Excelente a entrevista com padre e sociólogo Luiz Roberto Benedetti, publicada hoje no
site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU). Ela traz um panorama real e atual
da Igreja Católica nos dias de hoje e
com muita competência fala das questões que de fato interessam a muitos de nós,
cristãos católicos. Preocupados com os rumos da nossa Igreja no mundo de hoje,
estamos ansiosos em compreender melhor o
que realmente está acontecendo com ela. Sabemos
muito bem que, atualmente, nem tudo o que a Igreja fala, faz e demonstra com as
suas “opções” – pensamos na Igreja Instituição, hierárquica - a tornará apta e capaz de “fazer discípulos
meus todos os povos, batizando-os..., ensinando-os a observar...” (Mt 29
19-20). É tão óbvio que hoje os desafios são enormes, os tempos outros, os
rumos, portanto, devem ser diferentes e adequados para levar adiante e com
muito mais entusiasmo e eficácia a missão que ela recebeu de Cristo. Não se
pode pensar em “voltar atrás”, mas precisa ter coragem e ousadia profética para
agir – e o tempo urge...!
O que, enfim, está acontecendo com a nossa Igreja?
– Eis a pergunta!
Para contribuir na divulgação da entrevista citada
acima, trago-a para o blog Indagações.
A matéria é muito interessante. Não deixe de ler
até o final, e tire as suas conclusões.
WCejnog
Sexta, 25 de janeiro de 2013
A Igreja na encruzilhada e o temor da irrelevância social. Entrevista especial com Luiz Roberto Benedetti
A Igreja se encontra numa encruzilhada, num dilema: abrir-se ao mundo e dialogar com ele ou fechar-se sobre si mesma, constata o sociólogo.
“Maio de 1968 fez dos direitos humanos uma busca
de satisfação de direitos individuais. O politicamente correto produziu um
minimalismo ético, constituído de normas pontuais, provocadas por interesses
tribais e corporativos. A realidade é que não se sabe como preencher o vazio.
Nesse quadro, sumariamente esboçado como pensar o conservadorismo? E a Igreja?”. A indagação vem do padre e
sociólogo Luiz Roberto Benedetti. Na entrevista a seguir, concedida por e-mail
à IHU On-Line, ele concorda que a Igreja Católica seja
conservadora e que ela aposta no conservadorismo. “Mas o pensamento e praxis
institucionais de caráter doutrinário, ao ignorar o contexto histórico, podem
produzir frutos amargos, perdendo relevância social mesmo no patamar dos
valores que apregoam como sendo constitutivos de seu estilo de pensamento de
modos de vida”. Para Benedetti, na atual
conjuntura eclesial, “parece em curso um processo de mediocrização crescente:
imposição acrítica da doutrina, a falta de uma hermenêutica séria na pregação
da Palavra, valorização do espetáculo e pompas rituais, as grandes
concentrações e a decadência de uma educação teológica de caráter sapiencial e
reflexivo ilustram o quadro”.
Luiz Roberto Benedetti (foto) possui
graduação em Filosofia pelo Instituto Camiliano Pio XII, graduação em Filosofia
pela Universidade de São Paulo, graduação em Teologia, mestrado em Sociologia
pela Universidade de São Paulo e doutorado em Ciências Sociais pela mesma
instituição. Foi assessor nacional da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
- CNBB. Foi professor na Faculdade de Teologia e Ciências Religiosas da
Pontifícia Universidade Católica de Campinas. É autor de, entre outros, Os
santos nômades e o Deus Estabelecido (São Paulo: Paulinas, 1983) e
Templo, praça, coração - A articulação do campo religioso católico
(São Paulo: Humanitas / USP / FAPESP, 2000).
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Como o senhor analisa a posição da Igreja no contexto
atual? Percebe que ela estaria enfrentando a modernidade com uma aposta no
conservadorismo?
Luiz Benedetti - Tento ir na
contramão e evitar definições prévias ou aderir a posições já assentadas.
Assim, por exemplo, de um lado, se afirma que a secularização é um fato e, mais
ainda, um dado irreversível e que o pluralismo e crescimento dos grupos
religiosos é sua expressão visível. De outro lado, a posição contrária que vê
um renascer religioso que coloca em xeque tudo o foi teorizado até agora sobre
este termo. Se aceita a teoria, pode-se no máximo admitir que há uma
pós-secularização ou dessecularização. Outro exemplo: o próprio termo
relativismo é insuficiente para caracterizar o contexto atual. De um lado, há a
crise do pensamento metafísico; de outro, a crise do marxismo colocou por terra
a pretensão de conferir um desígnio à História, portadora, no dizer de Otavio
Paz, de uma transcendência mítica. Busca-se no estilo de vida, fundado
no consumo, um sentido para a vida. Mais do que relativismo, o que se
experimenta é um grande vazio, que não se sabe como preencher.
