Abaixo, um
artigo muito interessante que recorda a pessoa de Pierre Teilhard de
Chardin* e fala dos principais traços do seu
pensamento. O texto foi publicado recentemente no site do Instituto Humanitas
Unisinos (IHU).
Acredito que a
coragem de Teilhard de Chardin em pensar diferente, sem mêdo, é o que nele mais
merece a nossa admiração. Foi justamente esse aspecto que sempre mais me
impressionava.
É uma leitura
fascinante. Vale a pena ler!
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IHU – Notícias
Terça, 15 de
julho de 2014.
“Estudando a
matéria, encontro o espírito.” O pensamento de Pierre Teilhard de Chardin.
Se a visão de Teilhard de
Chardin foi capaz de descerrar o horizonte cósmico de Cristo
como o versus unum (sentido em que também se poderia entender o
termo "uni-verso"), por outro lado, a história e o universo continuam
mantendo contradições irredutíveis à harmonia, à comunhão, à paz.
A análise é do
teólogo e padre italiano Maurizio Gronchi, professor da Pontifícia
Universidade Urbaniana e consultor da Congregação
para a Doutrina da Fé, do Vaticano. O
artigo foi publicado no jornal L'Osservatore Romano, 29-12-2013. A
tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o
texto.
Em perspectiva
teológica, hoje cada vez mais, o interesse pelo componente dinâmico e evolutivo
do universo e do homem reconhece o precursor no jesuíta francês Pierre
Teilhard de Chardin (1881-1955).
Sem dúvida, a
ciência e a fé devem a esse extraordinário estudioso uma contribuição decisiva
para as possibilidades de um diálogo, embora nos seus respectivos âmbitos, para
além de ingênuos concordismos e recorrentes leituras opositivas.
Acima de tudo,
merece ser retomado o controverso e doloroso Monitum publicado pelo Santo Ofício no dia 30 de junho de
1962: "Certas obras do Pe. Pierre Teilhard de Chardin,
incluindo também algumas póstumas, são publicadas e encontram um favor nada
pequeno. Independentemente do devido juízo no que se refere às ciências
positivas, em matéria de filosofia e teologia, vê-se claramente que as obras
mencionadas encerram tais ambiguidades e até mesmo erros tão graves que ofendem
a doutrina católica".
Como comentário
ao breve texto, apareceu no L'Osservatore Romano do mesmo dia
um artigo sem assinatura, intitulado "Pierre Teilhard de Chardin e
o seu pensamento no plano filosófico e religioso", que
explicava as razões da condenação e da peremptória advertência, porque as suas
obras filosóficas e teológicas, ao contrário das de caráter científico, em cujo
mérito não se entrava, continham ambiguidades perigosas e graves erros.
Apesar da
severidade dos juízos expressados sobre o método e sobre o pensamento do
jesuíta, o artigo pretendia salvar a memória da pessoa: "Nós queremos
admitir que Teilhard, pessoa privada, teve uma vida espiritual
intensa. Não pretendemos, evidentemente, mover apontamentos contra a pessoa,
mas ao método, ao pensamento".
Hoje, a meio
século do Monitum, dirigido
particularmente aos responsáveis pela formação intelectual dos candidatos ao
sacerdócio, pode-se dizer que – independentemente das boas intenções pessoais e
de significativas e válidas intuições – o pensamento de Pierre
Teilhard de Chardin não era livre de certas lacunas e
dificuldades, mais do que de "ambiguidades perigosas e graves erros".
De fato, o Monitum
não impediu que se reconhecessem indubitáveis méritos à contribuição de Teilhard,
assim como que se conduzissem sérios e serenos estudos críticos sobre o seu
pensamento – o que aconteceu e continua acontecendo no presente, com bons
frutos e desafios sempre novos.
O primeiro a
apreciar publicamente e com coragem a figura de Teilhard foi
Paulo VI, que, no dia 24 de fevereiro de 1966, por
ocasião da visita a um estabelecimento farmacêutico romano, assim se expressou,
segundo a notícia publicada no L'Osservatore Romano (26 de
fevereiro): "Um célebre cientista afirmava: ''Quanto mais eu estudo a
matéria, mais encontro o espírito. (…) E o Santo Padre cita Teilhard de
Chardin, que deu uma explicação do universo e, entre tantas fantasias, tantas
coisas inexatas, soube ler dentro das coisas um princípio inteligente que deve
ser chamado de Deus".
