É tempo
de festa de Santo Antônio (13 de junho). Em muitas cidades no mundo inteiro, onde o
santo é padroeiro, ocorrem festividades, celebrações, feiras e - em muitas
delas, como aqui, em Juiz de Fora/MG - o feriado! Em poucos dias, em outras cidades, será a festa de São Pedro e São Paulo (30 de junho), com o mesmo vigor e
as intensas movimentações dos fiéis e devotos nos arredores das igrejas e catedrais. Em outros lugares e em outras
datas, mas do mesmo jeito, são celebradas festas dos outros, muitos Santos e
Santas, veneradas pelo povo, celebradas pela Igreja Católica (e não só ela).
Talvez
esta seja uma boa oportunidade para chamar a atenção para os “exageros” de
interpretação do papel dos Santos e de atribuição a eles poderes e influências que eles não têm e
não podem ter. Frequentemente assistimos
nas celebrações e cultos católicos orações, pedidos e promessas dirigidos aos
Santos, como se eles fossem deuses – o que, no cristianismo, deveria ser
tratado como heresia. É uma grande
omissão da parte dos padres, bispos e líderes católicos, quando não só não
explicam esta questão ao povo, mas, com frequência, eles mesmo lideram essas
celebrações e orações aos santos, dirigindo-se a eles, como se eles possuíssem o poder divino.
As
perguntas que surgem são estas: Por que isso existe? Por que não se faz as
necessárias “correções” no catecismo (de maneira veemente!) e nas práticas
pastorais, para conscientizar o povo que o santo não é Deus..? Ou será que por trás disso tudo também possam existir
alguns “interesses”? Como deveria ser
uma catequese correta e verdadeira sobre
a devoção aos Santos e Santas?
Para
tratar com muita clareza e propriedade dessa questão, trago para o blog
Indagações, o artigo “Santos
com status de deuses”, de
José Lisboa Moreira de Oliveira¹, publicado pelo autor no ano passado no
seu blog. Para quem realmente quer
conhecer melhor este tema, e busca constante fortalecer a sua fé purificando-a de erros e
equívocos, este artigo torna-se uma fonte preciosa.
Não deixe
de ler!
WCejnog
Eis artigo
segunda-feira, 5 de novembro de 2012
Santos com status de deuses
José Lisboa Moreira de
Oliveira
Filósofo, teólogo, escritor,
conferencista e professor universitário.
[...]
A Arqueologia conseguiu comprovar que há pelo menos
150 mil anos atrás os nossos ancestrais já praticavam alguma forma de
religiosidade. Hoje temos registros arqueológicos que garantem a veracidade
desta afirmação. Tais registros datam do Paleolítico Superior, com o homem de
Neandertal, que enterrava seus mortos com oferendas, demonstrando assim uma
crença em algo sobrenatural.
De um modo geral pode-se afirmar também que o
surgimento da religião esteve ligado ao politeísmo. As religiões monoteístas
são recentíssimas, embora no passado alguns estudiosos, como o padre austríaco
Wilhelm Schmidt, tentassem provar o contrário. E os estudos mostram que, mesmo
quando o monoteísmo se impôs em determinadas regiões, a tendência a adorar
vários deuses continuou presente nestes locais. É o caso, por exemplo, do
monoteísmo hebraico. Pesquisas recentes, referendadas por descobertas
arqueológicas, revelaram que o javismo não se impôs de maneira absoluta, mesmo
quando os outros cultos foram banidos por meios legais. Embora o culto oficial
fosse monolátrico, o povo continuou cultuando outras divindades.
O surgimento do cristianismo se deu no âmbito do
império romano, onde o politeísmo estava fortemente disseminado, também por uma
estratégia política de Roma, que evitava destruir por completo a religiosidade
dos povos subjugados. Quando em 380, por decreto do imperador Teodósio, o cristianismo
se tornou religião de Estado, o politeísmo continuou presente. É verdade que
neste período as conversões em massas aconteceram, pois as pessoas temiam
represálias e recebiam vantagens, mas isso não foi suficiente para abolir por
completo as práticas politeístas.
