Um
assunto muito atual é a questão de alimentos transgênicos. Na verdade - na
minha opinião - durante as duas últimas décadas trava-se uma verdadeira “guerra”
nesse campo. De um lado, a expansão cada vez maior de produção desse tipo de
alimentos, patrocinada pelos interesses de agronegôcio e de indústria
alimentícia em função de crescentes lucros obtidos. Do outro, os protestos e os
questionamentos de muitos pesquisadores e cientistas, que alertam sobre os
perigos existentes que o consumo desses alimentos pode trazer para a
saúde das pessoas, já que as pesquisas
em relação a isso ainda não são suficientes e as consequências podem ser
dolorosas, traduzidas no aparecimento em grande escala de doenças, como câncer.
Um exemplo muito claro disso é um
recente manifesto dos cientistas na Europa, sugerindo e exigindo o fim de
alimentos transênicos na mesa dos europeus. E aqui, no Brasil...? Mal
conseguimos achar os produtos postos à venda nos supermercados, que não tenham a marca “T”.
Sobre
um aspecto dessa questão trata o artigo que hoje trago para o blog Indagações-Zapytania.
É uma excelente análise, de Flávia Londres, publicada recentemente também no
site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU). O conteúdo dessa análise, na
verdade, traz as indagações que deveríamos dirigir a nós mesmos.
Não
deixe de ler.
WCejnog
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Terça, 08 de julho de
2014
20 anos de transgênicos: há o
que comemorar?
Vinte anos após a
aprovação do primeiro alimento geneticamente modificado do mundo – um tomate
com maior durabilidade criado na Califórnia -, o mercado de transgênicos
atinge a maturidade com números expressivos, ainda que cercado de polêmicas. A
cada 100 hectares plantados com soja hoje no planeta, 80 já são de sementes com
os genes alterados. No caso do milho, são 30 para cada 100, o que significa que
a chance de encontrar essas matérias-primas na dieta alimentar humana e animal
cresceu substancialmente.
A análise é de Flávia Londres, engenheira agronôma e assessora da Articulação
Nacional de Agroecologia, publicada pela Escola Politécnica de Saúde
Joaquim Venâncio, 07-07-2014.
Eis o texto.
O jornal Valor
Econômico publicou em 16 de junho duas matérias que, em síntese, comemoram
os 20 anos da aprovação do primeiro alimento transgênico no mundo. Muitos dados
são apresentados sem a citação de fontes de informação, assim como afirmações a
respeito de supostos benefícios dos sistemas de produção baseados no uso de
sementes transgênicas e até mesmo de vantagens para os consumidores são
apresentadas de forma igualmente carente de embasamento. Alguns especialistas
no assunto são citados – curiosamente, somente foram ouvidos representantes de
empresas de biotecnologia e pesquisadores conhecidos pela defesa incondicional
dos produtos geneticamente modificados.
Diante de tamanha
parcialidade no tratamento do tema, consideramos relevante apresentar aqui
algumas informações no sentido de fomentar a discussão e possibilitar uma
análise mais equilibrada sobre a questão.
Para começar, faz-se
importante relativizar a ideia de que as lavouras transgênicas estão
absolutamente generalizadas na agricultura mundial. Se por um lado é fato que o
crescimento da utilização de sementes modificadas nos últimos anos foi
vertiginoso, por outro é importante deixar claro que esses cultivos estão
fortemente concentrados em apenas 3 países (EUA, Brasil e Argentina), que
dominam 76% da produção mundial . Em toda a Europa, por exemplo, a área
plantada com transgênicos é irrisória, sendo que vários países proíbem esses
cultivos . Vale também observar que os números divulgados a respeito da adoção
dessa tecnologia são sistematizados por organizações patrocinadas pelas
indústrias, havendo fortes evidências de que, em muitos casos, são inflados. Os
dados do Brasil divulgados pelo Ministério da Agricultura, por exemplo,
são em geral oriundos de consultorias do agronegócio contratadas pelas grandes
empresas.
Ainda a esse respeito,
destaca-se também que o cultivo comercial de transgênicos em larga escala está
restrito a quatro espécies, que configuram grandes commodities de exportação
(soja, milho, algodão e canola). E essas plantas foram modificadas para a incorporação
de duas características apenas: a tolerância à aplicação de herbicidas
(aplica-se o veneno sobre a lavoura, eliminando-se o mato sem afetar a
plantação) e a toxicidade a insetos (as plantas produzem seu próprio
agrotóxico, matando as lagartas que delas se alimentam). Há também as plantas
que acumulam essas duas características. Nas chamadas plantas “piramidadas”,
referidas como “o futuro da biotecnologia”, são sobrepostas modificações
genéticas que conferem mecanismos diferentes (porém parecidos) para introduzir
nas plantas aquelas mesmas duas características.