Pouco mais
tarde, o teólogo Joseph Ratzinger, na seção
cristológica da sua Introdução ao Cristianismo (1968),
a propósito da relação entre Jesus e a humanidade inteira, dedicava ao jesuíta
uma atenção positiva, nos seguintes termos: "Impõe-se reconhecer como
importante mérito de Teilhard de Chardin o ter repensado
essas interligações do ponto de vista da hodierna cosmovisão e, não obstante
certa perigosa tendência para o biológico, tê-las compreendido corretamente, em
seu conjunto e, em todo caso, tê-las tornado de novo acessíveis." [segundo
a tradução do Pe. José Wisniewski Filho; São Paulo: Herder, 1970].
O valor da
contribuição de Teilhard consiste – segundo Ratzinger
– na compreensão do universo orientado em direção a um ponto transcendente e
pessoal, onde o homem é "como um ente que pertence a um 'Superego', que o
não apaga, mas o envolve; somente em tal fusão pode revelar-se a forma do homem
futuro, quando o 'ser-homem' encontrar-se totalmente no ponto final de si
mesmo. Deve-se reconhecer que, sob o enfoque da cosmovisão moderna e envolvido
em vocabulário por vezes de forte sabor biológico, Teilhard conseguiu apreender
o rumo da cristologia paulina".
Para Ratzinger,
a intuição teilhardiana vale por ser capaz de entrever no Cristo-Ômega
o ponto de vista unificante e escatológico da humanidade. A esse ganho real –
ou seja, da nova compreensão de Cristo na atual concepção do mundo – pode-se
perdoar a simpatia pelo vocabulário biologista, pois, do ponto de vista do
conteúdo, nele se encontra uma substancial coerência com a cristologia de
Paulo.
No entanto, a
essa avaliação positiva, anos depois, quando Ratzinger já
era prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé,
seguia a tomada de distância de um dos significativos corolários da visão de Teilhard:
a consistência do pecado original.
Assim, o
cardeal, no livro-entrevista com Vittorio Messori (1985), dizia:
"Em uma hipótese evolucionista do mundo (aquela a qual, na teologia,
corresponde um certo 'teilhardismo') obviamente não há lugar para qualquer
'pecado original'. Este, no máximo, é apenas uma expressão simbólica, mítica,
para indicar as falhas naturais de uma criatura como o homem, que, de origens
imperfeitíssimas, vai rumo à perfeição, vai rumo à realização completa. Aceitar
essa visão, no entanto, significa inverter a estrutura do cristianismo: Cristo
é transferido do passado ao futuro; redenção significa simplesmente caminhar
rumo ao futuro como necessária evolução rumo ao melhor. (…) Porém, essas
dificuldades de origem mais ou menos 'científica' não são ainda a raiz da atual
crise do 'pecado original'. (…) Devemos estar conscientes de que também estamos
diante de pré-compreensões e de pré-decisões de caráter filosófico".
Com tal tomada
de distância de um certo teilhardismo – e não diretamente de Teilhard
–, Ratzinger pretendia se referir às dificuldades
científicas e sobretudo filosóficas que surgiam em relação ao pecado original.
Tanto que, no dia 24 de julho de 2009, em uma homilia em Aosta,
Bento XVI voltava a Teilhard, desta vez em chave
positiva: "A função do sacerdócio é consagrar o mundo para que se torne
hóstia viva, para que o mundo se torne liturgia: que a liturgia não seja uma
coisa ao lado da realidade do mundo, mas que o mundo mesmo se torne hóstia
viva, se torne liturgia. É a grande visão que, depois, Teilhard de Chardin
também teve: no fim, teremos uma verdadeira liturgia cósmica, onde o cosmos se
torna hóstia viva".