Em muitos casos o próprio cristianismo fez uma
adaptação dos cultos e práticas politeístas, sem aboli-las por completo. O que
antes era pagão transformou-se, de repente, em atividade do cristianismo. Isso
eu encontrei pessoalmente em várias regiões da Itália. Lembro-me muito bem que
visitando algumas vezes a Sicília tive contato com o culto a São Calógero
celebrado em vários lugares da ilha. Durante a festa do santo notei certos
costumes ligados ao mundo da agricultura. Ao pesquisar a origem dessas
práticas, descobri que o cristianismo havia substituído o culto ao deus grego
Kronos (correspondente ao romano Saturno), existente na localidade, pelo culto
a São Calógero.
Também no sul da Itália, especialmente na província
de Lecce, encontrei devoções a alguns santos que são considerados patronos da
virilidade. Por este motivo, no dia da festa, as mães costumam levar os filhos
até a imagem do santo e nela tocar o pênis do menino para que o garotinho
adquira virilidade. Algumas mães pagam promessa ao santo confeccionando pães em
forma de pênis para distribuí-los às pessoas. Lembro-me bem de que quando
estava por lá houve uma polêmica muito grande, pois um bispo de uma das
dioceses da região quis proibir essas práticas, causando uma grande revolta da
população. Ao estudar as origens de práticas tão exóticas descobri que elas
estavam relacionadas aos cultos de fertilidade da Magna Grécia e do panteão
romano. Ao chegar à região o cristianismo não conseguiu eliminar tais práticas,
limitando-se a transferi-las para os seus santos.
O resultado de todo esse processo é que, na prática
concreta, os santos adquiriram status de deuses. A eles as pessoas se dirigem
como se fosse a divindades, fazendo pedidos e promessas. No inconsciente
coletivo os santos e as santas não são apenas exemplos de testemunho da fé
cristã (Hb 6,12), mas verdadeiros deuses aos quais são dirigidas preces,
súplicas e agradecimentos. Isso faz com que a profissão de fé na Trindade e o
culto trinitário fiquem em segundo plano, ou até mesmo totalmente esquecidos.
Certamente alguém me dirá que isso não é verdade, pois o Catecismo da Igreja
Católica não ensina tal coisa. Porém, não adianta protestar. No catolicismo
popular de raiz milenar o Catecismo Romano não conta. Além disso, práticas atualmente
em vigor dentro da própria Igreja Católica continuam alimentando e reforçando
este inconsciente coletivo. Basta, por exemplo, visitar santuários dedicados a
Nossa Senhora e a santos como Judas Tadeu, Rita de Cássia, Edwiges, Expedito e
outros. O que é feito aqui só reforça o "panteão de deuses” católico.
Para completar, a mídia católica não faz por menos.
O modo de apresentar os santos adota esta linha. Dias atrás assistia, por
acaso, um programa católico apresentado por um ilustre "professor”. Falava
do culto a Maria. Lá pelas tantas alguém manda uma mensagem dizendo que tinha
dificuldade em aceitar o culto aos santos, pois não sendo eles onipresentes e
oniscientes, não podiam escutar as preces dos fiéis. Foi então que o magnífico
"professor” saiu com uma das mais violentas heresias, dentre as tantas que
se pode escutar em seu programa: "Meu caro, é verdade que os santos não
são onipresentes e oniscientes, mas Deus transmite a eles o recado dos fiéis.
Deus funciona como uma espécie de central de informações, passando o pedido dos
fiéis aos santos”.
Neste modelo de culto aos santos, proclamado ao
vivo pelo ilustre "professor”, a Trindade Santa ficou reduzida a um
"Call Center”. Não há como não afirmar que, na prática concreta, temos um
verdadeiro panteão católico. O Deus Trindade ficou relegado a um segundo plano,
pois as preces, súplicas, os pedidos e, às vezes, alguns agradecimentos são
dirigidos diretamente aos santos. As pessoas não se dirigem a Deus Trindade,
mas aos santos, os quais são vistos como verdadeiros deuses, capazes de
realizar prodígios, milagres e portentos. E a mídia católica, salvo honrosas
exceções, reforça ainda mais tal concepção.
