Temas diversos. Observar, pensar, sentir, fazer crítica construtiva e refletir sobre tudo que o mundo e a própria vida nos traz - é o meu propósito. Um pequeno espaço para uma visão subjetiva, talvez impregnada de utopia, mas, certamente, repleta de perguntas, questionamentos, dúvidas e buscas, que norteiam a vida de muitas pessoas nos dias de hoje.

As perguntas sobre a existência e a vida humana, sobre a fé, a Bíblia, a religião, a Igreja (sobretudo a Igreja Católica) e sobre a sociedade em que vivemos – me ajudam a buscar uma compreensão melhor desses assuntos, com a qual eu me identifico. Nessa busca, encontrando as melhores interpretações, análises e colocações – faço questão para compartilhá-las com os visitantes desta página.

Dedico este Blog de modo especial a todos os adolescentes e jovens cuja vida está cheia de indagações.
"Navegar em mar aberto, vivendo em graça ou não, inteiramente no poder de Deus..." (Soren Kierkegaard)

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Carnaval & cinzas. - Artigo de Frei Betto. Muito bom!



Acho excelente e muito oportuno para o momento atual, que é o começo de Quaresma no calendário litúrgico, o artigo Carnaval & cinzas, de autoria do Frei Betto, que foi publicado recentemente (07/02/2016) no jornal O Globo (Coluna Frei Betto).
Vale a pena ler!


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O Globo
Coluna Frei Betto 
religião

07/02/2016.

Carnaval & Cinzas

Proclamar que a vida tem a palavra final, inclusive sobre a morte, implica também empenhar-se para que a nossa juventude não se transforme numa geração perdida.

Carnaval significa "festa da carne" e era, em seus primórdios, uma festa religiosa. Às vésperas da Quaresma, diante da perspectiva de passar quarenta dias em abstinência de carne, os cristãos fartavam-se de assados e frituras entre o domingo e a "terça-feira gorda". Na quarta, revestiam-se de cinzas, evocando que do pó viemos, para o pó retornaremos, e ingressavam no período em que a Igreja celebra a paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo.
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A modernidade secularizou a cultura e, de certo modo, esvaziou o significado das festas religiosas.
Com certeza ganhou a autonomia da razão e perdeu a consistência da subjetividade. Trocou-se São Nicolau, que no século V distribuiu sua herança aos pobres, pela figura consumista de Papai Noel; transformou-se o carnaval em festa da carne em outro sentido; e fez-se da Semana Santa um período extra de férias.

Essa reificação dos ritos de passagem torna-se mais evidente nesse momento em que a humanidade enfrenta a crise de paradigmas. Destituído o marxismo da condição de ciência da História, e constatado o fracasso crônico do liberalismo nos países da América Latina e da África, ocorre uma emergência espiritual em todo o mundo.

Parafraseando Rimbaud, há uma grande "gula de Deus", que favorece o encontro, afinal, da mística oriental com a doutrina cristã ocidental, introduz a new age e a meditação, mas também abre campo aos mercenários da salvação que pregam de olho na cobiça, convencidos de que "no princípio era a verba..."

A Quarta-Feira de Cinzas instiga-nos a refletir sobre esta experiência inelutável: a morte. O processo reificador da modernidade tende a tornar descartáveis também os ritos de passagem que se sobrepõem às esferas religiosas, como nascimento, casamento e morte.

Outrora, morria-se em casa e, contra a vontade do poeta, havia choro, vela e fita amarela. Criança em Minas, acorri a enterros que eram uma festa, com toda a força paradoxal da expressão. Havia velório e carpideiras, cachaças e empadas, coroas de flores e procissão fúnebre, missa de corpo presente e encomendação no cemitério.

Hoje, morre-se quase clandestinamente, e o enterro se faz antes que os amigos possam ser avisados, como se resistíssemos à ideia de que esta vida escapa ao nosso absoluto controle.

A evocação da morte incomoda porque remete ao sentido da vida. Só assume morrer quem imprime à vida um sentido altruísta, que transcende a existência individual. Fora disso, a morte é brutal sonegação da vida.

Porém, já não se enfatiza o tema do sentido da vida. Na escola, aprende-se a competir, a ter sucesso, a dominar a ciência, a técnica e o patrimônio cultural de que somos herdeiros, mas não há nenhuma disciplina que prepare os alunos para as crises quase inevitáveis da existência: o fracasso profissional, a ruptura afetiva, a doença, a falência, a morte. Socializada a ambição, toda as vezes que o desejo esbarra na frustração ele privatiza o consolo: o alcoolismo, as drogas, o essentimento, o lobo que nos devora o coração.

A fé cristã não faz o panegírico da morte, mas proclama o seu fracasso ao centrar seu eixo na “ressurreição da carne”. Isso significa a recusa de todas as situações de morte, do pecado individual às estruturas sociais incapazes de assegurar a todos um futuro melhor.

Proclamar que a vida tem a palavra final, inclusive sobre a morte, implica também empenhar-se para que a nossa juventude não se transforme numa geração perdida.

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* Frei Betto é escritor, autor do romance policial “Hotel Brasil” (Rocco), entre outros livros.






Fonte: O Globo




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