Portanto, nenhum
problema sobre o futuro, mas sim sobre o passado, ou seja, sobre a
interpretação da queda original. Confirmando uma progressiva, embora implícita,
reabilitação do jesuíta, também é preciso lembrar a carta em nome de João
Paulo II, que, em 1981, pelo centenário do nascimento de Teilhard,
o cardeal Casaroli, secretário de Estado, tinha enviado uma carta
para Paul Poupard, reitor do Institut Catholique de Paris,
na qual ele apreciava a tentativa do estudioso de conciliar fé e razão, não
excluindo, além disso, "o estudo crítico e sereno, seja no plano
científico quanto no filosófico e teológico, de uma obra fora do comum".
Como prova de
uma recepção positiva da perspectiva teilhardiana, deve-se relembrar ao menos três
lugares significativos do ensinamento magisterial onde se assume o caráter
dinâmico e evolutivo do plano salvífico divino. O Concílio
Vaticano II, na constituição Gaudium et spes (n.
5), de fato, afirma: "A humanidade passa, assim, de uma concepção predominantemente
estática da ordem das coisas para outra, preferentemente dinâmica e evolutiva;
daqui nasce uma nova e imensa problemática, que exige novas análises e novas
sínteses".
E no Catecismo
da Igreja Católica (n. 310), lemos: "Deus quis livremente
criar um mundo 'em estado de caminho' para a perfeição última. Esse devir
implica, no desígnio de Deus, juntamente com o aparecimento de certos seres, o
desaparecimento de outros; o mais perfeito, com o menos perfeito; as
construções da natureza, com as suas destruições. Com o bem físico também
existe, pois, o mal físico, enquanto a criação não tiver atingido a
perfeição".
Com tais
afirmações chegava-se a reconhecer a válida intuição de fundo de Teilhard
como compatível com a fé cristã, a ponto de encorajar uma resposta à pergunta
de João Paulo II contida na carta ao jesuíta George V.
Coyne, diretor da Specola Vaticana (1º de junho de
1988): "Uma perspectiva evolucionista pode contribuir para lançar luz
sobre a teologia antropológica, sobre o significado da pessoa humana como 'imago
Dei', sobre o problema da cristologia – e também sobre o
desenvolvimento da própria doutrina?".
Em suma, um
século e meio depois da publicação do livro de Charles Darwin,
The Origin of Species (1859) sobre a
evolução, pode-se dizer que o evolucionismo científico não foi considerado pela
teologia como incompatível com a sua própria compreensão, como, ao contrário,
poderia aparecer em uma época marcada pela desconfiança recíproca entre ciência
e fé.
A esse respeito,
no rastro de Teilhard de Chardin, devem se
colocar outras contribuições relevantes, entre os quais, sob um perfil mais
antropológico e cristológico, emerge a contribuição de Karl Rahner. Com o
propósito de incluir a cristologia na concepção evolucionista do mundo, Rahner esclarece
que não tinha a intenção de deduzir o dogma da Encarnação dessa visão do mundo,
com o risco de transformar a Revelação em filosofia, nem de mostrar a sua
incompatibilidade, equivalente a um estranhamento da doutrina cristológica em
relação à cultura contemporânea.
Vice-versa,
trata-se de "pôr em relevo a íntima afinidade que liga as duas realidades,
aquela certa similaridade estilística que elas têm, e, por fim, a possibilidade
de uma mútua coordenação de que são suscetíveis".
Graças à Teilhard,
já parece consolidada a recuperação das raízes neotestamentárias da criação em Cristo
e da orientação cósmica rumo à sua perfeição escatológica, assim como da
perspectiva das "sementes do Verbo", provenientes de autores antigos
como Justino e Clemente de Alexandria.
Nesse quadro, a
obra do Pai não é só a criação, mas também a construção progressiva do
universo, que vai rumo a um fim (cf. Hb 3, 4); nesse desígnio, há um centro, Cristo,
cuja perfeição pessoal se cumpriu através de um processo marcado pelo sofrimento
(cf. Hb 5, 8-9).
Hoje, cada vez
mais, surge de modo poderoso a necessidade de reconhecer os "frutos do
Verbo", amadurecidos nas culturas e em meio aos povos que trazem os traços
de uma história de salvação que os abraça, através de tantos sofrimentos e
pobreza.
Se a visão de Teilhard
foi capaz de descerrar o horizonte cósmico de Cristo como o versus
unum (sentido em que também se poderia entender o termo
"uni-verso"), por outro lado, a história e o universo continuam
mantendo contradições irredutíveis à harmonia, à comunhão, à paz.
