora do
grupo” que “apresentam moral e costumes duvidosos” (p. 134). Temos com isso a
constituição de verdadeiras seitas,
de grupos sectários que se fecham e se isolam do resto da humanidade, deixando
assim de serem evangelizadores. Com isto rompem a dinâmica da encarnação do
Verbo, agem como os fariseus e escribas do tempo de Jesus, uma vez que não
querem se misturar com “os pecadores e as prostitutas” (Mc 2,16-17). Essa coisa
de “sentir-se seguro física e psicologicamente” (p. 134), estabelecendo um
distanciamento de quem é considerado ruim, é a expressão mais terrível da
perversão do sentido do cristianismo. É a negação absoluta do discipulado e do
seguimento de Jesus.
Disto
decorre um terceiro elemento: a intolerância e a discriminação de quem é diferente e de quem não age e pensa como
aqueles que fazem parte do movimento sectário. Intolerância e discriminação
cultivadas inclusive em relação àquelas jovens e àqueles jovens católicos que
pensam diferente e que cultivam a fé de outra maneira. Nesta perspectiva a
evangelização é entendida como proselitismo, ou seja, como verdadeira cruzada
para converter essa “gente desestruturada” (p. 135). Esses jovens que se
autoproclamam os autênticos cristãos, os únicos que estão no caminho certo,
estão superconvencidos de que buscar e viver sob a proteção da Igreja Católica
Romana é a única saída para a juventude e para a humanidade (p. 135). São
incapazes de perceberem valores e coisas boas nos outros jovens que não fazem
parte de seu movimento ou da Igreja Católica.
O resultado disso tudo é o fracasso total. E isto
por uma simples razão, apontada pela própria pesquisa das professoras da UnB. A
transmutação acontece apenas em nível
individual, enquanto “as contradições permanecem na esfera do sujeito, sem
que ocorra sua projeção para a esfera social” (p. 136). Os movimentos e as atividades da pastoral das massas alimentam uma
religiosidade individualista que não impacta na vida social. A sociedade
continua sendo a mesma, também por conta da ausência de cristãos e de cristãs
capazes de contribuir para a sua transformação. O dia a dia da vida concreta
continua interpelando esse jovem que não está conectado com o mundo real. As
contradições e a realidade nua e crua o afeta e devido à pedagogia do medo,
cultivada nos ambientes eclesiásticos, ele sente-se culpado, revoltado e até
invejoso da vida dos outros jovens “lá de fora”. E, no jogo das relações
sociais, termina por copiar o “comportamento dos outros” que ele tanto odiava.
Portanto, a Igreja tem condições de ser um espaço
que possibilite aos jovens um novo caminho. Mas isso só é possível se ela for
capaz de oferecer-lhes “uma nova maneira de ver o mundo” e de “redefinir a sua
vivência e o seu comportamento” (p. 136). Mas isto não se consegue com o
esfacelamento da PJ, com o fechamento de espaços de formação e de educação
crítica desses jovens. Não se consegue com religiosidades melosas e nem com
pregações que não falam da vida concreta destes jovens. Por este motivo
acredito que a Campanha da Fraternidade deste ano não causará nenhum impacto e
não atingirá os jovens reais, se as dioceses e paróquias não forem capazes de
revisar suas pedagogias e metodologias. Tudo continuará como antes: os jovens
se afastando cada vez mais das Igrejas, como, aliás, apontam as pesquisas.
Mesmo que alguns bispos e padres continuem iludidos com a mobilização de uns
poucos deles em torno do evento que acontecerá em julho no Rio de Janeiro, em
torno da figura do papa.
____________________________
¹
José Lisboa Moreira de Oliveira é filósofo, teólogo, escritor, conferencista e professor universitário.
Licenciado
em Filosofia pela Universidade Católica de Brasília, graduado em Teologia pela
Universidade Gregoriana de Roma, Mestre em Teologia pela Pontifícia Faculdade
Teológica da Itália Meridional (Nápoles – Itália), Doutor em Teologia pela
Universidade Gregoriana de Roma. Autor
de 13 livros e dezenas de artigos sobre o tema da vocação e da animação
vocacional. Foi assessor do Setor Vocações e Ministérios da CNBB (1999-2003) e Presidente do Instituto de Pastoral Vocacional (2002-2006). Atualmente é gestor do Centro de Reflexão sobre Ética e Antropologia da Religião (CREAR) da Universidade Católica de Brasília, onde também é professor de Antropologia da Religião e Ética.
Fonte: http://lisboa-ochamado.blogspot.com.br/2013/05/ainda-campanha-da-fraternidade.html
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