Pretensões institucionais de fazê-lo estão
mergulhadas em reivindicações que agudizam contradições no interior dos grupos
religiosos, confrontados com a predominância de aspirações e desejos subjetivos
(que se acredita serem direitos inalienáveis) sobre doutrinas e normas.
Maio de 1968 fez dos direitos humanos uma busca
de satisfação de direitos individuais. O politicamente correto produziu um
minimalismo ético, constituído de normas pontuais, provocadas por interesses
tribais e corporativos. A realidade é que não se sabe como preencher o vazio.
Nesse quadro, sumariamente esboçado como pensar o conservadorismo? E a Igreja?
Olhemos a Praça de São Pedro, no Angelus do domingo, 13 de janeiro: enquanto
membros de um grupo feminista se despia durante a alocução
papal em protesto contra o modo como a instituição eclesiástica trata as
mulheres, uma multidão, de mais de 350 mil pessoas, participava de marcha
contra o projeto do presidente da França, Hollande,
de liberar o casamento gay e garantir o seu direito de adotar filhos. E no
campo da teoria antropológica, Marc Augé, perguntando se na
questão homossexual existe algo mais conservador do que a reivindicação do
casamento.
IHU On-Line - Quais as chances de sucesso da opção conservadora
diante da crise de credibilidade da Igreja atualmente? Que riscos se corre indo
por esse caminho?
Luiz Benedetti - O
conservadorismo funda-se na ideia de ordem e de integração de uma sociedade
verticalizada e governada pelos “melhores”, por uma elite que se pretende
modelo do pensamento e ação justos. Mas o problema não está em entendê-lo
através de posições doutrinárias ou ideológicas pré-estabelecidas, mas sim de
perscrutar traços que podem ajudar a desvendar se as atitudes são conservadoras
ou não. E só no desenrolar dos fatos que o caráter transformador ou conservador
se manifesta. Como exemplos, pode-se pensar no sacerdócio feminino ou na
ordenação de homens casados, que podem acentuar ainda mais a clericalização da
Igreja se não se vai às raízes da dominação clerical. Outro exemplo, fora do
catolicismo: a Primavera Islâmica pode repetir o caso
iraniano: O aitolá Khomeini, recebido como herói, libertador
do domínio da dinastia de Reza Phalevi, aplaudido pelos comunistas, fez destes
as primeiras vítimas de um regime religioso que, no caso, assumiu caráter
totalitário. Mais, contrariando até mesmo o próprio Islamismo.
Mas, tanto num caso quanto no outro há, por parte
das duas religiões citadas, apelo a uma tradição. Esta é, objetivamente, a
concretização de uma identidade sociocultural que nem sempre dignifica a pessoa
e favorece sua emancipação. A tradição forma, no dizer de Manheim,
modos de vida; estes, por sua vez geram estilos de pensamento que levam os
indivíduos a se relacionarem com a realidade dentro de um esquema que interessa
a grupos situados em posição privilegiada dentro do status quo institucional.
Nesse caso, no exemplo citado, é claro que a Igreja Católica é conservadora e
aposta no conservadorismo. Mas, como lembrei acima, o pensamento e praxis
institucionais de caráter doutrinário, ao ignorar o contexto histórico, podem
produzir frutos amargos, perdendo relevância social mesmo no patamar dos
valores que apregoam como sendo constitutivos de seu estilo de pensamento de
modos de vida, para ficar mais uma vez nos termos de Manheim.
As instituições são conservadoras, governadas pela lei de sua autoreprodução.
Para isso fazem adaptações pontuais.
No caso da Igreja Católica ela lida com o
conflito através de mecanismos do tipo heresia e canonização. Pode-se ver um
exemplo concreto na retomada da onda de canonizações no pontificado de João
Paulo II. João XXIII e Paulo VI
utilizaram pouco este mecanismo. Seu horizonte de visão e ação estava no mundo.
O que a Igreja tinha a dizer estava mais em discernir os sinais dos tempos do
que em propor modelos “prontos” de vida cristã. A própria reação a canonizações
(Pio XII e os judeus, por exemplo) confirma a força simbólica
desse mecanismo.