Fonte: IHU - Notícias
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* Pierre Teilhard de Chardin nasceu em Orcines, na
França, em 1º de maio de 1881 e faleceu em Nova Iorque, aos 10 de abril de
1955. Padre jesuíta, teólogo, filósofo e paleontólogo francês, Chardin é
conhecido por construir uma visão integradora entre ciência e teologia.
Criado em uma família profundamente católica,
Chardin entrou para o noviciado da Companhia de Jesus em Aix-en-Provence no ano
de 1899 e para o juniorado em 1900, em Laval. Teve que deixar a França e os
seus estudos prosseguiram na ilha de Jersey, Inglaterra, onde cursou Filosofia
e Letras. Licenciou-se neste curso em 1902. Entre 1905 e 1908 foi professor de
física e química no colégio jesuíta da Sagrada Família do Cairo, no Egito, onde
teve oportunidade de continuar suas pesquisas geológicas, iniciadas na
Inglaterra. Seus estudos de teologia foram retomados em Ore Place, de 1908 a
1912. Ordenou-se sacerdote em 1911.
Entre 1912 e 1914 cursou paleontologia no Museu de
História Natural de Paris. Foi a sua porta de entrada na comunidade científica.
Durante seus estudos teve a oportunidade de visitar os sítios pré-históricos do
noroeste da Espanha, entre eles, a Caverna de Altamira.
Durante a Primeira Guerra Mundial, foi carregador
de maca dos feridos e depois capelão em diversas frentes de batalha. Passada a
Guerra, retomou os estudos em Paris, onde obteve o doutorado em 22 de março de
1922 na Universidade de Sorbonne. Em 1920 tornara-se professor de geologia no
Instituto Católico de Paris. Em 1922, escreveu Nota sobre algumas
representações históricas possíveis do pecado original, que gerou um dossiê
pela Santa Sé, acusando-o de negar o dogma do pecado original. Teve que assinar
um texto que exprimia este dogma do ponto de vista ortodoxo e foi obrigado a
abandonar a cátedra em Paris e embarcar para Tianjin na China. Este fato
marcará uma nova etapa da sua vida: o silêncio sobre temas eclesiais e
teológicos que duraria o resto da sua vida.
Em Pequim, realizou diversas expedições
paleontológicas, e em 1929 participou da descoberta e estudo do sinantropo - o
homem de Pequim. Também realizou pesquisas em diversos lugares do continente
asiático, como o Turquestão, a Índia e a Birmânia. Em Pequim, escreveu sua obra
prima: O Fenômeno Humano.
Em 1946 retornou a Paris. Seus textos mimeografados
continuavam a circular e suas conferências lotavam os auditórios. Foi convidado
a lecionar no Collège de France. Entre 1949 e 1950 deu cursos na Sorbonne que
geraram a obra O grupo zoológico humano. Em 1950 foi eleito membro
da Academia de Ciências do Instituto de Paris.
Teilhard de Chardin faleceu em 10 de abril de 1955,
num domingo de Páscoa, em Nova Iorque.
Obras de Teilhard de Chardin
Cartas a Léontine Zanta (tradução em
português - Lisboa: Moraes Editores, 1967)
Cartas de Viagem (tradução em português
- Lisboa: Portugalia, 1969)
Cartas do Egipto (tradução em português
- Lisboa: Moraes Editores, 1967)
Ciência e Cristo (tradução em português
- Petrópolis: Vozes, 1974)
O Fenômeno Humano (tradução em
português – São Paulo: Cultrix, 1986)
Hino do Universo (tradução em português
– São Paulo: Paulus, 1994)
O Lugar do Homem no Universo (tradução
em português – Lisboa: Instituto Piaget, 1997)
O Meio Divino (tradução em português –
São Paulo: Cultrix, 1981)
A Minha Fé (tradução em português –
Lisboa: Ed. Notícias, 2000)
Reflexões e Orações no Espaço-Tempo (tradução
em português – Rio de Janeiro: José Olympio, 1978)
Sobre a Felicidade / Sobre o Amor (tradução
em português – Campinas: Verus, 2005)
(Fonte: IHU On-line)
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