Uma das matérias do Valor afirma que os produtores rurais atribuem a massiva adoção das novas sementes aos benefícios da tecnologia, citando especificamente que “a redução das aplicações de inseticidas recuaram 90% até 2010”, bem como uma suposta queda no uso de herbicidas. Nenhuma fonte é apresentada para embasar esses dados.
No caso brasileiro,
segundo levantamento realizado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), o uso
do herbicida glifosato (utilizado em associação com as lavouras de soja e milho
transgênicas desenvolvidas para tolerar aplicações do produto) saltou de 57,6
mil para 300 mil toneladas entre 2003 e 2009 , período em que essas lavouras se
expandiram pelo país. Segundo levantamento da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento / Ministério
da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), em Primavera do Leste (MT),
por exemplo, o número de aplicações de herbicidas na soja transgênica dobrou em
seis anos devido ao desenvolvimento de resistência do mato aos herbicidas . Nos
EUA, sistematização realizada a partir de dados do Departamento de
Agricultura do governo (USDA, na sigla em inglês) mostra que a tecnologia
de resistência a herbicidas levou a um aumento de 239 milhões de kg no uso de
herbicidas no país entre 1996 e 2011 .
No caso das plantas
transgênicas tóxicas a insetos, os números mostram uma redução inicial nas
aplicações de inseticidas, mas que tende a se reduzir significativamente ao
longo de alguns anos – pois assim como o mato desenvolve resistência aos
herbicidas, as lagartas também desenvolvem resistência às plantas inseticidas.
Mais que isso, essas plantas têm sido associadas ao surgimento de novas pragas
(insetos que antes não representavam ameaça às lavouras). Recentemente, o Congresso
Nacional aprovou uma lei flexibilizando a legislação de agrotóxicos para
autorizar a utilização de produtos não registrados no país. A mudança foi
instalada de modo a permitir a importação e a utilização do benzoato de
emamectina para o combate à lagarta Helicoverpa armigera, cujo aumento
populacional tem sido relacionado (até mesmo pelo Ministério da Agricultura)
à expansão das lavouras transgênicas inseticidas.
Associado ao alto preço
das sementes transgênicas (que envolvem inclusive o pagamento de royalties às
empresas sementeiras), o aumento no uso de agrotóxicos tem levado ao aumento
dos custos de produção. Dados da Conab mostram por exemplo que, em três
polos de produção no estado do Mato Grosso, a receita obtida em R$/saca foi
maior para os sistemas convencionais do que para os sistemas transgênicos. Em Primavera
do Leste, a diferença foi de 53 para 48 R$/saca, em Sorriso, de 48
para 44 R$/saca e de 48 para 43 R$/saca em Campo Novo dos Parecis.
Esses números colocam em
xeque a afirmação de que a massiva expansão dessas lavouras no país decorre da
percepção das vantagens da tecnologia pelos produtores.
É preciso lembrar que
existe atualmente um forte oligopólio que domina o mercado de sementes no país
(e no mundo), e que a oferta de variedades convencionais é cada vez menor. São
recorrentes os relatos de agricultores que gostariam de voltar a utilizar
sementes convencionais de soja e/ou milho, mas não as encontram para comprar.
Tudo indica, assim, que o plantio de sementes transgênicas está em grande parte
associado à falta de opção por parte dos agricultores.
Gerente de comunicação
da DuPont citado pelo Valor associa em sua declaração
os alimentos transgênicos a características como maior produtividade e maior
valor nutricional. Como já exposto anteriormente, os transgênicos presentes no
mercado não apresentam essas qualidades. Afirmações desse tipo buscam, entre
outros objetivos, conquistar a simpatia de consumidores – consumidores esses
que, em todo o mundo, reivindicam o direito à informação sobre a origem
transgênica nos rótulos dos alimentos.
O lobby contra a
rotulagem articulado pela indústria é fortíssimo. Nos EUA até hoje não se
conseguiu aprovar a rotulagem obrigatória de alimentos transgênicos . No Brasil
a rotulagem é exigida desde 2003 pelo Decreto 4.680 , mas são recorrentes as
tentativas da bancada ruralista no Congresso Nacional de derrubar a
normativa .
Fonte citada pelo Valor alega a existência de uma
“contaminação do debate político”, sugerindo que a crítica à tecnologia seria
motivada por razões ideológicas, e reclama de “atrasos nas aprovações de
tecnologias” em função da demanda por testes de segurança. Trata-se da insistente e cruel tentativa de inversão de papéis:
especialistas em biotecnologia valem-se de sua autoridade científica para fazer
afirmações (não embasadas em dados científicos) acerca da segurança desses
produtos e sustentar a rejeição à realização de pesquisas independentes e
aprofundadas de análise de riscos, enquanto aqueles que denunciam a falta de
rigor nos processos de liberação de transgênicos são acusados de ideológicos.
Fonte:IHU-Notícias
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