Há como mudar isso? Claro que sim, mas a Igreja
Católica teria que revolucionar a sua catequese e as suas práticas. Isso seria
demorado, mas se poderia chegar a uma mudança de mentalidade, depois de alguns
anos de catequese séria e profunda. A catequese deveria começar explicitando
que os santos não são deuses, aos quais dirigir pedidos. Eles são pessoas
normais como nós, que levaram a sério o seguimento de Jesus. Eles devem apenas
servir de exemplo para o seguimento de Jesus (Fl 3,17). É o que diz o
Vaticano II: "Ao contemplarmos a vida daqueles que seguiram fielmente a
Cristo, novo motivo nos impele a procurarmos a cidade futura (Hb 13,14; 11,10);
ao mesmo tempo, aprendemos a descobrir, no estado e condição de cada um, qual é
o caminho mais seguro para chegarmos, por entre as vicissitudes deste mundo,
até à união perfeita com Cristo, quer dizer a santidade” (LG, 50).
Portanto, a função da veneração dos santos na
Igreja é única e exclusivamente de exemplaridade: olhando como eles
seguiram Jesus, procuramos fazer o mesmo hoje, dentro da nossa realidade (1Cor
4,16; 11,1). O que passa disso é abuso e desvio. Além disso, a Igreja deveria
rever por completo a sua forma de canonizar santos e santas, avaliando apenas a
autenticidade do seguimento (1Ts 1,6), abolindo a pretensão de que o santo faça
pelo menos dois milagres. Isso só reforça a concepção de que os santos são
vistos como deuses. E não adianta protestar, afirmando que o Catecismo da
Igreja Católica diz bem claro que quem faz o milagre é Deus, pela intercessão
do santo, pois isso o povo não entende. Para o povo o milagre é do santo e
basta. E a Igreja Católica, com as suas práticas, os seus santuários e sua
mídia, contribui para reforçar esta crença.
Temo, porém, que esta catequese não se faça na
Igreja Católica Romana, pois isso iria mexer também com o econômico. Afinal de
contas é o "panteão católico” que enche os cofres dos santuários, alimenta
as fábricas de velas, objetos de cera, imagem de santos, as gráficas que
produzem santinhos e as editoras que vendem milhões de cópias de novenas de
santos. As fábricas, as gráficas e as editoras, por sua vez, patrocinam as
despesas de muitos eclesiásticos, de santuários, de paróquias e da mídia
católica. Se houvesse mudança, os padres, os bispos e as comunidades cristãs
voltariam a ser pobres. A mídia católica não se sustentaria. E quando uma
reforma toca o bolso dos eclesiásticos, isso causa um enorme rebu e ninguém tem
coragem de mudar. Vale também para este caso a afirmação paulina: "A raiz
de todos os males é o amor ao dinheiro” (1Tm 6,10).
____________________________
¹
José Lisboa Moreira de Oliveira é filósofo, teólogo, escritor, conferencista e professor universitário.
Licenciado
em Filosofia pela Universidade Católica de Brasília, graduado em Teologia pela
Universidade Gregoriana de Roma, Mestre em Teologia pela Pontifícia Faculdade
Teológica da Itália Meridional (Nápoles – Itália), Doutor em Teologia pela
Universidade Gregoriana de Roma. Autor
de 13 livros e dezenas de artigos sobre o tema da vocação e da animação
vocacional.
Foi assessor do Setor Vocações e Ministérios da CNBB (1999-2003) e Presidente
do Instituto de Pastoral Vocacional (2002-2006). Atualmente é gestor do Centro
de Reflexão sobre Ética e Antropologia da Religião (CREAR) da Universidade
Católica de Brasília, onde também é professor de Antropologia da Religião e
Ética.
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