O conservadorismo implica em um duplo movimento,
de cima para baixo e vice-versa. Há uma espécie de retroalimentação. O peso
maior ou menor do vértice ou da base depende de momentos e situações históricas
definidas. Fala-se da Cúria Romana, como modelo de conservadorismo, mas nem ela
é um todo monolítico, se considerarmos as pessoas que ocupam cargos. Entretanto,
se levarmos em conta os mecanismos que a regem, sua dinâmica interna – a
burocracia impessoal e a distância pastoral, a falta de contato direto com o
povo de Deus – seu funcionamento se reduz ao papel frio de controladora da vida
da Igreja. Às vezes tem-se a impressão que se inventam problemas para gerar
controvérsias e, dessa forma, ter como mostrar trabalho. Assim, o campo da
regulação dos ritos é um terreno fértil para a geração de discussões. Só que
esse mecanismo funciona e bem na medida em que provoca um movimento de baixo
para cima. Um exemplo muito banal: a ausência de inquietação com os destinos do
mundo por parte de seminaristas e os novos padres. Seu horizonte de preocupação
restringe-se ao funcionamento da vida interna da Igreja. Sem ter o mundo e a
história como horizonte de vida e pensamento cai-se na mediocridade. E então
vestes e horários ficam mais importantes que as alegrias e dores do povo de
Deus.
Problema crucial está na escolha dos quadros
intermediários da Igreja: são vitais para sua atuação na sociedade. As
nomeações têm obedecido a critérios nos quais pesa mais a submissão que a
capacidade de contribuir para dar novos rumos ao caminhar da Igreja. A
obediência pode ser caracterizada como subserviência. Isso porque o
conservadorismo gira em torno de três eixos: a obediência tornada subserviência que faz o
indivíduo ficar a serviço de tarefas pré-estabelecidas no tempo e no espaço; o
carreirismo, fruto do poder como privilégio e favor e não como serviço; e a
burocracia, cuja impessoalidade se entende como racionalização e eficácia.
IHU On-Line - O que esperar de um cenário em que, ao mesmo tempo, se
diluem as bases tradicionais de pertença religiosa, a liberdade religiosa, o
pluralismo e a secularização e se abre espaço para projetos religiosos de viés
conservador e fundamentalista?
Luiz Benedetti - Para mim, aqui
está a raiz dos problemas que a Igreja enfrenta. Discute-se realmente no
interior da Igreja essas questões? O viés conservador se radica muito mais na
ausência de discussão séria e competente para fazê-lo do que em posições
doutrinárias que, conservadoras ou não, alimentem o debate e dinamizem a
recepção ativa da ortodoxia e alimentem uma praxis criativa. Valha repetir o
exemplo: a religiosas norte-americanas incomodam o aparato burocrático porque
são competentes no exercício de seu serviço cristão e na capacidade de dialogar
com o mundo. E aí vem a intervenção disciplinar, de caráter punitivo, ao invés
de se deixar interrogar por uma postura social e eclesialmente responsável. Isso
sem falar no levantamento prévio da suspeita.
Na atual conjuntura eclesial parece em curso um
processo de mediocrização crescente: imposição acrítica da doutrina, a falta de
uma hermenêutica séria na pregação da Palavra, valorização do espetáculo e pompas
rituais, as grandes concentrações e a decadência de uma educação teológica de
caráter sapiencial e reflexivo ilustram o quadro.
Luiz Benedetti -
Diria, simplificando e muito, que a Igreja se encontra numa encruzilhada, num
dilema: abrir-se ao mundo e dialogar com ele ou fechar-se sobre si mesma. No
primeiro caso, precisa qualificar-se e sua política de silenciamento dos
teólogos, de intervenção em grupos
socialmente atuantes e gozando de reconhecimento social explícito (caso
das religiosas americanas) mostra que não foi este o caminho
escolhido. No segundo caso, fechar-se sobre si mesma, leva a refugiar-se em
modelos institucionais de pensamento, ação e formação de quadros que deram
certo numa determinada época histórica. Seminário, paróquia, o uso do latim
como língua universal constituem aspectos sintomáticos de uma totalidade
fechada e imune às interrogações da realidade. Sente-se na Igreja um
centralismo crescente preocupado com sua autoreprodução. Um exemplo está na
preocupação em fortalecer o status institucional católico da Caritas,
fortalecendo sua identidade confessional até mesmo caminhando numa direção proselitista
em um campo que sempre foi muito além do assistencialismo. Deu força a ações
encarnadas e encarnatórias acima de horizontes ideológicos. Estes não podem
ocupar o lugar que cabe à “Graça”. Mostrar-se católico, neste caso, pode
aparecer como uma logomarca da ação caritativa (que não conhece horizontes
confessionais-ideológicos). No campo da cultura, o “imbróglio” Universidade
Católica do Peru caminha na mesma direção.
IHU On-Line - Como o senhor percebe a postura de Bento XVI de
robustecer a Igreja Católica frente aos desafios impostos pelo avanço do
pluralismo religioso e cultural?
