Hoje trago para o blog Indagações-Zapytania
uma matéria bem interessante, que está falando sobre o livro
“A queda do céu”, de Davi
Kopenawa e Bruce Albert, e nos brinda com a rara oportunidade de
conhecermos alguns pontos do pensamento e da visão indígena sobre o mundo
contemporâneo, cujo futuro rumo está nas mãos do ser humano, que se mostra
muito irresponsável nessa questão. É muito interessante e profunda a sabedoria
que os povos indígenas possuem, e o recado é dirigido a toda sociedade.
O texto foi publicado no site do Instituto
Humanitas Unissinos (IHU) no mês passado (22/08/2017).
Não deixe de ler!
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IHU - ADITAL
O recado da floresta à população 4.0.
Por: Ricardo Machado
Do fundo da mata escura irrompe o grito que sacode
os pilares do céu, os mesmos que sustentam a máquina de moer
humanos e destruir a natureza, a máquina invisível e destrutível da
modernidade. Davi Kopenawa, o xamã yanomami que nos desafia em nossa obsessão
desenvolvimentista, ao escrever seu livro A queda do céu (São
Paulo: Companhia das Letras, 2015), apresenta “uma história de vida, uma
autobiografia e um manifesto político”, como descreve José Antonio Kelly Luciani, em evento realizado no Instituto Humanitas Unisinos – IHU,
na noite da segunda-feira, 21-8-2017. A atividade integra a programação A contemporaneidade em debate. Intérpretes e obras.
Sobre o livro:
“Trata-se de um autorretrato individual de um
indígena escrito em parceria com Bruce Albert, antropólogo francês.
Não seria exagero dizer que a obra é uma vasta reunião de tópicos que vão da cosmologia
ao xamanismo, da história do contato com os brancos às
demandas indígenas atuais”, explica Luciani.
“Kopenawa faz isso em uma linguagem não acadêmica. É um um
livro complexo e de interesse fundamental para a sociedade em geral”,
complementa.
Capa do livro A queda do céu (Companhia
das Letras, 2015)
Considerada como um dos grandes feitos etnológicos
do século 21, o trabalho de construção de A queda do céu une a um só tempo o
trabalho criativo do antropólogo e do indígena, dos textos do primeiro e dos
sonhos do segundo. “Esse pacto [entre Kopenawa e Albert] é uma questão
fundamental no livro. Era preciso, como diz Viveiros de Castro no prólogo, passar o
recado da mata”, frisa o conferencista.
“O recado da mata é que o amor pela mercadoria tem
levado o planeta a seu limite. Na versão xamânica do tema, o que temos são os
espíritos mortos pelas epidemias do desenvolvimentismo que tentam vingar a
própria morte fazendo com que o céu caia de novo”, pontua. “A queda do céu é
um elemento mítico dos Yanomami que se repete muitas vezes. Apesar
dos argumentos indígenas parecerem estapafúrdios a um acadêmico, o ponto é que
os Yanomami chegam à mesma conclusão que os cientistas, que é
a emergência do antropoceno ou do capitaloceno”, esclarece.
Visões atravessadas
O livro joga luz sobre a maneira pela qual os xamãs
percebem o modo ocidental de transformar
tudo em mercadoria. É um livro feito por meio de muitos olhares e de uma
dificuldade ímpar. “A queda do céu é
um trabalho árduo, da mesma maneira que foi duro para Kopenawa se
transformar em xamã, tão difícil quanto é lutar por seu povo atualmente. Há uma
diversidade incontável de xapiri[1], o mestre xamã, o antropólogo branco, todos
estes escrevem A queda do céu. O projeto é diretamente
voltado para o povo ocidental, ainda que haja trechos que dizem respeito
a seu próprio povo”, esclarece.
Kopenawa reúne
a perspicácia do olhar xamã e a retórica yanomami, profundamente fundada na
metáfora, pois não se trata só de explicar, é preciso entreter os ouvintes. Dividido
em três partes – Tornar-se outro, A fumaça do metal e A
queda do céu – o livro avança sobre as questões contemporâneas dos povos
indígenas, mas sobretudo da civilização branca.
“Na primeira parte, Tornar-se outro, Kopenawa faz uma série de exposições sobre a etnografia
espiritual dos Yanomami. O aspecto mais pedagógico está na forma como o
próprio Kopenawa sai da ignorância pessoal sobre o xamanismo, nos sonhos
da infância, até tornar-se um grande xamã”, pontua.
“Na segunda parte, Fumaça do metal, Kopenawa recupera
sua vivência com os brancos durante o período em que assessorou a Fundação Nacional do Índio – Funai para
compreender a dimensão da destruição social e ambiental do contato dos Yanomami
com os brancos, que dizimou 10% de sua população”, acrescenta Luciani.
“Na terceira parte, A queda do céu, Kopenawa retoma
o mito da queda do céu, recorrente nas cosmologias Yanomami, para chamar
atenção para a situação delicada que vivemos. Ele alerta que se os seres da
epidemia continuarem a se proliferar, o céu se cobrirá de nuvens escuras e o
dia nunca mais amanhecerá. Isso já aconteceu, lembra o xamã, mas os brancos não
pensam sobre isso. Quando o céu cair sobre nós, seremos esmagados e viveremos
no submundo”, completa o palestrante.
Civilização da cegueira
Para Luciani, um dos pontos mais
sensíveis da profunda crítica contida na obra é a insensibilidade da
civilização ocidental, incapaz de perceber o próprio destino. “Para Kopenawa,
os brancos são insensíveis à realidade imanente. Essa é, por definição, o
conceito de ignorância desde o ponto de vista yanomami”, ressalta.
As rezas e rituais xamânicos buscam acalmar os
xapiris coléricos, que tendo morrido das epidemias oriundas do avanço da
população branca sobre a floresta – desmatamento,mineração, extração de petróleo, uso de produtos químicos –, chacoalham os pilares do
céu.
Com a simplicidade clara e direta dos povos da
floresta, o recado da mata descreve com precisão todo o processo que nos faz
desembocar na revolução 4.0. “A cultura dos brancos e sua inteligência assume
a forma da técnica. Eles se acham engenhosos, diz Kopenawa, mas são
um fracasso social”, finaliza Luciani.
Quem é José Antonio Kelly Luciani
José Antonio Kelly Luciani |
Foto: Ricardo Machado
José Antonio Kelly Luciani é graduado em Engenharia Eletrônica pela Universidade Simón
Bolívar, na Venezuela. Realizou mestrado e doutorado em Antropologia Social
pela Universidade de Cambridge, Inglaterra. Até 2007 trabalhou no Ministério da
Saúde da Venezuela, com o programa de saúde Yanomami. No período entre 2008 e
2009 realizou estágio pós-doutoral no Programa de Pós-Graduação em Antropologia
Social do Museu Nacional, Rio de Janeiro. Atualmente é professor adjunto de
Antropologia na Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC.
Notas:
1- Xapiri - é um termo yanomami para designar tanto os xamãs, os homens espíritos
(xapiri thëpë), quanto espíritos auxiliares (xapiri pë). (Nota da IHU
On-Line).
Fonte: IHU - ADITAL
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