Luiz Benedetti - Robustecer a
Igreja num mundo de pluralismo religioso e cultural significa, antes de mais
nada, preparar quadros qualificados para o diálogo adulto e responsável. E isso
só é possível em clima de liberdade. Quando esta desaparece, ou pior, cede
lugar ao medo, instaura-se a mediocridade, cria-se um saber de manual, de
repetição de fórmulas. Pior: alimenta-se a imagem da Igreja como praticante de
uma espécie de polícia do pensamento tão a gosto da imprensa que explora à
saciedade esta faceta. Aliás, nem sempre de maneira justa. Só que não se pode
esquecer: livros proibidos provocam corrida às livrarias e seus autores
adquirem respeito e guarida em centros de produção de pensamento, que prezam
acima de tudo a competência e honestidade intelectuais. Por outro lado, não se
pode esquecer que esse quadro de mediocrização se generaliza cada vez mais no
ambiente acadêmico como um todo.
IHU On-Line - Como o campo religioso católico brasileiro se articula
com o cenário internacional da Igreja? Qual a especificidade do catolicismo
brasileiro?
Luiz Benedetti – Oúltimo censo diz
tudo. A sensação, pessoal, e, por que não, o temor, é o de uma Igreja que
caminha para a irrelevância social. Mais adaptada ao mundo (que combate) do que
parece. Fixemo-nos num dado: a prática cultual. Um padre mostrou-me a assembléia
reunida para a Eucaristia e comentou: somos cada vez mais a Igreja das cabeças
brancas. Referia-se a faixa etária dos participantes. O catolicismo brasileiro,
na realidade, são catolicismos. Se tomarmos o catolicismo “oficial” (na falta
de outro termo) a esperança reside no profetismo, num catolicismo de
resistência, o mesmo que assumiu o Vaticano II, combateu a ditadura e luta pelo
direito dos pobres. Nas comunidades, pouco visíveis, mas capazes de uma
solidariedade pequena, despojada, mas que faz frente ao individualismo
contemporâneo. Quanto ao catolicismo popular: o pentecostalismo se alimenta
dele. Os cientistas sociais se perguntam: não será ele, em suas formas novas,
um catolicismo rural urbanizado?
IHU On-Line - Fazendo uma breve retrospectiva da diversidade e da
unidade da Igreja Católica e de seus dilemas entre o início da década de 1960 e
a década de 1990, como o senhor percebe a Igreja hoje, em comparação a este
período? Qual o espaço que ocupam hoje, para os fiéis católicos, as três
vertentes básicas da instituição: Templo, Praça e Coração?
Luiz Benedetti - Nos anos 1960 a
unidade se dava em termos de uma pastoral planejada, de atuação colegiada dos
bispos. Havia uma “vanguarda” episcopal, nomeada por D. Armando Lombardi, que
buscou entre os padres que eram assistentes da Ação Católica,
bispos capazes de dar um novo perfil ao episcopado, sensíveis à dinâmica histórica,
aos problemas da realidade social em transformação, capazes, no dizer de um
acadêmico, de aprender com os leigos e escapar ao mundo da formação
seminarística (no seminário não se podia ler Jacques Maritain). A consagração dessa realidade pelo Concílio
Vaticano II, dando à colegialidade episcopal um papel “sacramental” foi
radicalmente alterada com a “ligação” direta bispo-papa, a colegialidade reduzida a um agregado
“afetivo”, a obediência livre e responsável substituída pela submissão em todos
os níveis da vida religiosa católica, os movimentos de caráter
emocional-intimista, doutrinariamente fundamentalistas alteraram radicalmente o
quadro de “utopias” em ação dos anos 1960. Mas é preciso acrescentar. Nos anos 1960, as
Igrejas oriundas da Reforma viviam a mesma efervescência. E se alimentavam umas
às outras. As produções do Conselho Mundial de Igrejas eram
lidas por nós. Hoje o mesmo processo ocorre ao inverso:
Templo: poucos jovens, rituais que seduzem menos pelo
mistério e pela Palavra que pela pompa vazia e mentalidade rubricista.
Praça: os leigos estão no mundo,
lugar de exercício de sua vocação batismal? Os ministérios leigos não
representam uma saída para o verdadeiro problema que é a busca de novas formas
de exercício do sacerdócio ministerial? Por isso mesmo, no momento não estão na
praça. São clericalizados.
Coração: não se vê um horizonte favorável aos
movimentos de caráter emocional. Há uma sensação, apenas uma sensação, de
esgotamento. Mesmo porque são incapazes de agir sobre a sociedade em que
surgiram e transformar a Igreja que lhes deu força. E mais: o forte componente
emocional tende a se esgotar rapidamente e não deixar nada no seu lugar.
IHU On-Line - Qual o sentido do fundamentalismo religioso
contemporâneo? Como ele se relaciona (e talvez se justifica) com outros
fenômenos de nosso tempo?
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